Sergio Moro

O Globo: 'Em 2022 devemos ter alternativas não polarizadas', diz Sergio Moro

Ex-ministro da Justiça diz que todo mundo está conversando sobre a sucessão presidencial, sem citar o próprio nome como possível candidato de centro

Bela Megale, o Globo

BRASÍLIA — Ao GLOBO, Sergio Moro critica o ambiente de polarização entre esquerda e direita e admite que tem conversado com nomes que buscam construir uma alternativa. Reconhece que esteve, em outubro, com o apresentador Luciano Huck, como informou o jornal 'Folha de S.Paulo', para “conversar sobre o Brasil”, mas nega que, neste momento, seja candidato ao lado de Huck. “A construção disso é importante, e não necessariamente passa por mim. Não existe nada pré-determinado”. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Estamos a dois anos das eleições presidenciais. O senhor está se articulando com lideranças para construir uma terceira via de candidatura?

Eu ficaria bastante desapontado se chegássemos em 2022 e tivéssemos apenas, como perspectivas eleitorais, dois extremos polarizados, a esquerda e a direita. O brasileiro tem um perfil mais moderado, e essa moderação favorece comportamentos de tolerância, que é o que nós precisamos, e o fim desse ciclo de ódio, que envolve principalmente as figuras do presidente (Bolsonaro) e igualmente do PT, especialmente o ex-presidente Lula. A construção disso é uma coisa importante, e não necessariamente passa por mim. Existem várias pessoas.

O senhor teve uma conversa com o apresentador Luciano Huck sobre as eleições. Trabalha na construção de uma chapa com ele?

Existe muita especulação sobre 2022. O que posso dizer é que há uma movimentação de pessoas com perfil de centro que têm conversado. Várias pessoas podem ser bons candidatos de centro, como o próprio Luciano Huck, o (governador) João Doria, o ex-ministro Mandetta, o João Amoêdo ou mesmo o vice Hamilton Mourão. São conversas, mas isso não quer dizer que exista algo preestabelecido.

Mas saiu algum compromisso dessa conversa com Huck?

Foi só uma conversa. Eu já conhecia o Luciano faz um tempo. Nós nos encontramos e conversamos apenas sobre o Brasil, o cenário, mas não existe nada pré-determinado.

O senhor tem falado com outros nomes?

Todo mundo está conversando, mas isso não significa que vou ser candidato. Minha preocupação é com o momento atual. Essas questões eleitorais sobre o que irei fazer no futuro são meramente especulativas. O que penso é que essa polarização de hoje obscurece os debates reais que temos que realizar. É meu desejo, como o de muita gente, que, em 2022, tenhamos alternativas não polarizadas. Qualquer candidato que apele para o discurso de ódio não é um bom candidato.

O senhor e o ex-ministro Mandetta mantêm conversas desde que deixaram o governo. Essa é mais uma alternativa para 2022?

Mandetta teve um papel relevante no início da pandemia, porque precisava manter as convicções dele baseadas em evidências, em contrariedade ao próprio presidente. Ele se destacou bastante.

O senhor diz que está preocupado com 2020, e não com 2022. O que isso significa?

Eu saí da vida pública, da magistratura, e depois do cargo de ministro. Hoje, meu plano é continuar sendo uma voz ativa em prol dos princípios e bandeiras nas quais acredito. Temos um Brasil cada vez mais isolado na perspectiva internacional. Isso tem consequências para o desenvolvimento. Temos questões na área ambiental, urgências na economia. Há muita coisa para acontecer até 2022 e o foco não pode ser esse (a eleição).

O que significa a vitória de Joe Biden nos EUA?

O resultado nos Estados Unidos mostra que o país continua uma democracia forte. Um dos significados da democracia é permitir essa alternância de poder. O presidente eleito acenou para a união de todos americanos, esse é o espírito que deve prevalecer. Biden tem o histórico de ser um político moderado. As relações entre Brasil e Estados Unidos, que são boas, devem ser trabalhadas para ficarem melhores ainda.

O presidente Bolsonaro já disse que não tem corrupção no seu governo. Dias depois, um aliado do governo apareceu com dinheiro na cueca. O que pensa disso?

Não temos ouvido notícias a respeito de escândalos de corrupção como tínhamos no passado, mas têm surgido casos pontuais que precisariam ter uma resposta dos órgão de controle. Temos tido retrocessos sim, infelizmente. E isso acontece desde o ano passado, não só por decisões de outros poderes, mas também por uma certa inação do Poder Executivo.

Quais retrocessos?

Vejo a omissão do governo em apoiar a retomada do restabelecimento da prisão após a condenação na segunda instância. Isso é injustificável e contraria, inclusive, as promessas de campanha feitas em 2018. Da mesma forma, havia uma expectativa de que poderíamos caminhar para a redução do foro privilegiado. O governo tem se mantido inerte em relação a esses temas. Então, a afirmação de que não existe corrupção, em primeiro lugar, não é absolutamente consistente com os fatos. Segundo, se não trabalharmos em um sistema de controle e prevenção, a corrupção vai voltar e, talvez, mais intensa do que foi no passado.

O senhor vê uma mudança de postura do governo sobre esse tema?

O governo tinha uma posição bastante rígida no início, em relação ao não loteamento político-partidário dos cargos públicos, por exemplo. Parece que essa política mudou sensivelmente no decorrer deste ano. Isso também acaba sendo uma possível fonte de oportunidades de práticas de corrupção. Se diminui o risco para o criminoso e aumenta a oportunidade, a prática é previsível.

O envolvimento do senador Flávio Bolsonaro em investigação criminal tem contribuído para esses retrocessos?

O governo federal tem falhado, principalmente por sua postura omissa em relação ao restabelecimento da prisão em segunda instância, por PEC ou por projeto de lei. Também senti isso na falta de apoio a várias medidas do projeto de lei anticrime. Os motivos dessa omissão devem ser indagados ao próprio governo. Não tenho condições de responder por ele.

Algumas leis de combate à corrupção são alvos de propostas que enfraquecem, por exemplo, ações contra lavagem de dinheiro? Como vê esse movimento?

Ainda não existe um texto final desse projeto de lei que está no Congresso, mas a minha impressão é que estamos brincando com fogo. Ao mudarmos a nossa legislação sem tomar cuidado com nossos parâmetros internacionais de combate à corrupção e lavagem, corremos o risco de sermos expulsos do Gafi/FATF (Grupo de Ação Financeira contra Lavagem de Dinheiro e Financiamento do Terrorismo, entidade intergovernamental que trata do tema). Além do risco de nos tornarmos paraíso para lavagem de dinheiro de crimes como tráfico de drogas, ainda podemos prejudicar nossa economia. É preciso ficar muito atento para verificar se esse projeto, no final, não vai afetar nossa posição na comunidade internacional.

Que tipo de medida, na prática, pode ser prejudicial?

Se a nova lei proibir, por exemplo, o compartilhamento de relatórios de inteligência do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) com órgãos de investigação, estaremos na direção errada. Corremos um sério risco de o Brasil se tornar um párea internacional no âmbito da lavagem de dinheiro, embora tenha gente que não veja problema nisso. Não faço juízo definitivo sobre esse projeto e o que trata da lei geral de proteção de dados, porque ambos estão em andamento, mas temos que olhar para frente, não para trás.

O governo alimenta o plano internacional de entrar na OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Essas eventuais mudanças ameaçam esse projeto?

Elas não só comprometem nosso ingresso na OCDE, como podem afetar nossa reputação, com risco de sermos expulsos de certos órgãos internacionais. Fazer parte desses órgãos não é só uma questão de prestígio internacional, mas algo que tem reflexos reais na economia. Temos um exemplo que aconteceu em julho do ano passado. Na época, foi concedida uma liminar pelo ministro Dias Toffoli, que suspendeu um processo de investigação por lavagem de dinheiro (Moro se refere ao caso sobre o pagamento de rachadinhas que envolve Flávio Bolsonaro, quando foi deputado estadual no Rio). Como esse processo tinha uma repercussão geral, afetou todas as investigações em curso no país baseadas em dados sigilosos compartilhados pela Coaf sem prévia autorização judicial.

E qual foi a consequência dessa liminar?

Aquilo gerou um risco de suspensão do Brasil no Gafi/FATF. Foi enviada uma comissão antissuborno da OCDE para o Brasil, com observadores. Visitaram várias autoridades, houve envio de cartas do presidente do Gafi, externando essa preocupação. Posteriormente, o próprio STF, inclusive o ministro Toffoli, acabou revendo a liminar. Se não tivesse havido essa revisão, seríamos expulsos do Gafi, e isso teria consequências terríveis para a economia. Tanto é assim que quem capitaneou o convencimento com os ministros do Supremo para evitar essa expulsão foi o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Eu vi as propostas de mudança na lei de lavagem. É cedo para avaliações, mas uma crítica que já pode ser feita à Comissão que debate o assunto é a pouca participação de órgãos do Poder Executivo.

Quais órgãos?

Não constam representantes da PF, do Conselho de Atividades Financeiras, da CGU. Há uma predominância de advogados. Isso não tem nada de negativo, em princípio, mas seria interessante que houvesse representantes desses órgãos para ter uma visão especifica, já que eles estão encarregados, muitas vezes, do combate à lavagem.

O senhor mencionou que o governo também enfrenta questões na área ambiental.

Nessa área, o governo peca, essencialmente, pelo discurso. Tem feito operações importantes, como a Verde Brasil, capitaneada pelo vice Hamilton Mourão. Esses esforços, porém, ficam prejudicados, quando há um discurso equivocado da parte da nossa liderança maior, porque isso acaba comprometendo o próprio efeito preventivo dessas ações contra o desmatamento. O discurso dessa liderança nega qualquer problema e invoca, a meu ver, com cálculo eleitoral, a questão da Amazônia com perspectiva ufanista, de que é nossa e que, por isso, podemos fazer o que quisermos.

O senhor se refere ao presidente Jair Bolsonaro.

É… o presidente da República tem um grande poder. Ele ensina as pessoas, ao dar exemplo. As palavras são muito fortes. Quando uma ação é prejudicada pelo discurso equivocado da liderança maior, seu efeito diminui, até porque a comunidade internacional ouve muito a palavra dessa liderança.

Sobre o STF, o senhor avalia que o perfil garantista de Kassio Marques foi essencial para que ele fosse indicado pelo presidente?

Não conheço pessoalmente o ministro Kassio e espero que ele tenha sorte e sucesso na carreira. Ele se autoafirmou como garantista. Acho que esses rótulos não se justificam, porque todo magistrado tem preocupação com os direitos do investigado. Isso não significa defender um sistema judicial que não seja efetivo contra os culpados. Estamos vendo vários episódios nos últimos meses em que lamentamos não ter um sistema mais efetivo. Tivemos recentemente a soltura de um grande traficante (André do Rap, líder do PCC). Vamos ver a atuação dele no STF e não julgar o ministro antes mesmo dele exercer o cargo.

Bolsonaro mudou o perfil da escolha que previa para o Supremo?

De certa forma, o presidente, quando foi eleito, tinha o discurso um pouco diferente em relação ao perfil dos magistrados que iria indicar ao Supremo. Isso não é uma crítica ao indicado, mas uma ponderação em relação à posição do presidente. No cenário atual, parece difícil que ele indique pessoas com um perfil mais linha dura no trato da questão criminal, haja visto o discurso que ele vem adotando em relação a essa temática. Assim como o governo deixou de lado a execução da prisão após a segunda instancia, parece que hoje essa não é mais uma preocupação.

Acredita que o STF vai se posicionar pela depoimento presencial do presidente Bolsonaro e dar o mesmo tratamento que o senhor teve no inquérito que os envolve? Que desfecho espera dessa investigação?

Esse inquérito foi aberto e isso até me surpreende. A minha intenção não era essa, mas sim esclarecer por que eu estava saindo do governo, além de buscar alguma proteção para a PF. Houve uma iniciativa do procurador-geral (Augusto Aras) de instaurar o inquérito, inclusive, me colocando como um dos investigados. Eu não tenho interesse pessoal nesse inquérito. O que o STF decidir sobre o depoimento do presidente e o que for concluído, não dou muita importância. Para mim, é irrelevante.

O senhor se posiciona com frequência nas redes sociais sobre diversos temas. Como lida com o ambiente de ódio?

Tenho tido muito cuidado nas minhas postagens, para evitar qualquer tipo de fomento a esse discurso de ódio. Até me penitencio por uma ou outra postagem em que posso ter sido mais veemente, mas hoje tenho esse compromisso comigo de evitar qualquer espécie de agressão em rede social. Não podemos combater fogo com fogo.

O que achou da atuação da Justiça no caso do estupro de Mariana Ferrer?

Vi o vídeo que circulou na internet. Fica claro que o advogado errou ao tratar, na audiência, a pessoa que denunciou um estupro com aquela agressividade. Sinceramente, penso que o advogado deveria, pelo menos, pedir desculpas públicas e, quem sabe, até mesmo indenizar a ofendida. Digo isso independentemente da questão do estupro, já que cabe aos tribunais julgar a acusação. Pelo menos o vídeo teve o efeito positivo de chamar a atenção de todos, para que ajam com maior cuidado e respeito às vítimas em processos por crimes sexuais. Não raramente, a prática é de tentar desconstruir a vítima, o que é reprovável e significa submetê-la a novo padecimento moral.

A sua quarentena de ministro acabou em outubro. Quais os planos agora?

Acredito muito no potencial do setor privado para implementar políticas anticorrupção. Minha pretensão, no momento, além de participar do debate público, é fomentar, no setor privado, esse processo para que as próprias empresas tomem iniciativas para adotarem políticas de conformidade com a lei. Vou fazer o que eu acredito no âmbito do setor privado, sem prejudicar outras atuações.

Como enxerga o presidente Bolsonaro hoje?

Não tenho nenhum sentimento de animosidade. O que eu vejo, a distância, e ainda quando estava no governo, é que falta um ímpeto mais reformista.

O que o senhor quer dizer com isso?

Tivemos uma reforma importante, que foi a da previdência, no ano passado, mas existem várias reformas na agenda, mais ambiciosas ou microrreformas, que podem fazer diferença. A própria agenda anticorrupção aparenta ter sido abandonada. Não podemos esperar um eventual segundo mandato, um próximo presidente. Temos que trabalhar nas reformas desde já.

Neste mês, faz dois anos que o senhor aceitou integrar o governo Bolsonaro. Está arrependido?

Eu aceitei ir para o governo diante de circunstâncias muito específicas. Tinha a ambição, não no sentido pessoal, de que poderia implementar políticas públicas consistentes com o que acredito. Em certa parte, isso foi bem-sucedido, especialmente no combate ao crime organizado. Agora, em relação à agenda anticorrupção, não pude avançar, em parte, pela falta de um apoio maior do Planalto. Senti que era o momento de sair. Agora, olhando para 2018, vejo que a minha decisão de entrar no governo foi racional e apoiada, até por pesquisas da época, por grande parte da população. Não me arrependo por ter tentado fazer o que acredito.


Folha de S. Paulo: Moro e Huck negociam aliança eleitoral para disputa da Presidência em 2022

Ex-juiz e apresentador de TV encontraram-se em Curitiba para conversar sobre 'terceira via'

Fabio Zanini, da Folha de S. Paulo

Dois dos principais nomes do centro no espectro ideológico na política, o apresentador Luciano Huck e o ex-ministro Sergio Moro iniciaram conversas para formar uma aliança na eleição presidencial de 2022.

Eles tiveram um longo encontro no apartamento de Moro, em Curitiba, no dia 30 de outubro, em que acertaram a intenção de se unir em uma espécie de “terceira via” para disputar o Palácio do Planalto daqui a dois anos.

Como foi uma conversa inicial, não se decidiu quem seria o cabeça de chapa de uma eventual candidatura conjunta. Essa é uma discussão, avaliaram ambos, para ser feita ao longo do ano de 2021.

O convite para o encontro partiu de Moro. Huck chegou à residência do ex-juiz da Lava Jato por volta das 12h. Almoçaram na varanda do apartamento e estenderam a conversa até pouco antes das 15h.

Ambos se encontraram na edição de 2019 do Fórum Econômico Mundial, em Davos, quando Moro, então ministro da Justiça, acompanhava a participação do presidente Jair Bolsonaro.

Ele e Huck, que também estava no evento, trocaram telefones e têm mantido contato esporádico remotamente desde então.

Nunca haviam tido uma longa conversa pessoalmente sobre política, no entanto. Segundo a Folha apurou, o apresentador da TV Globo e o ex-juiz concordaram que há espaço para a construção de uma candidatura em 2022 com a marca da “racionalidade”.

Em outras palavras, que não esteja atrelada nem à direita ligada a Bolsonaro nem à esquerda que orbita em torno de Ciro Gomes (PDT) e do PT do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Um dos objetivos mais imediatos é buscar ampliar essa frente trazendo outros líderes com perfil centrista.

Há, porém, candidaturas já postas neste campo, a principal delas a do governador de São Paulo, João Doria (PSDB). Também corre na mesma raia ideológica o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta (DEM), por exemplo.

De qualquer forma, Moro e Huck não definiram uma lista fechada de pessoas que querem atrair para o projeto, apenas o objetivo geral de agregar apoios. Ambos ficaram de voltar a conversar em breve sobre a ideia desta “terceira via”.

A candidatura teria um tripé, mesclando temas caros à direita e à esquerda: agenda liberal para a economia, luta contra a corrupção e redução da desigualdade social.

Ex-juiz responsável pela Operação Lava Jato e ex-ministro da Justiça até romper com Bolsonaro em abril deste ano, Moro tem a imagem atrelada ao enfrentamento de grandes esquemas de corrupção.

Já o combate à desigualdade é uma bandeira de Huck, ligado a diversas iniciativas na área social e no empreendedorismo. Quanto à liberdade econômica, é um ponto com o qual ambos têm concordância.

Os dois também fizeram uma análise sobre o potencial eleitoral de Bolsonaro em 2022. Concluíram que ele terá força na campanha de reeleição, até por reinar praticamente sozinho em um segmento da sociedade relevante, o conservadorismo.

Mas a avaliação feita no encontro é que o ano de 2021 tende a ser difícil para o presidente. Para Huck e Moro, Bolsonaro deve perder parte de seu capital político nos próximos meses, principalmente em razão do fim do auxílio emergencial e da manutenção do nível de desemprego em patamares elevados no pós-pandemia.

Para viabilizar a aliança eleitoral, Moro e Huck precisariam se filiar a partidos políticos até abril de 2022, seis meses antes da eleição.

O apresentador é próximo do Cidadania, ex-PPS, que já lhe ofereceu legenda no passado. Huck também teria que acertar de forma amigável sua saída da Rede Globo, provavelmente no segundo semestre do ano que vem.

Já o ex-juiz recebeu sondagens de diversas legendas quando saiu do governo, como Podemos e Novo, mas até o momento rechaçou essas sinalizações.

Huck e Moro nunca foram próximos, mas já houve gestos políticos entre ambos no passado. Quando o ex-ministro rompeu com Bolsonaro, Huck telefonou para ele solidarizando-se com os ataques que já começava a receber dos apoiadores do presidente.

apresentador também escreveu, em uma rede social, que a saída do ex-juiz do Ministério da Justiça gerava “uma enorme frustração”.

“Tudo indica que as mudanças tão defendidas pela população ficam adiadas. Em especial a agenda anticorrupção e o combate firme ao crime organizado e às milícias”, disse o apresentador na época.

Procurados pela Folha, Huck e Moro não quiseram se manifestar sobre o encontro.

A formação de uma candidatura competitiva de centro para 2022 é um dos principais objetivos de partidos que não se aliam a Bolsonaro nem à esquerda.

A avaliação é que a construção dessa alternativa precisa começar agora, uma vez que os dois polos mais radicalizados monopolizam o debate público e tendem a impulsionar-se mutuamente na corrida eleitoral.

Além de Doria e Mandetta, são citados neste campo, embora com menos força, nomes como os do ex-ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Joaquim Barbosa, ligado ao PSB, e do empresário João Amoêdo, do Novo.

Na esquerda, Ciro provavelmente será candidato novamente, e há uma indefinição sobre o PT.

Na improvável hipótese de a Justiça restabelecer os direitos políticos de Lula, ele certamente será o candidato. Caso contrário, os nomes mais fortes são do ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad e do governador do Maranhão, Flávio Dino, caso troque o PC do B pelo PT.

O PSOL pode novamente apresentar a candidatura de Guilherme Boulos, se não vencer a eleição para prefeito de São Paulo.


Vinicius Torres Freire: As farsas de Moro e a elite que toca no show de Bolsonaro

Ex-juiz pode interrogar presidente sobre a intervenção na Polícia Federal

Sergio Moro pode interrogar Jair Bolsonaro. O ex-juiz poderá inquiri-lo no processo sobre a intervenção do presidente na Polícia Federal, mas agora como réu, investigado.

A cena faz parte de duas farsas, uma delas obra pronta, outra em progresso. As duas contam um pouco da história da nossa viagem ao fundo da noite.

Na primeira peça, o lavajatista-mor torna-se colaborador do bolsonarismo, é escorraçado do governo feito um bagaço e então tenta refazer a carreira política ao acusar um ataque presidencial à democracia, de modo tardio e oportunista. Bolsonaro, como se sabe, tenta controlar a polícia e a espionagem a fim também de livrar filhos da cadeia.

Na farsa que ainda está sendo escrita, empilham-se indícios de que os Bolsonaro viviam de rachadinhas administradas por Fabrício Queiroz, agregado da milícia.

Esse rinoceronte de evidências esparramou-se no meio da sala, mas a classe dirigente finge que não vê o paquiderme, e dois terços do país parecem ignorá-lo. Tanto faz a cena de Moro ou mais alguém apontar crimes presidenciais.

Não há o crescendo de indignação, não raro farisaísmo histérico, o atropelo de denúncias contra o PT e Lula da Silva, caçado, interrogado e abatido por Moro. Os tartufos coxinhas do lava-jatismo são espanados pela Procuradoria bolsonarista. A geringonça de direita que comanda o que sobra do país deixa estar o caso das rachadinhas e acha que conteve o golpismo de Bolsonaro.

Que existam colaboracionistas e adesismo de direita não causa surpresa, embora ditos liberais possam estar cavando assim a sua cova. Espanta que a oposição também se acomode, com o mesmo efeito prático de deixar Bolsonaro solto.

A geringonça de direita é essa mistura de parlamentarismo branco com a coalizão liberal-reformista de certas elites, em parte gerenciada por mumunhas e arreglos do Judiciário politizado. Não é brincadeira. A geringonça vai ainda mais fundo nas mudanças socioeconômicas que começaram com Michel Temer e “faz o ajuste” sem pagar um centavo extra de imposto.

A elite da geringonça parece acreditar no próprio taco. Acha que o povo miúdo vai ficar quieto na longa travessia das “reformas” até a volta de um (talvez) crescimento. Ignora até sinais de autoritarismo econômico de Bolsonaro, evidentes nas suas tentações dirigistas quando preços sobem, da gasolina ao arroz.

Há dilemas concretos, de resto. Bolsonaro e até a anestesia social demandam um plano de renda mínima para o qual não há dinheiro bastante dentro do teto de gastos, mesmo que se esfole o funcionalismo, próximo projeto da geringonça. Parte do governo deseja esculhambar o teto, o que enerva os financistas —os juros de longo prazo voltaram a subir, ainda acima do nível pré-pandemia.

Parte da ala política da geringonça gostaria de ver Bolsonaro pelas costas, mas espera que as “condições objetivas”, como um rolo policial, caiam do céu. A esquerda, na prática, vai na mesma linha, acreditando ainda que as “contradições do governo” vão minar o prestígio presidencial.

A crise econômica de fato ainda irá longe e fundo para os mais pobres, mas uma revolta é incerta.

Moro pode interrogar Bolsonaro. O que já foi também um drama nos tempos de Lula agora é cena de uma farsa que pode descambar para terror burlesco. Desta vez, as classes dirigentes acomodam-se à ficha corrida da família presidencial e também aos achaques autoritários, à propaganda de mentiras, da epidemia às queimadas, e ao desgoverno geral. Enquanto isso, Bolsonaro está solto.


Murillo Camarotto: Fogo no Parquet

Ascensão de Moro deixou Lava-Jato ao relento institucional

A tempestade perfeita chegou de vez ao parquinho da Lava-Jato. Em pouco mais de dois meses, o cenário, que já era difícil, se aproximou perigosamente da implosão, na esteira de uma sequência de reveses sofridos pelas forças-tarefa. Entre os dissabores mais recentes, a demissão coletiva dos responsáveis pela investigação em São Paulo. Dias antes, o principal ícone do grupo, Deltan Dallagnol, abdicou da República de Curitiba envolto em punições disciplinares.

A deterioração, é verdade, começou mais cedo. Integrantes das forças-tarefa reconhecem em reserva que o pecado capital foi a ascensão do superjuiz Sergio Moro a superministro de Jair Bolsonaro. Ao topar a mudança para Brasília, Moro teria empurrado sobre a Lava-Jato uma nuvem de desconfiança antes circunscrita a petistas inconformados e políticos abertamente fisiológicos.

À derrocada lavajatista também contribuiu o vazamento das mensagens trocadas entre Moro e os procuradores, mas foi a ruidosa saída do ministro da Justiça que degringolou o quadro. Para os procuradores envolvidos na investigação, a forma escolhida para sair de cena aumentou bastante o rol de inimigos poderosos da Lava-Lato.

“A partir do momento em que o Moro se torna um potencial adversário eleitoral do presidente, ele expõe a Lava-Jato a ataques, ‘fake news’ e todo o tipo de prática típica do modus operandi bolsonarista”, disse um procurador.

O respaldo político definhou ainda mais com a aliança entre Bolsonaro e o Centrão - que se arrepia só de ouvir falar em combate à corrupção. “Tirando um ou outro parlamentar, hoje quase toda a classe política está contra, da esquerda à direita”, completa o mesmo procurador.

Quando se olha para o outro lado da Praça dos Três Poderes, o contexto também é de desalento. Há duas semanas, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a parcialidade de Moro em um processo referente ao Banestado e anulou a sentença. A decisão sinaliza que condenações impostas ao ex-presidente Lula podem caminhar para o mesmo fim.

Importante lembrar que esse resultado só foi possível devido ao empate na votação da turma, desfalcada do decano Celso de Mello. Os procuradores, ainda assim, avaliam que o STF poderia ter adiado os julgamentos mais polêmicos até o quórum estar completo ou mesmo ter permitido que outro ministro participasse, garantindo o desempate.

Apesar de a posse do ministro Luiz Fux na presidência da Corte ser vista com bons olhos pelos procuradores, a possibilidade de Dias Toffoli ser incorporado à Segunda Turma é um contraponto de peso correspondente - ou maior.

Dentro de casa, a conjuntura é mais alarmante. O termo parquet, que em tradução livre poderia ser definido como “cercadinho”, remete às origens do Ministério Público, na França Antiga. Naquela época, os chamados “procuradores do rei” ocupavam uma área apartada nos tribunais.

A existência de um “procurador do rei” é justamente o que tira o sono da Lava-Jato. A escolha de Augusto Aras por Bolsonaro - por fora da lista tríplice - foi um mau presságio que se materializa no dia-a-dia. Em Curitiba, São Paulo e no Rio, investigadores têm convicção de que o procurador-geral da República trabalha para, no mínimo, desmontar o conceito conhecido de força-tarefa.

A estratégia passa pelo estabelecimento de uma hierarquia na estrutura do MPF, algo impensável para a maioria absoluta dos procuradores e sua sacrossanta autonomia funcional. O traço mais marcante do plano é a criação da Unac, um órgão central, baseado em Brasília, para onde deverão convergir todas as informações colhidas nas investigações dos Estados.

Além da Lava-Jato, o MPF conta hoje com outras 22 forças-tarefa ativas, que investigam das queimadas na Amazônia ao desastre de Brumadinho. O esvaziamento de uma investigação conjunta passa principalmente pela retirada da exclusividade dos integrantes, que ficam obrigados a acumular outras funções. Na força-tarefa de São Paulo, uma procuradora terá que cuidar de uma comarca no do Mato Grosso do Sul.

“Se ele tiver sucesso, acabou o Ministério Público como conhecemos desde 1988”, salientou outro procurador.

O estrangulamento do apoio administrativo é mais um procedimento denunciado. Demissionários da força-tarefa paulista lembram que tiveram que pagar do bolso as passagens aéreas para um encontro - “muito improdutivo” com Aras.

Nem mesmo a OAB é vista como trincheira aliada. A crise com a entidade é resultado dos anos de queixas de criminalistas aos inegáveis abusos da Lava-Jato. Nessa seara, quando instados a praticar a autocrítica tão cobrada de seus alvos, especialmente do PT, os procuradores respiram fundo.

Até admitem que “power points”, palestras remuneradas, entrevistas e conduções coercitivas passaram do ponto. Argumentam, contudo, que decisões difíceis tiveram que ser tomadas sob grande pressão, e que a perseguição sofrida é reflexo dos acertos, e não dos erros. Alguns também culpam a Polícia Federal de ter “botado pilha” na espetacularização. “A PF gosta de show”, costumam dizer.

Em meio à maior crise nos seus quase seis anos, a Lava-Jato ainda tem muito o que fazer. Com a prisão recente de Dario Messer, o “doleiro dos doleiros”, a força-tarefa do Rio está apenas começando uma devassa no setor financeiro. As primeiras impressões são de que os grandes bancos foram lenientes ou falharam muito nas políticas de compliance. Cerca de 3 mil offshores em mais de 50 países já estão mapeadas. “Um mundo. De dezenas e dezenas de bilhões”, garante um investigador.

O ministro Teori Zavascki costumava dizer que, na Lava-Jato, “cada vez que você puxa uma pena, vem uma galinha inteira”. Se considerado somente o que já está dito em delações premiadas, é trabalho para mais alguns anos. Resta saber se a operação terá algum respaldo institucional ou se vai voltar para o “cercadinho”.


Celso Rocha de Barros: Bolsonaro desligou a Lava Jato

Direita é o cara que fugiu da cadeia enquanto liderava a luta contra a corrupção

Na semana passada, o STF concluiu o processo judicial mais longevo da história brasileira. Tratava-se de disputa entre, veja bem, a princesa Isabel e o governo brasileiro para saber quem é dono do Palácio Guanabara, onde trabalha seja lá quem a milícia tiver escolhido para ser governador do Rio de Janeiro. O processo durou 125 anos.

Mas a briga da princesa já tem concorrentes para o posto de processo que demorou mais e deu em menos na história brasileira. Afinal, as investigações de corrupção chegaram à direita.

Resultado: em menos de uma semana, o governador do Rio, que nomeia o procurador-geral, que investiga a família Bolsonaro, foi trocado por outro governador, aliado de Bolsonaro. E a força-tarefa da Lava Jato de São Paulo renunciou porque a procuradora indicada pelo PGR de Bolsonaro parecia disposta a melar as investigações.

Eu me lembro, jovens, da fúria santa que caracterizava o clima político quando as investigações eram contra a esquerda. Mas chegou à direita, e, agora, cai o governador para beneficiar o presidente, desmonta-se a Lava Jato na frente de todo mundo, e nada.

Por isso, sempre que você ouvir a pergunta “o que significam esquerda e direita no Brasil de hoje?”, responda: esquerda é o cara que foi preso. Direita é o cara que fugiu da cadeia enquanto liderava a campanha contra a corrupção que prendeu o cara de esquerda. Centro é o procurador que entrou nesse negócio achando que ia mesmo poder prender todo mundo.

Quem matou as investigações de corrupção foi a extrema direita. Jair Bolsonaro, o candidato outsider de 2018 eleito na “eleição da Lava Jato”, foi quem matou a Lava Jato. Os generais que iam para o Twitter ameaçar golpe se absolvessem o Lula mataram a Lava Jato. Os bolsonaristas que não tinham “bandido de estimação” mataram a Lava Jato.

Mas e aqueles movimentos todos de rua, camisa de seleção, ética na política? Bom, o Vem pra Rua está pedindo o impeachment do Aras, o procurador-geral da República. Isso, o do Aras, não o do Bolsonaro, esse impeachment eles não querem.

Perguntem aos procuradores da Lava Jato o que aconteceu no governo Bolsonaro e vejam se eles acham que a culpa é do Aras ou do Bolsonaro.

A esta altura, você pode perguntar: mas a Lava Jato não era mesmo cheia de problemas, não estava na hora de acabar aquilo e seguir com a vida? É mais complicado que isso, mas, para facilitar, digamos que seja o caso.

Mesmo assim, perdoe-me por achar chato que acabe depois do meu lado ter perdido muito mais. É muito, muito ruim para a democracia que as instituições possam ser ligadas e desligadas conforme o interesse de um dos lados do espectro político.

A própria esquerda está satisfeita com o fim da operação. Muita gente inteligente, gente que eu respeito, acha que os resultados do ciclo antissistêmico dos anos dez foram tão desastrosos que, a essa altura, qualquer acomodação ajuda.

Talvez eles tenham razão. O que eu ainda não entendi é por que eu devo confiar que o processo em curso seja um desmonte ideologicamente equidistante, e não um aparelhamento bolsonarista. O que me parece é que a capacidade de ligar e desligar as instituições está se tornando mais, e não menos, concentrada nas mãos da turma de sempre.

*Celso Rocha de Barros, servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).


Bruno Boghossian: Lava Jato derrete vítima de sua própria tonalidade política

Caráter personalista fez com que operação se confundisse com comportamento de seus integrantes

Uma semana antes de pedir demissão, Sergio Moro trocou mensagens com a comadre Carla Zambelli. Exemplar raro de lavajatista que ainda acredita em Jair Bolsonaro, a deputada quis saber por que o ministro resistia à tentativa do presidente de meter a mão na Polícia Federal e derrubar Maurício Valeixo do comando do órgão.

“O Valeixo manteve a prisão do Lula diante da ordem ilegal de soltura do desembargador lá do RS”, respondeu o então ministro, em referência ao plantonista que tentou libertar o ex-presidente em julho de 2018.

A decisão do magistrado Rogério Favreto era mesmo exótica e foi cassada horas depois. A mensagem de Moro sugere que ele trabalhou com Valeixo, então chefe da PF no Paraná, para manter Lula preso enquanto o tumulto judicial se desenrolava.

No bate-papo com a deputada, Moro já era funcionário de Bolsonaro, mas ainda era juiz no dia da baderna. A conversa, tornada pública nesta semana, reforça o espírito político da equipe que tocava a Lava Jato —a ponto de Moro insinuar que o delegado merecia um prêmio por ter segurado o petista na cadeia.

O caráter personalista e espetaculoso da operação fez com que seu trabalho se confundisse com o comportamento de seus integrantes. Assim, eles mesmos produziram questionamentos sobre as apurações e a parcialidade de seu principal julgador.

Quando o STF enviou à primeira instância uma declaração sobre um suposto caixa dois em campanhas de Fernando Henrique Cardoso, o juiz de Curitiba lamentou. “Acho questionável, pois melindra alguém cujo apoio é importante”, afirmou Moro, em mensagem a Deltan Dallagnol.

O atual derretimento da Lava Jato também tem tonalidade política. Além de ver contra si um procurador-geral alinhado ao Planalto, a operação entrou em colapso em seu braço paulista depois que os procuradores acusaram a nova chefe da força-tarefa de “opor resistência” a investigações. Em julho, segundo eles, a coordenadora tentou adiar uma operação contra o tucano José Serra.


Merval Pereira: O julgamento

Ao ler que Cristiano Zanin, o advogado do ex-presidente Lula, está cobrando do Supremo Tribunal Federal (STF) uma decisão “o mais breve possível” sobre o habeas-corpus que pede a suspeição do ex-juiz Sérgio Moro nos julgamentos que condenaram Lula, sendo notório que a Segunda Turma está desfalcada do ministro Celso de Mello por questões de saúde, fiquei com a sensação de que o advogado está querendo aproveitar-se da circunstância para conseguir a anulação das condenações.

É sabido que dois ministros da Segunda Turma, Edson Fachin e Carmem Lucia, já votaram a favor de Moro, restando agora apenas mais dois votos, os de Gilmar Mendes e Lewandowski, que já deram indicações do que pensam ao anular um julgamento de anos atrás no processo do Banestado, considerando Moro parcial.

O frequente empate na Segunda Turma tem favorecido os réus, como manda a jurisprudência, e Zanin está disposto a aproveitar essa brecha para, enfim, conseguir anular as condenações de Lula, o que o tornaria novamente ficha-limpa, permitindo que se candidate à presidência em 2022.

Lembrei-me, então, de uma palestra que o escritor Deonísio da Silva fez num ciclo sobre Guimarães Rosa da Academia Brasileira de Letras (ABL) em 2018, sob o título “O julgamento de Zé Bebelo e a Lava-Jato”, sobre o romance “Grande Sertão, Veredas”. Deonísio Silva compara Lula a Zé Bebelo e Moro a Joca Ramiro:

“Zé Bebelo está quase derrotado, comanda nove homens e quando seu bando conta com apenas três, Riobaldo, para salvar a vida do ex-chefe e ex-aluno, grita “Joca Ramiro quer este homem vivo”.

Sem saída, Zé Bebelo descarrega a arma no chão antes de ser preso e, quando os inimigos tiram-lhe o punhal, ele diz: “Ou me matam logo, aqui, ou então eu exijo julgamento correto legal”.

Diante de Joca Ramiro imponente, montado em cavalo branco, Zé Bebelo a pé, rasgado e sujo, requer: “Dê respeito, sou seu igual”. Ouve de Joca Ramiro: “se acalme, o senhor está preso”.

É quando toda a jagunçada vai para a Fazenda Sempre-Verde. Zé Bebelo, de mãos amarradas, é conduzido em cima de um cavalo preto, na rabeira da tropa. Relata Deonísio Silva:

“Réu em inusitado julgamento no pátio da Fazenda Sempre-Verde, o jagunço letrado Zé Bebelo, salvo por Riobaldo, seu ex-professor, conduz o próprio julgamento. No insólito tribunal, os juízes são outros cangaceiros, liderados pelo grande chefe Joca Ramiro, todos sob o olhar misterioso de um jagunço que é jagunça: Reinaldo/ Diadorim.

A Lava a Jato pode inspirar outra leitura deste curioso episódio de Grande Sertão: Veredas, em que o sertão é assim definido: “Sertão é onde manda quem é forte, com as astúcias. Deus mesmo, quando vier, que venha armado!” E mais: “onde criminoso vive seu cristo-jesus, arredado do arrocho de autoridade.”

“O Brasil também já foi assim. E agora chegamos à encruzilhada onde tribunais superiores estão decidindo se continuará assim ou se mudará. Fazendo as vezes de um Sérgio Moro do sertão, o jagunço Joca Ramiro, conhecido por sua lealdade e senso de justiça por todos os cangaceiros, tem diante de si um réu audacioso, solerte e a seu modo leal e sagaz.

“Zé Bebelo é um réu que dirige o julgamento, fixa limites de suas penas e traça as condições para cumpri-la: receber montaria, escolta, água e comida na viagem para Goiás, onde promete fixar-se, deixando de combater os ex-companheiros de luta, como vinha fazendo até ali. Mas se consegue obrar todos estes feitos é porque Joca Ramiro é um juiz ainda mais sagaz do que o réu.” E sobrevém o desfecho: Zé Bebelo é libertado sob condições que o próprio réu impõe.”

Julgar o habeas-corpus de Lula sem a Segunda Turma completa, como pretende o advogado Cristiano Zanin, seria uma afronta. O mais provável é que o ministro Gilmar Mendes espere a volta dos trabalhos presenciais, no próximo ano, quando o STF já terá o novo componente da Corte. A composição final das Turmas pode sofrer alterações, pois o novo ministro, que deveria assumir o lugar de Celso de Mello, pode ser deslocado para a Primeira Turma para não ter que enfrentar um julgamento tão difícil.

O atual presidente do STF, ministro Dias Toffoli, deve ir para a Primeira Turma no lugar de Luis Fux, que assume a presidência em setembro. Haverá uma disputa interna para saber quem será o quinto membro da Segunda Turma.

Correção
Na coluna de ontem utilizei a forma “enebriar”, quando o correto é a atual “inebriar”. Na versão digital foi corrigido


Merval Pereira: Lava-Jato sob risco

Duas decisões da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) dão indicações de que as decisões judiciais geradas pela Operação Lava-Jato estão a ponto de serem revistas.

A ausência do ministro Celso de Mello por doença transformou a Segunda Turma, que já foi chamada de Jardim do Éden, no refúgio mais seguro para os críticos do ex-juiz Sérgio Moro (foto) e dos procuradores da Lava-Jato.

Não se trata de acusar os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, mas de constatar que, por circunstâncias aleatórias, o pensamento dos dois em relação à ação da força-tarefa de Curitiba prevalecerá nas questões penais, pois o empate favorece sempre os réus.

A presença do ministro Edson Fachin, o relator da Operação Lava-Jato no Supremo, atrai para a Segunda Turma todos os processos sobre a operação, o que significa que o empate permanente favorecerá sempre os que a questionam.

As decisões tomadas na terça-feira, embora se refiram a casos fora da Lava-Jato, indicam o que poderá acontecer quando chegar a hora de julgamentos que lhe digam respeito, especialmente a ação que acusa o ex-juiz Sérgio Moro de ter sido parcial contra o ex-presidente Lula.

O STF, representado pela Segunda Turma, derrubou uma sentença de Moro condenando um doleiro no caso do Banestado, anos atrás, alegando que o juiz foi parcial ao incluir no processo documentos fora do prazo.

Moro, em nota, afirma que o Código de Processo Penal lhe confere o direito de mandar juntar aos autos documentos necessários, e lembra que a condenação foi avalizada pelo TRF-4 e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Em outra decisão, pela primeira vez o Supremo aceitou um pedido de anulação de delação premiada feita por investigados na Operação Pelicano, sobre desvio de dinheiro público por fiscais de renda em Curitiba.

Um deles denunciou o grupo, que entrou no Supremo para anular a delação premiada, alegando ilegalidades no acordo entre o delator e o Ministério Público. Os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski afirmaram que o caso em pauta era especial, pois havia ilegalidades evidentes.

A Segunda Turma está reduzida a quatro, ministros, com posições claramente definidas nas questões criminais. Fachin e Carmen Lucia a favor da Lava-Jato como instrumento de combate à corrupção. Gilmar Mendes e Lewandowski vêem ilegalidades neste combate à corrupção, que anulariam a maioria das decisões.

Consideram, inclusive, Sergio Moro parcial, quase um ativista político.

Essas decisões da Segunda Turma preparam o futuro, que tem o ponto alto no julgamento da parcialidade ou não do juiz Sérgio Moro nas condenações do ex-presidente Lula.

Ação que já começou a ser julgada, com os votos dados a favor de Moro pelos ministros Fachin e Cármen Lucia. A definir se num caso como o do Lula, tão importante, o ministro Gilmar Mendes, que pediu vista e é quem prepara a pauta da Turma, vai colocar em julgamento com a Turma desfalcada, se vai esperar Celso de Mello voltar, ou ainda se vai esperar a mudança do ministro para fazer o julgamento com a Turma completa.

Evidentemente, os ministros que têm visão crítica em relação à Lava-jato abriram caminho para que investigados entrem com processos contra as delações, e também, condenando por parcialidade o juiz Sergio Moro no caso do Banestado, estão indicando suas posições.

O julgamento de Deltan Dallagnol, coordenador dos procuradores de Curitiba, definiu que o caso estava prescrito e não poderia ser julgado. Só que julgaram. Todos deram suas opiniões, criticaram a Lava-jato, criticaram os procuradores. Por que fizeram isso?

No final, o advogado do Lula, Cristiano Zanin, disse que ia juntar a opinião dos ministros do CNMP para reforçar os processos no Supremo.

Está tudo sendo armado para que esse corpo estranho no Judiciário, a operação Lava-Jato, os juízes de Curitiba, o direito penal de Curitiba, como diz o ministro Gilmar Mendes seja controlado.


Ricardo Noblat: A barbárie do extremismo religioso contra a criança estuprada

O Estado brasileiro é laico. O que significa: ele não permite a interferência de correntes religiosas em assuntos estatais, nem privilegia uma ou algumas religiões sobre as demais. Garante e protege a liberdade religiosa de cada cidadão, mas evita que grupos religiosos exerçam interferência em questões políticas.

“Os dogmas de fé não podem determinar o conteúdo dos atos estatais”, disse o ministro Marco Aurélio Mello em 2012 quando o Supremo Tribunal Federal, por oito votos contra dois, decidiu que grávidas de fetos sem cérebro podem interromper a gravidez com assistência médica prestada pelo Estado.

Em mais duas situações, o aborto é plenamente legal no Brasil: quando a continuação da gravidez importa em risco à vida da mãe e em caso de estupro. Foi o que aconteceu com a menina de 10 anos de idade, estuprada desde os seis anos por um tio no Espírito Santo, levada às pressas para abortar no Recife.

Em Vitória, um hospital negou-se a respeitar a ordem judicial de fazer a cirurgia na menina, conforme sua vontade reiteradamente manifestada em diversas ocasiões. A gravidez decorreu de um crime, tipificado em lei. Para a menina, suportá-la e dar a luz equivalia a um processo de tortura. Tortura é outro crime.

O que pretenderam os militantes cristãos, comandados por políticos da direita e da extrema direita, que na noite do último domingo cercaram o hospital no Recife onde a menina estava sendo esperada para submeter-se à cirurgia? Na prática, tornar a Constituição letra morta, ignorando o que ela prescreve.

Lava Jato ganha sobrevida com decisões de Fux e de Celso de Mello

Por ora, a sangria continua

Ainda não foi desta vez. Dava-se como certo nos meios jurídicos de Brasília que o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força tarefa da Lava Jato em Curitiba, seria condenado pelo Conselho Nacional do Ministério Público em dois procedimentos disciplinares a que responde por abuso de poder.

Prestes a assumir por dois anos a presidência do Supremo Tribunal Federal, o ministro Luiz Fux, à tarde, suspendeu os efeitos de uma advertência imposta em novembro a Dallagnol, o que tornava mais distante seu afastamento da chefia da Lava Jato. À noite, Celso suspendeu o julgamento marcado para hoje.

Fux fez por merecer a fama que tem de amigo número um da Lava Jato. Em 2016, logo após a abertura do processo de impeachment contra a presidente Dilma, depois de uma conversa que teve com Fux, Dallagnol contou a um grupo de procuradores o que ouvira dele: “Disse para contarmos com ele para o que precisarmos”.

Ao que o então juiz Sergio Moro, informado sobre a conversa, comentou por escrito: “Excelente. In Fux we trust” (Em Fux nós confiamos”). Moro poderia acrescentar que também em Celso ele e a Lava Jato podem confiar pelo menos até novembro, quando o ministro, ao atingir os 75 anos de idade, deixará o tribunal.

No seu despacho, Celso afirmou que é “inaceitável a proibição ao regular exercício do direito à liberdade de expressão” de membros do Ministério Público e afirma que limitar esse direito “revela-se em colidência com a atuação independente e autônoma garantida ao Ministério Público pela Constituição”.


Luiz Sérgio Henriques: Simão Bacamarte e a política nacional

O balanço do impacto de grandes operações judiciárias, como a Lava Jato, sobre o sistema partidário é, no mínimo, inquietante. Alguns dos seus aspectos mais problemáticos já foram ressaltados e outros mais virão com o tempo, mas é fato que operações inicialmente focadas em questões específicas, ainda que graves, ampliaram-se em demasia, conferiram um veio salvacionista aos principais atores, tomados por uma espécie de complexo de Simão Bacamarte, o qual, como se sabe, pretendia encerrar no manicômio de Itaguaí todos os que, a seu juízo, tinham comportamento desviante. Os resultados não foram lá muito animadores e o Bacamarte terminou encerrando-se na Casa Verde, depois de livrar a multidão de internados.

Não devemos esperar desfecho análogo: nenhum dos personagens da grande confusão brasileira, independentemente de culpas, se encaminhará por vontade própria até o manicômio. Nem entre os aprendizes de Bacamarte nem entre seus pacientes forçados surgirá espontaneamente uma avaliação serena de erros e exageros, parcialidades de julgamento e desvios reais de comportamento, de modo que, ainda no rescaldo daquelas operações, seremos obrigados a retomar pacientemente o ofício de trabalhar as duras vigas de madeira que constituem a política, de acordo com a lição clássica.

Deixemos provisoriamente de lado pequenos e grandes bacamartes; a eles voltaremos outras vezes, com particular ênfase na escolha política desastrada que fizeram na única circunstância em que efetivamente não podiam errar, a saber, na eleição de Jair Messias Bolsonaro e nas decisões judiciais que direta ou indiretamente a favoreceram. E reconheçamos, de cara, que o paciente – o sistema partidário – não estava bem das pernas (e da cabeça) quando sobre ele se abateram as acusações dos procuradores e o martelo dos juízes. Personalismo e fragmentação excessiva eram males que deformavam o funcionamento daquele sistema, para não mencionar o problema crônico – e longe de ser resolvido – das relações entre dinheiro e política, financiadores e campanhas, empresas e administradores públicos, com o atalho para o enriquecimento desonesto.

O personalismo tem múltiplas facetas e não será fácil reduzi-lo a proporções mais razoáveis. Partidos, entre nós, costumam ser empreendimentos individuais, “movimentos” que se estruturam em função de uma determinada candidatura presidencial e muitas vezes com ela desaparecem. Raramente são agrupamentos estáveis, com capacidade de expressar demandas da sociedade, selecionar grupos dirigentes ao longo do tempo, propor uma relação mais ou menos coerente entre valores e política. Nestes trinta anos de vigência da Carta de 1988 perderam-se ocasiões interessantes – não sabemos se para sempre – de um enraizamento mais definido de partidos como o PFL/DEM, que poderia ter sido expressão de uma necessária direita democrática; ou como o PSDB, embrião de uma boa socialdemocracia que, sem no entanto ter implantação sindical, se reduziria crescentemente a uma federação de “notáveis”; uma federação, de resto, facilmente desafiada e batida, à esquerda, pelo PT, cuja implantação mais forte acabaria por associar as características mais problemáticas do partido “orgânico” e da liderança carismática, tornando-se assim um partido poucas vezes capaz de pensar além de si mesmo e das suas conveniências mais imediatas.

A fragmentação, de certo modo, não foi um traço inteiramente endógeno do sistema. Natural que, após o regime autoritário, com sua ação arbitrária no sentido de dissolver os três grandes partidos da democracia de 1946 – e, obviamente, manter a proscrição dos partidos comunistas –, soprasse um vento libertário. O exagero aqui consistiu em confundir o direito à livre associação no terreno da sociedade e o direito de acesso às casas legislativas e aos fundos públicos, a ser regido por algum mecanismo mínimo de desempenho eleitoral. A intervenção “exógena” do STF, em 2006, adiou a adoção das cláusulas de barreira, que teriam dado – como começaram a dar já em 2018 – o pontapé inicial para o enxugamento e a racionalização da presença dos partidos na cena parlamentar.

A cada ato legislativo que se proponha regular os mecanismos partidários e eleitorais cabe fazer, a nosso juízo, um conjunto de perguntas intimamente relacionadas: tal ato contribui, ou não, para atenuar o grau de personalismo dos partidos e da política? Ainda que a médio prazo ele favorece a ação de forças centrípetas, impedindo que atores individuais e coletivos, semelhantes entre si, exerçam furiosamente o narcisismo das pequenas diferenças? Que regras até mesmo corriqueiras, como a da famosa “janela de transferências” às vésperas de cada pleito, podem ser aperfeiçoadas – e por certo endurecidas – para que tantos políticos “não mudem de partido como quem muda de camisa”, segundo o lugar comum que trazemos na ponta da língua? O presente mecanismo de financiamento público das campanhas será o Santo Graal finalmente encontrado ou ainda é preciso imaginar formas complementares, que necessariamente supõem limite, transparência e accountability para não se transformarem em atividades que transcorrem nas sombras?

É preciso reconhecer que estes e outros problemas não foram coerentemente formulados e menos ainda equacionados pelos políticos e partidos que dirigiram a democracia brasileira nos primeiros trinta anos do novo ordenamento constitucional. Ao contrário, foram muitas vezes varridos para debaixo do tapete, e o custo desta omissão paga-se em termos de desprestígio dos parlamentos, dos partidos e da ação política. No vácuo assim criado surgiram os salvadores da pátria – de toga, beca ou farda, tanto faz. Com os resultados calamitosos que sempre ocorrem depois que se desmoraliza a ciência dos bacamartes, a mágica dos ilusionistas e a aura mítica dos liberticidas.


Reinaldo Azevedo: Não há diálogo com os walking dead verde-amarelos

Procuradores não são pagos para agir contra delinquentes

Já desisti de convencer os citadores sem lastro de que, em "O Príncipe", Maquiavel não escreveu ou deu a entender que "os fins justificam os meios". Apelo, então, à suavidade honestamente pueril de outra obra: o Pequeno Príncipe jamais desistira de uma pergunta. E eu nunca desisto de uma porfia. Volto, pois, aos embates entre a Lava Jato e Augusto Aras, procurador-geral da República.

"Promover a realização da justiça, a bem da sociedade e em defesa do Estado Democrático de Direito." Eis a missão do Ministério Público Federal, segundo o que está escrito em seu site, sintetizando o que vai na Constituição. Não! Procuradores não são pagos para agir contra delinquentes, como quer certa… delinquência ignorante.

Essa até poderia ser a definição da função da polícia, mas ainda carregaria certa carga de truculência protofascistoide. Ela existe para proteger os cidadãos. E só por consequência atua contra os tais delinquentes. De resto, uma das atribuições do Ministério Público é fazer o controle externo da polícia, não excitar a sua discricionariedade. Não sei se a estupidez é doce, mas é certamente saliente.

Não com o propósito de contestar o hálito fétido que emana das catacumbas —posto que não há diálogo possível com os "walking dead" verde-amarelos—, lembro, então, que os membros do Ministério Público têm o dever de zelar também pelos direitos dos criminosos, distintos dos nossos. Se aquele que se encontra sob a guarda do Estado é submetido ao vale-tudo, o que pode acontecer a quem não se encontra?

Nada mais distante da ação de justiceiros do que o papel reservado ao promotor e ao procurador. Há aí a diferença que distingue o "Estado democrático e de Direito" (gosto com o conectivo "e"), que aparece lá na página oficial do MPF, da barbárie miliciana.

Não há nenhuma evidência de que a abertura da caixa-preta da Lava Jato atenderia a interesses de Jair Bolsonaro. Essa é só uma reserva de falso temor, simulada por aqueles que exibem neutralidade na disputa entre a corda e o pescoço, numa expressão desprezível de covardia.

Faço aqui um desafio: evidenciem, ainda que por hipóteses plausíveis apenas, por quais caminhos a criação de uma Unidade Nacional de Combate à Corrupção e ao Crime Organizado (Unac), no âmbito do MPF, poderia degenerar em uma polícia política.

Lembro que a Unac não eliminaria ou tisnaria nenhuma das prerrogativas dos senhores procuradores, notadamente a inamovibilidade, a vitaliciedade e a irredutibilidade dos salários. Tampouco criaria circunstâncias que obrigariam um deles a desistir de uma investigação. O máximo que pode acontecer, em benefício da institucionalização de procedimentos, é a redução do espaço da arbitrariedade.

De resto, alinhar-se com o atual estado de coisas em nome do risco de que a mudança poderia ser instrumentalizada pelo atual governo corresponde a escolher a atuação degenerada da Lava Jato. Foi ela, em grande medida, a catalisadora do reacionarismo que conduziu Bolsonaro à Presidência.

Permitiremos que, mais uma vez, ao arrepio da lei, essa máquina de erigir e destruir reputações defina quem vai governar o país? Já conhecemos as consequências. Vamos ao "é da coisa": o beneficiário direto dos desmandos em voga é Sergio Moro. Sua pré-campanha à Presidência já está em gestação nos subterrâneos das redes sociais.

E o mote é precisamente a "defesa da Lava Jato" como sinônimo de combate à corrupção. Não é preciso fazer grande esforço interpretativo para entender que, nessa perspectiva, a operação, mera fração de um ente do Estado —o MPF—, resolve tomar o seu lugar.

Os meios qualificam os fins. Os empregados pelo lavajatismo corroem instituições e o devido processo legal. Existem provas robustas a respeito, não suposições. Não há desfecho virtuoso possível.
É imoral a isenção na disputa entre a corda dos justiceiros e o pescoço de suas vítimas, culpadas ou inocentes. Umas e outras têm de ser protegidas pelo devido processo legal. Parte da própria imprensa ainda não entendeu esse fundamento —e, portanto, não entendeu nada.