Sergio Moro
Luiz Carlos Azedo: A resiliência de Moro
Fora do debate político e dedicado à advocacia, Moro voltou ao noticiário devido à divulgação das gravações de suas conversas com os procuradores da Lava-Jato
Moro: Esse documento em que a perícia da PF constatou ter sido feita uma rasura, o senhor sabe quem o rasurou?
Lula: A Polícia Federal não descobriu quem foi? Não? Então, quando descobrir, o senhor me fala, eu também quero saber.
Moro: O senhor não sabia dos desvios da Petrobras?
Lula: Ninguém sabia dos desvios da Petrobras. Nem eu, nem a imprensa, nem o senhor, nem o Ministério Público e nem a PF. Só ficamos sabendo quando grampearam o Youssef.
Moro: Mas eu não tinha que saber. Não tenho nada com isso.
Lula: Tem, sim. Foi o senhor quem soltou o Youssef. O senhor deve saber mais que eu (referindo-se ao escândalo do Banestado).
Moro: Saíram denúncias na Folha de S. Paulo e no jornal O Globo de que…
Lula: Doutor, não me julgue por notícias, mas por provas.
Moro: Senhor ex-presidente, você não sabia que Renato Duque roubava a Petrobras?
Lula: Doutor, o filho quando tira nota vermelha, ele não chega em casa e fala: “Pai, tirei nota vermelha”.
Moro: Os meus filhos falam.
Lula: Doutor Moro, o Renato Duque não é seu filho.
Moro: Tem um documento aqui que fala do triplex…
Lula: Tá assinado por quem?
Moro: Hmm… A assinatura tá em branco…
Lula: Então, o senhor pode guardar por gentileza!
O diálogo cortante acima, quase um repente, é o resumo do depoimento do réu Luiz Inácio Lula da Silva ao então juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, Sergio Moro, que circula nas redes sociais com o mesmo significado de quando ocorreu: um duelo verbal entre o ex-presidente da República e o líder da Operação Lava-Jato. É divulgado como uma peça de desconstrução de Moro, que, de acusador passa a acusado, na polêmica entre os advogados de Lula e os antigos integrantes da força-tarefa de Curitiba que desmantelou o esquema de corrupção na Petrobras. A Pesquisa XP/Ipespe, divulgada ontem, porém, mostra que o bombardeio contra o ex-juiz, do ponto de vista da opinião pública, pode ter errado o alvo. Moro aparece como o mais bem colocado nas simulações de segundo turno sobre a eleição para a Presidência da República de 2022.
Pesquisa
O governo Bolsonaro vem em queda nas pesquisas desde setembro, sendo avaliado como “ruim ou péssimo” por 42% dos entrevistados, ante 40% em janeiro. Trinta por cento o veem, hoje, como “bom ou ótimo”. No mês passado, eram 32%. Mais da metade (53%) dos brasileiros avalia como “ruim ou péssima” a atuação do presidente Jair Bolsonaro diante da pandemia, que, no Brasil, matou 231 mil pessoas desde março do ano passado. A pesquisa divulgada ontem indica que a percepção negativa sobre o presidente tem piora contínua desde outubro, quando o indicador estava em 47%.
Mesmo assim, Bolsonaro continua sendo líder absoluto na pesquisa estimulada, com 28% de intenções de votos. Moro (sem partido) e Lula/Haddad (PT) têm 12%; Ciro Gomes (PDT), 11%. Estão embolados num empate técnico. A mesma coisa com Luciano Huck (sem partido), 7%; e Guilherme Boulos (PSol), 6%, num segundo grupo. João Doria (PSDB), com 4%; João Amoedo (Novo), 3%; e Henrique Mandetta (DEM), com 3%, vêm no terceiro empate técnico. Numa disputa de segundo turno, porém, o único que derrota Bolsonaro nas simulações é o ex-juiz Sergio Moro, com 36% contra 32%. Os demais resultados são favoráveis a Bolsonaro: 41% a 36% contra Lula/Haddad; 39% a 37% contra Ciro; 37% a 33%, Huck; 37% a 30%, Doria; e 42% a 31%, contra Boulos.
Fora do debate político, pois resolveu se dedicar à advocacia, Moro voltou ao noticiário devido à divulgação das gravações de suas conversas com os procuradores da Lava-Jato, liberada pelo ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), cuja Segunda Turma deve validar a legalidade do compartilhamento de dados da Operação Spoofing com a defesa do ex-presidente Lula.
A Polícia Federal apreendeu mensagens de Telegram trocadas entre integrantes da Lava-Jato, nas quais há evidências de que o então juiz Sergio Moro e procuradores da República, especialmente Deltan Dallagnol, coordenaram suas ações para condenar o ex-presidente da República. Moro e Dallagnol negam a não-conformidade, que pode levar à anulação da condenação de Lula no caso do triplex de Guarujá. Desconstruído como juiz, porém, Moro cresce como candidato à Presidência, quanto mais apanha dos petistas.
Demétrio Magnoli: Moro, o ‘nada jurídico’
Rosangela Moro, advogada do marido, acionou o STF pedindo a Fachin a revogação da liminar de Lewandowski que dá à defesa de Lula acesso às mensagens trocadas entre Sergio Moro e os procuradores da força-tarefa de Curitiba. A reclamação ilumina o desprezo do Partido da Lava-Jato pela verdade factual e, ainda, pela verdade jurídica.
A peça da advogada repete as duas alegações básicas do ex-juiz e dos procuradores: 1) “Não há prova da autenticidade das mensagens”; 2) As mensagens “não provam fraude na condenação ou suspeição do juiz”.
A primeira afirmação é uma tentativa de circundar, por um artifício jurídico, a questão da verdade factual. Temendo cometer perjúrio, os acusados não declaram que as mensagens são falsas — mas referem-se a elas como se fossem diálogos entre terceiros desconhecidos sobre os quais nada sabem.
A segunda afirmação, se verdadeira, tornaria a primeira desnecessária. Afinal, se os diálogos não contêm ilegalidades, por que não admitir sua autenticidade? Contudo, como as trocas de mensagens evidenciam graves violações da lei, a advogada tira da cartola um terceiro coelho manco e solicita a eliminação processual delas: seriam um “nada jurídico”, devido aos meios ilegais utilizados na sua obtenção.
Nos diálogos, Moro oferece orientações aos procuradores sobre fontes, os instrui sobre possíveis provas e combina com eles a sequência de operações policiais. São evidências abundantes de conluio entre o Estado-julgador e o Estado-acusador. A gangue de Curitiba suprimiu do processo legal o juiz imparcial.
A verdade jurídica não é idêntica à verdade factual, pois a segunda só se torna a primeira quando percorre a estrada do devido processo. Sorte de Moro e de seus comparsas: a verdade factual expressa nas trocas de mensagens seria suficiente para condená-los por subversão do processo legal, se não tivesse vindo à luz pelo túnel da ilegalidade. Tal circunstância não implica, porém, a completa invalidação jurídica dos diálogos criminosos.
A jurisprudência não admite o uso de provas obtidas ilegalmente para condenar alguém, mas permite utilizá-las para sustentar a presunção de inocência. Lula pode até ser factualmente culpado — mas, na vigência do estado de direito, não é possível condená-lo ao arrepio do devido processo. É dever do STF anular as sentenças condenatórias do líder petista tingidas pela mão de gato de Moro.
Moro enxerga a lei como fonte de privilégios e discriminações. No pacote anticrime que formulou quando ministro de Bolsonaro, introduziu o “excludente de ilicitude”, mecanismo destinado a impedir a punição de crimes cometidos por policiais. Na reclamação ao STF, sua advogada alega que as trocas de mensagens “não provam inocência” de Lula, como se cidadãos acusados tivessem o ônus de provar ausência de culpa.
“Nada jurídico” — o qualificativo não serve para invalidar os diálogos que repousam no STF, mas define à perfeição os processos conduzidos pelo Partido da Lava-Jato. As mensagens expõem acertos entre o juiz e os procuradores para plantar notícias na imprensa e financiar a divulgação de propostas legislativas, além da ambição de reformar o sistema político-partidário. Nada jurídico, tudo político: a gangue manipulava suas prerrogativas de agentes da lei para deflagrar um projeto de poder centrado na figura de Moro.
A demanda da advogada ao STF pretende soterrar tanto a verdade factual quanto a jurídica. A guerra contra a verdade tem a dupla finalidade de evitar a desmoralização jurídica da gangue e de conservar os resíduos de um projeto político envenenado pela associação de Moro com Bolsonaro.
Na hora da morte da força-tarefa, o Partido da Lava-Jato conta com três fiéis militantes no STF. Mesmo assim, diante do grito das evidências, a manutenção integral das condenações tornou-se um sonho improvável. Circula, por isso, a ideia criativa de preservar, ao menos, o legado da interdição de candidatura de Lula. “In Fux We Trust”: o compromisso imoral concluiria, melancolicamente, a trajetória de juízes que confundem a lei com suas próprias convicções políticas.
Míriam Leitão: O diplomata que virou pária
No Itamaraty, a expectativa é a de que Ernesto Araújo deixe de ser ministro em março. Seria um alívio para várias gerações de diplomatas, porque ele feriu normas essenciais da boa diplomacia. Um dos problemas para tirá-lo é saber para onde ele pode ser removido. Ele gostaria de ir para Paris, mas o risco é o governo de Emmanuel Macron não dar o agrément, que é o consentimento do país que recebe. Outro risco é o de constrangimento em sessão do Senado, que recentemente rejeitou o nome do embaixador indicado para Genebra, num recado para Araújo. Por isso, uma das possibilidades aventadas é a OCDE, posto que não exige sabatina, já que é uma espécie de embaixador alterno.
Há uma maioria sólida de adversários de Araújo dentro da carreira, mas os últimos acontecimentos aumentaram a indignação. Os olhos dos diplomatas brasileiros acompanharam com estupefação a atitude de Ernesto Araújo na cena em que Jair Bolsonaro berrou palavras sórdidas contra jornalistas numa churrascaria. O ministro aplaudiu, deu gargalhadas, gritou “mito”. Isso provocou repulsa generalizada. Não é nem mais uma questão de gostar ou não do governo, disse uma fonte diplomática, aquilo aviltou a própria Casa, até porque houve matérias no exterior descrevendo a baixeza da cena.
Ernesto Araújo tem também adversários fora do Itamaraty. O vice-presidente Hamilton Mourão recentemente falou que ele sairia, mas com isso lhe deu uma sobrevida. Na entrevista ao “Valor”, publicada na edição de sexta-feira, o senador Ciro Nogueira, presidente nacional do PP, define o centrão como “estabilizador do governo” e diz que “a condução do Itamaraty hoje prejudica o Brasil” e por isso “tem que mudar”.
Os críticos de Ernesto podem ter motivos diversos, mas existem fatos concretos contra ele. Na área científica do governo, a convicção é que o Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA), que acaba de chegar da China para a Fiocruz, demorou semanas a mais pelos atritos criados pelo ministro com os chineses. No caso da Índia, a trapalhada de anunciar a ida do avião antes de conversar com as autoridades indianas causou o maior ruído no país fornecedor. A diplomacia existe para aplainar terrenos, desatar nós, dissolver conflitos. O pior problema não são os delírios persecutórios de Ernesto Araújo, mas o prejuízo que ele dá aos cofres públicos, anulando o empenho de servidores qualificados para o trabalho diplomático.
— A grande maioria dos nossos colegas acha que ele não tem o direito de destruir o Itamaraty como tem feito. O problema não é ideológico. O caso dele é clínico. Já há claros sinais precursores de que o tempo dele está terminando. O problema é achar um posto que o aceite. Ele queria que o Brasil fosse um pária, ele se tornou um pária — resumiu uma fonte diplomática.
Naquela série de tuítes sobre o assalto ao Capitólio, Ernesto Araújo fez um raciocínio tortuoso, quase justificando a violência com a hipótese, nunca confirmada, de “infiltrados”. Definiu os invasores do Congresso como “cidadãos de bem” e ainda disse, num comentário descabido, que “grande parte do povo americano se sente agredida e traída pela classe política”. Queria, claro, transpor para o Brasil. Esse episódio, o reiterado embate com a China, as trapalhadas frequentes com vários parceiros obrigam muita gente a consertar seus estragos. Suas ações têm um amadorismo que envergonha uma diplomacia outrora orgulhosa do seu profissionalismo.
Quem poderia ir para o lugar de Ernesto Araújo? Há quem fale na ministra da Agricultura, Tereza Cristina, se a escolha for de fora da carreira. Ela impressiona os diplomatas pela sua habilidade em negociação, apesar da incapacidade de entender o cerne do problema ambiental, que será mais importante durante o governo Biden. Se for da carreira, há pelo menos um que faz campanha com bajulações explícitas, e há os que têm chances de reequilibrar o Itamaraty. Existem muitos que preferem distância do atual governo.
Ernesto Araújo tem levado doutrinadores extremistas para falar para os diplomatas jovens e estudantes do Instituto Rio Branco. Não tem tido sucesso nessa tentativa de lavagem cerebral, como se viu pela última turma, que escolheu o poeta João Cabral de Melo Neto como patrono. Ernesto Araújo, ao violentar tanto as normas da boa diplomacia, tem produzido sua antítese. Está aumentando no Itamaraty a defesa da diplomacia como carreira de Estado.
Merval Pereira: Verdades escondidas
Uma disputa domina os bastidores do Supremo Tribunal Federal (STF), relacionada ao processo politicamente delicado de declaração de parcialidade do ex-juiz Sérgio Moro na condenação do ex-presidente Lula pelo triplex do Guarujá. Trata-se da permissão à defesa do ex-presidente Lula pelo ministro Ricardo Lewandowski de ter acesso aos diálogos entre o então juiz Moro e os procuradores da Lava-Jato de Curitiba, notadamente Deltan Dallagnol, roubados por hackers.
Nesta terça-feira, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal toma uma decisão fundamental para o desenrolar do julgamento, que deve ser finalizado ainda nesse primeiro semestre. Os ministros Carmem Lucia e Edson Fachin já votaram a favor de Moro, considerando que não há provas de ilegalidades no processo. Restam os votos de Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes, que votam em conjunto contra a Lava-Jato, e o de Nunes Marques, cujo voto pode revelar qual é a posição do presidente Bolsonaro.
Só que essa questão, que precede a principal, deveria ser definida pelo plenário do STF, de acordo com decisão anterior do ministro Edson Fachin, que é o relator dos casos da Lava-Jato. O ministro Ricardo Lewandowski, por uma manobra dos advogados de Lula, e falha da secretaria-geral do Supremo, recebeu o habeas-corpus sobre as mensagens roubadas e autorizou o que Fachin anteriormente negara. Pretende levar o caso para a 2ª Turma, onde, acredita ter maioria contra Moro, antes que o plenário decida.
Embora o que esteja em pauta na 2ª Turma seja apenas o caso do triplex, já há um movimento para que a eventual anulação atinja todos os processo contra Lula. O que está por trás dessa disputa é a tentativa de suplantar a Lei da Ficha-Limpa, permitindo que ele concorra à presidência em 2022. Não seria nem preciso que os próprios ministros antilavajatistas pedissem a extensão da anulação, pois bastaria que os advogados de Lula requeressem essa extensão para abrir-se uma nova disputa judicial sobre os efeitos da anulação.
A outra condenação em segunda instância de Lula foi pelo caso do sítio de Atibaia, mas com um detalhe específico: embora Moro tenha começado o processo, saiu antes do fim para assumir o ministério da Justiça do governo Bolsonaro, e quem condenou Lula foi a juíza Gabriela Hardt. Mas há quem defenda a tese de que se Moro orientou o processo, ele também tem que ser anulado.
Até agora, todas as acusações contra o juiz são baseadas nos diálogos roubados por hackers, o que tornaria essas provas inválidas. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já definiu que elas não podem ser usadas, mas a defesa de Lula recorreu ao STF. Em contraponto, a defesa do ex-ministro Sérgio Moro recorreu diretamente ao ministro Edson Fachin, contra a decisão de Lewandowski de liberar os diálogos, considerando que ele não é o “juiz natural” do caso.
Fachin faz parte da 2ª Turma, e deve reivindicar na terça-feira que seja cumprida sua decisão de levar o tema a plenário. O uso retórico dos diálogos como base da acusação de parcialidade de Moro está sendo feito há muito tempo, desde que foram revelados pelo site The Intercept Brazil, mas até agora não houve uso formal. Se o plenário do STF reafirmar que provas conseguidas ilegalmente não podem ser usadas, os ministros da 2ª Turma que votam contra Moro perderão seus argumentos. Terão apenas a primeira acusação da defesa de Lula, de que aceitar de ser ministro de Bolsonaro denotaria sua parcialidade, o que é muito frágil.
Caso prevaleça a tese de que provas ilegais podem ser usadas em favor do condenado, haverá uma avalanche de anulações, e não apenas dos casos de Lula. A “suspeição” de Moro poderá ser arguida por vários condenados por ele que porventura apareçam nos diálogos, ou que se julguem prejudicados por relações indiretas com outros processos, o que nos levaria a uma situação paradoxal: anular as prisões? Tornar sem efeito várias, ou todas, as delações premiadas? O que fazer do dinheiro devolvido pelos condenados? O que fazer com os escândalos de corrupção confessados minuciosamente durante os processos do “petrolão”? Jogá-los para baixo do tapete? Fingir que nada aconteceu?
El País: Derrocada da Lava Jato expõe Moro como guia da força-tarefa, e escândalo cai no colo do STF
Mensagens do ex-juiz com procurador Deltan Dallagnol obtidas pela defesa do ex-presidente Lula têm potencial de anular processos em andamento, segundo juristas. Caso já é chamado de “maior escândalo da Justiça no Brasil”
Carla Jiménez, Felipe Betim e Regiane Oliveira, El País
Sete anos após provocar uma reviravolta sem precedentes na política e na economia do Brasil, a outrora poderosa Operação Lava Jato viveu nesta quarta-feira, 3 de fevereiro, um melancólico apagar de luzes com o anúncio de que já não existe mais —ao menos não da forma como ficou conhecida. A força-tarefa de Curitiba deixa de existir e torna-se um apêndice do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco). O desfecho acontece após a operação entrar numa espiral de descrédito no mundo jurídico, que culminou com a exposição de diálogos entre o ex-juiz Sergio Moro e o então chefe da força-tarefa, Deltan Dallagnol.
O conteúdo, tornado público nesta segunda-feira, 1, pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandovski a pedido da defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, confirma parte das informações que já haviam sido reveladas pelo The Intercept Brasil, na sérieVaza Jato. Publicada desde 9 de junho de 2019, a série trazia alguns diálogos de Dallagnol e Moro, mas principalmente conversas entre os procuradores da força-tarefa do Ministério Público Federal do Paraná. Um total de 105 reportagens foram escritas por diversos veículos de imprensa, incluindo o EL PAÍS Brasil, a partir do material obtido pelo The Intercept.
No entanto, o material exposto nesta segunda-feira vai muito além do que o exposto pela Vaza Jato. E tem o potencial de reescrever a história da operação. Em 50 páginas de mensagens selecionadas pelo perito Cláudio Wagner, a pedido da defesa do ex-presidente Lula, lê-se de maneira cristalina como Moro, que deveria ser neutro para julgar os processos apresentados pelos procuradores do Ministério Público Federal (MPF) de Curitiba, tinha comunicação permanente com integrantes da força-tarefa, especialmente com o ex-chefe da operação, Deltan Dallagnol. Entre setembro de 2015 e junho de 2017, há registros de trocas sistemáticas de diálogos entre os dois pelo aplicativo Telegram —fora dos ritos processuais— para tratar de detalhes de decisões em andamento, em que o então juiz do caso cobra informações e sugere ao menos uma fonte para ser ouvida pelo Ministério Público no processo do ex-presidente Lula. “O material que o moro nos contou é ótimo. Se for verdade, é a pá de cal no 9 e o Márcio merece uma medalha”, diz Dallagnol numa comunicação feita pouco depois das 19h, em 29 de julho de 2016. As mensagens estão sendo apresentadas neste texto com a grafia em que aparecem nos arquivos apreendidos; o número “9” é como os procuradores tratavam, de forma pejorativa, o ex-presidente Lula, em função da ausência de um dos dedos da mão, perdido em um acidente de trabalho.
Não era a primeira vez que Moro sugeria caminhos para a investigação. Em trecho de 7 de dezembro de 2015, ele dá dicas ao procurador: “Entao. Seguinte. Fonte me informou que a pessoa do contato estaria incomodado por ter sido a ela solicitada a lavratura de minutas de escrituras para transferências de propriedade de um dos filhos do ex Presidente. Aparentemente a pessoa estaria disposta a prestar a informação. Estou entao repassando. A fonte é seria”, lembrou o juiz. No que Deltan agradeceu a corteisa. “Obrigado!! Faremos contato”. Para Moro valia a pena seguir a pista, afinal, “seriam dezenas de imóveis”. A fonte, em questão, não se mostrou crível como apontou a continuação do diálogo. A fala havia sido revelada em junho de 2019 pelo The Intercept. Na ocasião, Moro afirmou ao Estadão, que repercutiu a fala, que “tudo o que chegava que era relevante, ou a gente encaminhava para a polícia ou Ministério Público, seja lá se a informação eventualmente beneficiava defesa ou acusação”. Segundo ele, o objetivo era “descobrir a verdade”. Os métodos tornados públicos agora, porém, são considerados condenáveis por irem contra todo o princípio de imparcialidade que se espera, ainda mais num caso de extrema delicadeza com potencial de alterar os rumos políticos do país —a Lava Jato foi responsável por enquadrar o ex-presidente na Lei da Ficha Limpa e retirá-lo da corrida presidencial contra Bolsonaro em 2018.
Em outro trecho de 14 de dezembro de 2016 Deltan informa Moro sobre o andamento de duas denúncias. “Denúncia do Lula sendo protocolada em breve. Denúncia do Cabral será protocolada amanhã”, informa o procurador, citando ali o ex-governador do Rio, Sergio Cabral. O então juiz responde a comunicação extraoficial quase como um torcedor: “Um bom dia afinal”, seguido de um emoticon feliz.
As conversas fora dos autos foram captadas pela Operação Spoofing, a investigação da Polícia Federal que prendeu hackers que invadiram celulares dos procuradores da Lava Jato e tiveram acesso aos arquivos de mensagens dos procuradores no aplicativo Telegram —e foram base para a Vaza Jato. Depois, os diálogos foram obtidos na íntegra pela PF. A defesa de Lula solicitou os trechos que diziam respeito ao processo do ex-presidente. Nelas, os dois maiores protagonistas da Lava Jato mostram intimidade de parceiros de trabalhos, partilhando emojis, risos em linguagem de internet, pedindo reuniões reservadas com parte dos integrantes da força-tarefa e até orientando melhores caminhos para a comunicação com a imprensa. “Precisamos conversar com urgência. Hj as 1430 ou as 1500 vcs podem? Mas melhor virem em poucos pois melhor mais reservado. Quem sabe vc, o lima, Athayde e Orlando?”, propõe Moro a Dallagnol, mencionando, possivelmente, Carlos Fernando Lima, Athayde Ribeiro Costa e Orlando Martello Jr.
Se a Vaza Jato provocou um terremoto e representou uma perda de prestígio da operação e de Moro, as mensagens conhecidas nesta segunda podem jogar uma pá de cal na credibilidade de algumas decisões tomadas pela Lava Jato, segundo juristas ouvidos por este jornal. O escândalo bate à porta do Supremo Tribunal Federal que tem um encontro marcado com Moro no julgamento do pedido da defesa do ex-presidente Lula de suspeição do ex-juiz e consequente anulação da condenação do petista no caso do triplex do Guarujá. Lula foi preso em abril de 2018 por ter supostamente recebido o apartamento em seu nome em troca de favores para a empreiteira OAS. Saiu 580 dias depois, em novembro do ano seguinte, após uma mudança de interpretação do STF sobre prisão de condenados em segunda instância.
A comunicação fluída entre Moro e Dallagnol viola a relação juiz-procurador e rompe o princípio da imparcialidade aos olhos do Direito. “Este é o maior escândalo da história da Justiça no Brasil”, diz o jurista Rafael Valim. Marco Aurélio de Carvalho, líder do grupo Prerrogativas —que reúne cerca de 1000 juristas, incluindo advogados de réus da Lava Jato que militam contra as práticas açodadas da operação—, segue a mesma linha. “O Supremo tem uma chance única de reacreditar o sistema de Justiça. Nesse processo, perdeu-se muito de credibilidade com a politização do Judiciário”, diz Carvalho.
A Lava Jato participou de investigações que levaram a 278 condenações, algumas de réus confessos, como o empresário Marcelo Odebrecht, que sustentava um departamento de propina para políticos na empreiteira, ou Pedro Corrêa, ex-deputado do PP, que mencionou troca de apoio aos Governos petistas em troca de ministérios, além de cargos em diretorias de empresas públicas como a Petrobras. “O mesmo que se fazia nos Governos anteriores. Inclusive com o entendimento e favores a empresários, igualzinho a todos os Governos que participei desde 1976”, ressaltou ele, em entrevista ao Paraná Portal. Em sua delação aos procuradores, Correia apontava corrupção na Petrobras desde o Governo de Fernando Henrique Cardoso (1994-1998 e 1999-2002).
O problema são os juízos onde as investigações tiveram atropelos com consequências diretas para os rumos políticos do Brasil. A Vaza Jato já havia revelado conversas que mostravam as estratégias de divulgação para a imprensa e o contato direto dos procuradores com movimentos de rua que torciam pela queda da então presidente Dilma Rousseff em 2016, retroalimentando a pressão popular para favorecer os pleitos da Lava Jato. Mesmo quando passavam por ilegalidades, como a exposição de um telefonema entre o ex-presidente Lula e Rousseff, em que eles discutiam a futura noemação do ex-presidente para um cargo de ministro. A celeridade da condenação de Lula também causou uma clara sensação de parcialidade, incluindo a confirmação de pena em segunda instância.
Divisor de águas
O julgamento da suspeição de Moro pode, assim, ser um divisor no passado de glórias da Lava Jato e vaideterminar o futuro do combate à corrupção no Brasil. Os trechos de arquivos apreendidos pela Operação Spoofing mostram que o sucesso da operação teve um custo alto para a imagem da Justiça brasileira, com excessos que afetam a credibilidade do sistema Judiciário. Ignorar esses desvios seria um golpe que contaminaria o mesmo Supremo. O processo está nas mãos do ministro Gilmar Mendes, que pediu vistas e já avisou que ele poderá ser julgado pela Segunda Turma do Supremo ainda no primeiro semestre deste ano. Em tese, as informações divulgadas tornariam mais difícil aos ministros da Corte justificarem um comportamento que vai contra o princípio da imparcialidade do Direito brasileiro.
A dúvida, no entanto, é se eles vão admitir as mensagens como legítimas ou tomá-las como provas ilícitas, diz o advogado Alberto Toron, que defende réus da Lava Jato. “Reconhecidamente esse material foi interceptado de forma ilícita [pelos hackers que invadiram os celulares dos integrantes da Lava Jato e de Moro], o que abre uma grande discussão no processo penal, pois não valem para acusar alguém. Mas e para se defender ou mostrar parcialidade de um juiz?”, questiona Toron.
A montanha de mensagens confirma o que advogados de defesa dos réus reclamavam desde o início da operação, em 2014. “Um juiz precisa ser equidistante e assegurar à acusação e à defesa as mesmas condições. Isso é a negação radical desse princípio fundamental do exercício da magistratura”, afirma o advogado Maurício Dieter, professor de criminologia da USP. Os procuradores e o juiz encarnaram uma espécie de “tenentismo togado”, como escreve o jurista e cientista político Christian Edward Cyril Lynch —numa alusão aos tenentes que se revoltaram contra a República Velha na década de 1930— os novos heróis, no caso juízes e promotores da Lava Jato, assumiram para si a tarefa de limpar a política, “se não mais a golpes de metralha, pelo menos de vazamentos, delações premiadas e rigorosas condenações judiciais”. Foram bem sucedidos por um tempo em sua “Revolução Judiciarista”.
Moro nunca reconheceu o teor das conversas e sempre afirmou que podiam ter sido adulteradas. Após o movimento de Lewandowski, o ex-ministro da Justiça do Governo Jair Bolsonaro voltou a repetir sua justificativa: “Não reconheço a autenticidade das referidas mensagens, pois como já afirmei anteriormente não guardo mensagens de anos atrás”, disse em nota. “As referidas mensagens, se verdadeiras, teriam sido obtidas por meios criminosos, por hackers, de celulares de procuradores da República, sendo, portanto, de se lamentar a sua utilização para qualquer propósito, ignorando a origem ilícita”. O problema desse argumento é que a própria Polícia Federal, acionada pelo então ministro Moro quando a Vaza Jato publicava suas reportagens, fez a perícia das mensagens e constatou que são verdadeiras. O MPF de Curitiba informou por meio da assessoria de imprensa que não comenta o caso.
Eliane Cantanhêde: O pino da granada
O acesso de Lula às mensagens hackeadas da Lava Jato vai explodir no STF e em 2022
Ao abrir os arquivos hackeados da Lava Jato para os advogados do ex-presidente Lula, o ministro Ricardo Lewandowski tirou o pino da granada e vem por aí uma explosão política com epicentro no Supremo Tribunal Federal e estilhaços nas eleições presidenciais de 2022. Lewandowski escolheu o momento a dedo, com o Supremo já em chamas.
Os arquivos têm cerca de 7 TB (terabytes) de memória, o que corresponde a toneladas de papel, mas Lewandowski permitiu o acesso da defesa de Lula “apenas” às mensagens de autoridades – o então juiz Sérgio Moro e a força-tarefa da Lava Jato – que tenham relação com o ex-presidente e as ações contra ele. Detalhe: mensagens que digam respeito a ele até indiretamente, o que abre uma janela sem fim.
O impacto mais previsível tende a ser no julgamento sobre os pedidos de suspeição de Moro nos casos de Lula, que estão na Segunda Turma do STF e embutem a tentativa de anular suas condenações pelo triplex do Guarujá, pelo qual já ficou 580 dias preso, e pelo sítio de Atibaia. Se o STF declara a suspeição de Moro, tudo volta à primeira instância, à estaca zero. E Lula se torna elegível em 2022.
A sinalização é pró-Lula, anti-Moro. Em agosto deste ano, a Segunda Turma decidiu pela “parcialidade” do então juiz e anulou a sentença do doleiro Paulo Roberto Krug no caso Banestado, sob alegação do próprio Lewandowski e do ministro Gilmar Mendes de que Moro teria atuado não como juiz, mas como “auxiliar” do Ministério Público até na produção de provas. Essa alegação é a mesma nos casos de Lula.
Diferentemente de Gilmar, Marco Aurélio e Luiz Roberto Barroso, por exemplo, Lewandowski não é dado a palestras, entrevistas e polêmicas públicas. Ele não fala, age. E age sempre na mesma direção: a favor de Lula, para corrigir o que considera erros históricos contra o maior líder popular do País pós-redemocratização. É como se a prisão de Lula estivesse engasgada na garganta.
Não tão petistas, ou nada petistas, outros ministros dividem com Lewandowski a convicção de que a prisão de Lula foi um excesso, logo injusta. “A gente deve a Lula um julgamento decente”, repete Gilmar há anos, enquanto nas redes sociais grassa uma comparação: o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) comprou e vendeu uns 20 imóveis, muitas vezes com dinheiro vivo, mas Lula foi preso por um apartamento que nunca comprou, vendeu ou usou.
A decisão de Lewandowski, portanto, é lenha, álcool e palha na fogueira do Supremo em 2021, que vai chegando ao fim com uma rebelião dos ministros Gilmar, Lewandowski, Marco Aurélio e Alexandre de Moraes contra o presidente Luiz Fux, com Dias Toffoli no banco de reservas. Eles simplesmente decidiram cancelar o próprio recesso e ficar de prontidão. Para quê? Para impedir decisões monocráticas de Fux em processos em que sejam relatores.
Marco Aurélio já cancelou seu recesso durante a presidência de Toffoli, mas não há precedente de quatro ministros agirem assim juntos e isso caracteriza um “atestado de desconfiança” em relação a Fux. Eles são anti Lava Jato, ele é a favor. E a guerra comporta uma provocação: se a mídia usa o vazamento de informações sigilosas, como pode se indignar com o acesso de Lula a tudo o que foi dito – ou armado, como dizem – contra ele?
O efeito político deve ser favorável ao presidente Jair Bolsonaro. Qualquer decisão benevolente com Lula tende a ter correspondência nos processos contra o senador Flávio. E, se os processos são anulados e Lula se torna elegível, isso vai eletrizar o País e acirrar a polarização Lula versus Bolsonaro em 2022, o que ainda é favorável ao capitão, como em 2018. Ao garantir uma “reparação” para Lula, o Supremo pode acabar beneficiando Bolsonaro.
Reinaldo Azevedo: O juiz Moro já teria mandado prender o empresário Moro
É preciso que se apure eventual corrupção passiva do agora sócio de consultoria
Segundo os critérios com que o então juiz Sergio Moro conduziu a Lava Jato —e ele a conduziu, não é mesmo?—, o agora "sócio-diretor" da Alvarez & Marsal estaria em prisão preventiva, que seria decretada no mesmo dia em que se efetuaria um espalhafatoso mandado de busca e apreensão em seus endereços, devidamente acompanhado por ao menos uma equipe de televisão, previamente avisada. Tudo combinado com os parças do MPF.
Homens de preto invadiriam a sua casa. Com algum requinte, um helicóptero sobrevoaria a residência para indicar a periculosidade da pessoa sob investigação. Ato contínuo, haveria uma entrevista dos procuradores e do delegado federal encarregados da operação. Nessa oportunidade, então, acusações novas se fariam, ausentes do despacho do juiz que autorizou o espetáculo. E pronto! A defesa não teria o que dizer porque sem acesso aos autos.
No dia seguinte, um repórter farejador de procuradores e delegados vazaria uma informação exclusiva contra o preso.
Moro mandaria prender Moro com base em que fundamento? "Garantia da ordem econômica e conveniência da instrução criminal", conforme estabelece o artigo 312 do Código de Processo Penal, uma vez que o suposto crime investigado é grave: corrupção passiva, segundo dispõe o artigo 317 do Código Penal.
Lá está escrito: "Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem: Pena "“ reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa". Mas Moro fez isso?
"Calma, senhores!", diria o diligente juiz morista. As decisões foram tomadas "em regime de cognição sumária" apenas. É que não existe circo sem espetáculo. Como diria o ministro Luiz Fux, o amigão de Adriana Ancelmo, não podemos permitir "que a Lava Jato seja desconstruída", com o que concorda o punitivismo dedicado de Edson Fachin e Cármen Lúcia, por exemplo.
Depois de ter ajudado a quebrar a indústria de construção pesada no país, inclusive a Odebrecht, Moro se torna "sócio-diretor" da empresa que comanda a recuperação judicial do grupo. A A & M já recebeu R$ 17,6 milhões pelo serviço. Fez o mesmo com a OAS e tem ainda como clientes a Queiroz Galvão e a Sete Brasil, todas elas vitimadas pela dita "maior operação de combate à corrupção da Terra".
O então juiz homologou os benefícios da delação concedidos a diretores de empresas que caíram na teia da Lava Jato e gerenciou as facilidades dos acordos de leniência. Os beneficiários de sua ação são agora clientes da empresa que vai enriquecê-lo. Ganha o pão onde comeu a carne. No terreno moral, o conflito de interesses é óbvio, a menos que o observador já tenha se despedido de tais pruridos. Mas isso é pouco. É preciso que se apure a eventual ocorrência de crime de corrupção passiva.
Como repudio os métodos de Moro e do morismo, não defendo que o ex-juiz e agora empresário seja preso antes de eventual condenação, se condenado for, sempre de olho no 312 do CPP. Ele tem de ter direito àquilo que sempre negou às suas vítimas: as garantias de um Estado democrático e de Direito. Mas, para tanto, precisa ser investigado. Augusto Aras, no entanto, deve se acoelhar.
Aqui e ali, os passadores de pano afirmam que a investigação constituiria uma soma de vinganças: do PT e de Bolsonaro. Assim, mais uma vez, Moro pode se colocar acima da lei e da moralidade, protegido pela mesma esfera de inimputabilidade que levou a Lava Jato a destruir o devido processo legal no país, jogando-nos no buraco do bolsonarismo.
Para arrematar: o juiz Moro rejeitou relatórios da A & M, de que agora o empresário Moro é sócio, segundo os quais o tal tríplex de Guarujá pertencia à OAS, não a Lula. Até o objeto do processo que levou o ex-presidente à cadeia era fraudulento. Faz sentido. O líder petista já estava condenado antes de qualquer investigação, como deixou claro a Vaza Jato.
Por ato falho ou desconhecimento da I & B (Inculta e Bela), a A&M informou nesta quarta que Moro vai se ocupar do "desenvolvimento de políticas antifraude e corrupção".
Bingo!
Bernardo Mello Franco: Os interesses de Sergio Moro
O juiz que comandou a Lava-Jato virou sócio de uma consultoria que socorre empresas falidas na operação. O novo emprego de Sergio Moro tem levantado discussões sobre ética e conflito de interesses. Não é a primeira vez que acontece com ele.
Em 2018, Moro mandou prender o candidato que liderava a corrida presidencial. A decisão abriu caminho para Jair Bolsonaro, que ocupava o segundo lugar nas pesquisas. Sete meses depois, o juiz pendurou a toga para se juntar à tropa do capitão.
O convite para integrar o governo foi feito durante a campanha, segundo o próprio Moro. O pacote incluía uma vaga no Supremo Tribunal Federal, mas ele rompeu com o chefe antes de selar a nomeação.
Agora a zona cinzenta se deslocou da política para o mundo dos negócios. Moro será sócio-diretor da consultoria americana Alvarez & Marsal, especializada em recuperar empresas quebradas. Entre seus clientes, estão quatro alvos da Lava-Jato: Odebrecht, OAS, Queiroz Galvão e Sete Brasil.
Em nota, o ex-ministro disse que pretende “ajudar as empresas a fazer coisa certa”. “Não é advocacia, nem atuarei em casos de potencial conflito de interesses”, afirmou. A A&M o apresentou como um especialista em “liderar investigações anticorrupção” e “aconselhar clientes sobre estratégia e conformidade regulatória proativa”. Já se sabia que Moro aconselhava procuradores, falta saber o que ele dirá aos réus.
O ex-juiz selou o destino das quatro empresas atendidas pela A&M. Analisou informações confidenciais, condenou executivos e assinou acordos de delação e leniência. No caso da Odebrecht, ele fixou o pagamento de US$ 2,6 bilhões em multas. Agora virou sócio da consultoria que toca a recuperação judicial da empreiteira.
“Moro está emprestando o patrimônio da Lava-Jato a uma empresa que lucra com os resultados dela. A meu ver, isso põe muitos processos que ele julgou em suspeição”, afirma o presidente da OAB, Felipe Santa Cruz. O ex-ministro poderá responder a um processo disciplinar na Ordem. Nas mãos do juiz Moro, o consultor Sergio estaria em apuros.
Bruno Boghossian: Em silêncio, Bolsonaro sugere não ter motivos para se preocupar com inquérito
Expectativa de impunidade no caso da PF ajuda presidente a evitar riscos e desarmar holofote para Sergio Moro
Em silêncio, Jair Bolsonaro disse muito. O presidente avisou ao Supremo que não vai prestar depoimento no inquérito aberto para apurar suas tentativas de interferência no comando da Polícia Federal. A intromissão foi registrada em gravações e declarações públicas, mas ele sugere ter motivos para não se preocupar com a investigação.
Há sete meses, Bolsonaro estava emparedado pelas acusações feita pelo ex-ministro Sergio Moro. O presidente se enrolou nas explicações, admitiu que gostaria de trocar a chefia da PF no Rio por interesse de seu grupo político e indicou que a mudança tinha relação com aliados sob investigação no STF.
Depois de se beneficiar de uma aliança com Moro, Bolsonaro trabalhou para deteriorar a imagem do ex-juiz. O governo percebeu o perigo daquele episódio e reagiu apavorado –ao ponto de lançar uma ameaça nada velada de golpe de Estado para responder a uma decisão processual burocrática sobre um pedido de apreensão do celular do presidente.
Bolsonaro saiu das cordas porque conseguiu fazer com que o caso esfriasse. As acusações perderam destaque com o avanço da pandemia, e a coalizão forjada no Congresso deu a impressão de que o governo estava protegido de tumultos políticos.
No campo judicial, o inquérito foi engolido por discussões sobre a forma do depoimento do presidente: escrito ou presencial. Ele fingiu espernear e acusou o STF de tratamento injusto. O tribunal não tomou uma decisão final, mas o advogado-geral da União mandou avisar que Bolsonaro decidiu “declinar do meio de defesa que lhe foi oportunizado”.
O presidente abre mão de se defender porque sabe que o caso tem tudo para ser guardado numa gaveta. Com a expectativa da impunidade, ele evita o risco de se embananar e dar munição aos investigadores.
De quebra, Bolsonaro ainda desarma um potencial holofote para Sergio Moro. A investigação era um dos poucos palanques políticos do ex-juiz. Ele deve encolher um pouco mais se o inquérito for arquivado.
Dora Kramer: Pé no chão
Uma coisa é certa: em 2022 a política tradicional não embarca outra vez na canoa de Bolsonaro
A notícia do encontro de Luciano Huck com Sergio Moro levou de volta à cena da sucessão presidencial o apresentador que andava sumido desde a eclosão da pandemia. Outro efeito foi expor o ex-juiz ao frio e à chuva dos ataques à direita e à esquerda e enquadrá-lo na moldura de companhia questionável: um tanto tóxica no meio político, mas bem-aceita na sociedade.
Por ora, fica por aí o andamento da construção de uma candidatura de centro capaz de enfrentar Jair Bolsonaro em 2022. Isso no tocante ao que os artífices da empreitada estão dispostos a revelar ao público, porque nos bastidores a coisa segue o ritmo das conversas, aproximações e lances antecipados para futuras alianças que vêm acontecendo desde o ano passado.
Huck recolocado, Moro testado e João Doria instigado, mas mais interessado em se firmar como contraponto a Bolsonaro do que em disputar espaços internos na articulação de uma alternativa ao presidente. Este é o quadro e dele não veremos grandes evoluções até que se possa dar por encerrada a crise sanitária, definida a troca (ou repetição) do comando no Congresso e delineados os rumos da economia, para o bem ou para o mal.
Aqui o mapa do resultado do primeiro turno da eleição municipal tem importância relativa. Para antecipar definições sobre vencedores e perdedores em 22, o peso é zero. Temos exemplos a mancheias de derrotados numa e vitoriosos na seguinte, e vice-versa. Importa sim o tamanho do eleitorado que sairá representado por essa ou aquela força política, aí sim projetando uma tendência do estado de espírito do eleitorado.
Pelas pesquisas, o desenho revela uma inclinação ao já conhecido e/ou testado: Bruno Covas em São Paulo, Eduardo Paes no Rio de Janeiro, o atual prefeito em Belo Horizonte, os herdeiros de Eduardo Campos e ACM Neto no Recife e em Salvador, respectivamente. Se confirmadas as intenções de voto, teremos a prevalência do ânimo conservador (não no sentido ideológico) sobre humores pautados por revolta e ressentimento.
É verdade que não temos nada parecido com figuras de escol em matéria de experiência e biografia. Temos de desconsiderar perfis ideais e trabalhar com as hipóteses postas. No campo da candidatura dita de centro, Sergio Moro não agrega e Luiz Henrique Mandetta não passa pelo crivo dos interesses do partido dele (DEM). Restam Luciano Huck e João Doria. Numa avaliação crua, Huck por enquanto se situa na desvantagem em relação a Doria.
Pelo seguinte: o governador é do PSDB e já compôs uma aliança com o DEM e o MDB que inclui a eleição municipal em São Paulo e outras capitais (Rio e Salvador, por exemplo), a composição da chapa de 2018 com a cessão ao DEM da vice e a chance de assumir o governo a partir de abril de 2022, além da escolha dos próximos presidentes da Câmara e do Senado. Fechou, assim, com as forças políticas de maior peso.
Esse pessoal pode mudar e se transferir para uma candidatura de Luciano Huck? Até pode, mas não fará isso antes de o apresentador mostrar capital eleitoral/partidário e transformar-se de celebridade popular em candidato competitivo. Uma coisa é este ou aquele político demonstrar simpatia e posar para fotos com Huck, outra é ver esses personagens embarcar na canoa dele para valer.
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Doria, contudo, tem obstáculos fortes para ultrapassar: o pouco conhecimento em âmbito nacional, uma certa antipatia país afora com a supremacia paulista e a desconfiança do eleitorado do próprio estado pelo fato de ter abandonado a prefeitura para concorrer ao Palácio dos Bandeirantes depois de ter prometido cumprir o mandato.
Para vencer essas dificuldades, Doria se posiciona como um contraponto a Bolsonaro a fim de ganhar projeção e firmar imagem de governante civilizado e eficaz. Ciente do peso do quesito aversão a “paulistices”, no lugar de se referir aos “paulistas”, adota a expressão “brasileiros que moram em São Paulo”. Por sua vez, Huck e até Ciro Gomes não têm responsabilidades governamentais e podem se movimentar com mais liberdade.
A despeito da indefinição do panorama hoje mais calcado em hipóteses a ser definidas a partir de meados de 2021, uma coisa é certa: os políticos tradicionais que em 2018 ficaram com Bolsonaro de modo utilitário e entraram na eleição desarticulados não vão repetir a dose.
E o papel do Centrão? É como diz um dos donos da voz da experiência na política tradicional: “o centrão é o primeiro na fila dos cumprimentos ao vencedor”.
Publicado em VEJA de 18 de novembro de 2020, edição nº 2713
Folha de S. Paulo: Centrão diz que é cedo para tratar de chapa Huck-Moro
Líderes parlamentares avaliam como ruim o 'timing' para encontro entre apresentador e ex-ministro
Danielle Brant e Renato Machado, da Folha de S. Paulo
A construção de uma chapa à Presidência que reúna o apresentador Luciano Huck e o ex-ministro Sergio Moro é vista como embrionária por líderes de partidos de centro (entre eles siglas que formam o chamado centrão), para quem a dupla ainda precisaria de apoio no Congresso para se tornar viável.
Uma aliança entre os dois forjada para se contrapor ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em 2022 começou a tomar forma após um almoço entre Huck e o ex-juiz da Lava Jato em Curitiba no final de outubro, como revelado pela Folha.
Logo que o encontro se tornou público, no entanto, a articulação foi bombardeada por importantes nomes de partidos do centro e centro-direita, entre eles o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que exerce forte influência na sigla.
À colunista Mônica Bergamo, da Folha, Maia afirmou na segunda-feira (9) que Moro era de extrema direita e descartou qualquer apoio a uma chapa composta pelo ex-juiz.
No mesmo dia, o deputado e o apresentador almoçaram no Rio de Janeiro. Segundo o colunista Lauro Jardim, Huck teria dito que sua "turma" era a do presidente da Câmara e lembrado que já se reuniu com outros nomes além de Moro, como os governadores do Maranhão, Flávio Dino (PC do B), e do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB).
Por enquanto, Maia é voz praticamente isolada nas críticas públicas a uma chapa formada por Huck e por Moro.
Líderes e presidentes de partidos de centro no Congresso adotam cautela e avaliam que ainda é cedo para fazer qualquer análise sobre uma eventual aliança de ambos para se contrapor à tentativa de reeleição de Bolsonaro.
"Acho muito cedo para dizer se terão ou não nosso apoio", afirma o líder do Solidariedade na Câmara, deputado Zé Silva (MG). "Prestígio e fama não asseguram competência para fazer gestão pública com eficiência e eficácia."
O Solidariedade é um dos partidos que compõem o centrão, junto de PP, PL e Republicanos.
O senador Esperidião Amin (PP-SC), líder do bloco formado por senadores de PP, Republicanos e MDB, afirmou que a chapa Moro-Huck ainda se mostra uma "especulação sem qualquer consequência" e não "um projeto".
"Nós estamos em uma pandemia. Temos um período eleitoral que vai até o dia 29. Então eu nem tenho coragem de discutir a sucessão no Senado quando me perguntam, quanto mais 2022", disse.
"Não estou criticando quem queira discutir. [Mas] O Huck almoçar com o Rodrigo Maia. O Rodrigo Maia deveria estar preocupado em organizar a comissão do Orçamento", afirmou.
Congressistas também afirmaram que o "timing" do encontro entre Huck e Moro demonstra uma falta de conhecimento da política nacional, que avaliam ser um ponto negativo para a aliança.
Um senador, que não quis se identificar, disse que os dois foram ingênuos se consideraram que o encontro não seria descoberto ou então, caso soubessem que seria divulgado pela mídia, escolheram o momento errado para se reunirem, semanas antes do primeiro turno das eleições municipais —com a atenção de políticos e do público voltada para esse tema.
Além disso, nos bastidores, a interpretação é que, se quiserem se tornar uma chapa viável, ambos precisam buscar apoios partidários e evitar incorrer no que é visto como um equívoco de Bolsonaro: vencer a eleição sem uma base consolidada e, agora, depender do apoio de partidos do centrão para aprovar projetos de interesse do governo no Congresso.
Bolsonaro se elegeu pelo PSL, mas rompeu com o partido em novembro de 2019, em uma decisão que rachou a legenda e diluiu a rede de congressistas que respaldam os textos do Executivo.
Diante da ameaça de processos de impeachment, precisou recorrer à política do "toma lá dá cá" e oferecer cargos ao centrão —formado por partidos como PP, PL e Republicanos— em troca de votos.
"Eu sempre acho que, por trás de uma candidatura, tem que ter uma base partidária forte de sustentação, para não acontecer o que aconteceu com o Bolsonaro, que chega ao poder, criticou a vida inteira a política velha, a política do centrão, e hoje é ícone do centrão", disse o senador Otto Alencar (PSD-BA), líder da legenda.
Para não correrem risco de ficar sem base no Congresso, uma aliança entre Moro e Huck precisaria do apoio não só do centrão, mas de partidos com grandes bancadas, como MDB e DEM —que somam 63 deputados.
Os congressistas avaliam que alianças apenas eleitorais pouco contribuiriam para criar uma situação de governabilidade.
Por isso consideram que a época de "dois outsiders" na mesma chapa tenha se encerrado com a eleição de Bolsonaro. Acham mais viável uma chapa com uma figura de alta popularidade fora da política compondo com algum político de partido estabelecido.
A viabilidade da chapa também esbarra em alguns outros entraves.
Um deles é a interpretação de que Huck e Moro não representariam uma candidatura de centro, como argumentou o ex-ministro Ciro Gomes (PDT), presidenciável que terminou em terceiro lugar na eleição de 2018.
"No dia em que [o governador de São Paulo, João] Doria, Huck e Moro forem de centro, eu sou de ultraesquerda, o que eu nunca fui", disse na segunda-feira.
O senador Otto Alencar também tem posição parecida, afirmando que Moro é uma figura política de direita.
"Se o Moro foi ser ministro de Bolsonaro é porque ele concorda com o Bolsonaro. Se a demissão mudou o juízo dele, aí é outra história", provocou o senador.
"Na minha opinião, ele [Moro] não tem nada que ver com centro. Eu, por exemplo, defendo uma posição de centro-social, centro-esquerda, uma posição bem organizada de finanças e trabalho para conter o déficit fiscal e investir tudo o que puder na educação, na saúde e ação social", disse Alencar.
Em setores do Congresso, o discurso anticorrupção de Moro abre portas, enquanto há dúvidas sobre quais pautas seriam prioritárias para Huck —para alguns, o apresentador é pouco liberal e inclinado a uma agenda social.
Mas o ex-ministro também tem rejeição mais forte, principalmente por deputados que criticam a forma como conduziu a Lava Jato.
A aproximação de Huck e Moro seria, na leitura de congressistas, um balão de ensaio para testar a recepção aos dois nomes. Nesse contexto, alguns interpretam a decisão de Huck de almoçar com Maia logo após as críticas do deputado ao ex-ministro como uma tentativa de reorganizar o apoio.
Assim, em vez de compor chapa com o ex-juiz, Huck poderia se filiar ao DEM. Isso abriria também caminho para uma aliança com Doria, o que eliminaria um dos argumentos que poderiam ser usados contra o discurso de que se trata de alternativa ao governo: o de que Moro, afinal, fez parte do governo Bolsonaro até abril deste ano.
Merval Pereira: A busca do equilíbrio
Chamar o ex-juiz Sérgio Moro de extremista de direita é evidentemente um abuso de linguagem com objetivo político. O presidente da Câmara Rodrigo Maia e a direção do Democratas, inclusive seu presidente ACM Neto, estão há tempos participando dos preparativos para o lançamento da candidatura de Luciano Huck à presidência da República, e o encontro dele com Moro em Curitiba deve tê-los apanhado de surpresa, daí a reação exagerada.
Como uma parte independente do Centrão, o DEM tem que zelar pela capacidade de aliança do grupo, e Moro é figura non grata de todo político apanhado na malha da Lava-Jato, ou que pode vir a ser. Sobram poucos que apóiam ainda a maior operação de combate à corrupção já realizada no país, e Moro, por falta de traquejo político, não se aproxima nem mesmo desses.
Também a esquerda esperneou com a aproximação de Huck com Moro, tendo o presidente do Partido Socialista a classificado de “erro crasso”. Para quem pretende expressar uma candidatura de centro-esquerda, Luciano Huck foi além dessa bolha, praticando o que o presidente do Cidadania, Roberto Freire, define como a saída para enfrentar a polarização em 2022: aceitar todos os que pretendem a derrota de Bolsonaro, sem idiossincrasias.
A eleição de Joe Biden nos EUA provou que, contra um extremista de direita, o melhor é uma pessoa de centro, não um extremista de esquerda. Em 2018, no Brasil, tivemos um embate entre direta e esquerda e as candidaturas de centro não foram adiante porque se queria uma disputa sangrenta, uma agressividade na campanha que o centro não oferecia.
Mas depois de dois anos de Bolsonaro e quatro de Trump, fica claro que cansa essa situação permanente de tensão, de agressividade e de disputas políticas que chegam a ser guerra. Bolsonaro está em permanente guerra, e foi o que aconteceu com Trump, que durante quatro anos colocou os EUA de cabeça para baixo, incentivou a violência e a agressividade de seus seguidores.
Aqui, a tendência deve ser essa também, de as pessoas cansarem do Bolsonaro, cujo único propósito é atacar e destruir, sem criar nada. Um candidato de centro, com capacidade de confrontar Bolsonaro e chamar os eleitores para uma reconciliação nacional pode derrotá-lo. Uma candidatura com visão mais social do país, visando a redução da desigualdade, terá mais chance de vitória. Mesmo porque a economia está mal, e não dá sinais de recuperação.
A questão será definir quem é quem no espectro político nacional. O Centrão é de direita ou extrema-direita? Ciro Gomes é de esquerda, de centro, ou de extrema-esquerda? Houve época em que Rodrigo Maia não queria saber de esquerda na hipotética formação de um novo partido, que deveria ser de centro-direita. Hoje, um partido de centro-esquerda é o objetivo dos que se preparam para confrontar Bolsonaro em 2022.
Classificar Moro de extrema-direita por ter participado do governo Bolsonaro é acatar a tese de que ele aceitou o convite não para fortalecer o combate à corrupção, mas para obter benefícios pessoais. Se fosse assim, teria aderido às insanidades de Bolsonaro e permanecido no governo, aguardando uma vaga para o Supremo Tribunal Federal (STF).
Pode ter ficado mais tempo do que devia, acreditando poder conseguir êxitos que só seriam possíveis com um governo empenhado no combate à corrupção, e não nesse de Bolsonaro, que tem tanto a esconder quanto os políticos do Centrão que o cercam.
Pode ter sido ingênuo ao aceitar o cargo, e ao permanecer nele, e essa não é uma qualificação que o habilite a ser candidato à presidência da República. Não é possível imaginar-se que a história se repita, mas é preciso aprender com os fatos. Joe Biden, protótipo do político tradicional de centro, já desde a vitória de Obama sentiu o espírito do tempo e foi capaz de dar uma resposta convincente.
Derrotou a esquerda partidária nas primárias, mas ganhou o apoio do senador Bernie Sanders e da senadora Elizabeth Warren, e chamou a deputada Alexandra Ocasio-Cortez, fenômeno da nova esquerda, para participar da formulação de seu programa de governo.