Sergio Moro
El País: Moro é mais popular que Bolsonaro em Governo que segue perdendo aprovação
Atlas Político confirma tendência de queda na popularidade da gestão e do presidente e mostra índice bom/excelente numericamente atrás de regular e ruim/péssimo. 87% são a favor da prisão de Temer
A pesquisa, feita com entrevistados recrutados pela Internet e com dois pontos percentuais na margem de erro, mostra que nem todos foram afetados pelo começo pouco embalado da gestão Bolsonaro. A popularidade do ministro da Justiça Sergio Moro continua não só alta como melhor que a de Bolsonaro e outras lideranças. Em números: 61,5% dos que participaram da pesquisa tem uma imagem positiva do ex-juiz da Operação Lava Jato, enquanto que 49,5% tem imagem positiva de Bolsonaro. "Acredito que a postura de Moro vem sendo mais formal e adequada ao cargo, enquanto que o presidente tem uma postura menos adequada e não entrega as expectativas de mudança imediata que ele criou durante a campanha", explica o cientista político Andrei Roman, diretor do Atlas Político. "Tudo o que Moro vem fazendo ajudou a preservar a imagem dele, como o pacote anticrime", acrescenta. Isso significa que o capital político acumulado por Moro se mantém e que sua figura não é necessariamente atrelada à de Bolsonaro, explica Roman.
A pesquisa também mostra como alguns temas defendidos pelo Governo são encarados pelo eleitorado. De acordo com os números, 50,7% são contra ampliar o porte de armas, enquanto que 41,6% são favoráveis. Os resultados permaneceram praticamente iguais aos de fevereiro, com uma leve oscilação para cima no índice dos que são contrários. "O que aconteceu em Suzano pode ter influenciado", explica Roman. Os números do Atlas Político mostram, neste tema, um cenário mais em disputa do que os do Instituto Datafolha. Perguntados se era preciso facilitar o acesso a armas para as pessoas, 69% dos entrevistados do Datafolha disseram discordar totalmente ou em parte. Uma das primeiras medidas de Bolsonaro foi um decreto que ampliava o acesso a armas. Ainda na matéria, há sinais preocupantes para o Governo, e para Moro. A maioria dos entrevistados, 68,9%, acredita que a criminalidade está aumentando, apesar do discurso linha-dura do ultraconservador presidente.
Já com relação à reforma da Previdência, existe uma clara divisão entre os entrevistados: 45,7% são contra as mudanças propostas pela equipe do ministro da Economia Paulo Guedes, enquanto que 43,9% são favoráveis. Não é de todo uma má notícia para o Governo. Em fevereiro havia menos pessoas a favor da reforma: 39,5%, enquanto que os contrários somavam 46,4%. "Existe uma tentativa de defender o Governo e uma mobilização a favor da reforma, o que contribui para aumentar o apoio a ela", explica do diretor do instituto. A maioria, 45,5%, acredita que a economia vai melhorar nos próximos seis meses, enquanto que 27,3% é mais pessimista com relação ao futuro próximo.
Além disso, 87,1% se mostraram a favor da prisão do ex-presidente Michel Temer (MDB) e 57,9% a favor da prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Entre os que participaram da pesquisa, 71,4% também se mostram a favor do Bolsa Família, o principal programa social do Governo Federal. E, apesar do discurso contra a chamada velha política de Bolsonaro, 44,2% ainda acredita que a corrupção está aumentando, enquanto que 27,7% diz que está diminuindo.
Fernando Gabeira: O momento da Lava-Jato
É possível que avance no governo a tese de que a operação reduz as chances de aprovação da reforma da Previdência
Aqui no alto da Serra de Ibitipoca, uma bela região de Minas, chove e faz frio. Na minha cabeça, tentava organizar um artigo sobre uma possível intervenção militar na Venezuela. Rememorava a Guerra do Iraque e os grandes debates da época. Achava uma visão idealista tentar impor, numa sociedade singular, a democracia liberal à ponta do fuzil.
Continuo achando. Lembro-me de que, num debate em Paraty, o escritor Christopher Hitchens ficou bravo com meus argumentos. Nada grave. Semanas depois, escreveu um artigo simpático sobre aquela noite. Hitchens, ao lado de outros intelectuais como Richard Dawkins, dedicava-se muito ao combate da religião. Mas não percebeu como suas ideias sobre a invasão do Iraque, como observou John Gray, tinham uma ponta de religiosidade.
Esse era meu plano. No alto do morro, o único lugar onde isso era possível, o telefone deu sinal da mensagem: Temer foi preso. Moreira Franco também. A possibilidade da prisão de Temer sempre esteve no ar. Na última entrevista, lembrei a ele que ia experimentar a vida na planície.
Aqui neste pedaço da Mata Atlântica, não é o melhor lugar para se informar em detalhes. No meio da semana, tinha escrito um artigo sobre a derrota da Lava-Jato no STF, que deslocou o caixa 2 e crimes conexos para a Justiça Eleitoral.
Lembrava que o grupo de ministros que se opõem à Lava-Jato aproveitou um momento de desequilíbrio. Foi o escorregão dos procuradores ao tentar destinar R$ 2,3 bilhões, oriundos do escândalo da Petrobras, para uma fundação. Eles recuaram para uma alternativa mais democrática, um uso do dinheiro através de avaliação mais ampla das necessidades do país.
Distante dos detalhes da prisão de Temer, tento analisar este novo momento da Lava-Jato. Até que ponto vai fortalecê-la ou ampliar o leque de forças que se opõem a ela, apesar de sua popularidade? Diante da prisão do ex-presidente, que é do MDB, certamente vai surgir uma tendência de opor as reformas econômicas à Lava-Jato.
É uma situação nova, que ainda tento avaliar. O ministro Sergio Moro tem um pacote de leis contra o crime que já está sendo colocado em segundo plano, em nome da reforma da Previdência. É possível que avance junto ao governo uma nova tese, a de que a Lava-Jato prejudica as reformas, reduzindo suas chances de aprovação. Além disso, há o mercado, sempre expressando seu nível de pessimismo.
As acusações contra Temer eram conhecidas. Como diz um analista estrangeiro, ele gastou grande parte da energia e do tempo de seu governo para tentar escapar delas. Por essas razões, será necessário deixar bem claras as razões que levaram Temer à cadeia. É apenas mais um ex-presidente; mas, no caso de Lula, só houve prisão depois de condenado em segunda instância. Essa diferença desloca o debate técnico para a causa da prisão. Daí a importância de bons argumentos.
A ideia geral é de que a Lava-Jato deve seguir seu curso independentemente de análises políticas. Mas ele depende do apoio da opinião pública. Qualquer momento de fragilidade é usado pelos lobos no Supremo que querem devorá-la.
Numa análise mais geral, as eleições fortaleceram a Lava-Jato. A própria ida de Moro para o governo era o sinal de que agora ela teria o Executivo como aliado. Mas as coisas não são simples assim. A escolha de Moro por Bolsonaro foi um gesto político.
A renovação no Parlamento pode ter ampliado o apoio à Lava-Jato. Mas ainda é bastante nebuloso prever que leis contra o crime, especialmente o do colarinho branco, tenham um trânsito fácil, maioria tranquila.
O governo perde prestígio, segundo as pesquisas. Está dependendo da reforma da Previdência. Pode haver uma convergência momentânea para empurrar com a barriga as leis contra a corrupção.
Houve maioria no Supremo para mandar processos para uma Justiça Eleitoral sem condições de investigá-los com rigor. A mesma maioria de um voto pode derrubar a prisão em segunda instância.
Nesse momento, não adiantará aquele velho argumento: perdemos uma batalha, mas venceremos no final. Uma sucessão de derrotas precisa acender o sinal de alarme. Somente uma interação entre a opinião pública e a parte do Congresso que entendeu a mensagem das urnas pode reverter essa tendência. Haverá força para isso?
Aqui no meio do mato, não me arrisco a concluir nada. Eleições não decidem tudo. Ainda mais uma falta de rumo dos vencedores, que chega a nos fazer temer que, na verdade, não tenham resolvido nada. Exceto mudar o rumo, da esquerda para a direita.
O Estado de S. Paulo: ‘O governo é um deserto de ideias’, afirma Maia
Presidente da Câmara dos Deputados cobra ‘liderança’ e diz que Jair Bolsonaro precisa ser mais ‘proativo’
Vera Rosa, Naira Trindade e Renata Agostini, de O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA - O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse ao Estado que o governo não tem projeto para o País além da reforma da Previdência. Um dia após ameaçar deixar a articulação política para a aprovação das mudanças na aposentadoria, por causa dos ataques recebidos nas redes sociais pelo vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), Maia calibrou o discurso e assegurou a continuidade do trabalho. Fez, porém, várias críticas e advertiu que o presidente Jair Bolsonaro precisa deixar o Twitter de lado, além da “disputa do mal contra o bem”, e se empenhar para melhorar a vida da população.
“O governo é um deserto de ideias”, declarou Maia. “Se tem propostas, eu não as conheço. Qual é o projeto do governo Bolsonaro fora a Previdência? Não se sabe”. Na avaliação do presidente da Câmara, o ministro da Economia, Paulo Guedes, é “uma ilha” dentro do Executivo.
Ao ser lembrado de que Bolsonaro comparou possíveis dificuldades no relacionamento às brigas de um namoro, Maia disse que, se o presidente ficar sem conversar com ele até o fim do mandato, não haverá problema. "Não preciso falar com ele. O problema é que ele tem de conseguir várias namoradas no Congresso. São os outros 307 votos que ele precisa conseguir. Eu já sou a favor. Ele pode me deixar para o fim da fila", argumentou.
Neste sábado, em Brasília, Maia afirmou que os atritos com o governo são "página virada". "O que a gente precisa é mostrar para a sociedade que a gente tem responsabilidade, que o governo tem responsabilidade, que o governo vai sair de conflitos nas redes sociais e vai para o mundo real."
Por que o sr. decidiu abandonar a articulação da reforma da Previdência?
Apenas entendo que o governo eleito não pode terceirizar sua responsabilidade. O presidente precisa assumir a liderança, ser mais proativo. O discurso dele é: sou contra a reforma, mas fui obrigado a mandá-la ou o Brasil quebra. Ele dá sinalização de insegurança ao Parlamento. Ele tem que assumir o discurso que faz o ministro Paulo Guedes. Hoje, o governo não tem base. Não sou eu que vou organizar a base. O presidente da Câmara sozinho, em uma matéria como a reforma da Previdência, não tem capacidade de conseguir 308 votos.
Mas o sr. continua à frente da articulação?
Dentro do meu quadrado, sim. Agora, acho que quanto mais eles tentam trazer para mim a responsabilidade do governo, mais está piorando a relação do governo com o Parlamento. O governo precisa vir a público de forma mais objetiva, com mais clareza, com mais energia na votação da reforma.
O que o presidente Bolsonaro precisa fazer?
Ele precisa construir um diálogo com o Parlamento, com os líderes, com os partidos. Não pode ficar a informação de que o meu diálogo é pelo toma lá, dá cá. A gente tem que parar com essa conversa. Como o presidente vê a política? O que é a nova política para ele? Ele precisa colocar em prática a nova política. Tanto é verdade que ele não colocou que tem (apenas) 50 deputados na base. Faço o alerta: se o governo não organizar sua base, se não construir o diálogo com os deputados, vai ser muito difícil aprovar a reforma da Previdência. O ciclo dos últimos 30 anos acabou e agora se abre um novo ciclo. Ele precisa saber o que colocar no lugar. O Executivo precisa ser um ator ativo nesse processo político.
E não está sendo?
De forma nenhuma. Ele está transferindo para a presidência da Câmara e do Senado uma responsabilidade que é dele. Então, ele fica só com o bônus e eu fico com o ônus de ganhar ou perder. Se ganhar, ganhei com eles. Se perder, perdi sozinho. Isso, para uma matéria como a Previdência, é muito grave. Porque não é qualquer votação. É a votação que vai dizer o que o Brasil quer. Se é reduzir o número de desempregados, reduzir o número de pobres no Brasil. Se o Brasil quer voltar a poder investir em saúde e educação ou se o Brasil vai ter hiperinflação. Não é uma votação qualquer, para você falar "leva que o filho é teu". Não é assim. É uma matéria que será um divisor de águas inclusive para o governo Bolsonaro. Então, ele precisa assumir protagonismo. Foi isso o que eu falei. Não vou deixar de defender as coisas sobre as quais tenho convicção porque brigo com A, B ou C. Meu papel institucional não é usar a presidência da Câmara para ameaçar o governo.
Mas o sr. ficou bastante contrariado com os ataques da rede bolsonarista na internet...
Não é que eu fiquei incomodado. O que acontece é que o Brasil viveu sua maior recessão no governo Dilma, melhorou um pouco no último governo, só que a vida das pessoas continua indo muito mal. Então, na hora em que a gente está trabalhando uma matéria tão importante como a Previdência, e a rede próxima ao presidente é instrumento de ataque a pessoas que estão ajudando nessa reforma, eu posso chegar à conclusão de que, por trás disso, está a vontade do governo de não votar a Previdência. Não fui só eu que fui criticado. Todo mundo que de alguma forma fez alguma crítica ao governo recebe os maiores "elogios" da rede dos Bolsonaro. Isso é ruim porque você não respeitar e não receber com reflexão uma crítica não é um sinal de espírito democrático correto.
O posicionamento do vereador Carlos Bolsonaro nas redes sociais atrapalha o governo?
O Brasil precisa sair do Twitter e ir para a vida real. Ninguém consegue emprego, vaga na escola, creche, hospital por causa do Twitter. Precisamos que o País volte a ter projeto. Qual é o projeto do governo Bolsonaro, fora a Previdência? Fora o projeto do ministro (Sérgio) Moro? Não se sabe. Qual é o projeto de um partido de direita para acabar com a extrema pobreza? Criticaram tanto o Bolsa Família e não propuseram nada até agora no lugar. Criticaram tanto a evasão escolar de jovens e agora a gente não sabe o que o governo pensa para os jovens e para as crianças de zero a três anos. O governo é um deserto de ideias.
O sr. está dizendo que o governo não tem proposta?
Se tem propostas, eu não as conheço.
Há uma nova versão do 'nós contra eles'?
Eles construíram nos últimos anos o 'nós contra eles'. Nós, liberais, contra os comunistas. O discurso de Bolsonaro foi esse. Para eles, essa disputa do mal contra o bem, do sim contra o não, do quente contra o frio é o que alimenta a relação com parte da sociedade. Só que agora eles venceram as eleições. E, em um país democrático, não é essa ruptura proposta que vai resolver o problema. O Brasil não ganha nada trabalhando nos extremos.
Temos um desgoverno?
As pessoas precisam da reforma da Previdência e, também, que o governo volte a funcionar. Nós temos uma ilha de governo com o Paulo Guedes. Tirando ali, você tem pouca coisa. Ou pouca coisa pública. Nós sabemos onde estão os problemas. Um governo de direita deveria estar fazendo não apenas o enfrentamento nas redes sociais sobre se o comunismo acabou ou não, mas deveria dizer: "No lugar do Minha Casa, Minha Vida, para habitação popular nós estamos pensando isso; para saneamento, nós estamos pensando aquilo".
O presidente minimizou a crise dizendo que vai conversar com o sr. e que tudo é como uma briga no namoro. O que achou?
Se o presidente não falar comigo até o fim do mandato, não tem problema. Não preciso falar com ele. O problema é que ele precisa conseguir várias namoradas no Congresso, são os outros 307 votos que ele precisa conseguir. Eu já sou a favor. Ele pode me deixar para o fim da fila.
E por que o sr. entrou em um embate com o ministro da Justiça, Sérgio Moro, por causa do pacote anticrime?
Certamente, conheço a Câmara muito melhor do que o ministro Moro. E sei como eu posso ajudar o projeto sem atrapalhar a Previdência. O que me incomodou? O ministro passou da fronteira. Até acho que em uma palavra ou outra me excedi, mas, na média, coloquei a posição da Câmara. O governo quer fazer a nova política. Nós queremos participar da nova política.
Há quem diga que a Câmara não quer dar protagonismo a Moro porque ele foi juiz da Lava Jato, algoz de políticos...
Ele foi um ótimo juiz, teve um papel fundamental. Foi um juiz que se preparou para investigar corrupção e lavagem de dinheiro. E fez isso muito bem. Agora, o protagonismo é dos deputados. Isso é óbvio. Nós é que vamos votar.
A prisão do ex- presidente Michel Temer e do ex-ministro Moreira Franco serviu para tumultuar ainda mais o ambiente político para a votação da reforma?
Eu não acho. Agora, quando você tem um problema desse, ele (Bolsonaro) vincula logo à política, ao desgaste do Parlamento. Isso é ruim. As instituições precisam funcionar. Uns gostam da decisão, outros não. Mas ela precisa ser respeitada e aquele que se sentir prejudicado por uma decisão da Justiça tem o poder de recorrer.
Deputados e senadores do PSL, partido do presidente, comemoraram a prisão e atacaram o MDB. Isso também pode ser um problema?
O PSL saiu do zero, foi ao topo muito rápido e acho que ainda falta uma capacidade de articulação interna. Na hora de votar, eles vão ver que precisam do voto do MDB. O problema do ex-presidente é do ex-presidente. É óbvio que contamina o MDB de alguma forma, mas não vamos transformar isso num problema de todos. Vamos deixá-lo responder porque ninguém pode ser pré-condenado. Vamos ter paciência. Não se pode abrir mão de nenhum partido para aprovar a reforma da Previdência. Uma reforma, para ser aprovada, precisa ter uma margem de 350 votos.
E ainda há muita resistência em relação à proposta enviada para os militares...
Os militares têm razão quando falam que foram muitos prejudicados desde os anos 2000. O momento não é simples. Na hora que acalmar essa semana política vai se começar um debate do que é o projeto de lei dos militares. Acho que vai ter mais conflito que a emenda constitucional, mas a gente vai precisar enfrentar porque eles garantem a soberania nacional. Vai ter resistência, mas não podemos jogar no mar a proposta.
Por que o DEM, com três ministérios no governo, até hoje não entrou formalmente na base aliada?
É porque, para o DEM, como para todos os partidos, mais do que essa política que o presidente acha que é prioridade, que são as nomeações, a prioridade é conhecer qual é o projeto do governo. E aí você vai projetar 2022 ou 2032, dizendo "esse projeto para o Brasil vai dar certo, vai reduzir a extrema pobreza de 15 milhões para 5 milhões, o desemprego vai cair de 12 milhões para 5 milhões, a economia vai crescer 5% nos próximos anos". Tirando algumas ilhas, como o Paulo Guedes, a Tereza Cristina (ministra da Agricultura, filiada ao DEM), está faltando, de fato, a gente compreender qual é a política.
O deputado Eduardo Bolsonaro disse que em algum momento será necessário o uso da força para tirar o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, do poder. O sr. concorda?
Respeito o deputado Eduardo Bolsonaro, que é presidente da Comissão de Relações Exteriores, mas acho que a interferência de outros países na Venezuela não é o melhor caminho e que essa não é a posição dos ministros militares do governo. Nós estamos com a estrutura das Forças Armadas desabastecida. Vamos dizer que alguns concordem com isso. O Brasil não tem nem condições de segurar 24 horas de confronto com a Venezuela.
O sr. acha que Bolsonaro deve enquadrar os filhos?
Tenho dificuldade de falar como o presidente deve tratar os filhos dele. Eu sei como tratar os meus.
Fausto Macedo: A carta não era tão branca assim?
Acumulam-se ocorrências que vão derrubando inapelavelmente alguns projetos dos sonhos de Moro
Em meio à instabilidade de um governo em ziguezague, a carta publicamente outorgada a Sérgio Moro já não é tão branca como o próprio Bolsonaro, ainda em novembro, anunciou, feito o convite ao então meritíssimo da Lava Jato. Nas últimas semanas, acumulam-se ocorrências que mostram um governo frágil, à mercê das bases e da velha política dominante no Congresso - e que vão derrubando inapelavelmente alguns projetos dos sonhos de Moro.
Já no início do governo, o primeiro revés de Moro foi o decreto que flexibiliza a posse de armas de fogo. O texto levado à Câmara atropelou sete restrições do ministro, que ficou chateado, sim, mas aparentemente relevou.
Depois, o emblemático episódio da criminalização do caixa 2, tão cara ao ex-juiz que, em sua época de toga, tocava o terror nos partidos e enquadrava políticos por corrupção e lavagem de dinheiro, infração eleitoral que nada.
Ao fatiar o pacote anticrime, que altera 14 leis de uma só vez, Moro disse que se tratava de uma "estratégia" para a tramitação do projeto e que o governo foi "sensível" às reclamações "razoáveis" de parlamentares de que o delito é menos grave que o crime organizado violento.
"Caixa 2 não é corrupção. Existe o crime de corrupção e o crime de caixa 2. Os dois crimes são graves", rendeu-se o ministro.
Esta semana, experimentou novo dissabor, por assim dizer, quando se viu instado a recuar do convite à Ilona Szabó, que dirige o Instituto Igarapé, para assumir uma suplência do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária.
As bases, sim, de novo elas!, insurgiram-se contra a preferida do ministro e a cientista política foi desconvidada, como mostrou a entrevista de João Gabriel de Lima.
A interlocutores, Moro avalia que Bolsonaro pode ter se aborrecido com a reação dos eleitores e pediu a ele que revisse a convocação de Ilona. O ministro, claro, acatou.
Lembra-se, leitor? O mesmo Bolsonaro, lá atrás, na empolgação da vitória recém-conquistada nas urnas, declarou após o "sim" de Moro que entrou para a história. "Foi decisão difícil, ele vai abrir mão da carreira dele. É um soldado que está indo para a guerra sem medo de morrer", disse.
Todos esses impasses em série parecem conduzir o ex-magistrado a um beco sem saída. Habituado a longos embates no ringue da Justiça, onde atuou por longos 22 anos, mas ainda tateando no mundo insidioso da política, Moro deve abrir os olhos.
Cuidado com o fogo amigo!
O Estado de S. Paulo: Caixa 2 não é corrupção, diz Moro sobre 'fatiamento' do projeto anticrime
Ministro da Justiça e Segurança Pública admitiu que divisão do projeto foi estratégica e que governo foi sensível a reclamações razoáveis
Por Breno Pires e Julia Lindner, de O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA - O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, admitiu que o governo cedeu a pedidos de parlamentares e separou a criminalização do caixa 2 do pacote de propostas legislativas anticrime, que modifica 14 leis, conforme antecipado pelo Estado. O ex-juiz disse que o fatiamento é uma "estratégia" para a tramitação do projeto e que o governo foi "sensível" às "reclamações razoáveis" de políticos de que o delito é menos grave do que corrupção e crimes violentos e o crime organizado.
"Caixa 2 não é corrupção. Existe o crime de corrupção e o crime de caixa 2. Os dois crimes são graves", disse, em breve coletiva de imprensa após a solenidade de assinatura dos projetos de lei, que encaminhará pessoalmente na Câmara dos Deputados ao presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), acompanhado do ministro Onyx Lorenzoni, da Casa Civil.
"Houve reclamações por parte de agentes políticos de que o caixa 2 é um crime grave, mas não tem a mesma gravidade corrupção, que crime organizado e crimes violentos. Então, acabamos optando por colocar a criminalização num projeto à parte que está sendo encaminhado neste momento. Foi o governo ouvindo as reclamações razoáveis dos parlamentares quanto a esse ponto e simplesmente adotando uma estratégia diferente. Mas os projetos serão apresentados ao mesmo tempo", comentou o ministro.
Moro foi questionado sobre se isso não significaria deixar em segundo plano a criminalização do caixa 2 e se esse delito não é uma espécie de corrupção. Em resposta, frisou que nenhum governo anterior chegou a propor esta medida.
"Existe o crime de corrupção, previsto no Código Penal, e o caixa 2 que é um crime que existe no código eleitoral e não está adequadamente tipificado. E o que o governo faz assumindo um compromisso na linha do fortalecimento institucional do Estado de direito é propor uma tipificação mais adequada do caixa 2. Qual governo fez isso antes? Nenhum. O governo tem um firme compromisso em reforçar a institucionalidade. E isso passa pelo fortalecimento do combate à corrupção, crime organizado e crimes violentos", disse Moro.
Sobre o pacote anticrime em si, que altera ao todo 14 leis, Moro voltou a afirmar que é necessário "endurecer" em relação à criminalidade mais grave, mas que o foco não é aumentar as penas, e sim as regras de cumprimento delas. "Nós sabemos que existe problema carcerário, não é possível endurecer contra toda a criminalidade", disse.
"Não se trata, como algumas críticas um pouco equivocadas estão sendo realizadas, de apenas aumentar penas. Estamos criando métodos de investigação como agente encoberto e destravando nossa legislação processual para termos sistema de justiça criminal eficaz, que seja efetivo. Não é a dureza da pena que resolve o problema, mas a certeza da aplicação. E estamos trabalhando com a certeza", disse Moro.
Ao todo, serão apresentados três projetos. Segundo Moro, eles trazem medidas eficazes contra crime organizado, crime violento e corrupção. "Todos estão relacionados. Não adiante enfrentar um sem os demais", disse.
Previdência
O ministro Sérgio Moro afirmou ainda que a reforma da Previdência e o pacote anticrime "não são incompatíveis". As matérias serão apresentadas na mesma semana ao Congresso. "A nova Previdência é um projeto que vai ser apresentado amanhã (quarta). É uma mudança necessária. Da parte do Ministério da Justiça, o Ministério da Economia tem total apoio, como tem apoio do governo", declarou.
Questionado sobre a possibilidade de uma proposta atrapalhar a outra, Moro disse que não são incompatíveis. "No fundo, uma reforça, ajuda a outra porque todas elas caminham no sentido de trazer para o País melhor ambiente econômico e da qualidade de vida das pessoas", justificou.
Moro participou de cerimônia fechada no Planalto para assinatura do pacote anticrime no Planalto. Após Bolsonaro assinar o texto, Moro e o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, devem levar pessoalmente o pacote para o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), no período da tarde, ainda sem horário definido.
Laranjas
Moro evitou comentar a situação do ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, envolvido em suspeitas de uso de candidaturas laranja para desvio de dinheiro do Fundo Eleitoral no PSL em Minas Gerais. Questionado sobre o fato do ex-ministro Gustavo Bebianno ter sido demitido na segunda, após ser envolvido em suspeitas relacionadas ao mesmo caso, porém em Pernambuco, enquanto Álvaro Antônio permanece no cargo, Moro encerrou coletiva de imprensa
Fernando Gabeira: O vento no laranjal
Uma pena, porque os temas básicos precisam ir adiante: reforma da Previdência, combate ao crime organizado
Saio do Brasil por uma semana para visitar minha filha em Portugal. Mas saio apreensivo. Coração na mão. Houve uma série de tragédias neste início de ano. Há muitas coisas pendentes desses desastres. Como se não bastasse essa sensação de casa velha caindo que o Brasil nos transmite hoje, há ainda uma crise política, provocada pelo próprio governo.
Uma pena, porque os temas básicos precisam ir adiante: reforma da Previdência, combate ao crime organizado. Os liberais levaram um chega pra lá no caso do leite. O governo manteve restrições ao leite da Europa e Nova Zelândia. Falando de subsídios, a ministra da Agricultura afirmou: o desmame não pode ser radical. No mundo biológico, o desmame tem um momento de acontecer. Se deixar apenas pelo gosto de algumas crianças, a coisa vai longe.
O plano de Sergio Moro é voltado para mudar as leis, adaptá-las ao combate ao crime. Se forem aplicadas com seriedade, vão levar mais presos às cadeias? O que faremos com elas?
A última das minhas escolhas em política é falar de intrigas palacianas e familiares. Mesmo para contestar o ministro do Meio Ambiente, no caso do Chico Mendes, hesitei um pouco. Tenho vontade de deixar tudo isso pra lá, seguir focado no que importa.
É tudo tão subversivo para minha concepção de política que me sinto um pouco espécie em extinção. No mundo que se foi, presidentes reuniam-se com ministros, acertavam sua demissão e, em alguns casos, trocavam cartas diplomáticas de agradecimento etc.
Hoje, são demitidos pelo Twitter. Não é novo. Trump costuma usar esse método. Mas esse estilo de fazer política representa mesmo um avanço?
No caso de Bolsonaro, há um dado delicado. Ele divulgou uma gravação telefônica com um ministro. Presidentes não punem primeiro nas redes sociais . Nem costumam divulgar suas falas.
É um cochilo em termos de segurança nacional. Mas é, sobretudo, uma falta de consideração. Se houvesse alguma coisa a ser resolvida, deveria ter sido pessoalmente. Sem humilhações públicas.
O poder, isso é um lugar-comum, revela muito as pessoas. Sobretudo no princípio de governo, quando ainda estão embaladas pelo voto popular e ainda não sofreram o desgaste das limitações reais.
A tendência é um excesso de autoconfiança. Mesmo entre os generais, que são uma força moderadora e mais tranquila, às vezes surgem surpresas.
Na minha concepção política, os governos, de um modo geral, ao saber que serão criticados, apenas preparam-se para a defesa, que será proporcional às críticas e suas repercussões.
O governo brasileiro resolveu se antecipar às potenciais críticas que sofreria de bispos de esquerda num sínodo sobre a Amazônia. Nesse movimento, ele trouxe as atenções para as críticas que podem sair daí. O sínodo ainda não aconteceu. Dizem que o celibato dos padres será um dos temas. Por que não esperar que aconteça e reagir de acordo com os fatos reais?
Enfim, é tudo tão perturbador para uma visão mais clássica. Governos minimizam críticas, não criam um palco planetário para elas.
Um dado novo também é a importância dos filhos de Bolsonaro nas crises políticas.
Como um sobrevivente do século XX, impossível não levar em conta a intensidade da relação pai e filho. Não usaria jamais a frase redutora: “Freud explica”. Arriscaria apenas dizer que ele fornece algumas pistas.
O que me parece fato neste momento é a intensidade emocional deste governo, as rivalidades, as tramas, os ciúmes. A experiência mostra que existe um antídoto para as veleidades pessoais: é a existência de um projeto comum, algo que nos transcenda.
A retirada do Brasil desta crise, as necessárias reformas, tudo isso deveria falar mais alto. Mas não fala. A própria insegurança estrutural pela ausência de uma cultura de precaução só aparece nas primeiras semanas pós-desastre.
Quando este governo se instalou, dispus-me a ficar atento e, se necessário, fazer uma crítica construtiva. Mas esse projeto se esvaziou um pouco. Daí minha apreensão. Será preciso, em primeiro lugar, libertá-lo dessa tendência autodestrutiva.
Tratem-se bem, cuidem uns dos outros, vivemos num país quase em ruínas. Isso é o pressuposto para trabalhar com a sociedade, levá-la para as mudanças que deseja.
Deixem, pelo menos, a oposição trabalhar.
Davi Depiné, Marcus Edson de Lima e Rodrigo Pacheco: A alma do negócio
Com 'plea bargain', teremos uma máquina azeitada para obter confissões, verdadeiras ou falsas
Entre os 14 capítulos do projeto de reforma da legislação penal e processual apresentados pelo Ministério da Justiça, um deles incorpora uma sensível alteração na forma como se desenvolve o processo criminal no Brasil, adotando um modelo oriundo do direito norte-americano, lá denominado de “plea bargain” – espécie de “acordo de confissão”.
A origem desse instituto, que modula a ação do órgão de acusação, condiz com o sistema de justiça criminal dos Estados Unidos, em que prevalece, embora não com a mesma frequência de outrora, o julgamento pelo tribunal do júri —e não por um juiz de direito— de boa parte das infrações penais.
Se o júri tem como nuance positiva seu caráter democrático, tem como pontos negativos sua complexidade e demora. Um julgamento pelo júri pode levar dias e até meses (o famoso caso O.J. Simpson durou 372 dias, apenas o julgamento). Diante desse cenário, pergunta-se: como a Justiça americana ainda assim funciona? A resposta está justamente no “plea bargain”. Os acordos correspondem a mais de 90% dos procedimentos criminais, impedindo que todos esses casos prossigam nos tribunais, gerando celeridade e assegurando o início do cumprimento de penas de forma mais ágil.
Perfeito, então. E por que não adotar essa sistemática em “terra brasilis”? E a resposta é: porque teremos uma máquina azeitada para obter confissões, verdadeiras ou falsas.
Atualmente, cerca de 65% das acusações criminais que aportam nos fóruns envolvem três tipos de delito: furto, roubo e tráfico de drogas. Em sua imensa maioria, as denúncias são lastreadas em prisões em flagrante. Um número diminuto de ações penais decorre de investigações policiais, reflexo da aprofundada e duradoura falta de investimento na polícia judiciária. Em casos de entorpecentes, especialmente, as testemunhas de um processo criminal costumam ser apenas os agentes policiais que efetuaram a prisão do suspeito.
E aqui começa a diferença. O depoimento exclusivo de policiais não é aceito como prova pela Justiça dos Estados Unidos. Não porque lá se duvide da credibilidade dos agentes de segurança pública, mas porque a comprovação de culpa deve ser feita através de provas não limitadas ao próprio aparato policial, evitando-se o risco de que o poder público apenas legitime a si próprio. O processo penal, enquanto instrumento de garantia e proteção contra eventual abuso estatal, deve assegurar a possibilidade de um contraditório. E como contradizer o Estado perante o próprio Estado? Daí porque, antes de um “plea bargain”, a acusação deve exibir as provas que possui, que serão usadas no processo penal caso o acordo não seja aceito. No Brasil, ao contrário, a confissão voltará a ser, como chamavam em tempos inquisitoriais, a rainha das provas —e obtê-la passará a ser a principal finalidade do processo.
Um dos agravantes para isso é o fato de que não há negociação real se há desigualdade entre as partes envolvidas ou se proliferam incentivos para que a acusação seja feita com excessos. Ainda hoje, não há Defensorias Públicas instaladas e equipadas suficientemente no país para garantir sempre a defesa técnica de pessoas carentes –aquelas que compõem a imensa maioria da população prisional.
Além disso, o procedimento americano assegura a imparcialidade judicial. O juiz que decide sobre eventual acordo não pode ser o mesmo que julga o caso, pois se entende que estaria influenciado por um convencimento prévio acerca do processo.
Por fim, resta perguntar: por que alguém confessaria algo que não praticou? Conhecendo os caminhos da prática penal brasileira e observando a realidade superlotada de nossos cárceres, não é difícil concluir que a presunção de inocência é coisa para poucos.
*Davi Depiné , Marcus Edson de Lima e Rodrigo Pacheco
Davi Depiné
Mestre em direito processual penal pela USP e defensor público-geral do Estado de São Paulo desde 2016
Marcus Edson de Lima
Presidente do Colégio Nacional de Defensores Gerais e defensor público-geral de Rondônia
Rodrigo Pacheco
Defensor público-geral do Rio de Janeiro
Henrique Herkenhoff: Antes uma Justiça rápida do que nunca
Dentre as propostas apresentadas pelo Ministro Moro, a possibilidade de transação penal ampla, a plea bargain, tende a passar quase despercebida pela população em geral, o que é compreensível, porque ela só gera impacto nas poeirentas e burocráticas vielas do processo penal. Ela possibilita um acordo entre o Ministério Público e a defesa, por meio do qual são dispensados os trâmites processuais e a colheita judicial da prova, porque o réu confessa o crime em troca de uma pena reduzida e ajustada entre as partes naquele exato momento. Este espaço não permite esgotar o tema, mesmo superficialmente, então trataremos agora apenas de suas vantagens, para discutir os senões na próxima semana.
É óbvio que esta medida acelera o processo criminal e poupa trabalho de todos os envolvidos: defesa, acusação e juiz, impactando muito no acúmulo de processos e, portanto, melhorando a prestação de serviços pelo Judiciário. Quem está habituado aos tribunais sabe que a maior parte das ações criminais é apenas uma longa agonia de resultado absolutamente previsível. Em uma típica prisão em flagrante por tráfico, por exemplo, só resta fazer um laudo pericial, invariavelmente confirmando a constatação inicial da natureza da substância: o resto é formalidade. O juiz, livre então de muitos processos demorados, mas sem complexidade, poderia dar maior atenção àqueles em que a prova seja realmente problemática, ou em que existam questões jurídicas de alta indagação.
O mais importante, no entanto, é que essa transação segue lições de pensadores tão diferentes quanto Adam Smith, Beccaria e Piaget: a punição mais eficaz não é necessariamente aquela mais severa, mas a certa e imediata. Ao próprio réu interessa definir o quanto antes sua situação, mas este projeto de lei permitiria, antes de mais nada, aplicar desde logo um castigo abrandado, em vez de simplesmente permitir ao réu responder em liberdade a uma infinita ação criminal: infelizmente, uma vez solto, quase todo acusado supõe que o seu problema está “resolvido”, que sua conduta “não deu em nada” e que ele está livre e incentivado a reincidir; quando finalmente vem a primeira condenação, ele já arrasta uma longa lista de outras infrações, e vai passar muito tempo atrás das grades. E, claro, a sociedade já sofreu muito com esse prende-e-solta.
Não há nada de dramático nessa medida, nem adrenalina, mas ela certamente será a mais eficaz de todas.
*Henrique Geaquinto Herkenhoff é professor do Mestrado em Segurança Pública da UVV
Alon Feuerwerker: O resultado político da reforma da previdência se medirá por uma função de duas variáveis
Por enquanto são só escaramuças, apimentadas pelo folclore de figuras algo exóticas em posição de visibilidade. A guerra mesmo virá quando entrarem em debate dois pontos: a reforma da previdência, de Paulo Guedes, e o pacote de Sergio Moro. Isso, claro, se não estourar antes uma guerra de verdade na nossa fronteira norte, com o Brasil de coadjuvante dos Estados Unidos.
Mas é algo provável que a situação da Venezuela ainda fique um tempo em banho-maria, dada a tática de cerco “humanitário”. Então é também esperado que um belo dia as flores deste “recesso estendido” (pela internação do presidente) deem lugar ao debate duro sobre as aposentadorias e a segurança pública. E nos dois temas a avenida está aberta para vitórias expressivas do governo.
Aí, as impressões de que “fulano foi derrotado, sicrano não se dá com beltrano, ninguém segue a orientação do outro fulano” etc vão deixar de ser notícia, e vai sobrar a realidade crua: os líderes de fato do governo na Câmara e no Senado são os presidentes da Câmara e do Senado. E líderes de direito fracos nessa circunstância não chega a ser problema. Talvez seja solução.
E na hora do concerto os maestros vão encontrar orquestras com imensa vontade de tocar afinadas. A disputa será para ver quem é mais duro no enfrentamento dos bandidos, em certas categorias de crime. Como por exemplo a corrupção e o banditismo urbano rotineiro. E na mudança previdenciária haverá briga de rua pelo protagonismo que atraia simpatia do mercado.
Onde e quando começarão os problemas? No pacote de Moro, o céu pinta ser de brigadeiro. Também pelo ministro ter se tornado um enfant gâté da opinião pública. Mas o decisivo é não haver resistência social expressiva no horizonte para a nova ideologia dominante na área criminal. A chacina desta semana em Santa Teresa foi recebida com bocejos. É o novo normal.
Já na Previdência há um risco. Se o governo quer mesmo fazer da reforma um instrumento de justiça social, precisará apontar para as camadas burocráticas privilegiadas que engolem dezenas de bilhões/ano do orçamento. Guedes está certo: a previdência social no Brasil é um mecanismo de concentração de renda. O problema dele: esses grupos estão politicamente fortalecidos.
Os velhos ameaçados pela miséria, os idosos do campo, os jovens que provavelmente vão morrer antes de se aposentar não irão ao salão verde da Câmara pressionar e ameaçar os parlamentares. A elite burocrática sim. E dirá que atacar seus privilégios é - surpresa! - enfraquecer a “luta contra a corrupção”. E na hora h será tentador para o Congresso ceder ao poder real.
Mas isso terá um custo. Os militares, por exemplo, têm dificuldade de aceitar sacrifícios maiores e ver um procurador em início de carreira ganhar mais que um general quatro estrelas. E alguém sempre poderá lembrar aos deputados e senadores que vão esfolar o povão enquanto continua dormindo numa gaveta da Câmara dos Deputados a proibição dos supersalários do Judiciário.
Alguma reforma da previdência vai passar. E a resultante política será função de duas variáveis: 1) quanto produzirá de percepção de ter promovido justiça social e 2) quanto trará de investimentos, empregos e renda. O ótimo para o governo será muito das duas. Mas muito só de uma até ajudará a justificar por que a outra não desempenhou tão bem assim.
Agora, se a resultante for pouco das duas, aí a avenida da política vai se abrir para a oposição.
*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
Demétrio Magnoli: Ministério Privado
Partidarização de promotores e procuradores se alastra como fogo no cerrado
Eles obedecem a dois senhores. Com a mão esquerda, prestam serviço ao Estado, oferecendo denúncias criminais. Com a direita, propagam nas redes sociais um programa ideológico ultraconservador. Foi com esta mão que uma centena de promotores e procuradores de um certo Ministério Público Pró-Sociedade escreveu uma carta aberta contra os críticos do "pacote de Moro", responsabilizando-os pelo "caos" na segurança pública "nos últimos 30 anos". A dupla militância e o tom fanático do texto evidenciam a extensão do "caos" —mas no Ministério Público (MP).
Quem se recorda de Luiz Francisco de Souza, o procurador-militante que, um quarto de século atrás, dedicava seu tempo a produzir notícias destinadas a favorecer o PT? De 1 ou 2 a 100, do petismo ao bolsonarismo, o fenômeno da partidarização do MP alastra-se como fogo no cerrado. O Ministério Público Pró-Sociedade nasceu em congresso realizado na sede da Fundação Escola Superior do Ministério Público do DF, no final de dezembro. O movimento organiza-se como partido político, explicitando sua doutrina.
Do congresso, emanou um manifesto com 23 "enunciados". Nele, o partido de promotores e procuradores alinha-se com o Escola Sem Partido, sustenta políticas de encarceramento em massa, cinde os direitos humanos para defender exclusivamente os "direitos humanos das vítimas", critica a "censura ilícita" de notícias falsas na internet e sugere uma censura lícita à "pornografia" em "eventos artísticos". Nada de errado para um partido político de extrema direita determinado a mudar as leis.
Tudo errado quando se trata de funcionários de Estado encarregados de zelar pelo cumprimento das leis.
Notavelmente, o manifesto do Ministério Público Pró-Sociedade mobiliza uma novilíngua orwelliana. Declara, no prólogo de seu próprio programa de transformação social, que "o MP não deve ser agente de transformação social". Na mesma introdução a seus 23 enunciados ideológicos, classifica as ideologias como derivações de "sonhos" e "abstrações" contrárias "à concretude dos fatos, da realidade, da verdade", explicando professoralmente que "conservadorismo não é ideologia, mas expressão da realidade pautada na ordem, na liberdade e na justiça".
O PT inventou; eles copiaram. O Ministério Público Pró-Sociedade (cujo nome implica uma acusação velada ao restante do MP) inspira-se metodologicamente na Associação Juízes para a Democracia (cujo nome implica uma acusação velada ao restante do Judiciário). São, os dois, típicos "partidos da boquinha". Tal como os juízes-militantes, os promotores e procuradores militam dentro do Estado, na condição de funcionários com estabilidade, apropriando-se de uma instituição do sistema de Justiça para promover sua plataforma ideológica. E, tal como no caso deles, sua atividade militante é financiada pelos impostos de todos os cidadãos, que pagam seus salários, seus régios auxílios-moradia e seus gordos benefícios previdenciários.
O "pacote de Moro" afoga as louváveis prioridades de combate à corrupção e ao crime organizado num caldo de inconstitucionalidades, mudanças legais inócuas e estímulos à violência policial. Mas, acima de tudo, simula não ver que o encarceramento em massa de pequenos delinquentes converte as penitenciárias em campos de recrutamento das facções criminosas. O ataque furibundo do novo partido de promotores e procuradores tem a finalidade de cercear a crítica ao caldo viscoso que sabota as intenções virtuosas.
A militância político-partidária é direito de todos, fora do sistema policial e judicial. Decisão do Conselho Nacional do Ministério Público suspendeu Luiz Francisco de Souza, por "práticas incompatíveis com o cargo". O que fazer com uma centena de promotores e procuradores dispostos a, no exercício de suas funções, ignorar a letra das leis para servir à sua ideologia?
*Demétrio Magnoli, sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.
Elio Gaspari: Moro pôs a bola em campo
Pacote do ministro inaugurou governo Bolsonaro e, ao discuti-lo, Congresso precisa mostrar a que vem
Sergio Moro lapidou o discurso desconexo de defesa de lei e da ordem que levou Jair Bolsonaro à Presidência da República. Para listar apenas alguns aspectos do pacote do ministro, homicida ficará trancado por, pelo menos, três quintos da duração da sentença; condenados na segunda instância irão para a tranca e caixa dois passará a ser crime.
A repressão aos crimes de colarinho-branco será tão dura quanto aquela que habitualmente atinge pessoas de pele negra. Essas propostas serão festejadas nos balcões das lanchonetes, por onde passam pessoas que têm medo de andar na rua à noite.
Moro quer trazer para o direito brasileiro a instituição saxônica das "soluções negociadas". Na essência, elas permitem um acordo entre réu e a Promotoria. O cidadão reconhece sua culpa, negocia a redução da pena com o promotor e com isso descongestiona-se o Judiciário.
Na teoria, faz sentido. Na prática, toda importação de regras do direito saxônico equivale a tentar calçar um par de stilettos de Christian Louboutin nos pés de um jogador de futebol.
O calo resultante da divulgação por Moro, no meio da campanha eleitoral, de um anexo irrelevante e inconclusivo da colaboração do ex-ministro Antonio Palocci está na memória política do país.
Felizmente, Moro fala agora em "soluções negociadas". Até há pouco falava em "plea bargain", talvez para evitar uma das traduções possíveis e evitando a palavra "barganha".
No Judiciário americano todas as delações protegidas pela teoria curitibana da "bosta seca" teriam sido mandadas ao lixo. Lá, se um delator diz uma coisa e outro diz o contrário, mexe-se na bosta seca, empesteia-se a sala e anula-se uma delas, ou as duas.
A solução negociada entre o réu e o Ministério Público pode ser um sonho de consumo. Contudo, no Brasil, leis suecas convivem com uma realidade haitiana. No que vai dar, não se pode saber. Afinal de contas, o ex-capitão Adriano Magalhães da Nóbrega, da PM do Rio, jamais faria um acordo com a Promotoria.
O "Caveira", senhor da milícia de Rio das Pedras, era amigo de Fabrício Queiroz. Sua mãe e sua mulher foram empregadas por ele no gabinete de Flávio Bolsonaro porque, nas palavras do colega, "a família passava por grande dificuldade, pois à época ele estava injustamente preso." Libertado, "Caveira" foi absolvido. Não se sabe por quê, está foragido. Na outra ponta, qualquer preso que está apanhando numa delegacia faz qualquer acordo.
Num ponto o projeto de Moro parece um jabuti. Quando ele diz que um juiz poderá deixar de impor uma pena ao agente público se "o excesso decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emoção".
Falta definir "medo" e "violenta emoção". Os policiais cariocas que mataram um cidadão que empunhava uma furadeira e outro que carregava um guarda-chuva tiveram medo, foram surpreendidos ou estavam emocionados?
A proposta de Moro acertou no atacado. Contém apenas lombadas no varejo, mas o Congresso terá tempo para aperfeiçoar o projeto e pode-se acreditar que senadores e deputados não tentarão proteger o instituto do caixa dois.
O surgimento de uma bancada com toques de demagogia haitiana será um contraponto à demagogia sueca. Nesse sentido Moro desviou-se das duas.
O ministro passou a vida no gabinete de juiz, onde sua caneta mudava a realidade. Na nova cadeira, fez tudo direito com a caneta, mas a realidade continuará a assombrá-lo. As milícias do Rio e as quadrilhas do Ceará expuseram-se logo que ele chegou a Brasília, e continuam lá.
El País: Plano Moro afrouxa regras para policiais que matam e sugere medidas que já foram barradas
Pacote anticrime de ministro é a primeira medida efetiva apresentada pela gestão Bolsonaro
Um policial que matar uma pessoa e alegar que agiu sob “escusável medo, surpresa ou violenta emoção” pode ficar sem nenhuma punição, caso um projeto de lei proposto pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, seja aprovado pelo Congresso Nacional. É o chamado excludente de ilicitude, que foi tão propalado pela campanha eleitoral do presidente Jair Bolsonaro (PSL). Por dia, 14 pessoas são assassinadas após intervenção policial no país, conforme dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. No total, o pacote anticrime de Moro, primeiro ato de destaque apresentado pelo ministro, altera 14 legislações e endurece o combate à corrupção, ao crime organizado e a crimes praticados com violência. As propostas ainda precisam ser analisadas pelos deputados e senadores. A expectativa no Governo é que o pacote anticrime seja enviado ainda neste mês ao Legislativo.
As propostas dividem a opinião de especialistas. Há os que o consideram uma "licença para matar". Outros que entendem que elas dão um primeiro passo para combater a corrupção, mas é superficial em temas como segurança pública e a questão prisional. “A proposta do ministro legitima execuções e extermínios praticados por policiais. Uma verdadeira lei do abate de jovens pobres”, afirmou o advogado Ariel de Castro Alves, membro do Conselho Estadual de Direitos Humanos de São Paulo.
“Não acho que seja uma licença para matar. Até porque, hoje, na rua, no chão, saindo dos gabinetes de magistrados, a polícia já mata muito”, ponderou o conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e professor da Universidade de Brasília, Arthur Trindade.
Em sua defesa, Moro afirma que a questão do excludente de ilicitude apenas deixa a legislação mais clara. “O policial não precisa esperar levar um tiro para tomar uma espécie de reação. O que não significa que se está autorizando que se cometa homicídios indiscriminadamente”. Caberá ao juiz analisar se houve excesso ou não. Em 2017, houve 63.880 mortes violentas intencionais no Brasil. E outras 5.144 após intervenção policial.
Entre as 19 propostas apresentadas por Moro, todas no mesmo pacote, há apenas mais duas relacionadas à segurança pública. Uma que trata da criação do banco nacional de perfil genético e outra que prevê a prisão imediata dos condenados em tribunais do Júri. Esse segundo caso quer evitar que pessoas condenadas por homicídio saiam livres do julgamento enquanto esperam a análise de seus recursos em segunda instância, o que ocorre em vários casos. “O problema é que, sem melhorar a investigação, de nada adianta endurecer essa regra”, avaliou o professor Trindade.
O projeto ainda reconheceu, pela primeira vez, a existência de facções criminosas como PCC, Família do Norte, Amigos dos Amigos e Comando Vermelho. Como punições relacionadas a esses grupos criminosos, o ministro entendeu que seus líderes, quando condenados, passarão a cumprir penas diretamente em penitenciárias de segurança máxima e que todos os membros não terão o direito de solicitar a progressão de regime. Nos primeiros 30 dias de sua gestão, o ministro se deparou com duas crises na área de segurança pública e, nos dois casos, demorou a agir. O primeiro foram os ataques no Ceará. O Governo demorou ao menos dois dias para enviar tropas que reforçaram a segurança local. Já na tragédia de Brumadinho, os bombeiros da Força Nacional só foram enviados nove dias após o desastre.
Polêmicas
Dentro do “plano Moro” há ao menos duas medidas que já naufragaram no Congresso Nacional e no Supremo Tribunal Federal, além de uma que poderá ter sua constitucionalidade questionada. No Legislativo, o pacote anticorrupção apresentado há quase dois anos foi retaliado pelos deputados e está paralisado. Agora, a expectativa do ministro é que haja um novo entendimento. “O Congresso vive um novo momento político, com uma abertura maior nesses processos relacionados à corrupção”, disse o ministro.
Já no Judiciário, o STF decidiu que é inconstitucional o cumprimento automático de pena em regime fechado, uma das propostas de Moro para delitos como peculato, corrupção passiva, corrupção ativa. Para o ministro, todos os condenados por crimes hediondos —com exceção do tráfico de drogas—, deveriam também ser impossibilitados de progredir de regime antes de cumprir três quintos da pena. “Buscamos efeitos práticos, não para agradar professores de direito, de processo penal”, justificou o ministro, que também é professor de direito processual penal em Curitiba (PR).
Uma outra proposta de Moro debate um tema que move paixões no país, o cumprimento de pena após condenação em segunda instância. Atualmente, o condenado mais famoso atingido por esse assunto é o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), preso no Paraná após condenação no Tribunal Regional Federal da 4ª região. No dia 10 de abril, o STF julgará se os condenados em segunda instância têm de cumprir pena ou se podem ficar em liberdade até o fim de todos os recursos judiciais. Pela Constituição “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
Indagado se não deveria sugerir uma proposta de emenda constitucional ao invés de um projeto de lei, Moro disse entender que essa alteração na carta magna não era necessária. “A interpretação atual do STF já é uma medida constitucional”, afirmou. Na prática, aprovar PECs é mais difícil do que projetos de lei infraconstitucionais. No primeiro caso, são necessários 308 votos entre 513 deputados e de 49, entre 81 senadores. No segundo, só se necessita a maioria simples dos parlamentares presentes.