Sergio Moro

O Estado de S. Paulo: Fachin anula todas as condenações de Lula na Lava Jato e torna ex-presidente elegível

Relator da Operação no Supremo incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba para o processo e julgamento de quatro ações contra o petista e determinou a remessa dos autos dos processos à Justiça Federal do Distrito Federal, que vai decidir 'acerca da possibilidade da convalidação dos atos instrutórios'

Pepita Ortega, Paulo Roberto Netto e Fausto Macedo, O Estado de S. Paulo

O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, declarou a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba para o processo e julgamento das quatro ações da Operação Lava Jato contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva – triplex do Guarujá, sítio de Atibaia e sede do Instituto Lula e doações da Odebrecht – , anulando todas as decisões daquele juízo nos respectivos casos, desde o recebimento das denúncias até as condenações –  o que torna o petista elegível e apto a disputar as eleições presidenciais de 2022.

O relator da operação no Supremo determinou a remessa dos autos dos processos à Justiça Federal do Distrito Federal, que vai decidir ‘acerca da possibilidade da convalidação dos atos instrutórios’.

Em razão do entendimento, o ministro ainda declarou a perda de objeto de dez habeas corpus e quatro reclamações apresentadas à corte pela defesa do petista. Entre tais recursos está o habeas corpus em que os advogados de Lula alegavam a suspeição do ex-juiz Sérgio Moro.

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Em decisão de 46 páginas, o ministro Edson Fachin apontou que, na ação penal do tríplex, o único ponto de ‘intersecção entre os fatos narrados’ na denúncia contra Lula e a competência de Curitiba foi o pertencimento do grupo OAS ao cartel de empreiteiras que atuava de forma ilícita nas contratações da Petrobrás.

“Não cuida a exordial acusatória de atribuir ao paciente uma relação de causa e efeito entre a sua atuação como Presidente da República e determinada contratação realizada pelo Grupo OAS com a Petrobras S/A, em decorrência da qual se tenha acertado o pagamento da vantagem indevida”, anotou Fachin.

Ao estender a decisão para as outras três ações penais – sítio de Atibaia, terreno do Instituto Lula e doações da Odebrecht – o ministro afirmou que existem as mesmas problemáticas.

“Em todos os casos, as denúncias foram estruturadas da mesma forma daquela ofertada nos autos da Ação Penal n. 5046512-94.2016.4.04.7000/PR, ou seja, atribuindo-lhe o papel de figura central do grupo criminoso organizado, com ampla atuação nos diversos órgãos pelos quais se espalharam a prática de ilicitudes, sendo a Petrobras S/A apenas um deles”, registrou o ministro.

Em nota divulgada junto da decisão, Fachin ainda destacou que nas ações penais envolvendo Lula, assim como em outros processos julgados pelo Plenário e pela Segunda Turma, ‘verificou-se que os supostos atos ilícitos não envolviam diretamente apenas a Petrobras, mas, ainda outros órgãos da administração pública’. Nessa linha, o ministro frisou que ‘especificamente em relação a outros agentes políticos que o Ministério Público acusou de adotar um modus operandi semelhante ao que teria sido adotado pelo ex-presidente, a Segunda Turma tem deslocado o feito para a Justiça Federal do Distrito Federal’.

“As regras de competência, ao concretizarem o princípio do juiz natural, servem para garantir a imparcialidade da atuação jurisdicional: respostas análogas a casos análogos. Com as recentes decisões proferidas no âmbito do Supremo Tribunal Federal, não há como sustentar que apenas o caso do ora paciente deva ter a jurisdição prestada pela 13ª Vara
Federal de Curitiba. No contexto da macrocorrupção política, tão importante quanto ser imparcial é ser apartidário”, registrou o ministro em sua decisão.

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O texto divulgado pelo gabinete do ministro do STF diz ainda que a questão da competência já havia sido suscitada pela defesa de Lula em outros momentos, mas que é a ‘primeira vez que o argumento reúne condições processuais de ser examinado, diante do aprofundamento e aperfeiçoamento da matéria pelo Supremo Tribunal Federal.

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Rosângela Bittar: O Teorema Lula

Lula virou político de novo e restabeleceu o que parecia superado: a polarização

Desafio à esfinge: o que houve de determinante, em tão curto espaço de tempo, que levou o ex-presidente Lula a assumir sua candidatura à Presidência da República? Num dia ele lançou Fernando Haddad, despachando-o para liderar caravanas. Quinze dias depois, sem revogar a primeira ordem, declarou de viva-voz o que todos entenderam como um alto lá. Será ele mesmo o candidato. 

No primeiro movimento, o ex-presidente pretendeu tranquilizar o Supremo Tribunal Federal quanto à sua submissão à Lei da Ficha Limpa. Não seria candidato mesmo se lhe fosse favorável o julgamento, esta semana, relativo à suspeição do juiz Sérgio Moro no caso do triplex do Guarujá. 

Duas semanas se passaram e eis que o ministro Ricardo Lewandowski permitiu acesso da defesa aos diálogos entre os promotores da força-tarefa e o juiz da Lava Jato. São 10% as transcrições do grampo que se referem a Lula, agora em exame pelo ministro Gilmar Mendes, o relator do processo. 

Os advogados puderam constatar a extensão do comprometimento não apenas de Sérgio Moro, como do coordenador Deltan Dallagnol e até do então procurador-geral Rodrigo Janot. Verificaram que a Justiça teria dados suficientes para considerar Lula vítima de perseguição. Constataram que os que o prenderam admitiam não ter provas ou certezas. 

Ampliaram-se, então, as expectativas, até aí limitadas ao triplex. Agora seria possível rever também o caso do sítio de Atibaia. Anuladas as sentenças, recuperados os direitos políticos, Lula poderia ser candidato. Aí se precipitou, surpreendendo até quem esperava estabelecer com o PT uma aliança mais ampla ao centro e à esquerda. 

O que fará a seguir ainda está em análise. Poderá pedir a extensão dos argumentos do triplex para o sítio. Se não for possível, a defesa ingressará com novo pedido de habeas corpus específico. 

Desde que saiu da prisão, o ex-presidente só se manifestava para louvar a preservação da sua potência sexual, anunciava planos de casamento com Janja e sugeria uma vida reclusa em paradisíaca praia da Bahia. 

De repente, uma mudança e tanto. Lula virou político de novo e restabeleceu o que parecia superado: a polarização. O presidente Jair Bolsonaro exultou. Vinha projetando o fantasma do ex-presidente como adversário, agora o tinha na realidade. E a Lula sempre interessou o confronto com Bolsonaro. Ambos querem uma disputa de recíproca rejeição acreditando, cada um, que o outro tem pior conceito na praça. 

Este cenário é responsável pela ressurreição, nestes recentes episódios nada espontâneos, do aviso do general Villas Bôas ao STF sobre a inconveniência de restaurar os direitos eleitorais de Lula. Um episódio de dois anos atrás, subitamente atualizado pela edição do livro de memórias do ex-comandante, com novas revelações. Entre elas a de que o Alto Comando do Exército referendou a pressão que exerceu sobre a Suprema Corte. 

Desta vez, com um agravante: a explosão do apoio aos militares do núcleo de extremistas que sustentam Bolsonaro. Até como pretexto para mais uma vez agredirem o Supremo, o saco de pancadas do grupo. 

Uma frente que expõe a geleia geral de obscurantismo, negacionismo, diversionismo, golpismo e provocação. 

Como se o tempo tivesse dado uma meia-volta, volver. 

Tal enredo ainda não está consolidado. Nada impede que o STF contorne polêmicas e adote uma solução híbrida. Reconheceria a suspeição do juiz Sérgio Moro, mas não restabeleceria os direitos políticos de Lula, que permaneceria inelegível. E já houve precedente desta combinação: a decisão de Lewandowski, agora com sinais trocados, no impeachment da ex-presidente Dilma. Foi deposta, mas sem perder seus direitos políticos. 

Estará permeando este julgamento a animosidade jamais superada dos militares com a esquerda. Perfeitamente correspondida. 


Nelson de Sá: Economist e NYT começam a dar as costas para Moro

Juiz não foi imparcial, diz revista; 'nas últimas semanas, o lado sombrio foi exposto', diz artigo no jornal

No New York Times, Gaspard Estrada, da Sciences Po, de Paris, escreveu há três semanas sobre aquela que "foi vendida como a maior operação anticorrupção do mundo, mas se tornou o maior escândalo judicial da história".

Neste final de semana, voltou à carga com uma nova versão, contra "a corrupção do sistema judicial" no Brasil, publicando que "Sergio Moro e procuradores perverteram" instituições para agir acima da lei. "Moro usou métodos em flagrante violação do estado de direito. Como recompensa, recebeu o cargo de ministro da Justiça."

Em suma, "nas últimas semanas, o lado sombrio da Lava Jato foi exposto, desnudado, e se espalhou um profundo desencanto com a chamada justiça de Curitiba".

Na Economist desta semana, "o impulso anticorrupção se desfez pela politização da Justiça, de duas maneiras".

Primeiro, "Moro acabou não sendo imparcial. Ele condenou Lula por receber um apartamento na praia. Só que Lula não era o dono nem o usava". Segundo, "com Lula fora da corrida presidencial em 2018, Moro se tornou ministro da Justiça no governo de Jair Bolsonaro, o vencedor de extrema direita".

Aí "vazaram mensagens mostrando que Moro treinou Deltan Dallagnol, o promotor principal em Curitiba".[ x ]

BOLSONARO SEM TRUMP

South China Morning Post publicou artigo de Karin Costa Vazquez, especialista em Brics das universidades de Jindal, na Índia, e Fudan, na China, destacando que "a derrota de Trump deixa Bolsonaro reequilibrando as relações com EUA e China".

Ele não deve "mudar substancialmente com Pequim enquanto negocia" com o novo governo em Washington, mas "a longo prazo pode adotar abordagem mais matizada" com a China.

TRUMP COM FOX NEWS

CNN e MSNBC não transmitiram o primeiro discurso de Donald Trump na oposição, mas a Fox News o fez (acima), assim como seus concorrentes na direita, Newsmax e OAN.

Por outro lado, a Fox News destacou que só 55% dos entrevistados na conferência conservadora disseram que Trump é seu preferido para 2024. "Ele está perdendo força", sublinhou Karl Rove, comentarista da emissora e estrategista da ala republicana contrária ao ex-presidente.Nelson de Sá

*Jornalista, publica a coluna Toda Mídia e cobre imprensa e tecnologia


Elio Gaspari: Gilmar fará uma Lava-Jato na Lava-Jato

Ministro do STF levará, nas próximas semanas, o julgamento da suspeição do juiz Sergio Moro para a mesa da Segunda Turma

Nas próximas semanas, o ministro Gilmar Mendes levará para a mesa da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal o julgamento da suspeição do juiz Sergio Moro no processo da Lava Jato. São pedras cantadas a exposição da parcialidade do doutor e a promiscuidade de suas relações com o Ministério Público. O ministro deu uma pista do que vem por aí ao lembrar que irá além do que chama de “questão Lula”: Será algo “muito maior.”

Põe maior nisso. Gilmar tem assessores passando o pente-fino nas mensagens trocadas em Curitiba. Desde junho de 2019, quando o site “Intercept Brasil” levou ao ar os primeiros grampos dos sete terabytes capturados, eles têm aparecido de forma explosiva, porém desordenada. Colocados em ordem cronológica e contextualizados, revelam a extensão das malfeitorias blindadas pela mística da Operação Lava-Jato.

A última novidade saída dos grampos foi um episódio ocorrido em 25 de janeiro de 2016. Nele, é mencionada a delegada da Polícia Federal Erika Marena, que integrava a equipe. Nas palavras do procurador Deltan Dallagnol: “Ela entendeu que era um pedido nosso e lavrou termo de depoimento como se tivesse ouvido o cara, com escrivão e tudo, quando não ouviu nada. (...) Se o colaborador e a defesa revelarem como foi o procedimento, a Erika pode sair muito queimada nessa... Pode dar falsidade contra ela... Isso que me preocupa”.

Dallagnol propôs um remendo:“Combinar com ela de ela nos provocar diante das notícias do jornal para reinquiri-lo ou algo parecido. Podemos conversar com ela e ver qual estratégia ela prefere. (...) Se não fizermos algo, cairemos em descrédito”.

Havia sido simulado um depoimento que não tinha acontecido, e o caso seria resolvido ricocheteando-se uma notícia que seria plantada na imprensa.

No início de 2016, o juiz Moro ordenava operações irregulares de busca e apreensão:

“Russo deferiu uma busca que não foi pedida por ninguém… hahahah. Kkkkk”, escreveu um delegado da PF.

“Como assim?!”, respondeu uma delegada.

“Normal… deixa quieto…Vou ajeitar…kkkk”.

O depoimento mencionado pela delegada Erika era uma das muitas peças da colaboração do lobista Fernando Moura, um amigo do comissário José Dirceu. Ele havia sido preso, negociara um acordo, mas vinha se desdizendo. Numa audiência, tratando de um caso de corrupção explícita na Petrobras, Moura perguntou ao juiz: “Assinei isso? Devem ter preenchido um pouco a mais do que eu tinha falado.”

Estava feia a coisa. A delegada já havia dado sua versão para o depoimento que não aconteceu: “Usaram meu nome no cabeçalho, mas não tomei e não participei de nenhum termo. Se ele está se desdizendo, infelizmente não haverá gravações.”

Os procuradores negociavam o que um deles chamou de “terceirização dos depoimentos”. (Ganha uma vacina de vento quem souber o que é isso.) O devido processo legal não era devido, nem processo, muito menos legal. Criminalistas veteranos lembram que esse tipo de “depoimento” era prática comum para rábulas bem relacionados com escrivães.

Um procurador exclamou: “Erramos !!” Outro, Júlio Noronha, resolveu a questão com um xeque-mate: Fernando Moura deveria ser “exemplarmente punido, inclusive com prisão — ou o instituto (da delação premiada) sofrerá um abalo”.

Assim, a discrepância foi varrida para baixo do tapete em 2016, e a turma da Lava-Jato pagará a conta em 2021.

O pente-fino da equipe de Gilmar Mendes poderá responder à sua grande pergunta:

“Como nós chegamos até aqui? (...) O que nós fizemos de errado para que institucionalmente produzíssemos isso que se produziu. (...) Sabiam que estavam fazendo uma coisa errada, mas fizeram”.

Um reitor na ficha da delegada

Em maio de 2016, a delegada Erika Marena teve 1.065 votos entre seus pares para substituir o diretor da Polícia Federal. Com a fama da turma de Curitiba, Marena foi retratada pela atriz Flávia Alessandra no filme “A Lei é Para Todos”. Afinal, foi ela quem deu o nome fantasia à operação.

Na manhã de 14 de setembro de 2017, uma semana depois da estreia do filme, a delegada mobilizou 105 policiais e prendeu espetacularmente o reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, Luiz Carlos Cancellier, e outros quatro professores.

Erika Marena acusou-o durante uma entrevista coletiva de obstruir as investigações que apuravam um desvio de R$ 80 milhões do programa de ensino a distância. Depois de ter dormido na cadeia, o reitor foi libertado por uma juíza. Não podia pisar no campus da universidade, em cuja vizinhança vivia. Passadas duas semanas, Cancellier publicou um artigo falando da “humilhação e do vexame” a que havia sido submetido e, no dia 2 de outubro, atirou-se do sétimo andar de um shopping de Florianópolis.

Faço porque posso

Depois do voto de Gilmar Mendes sobre a suspeição de Moro, a turma da Lava-Jato responderá pelas tramoias que armou contra ministros do Superior Tribunal de Justiça.

Um sai, o outro fica

A diplomacia bolsonarista dá resultados parecidos como de um canhão que só atira pela culatra.

Yossi Shelley, embaixador de Israel e queridinho da família do capitão, foi levado de volta. Exibido e atrevido, suas asas já haviam sido cortadas pela chancelaria de Tel Aviv.

Já o embaixador da China, Yang Wanming, igualmente atrevido, teve sua retirada pedida pelo governo brasileiro e foi mantido no posto por Beijing.

General da logística

O general Eduardo Pazuello foi colocado no Ministério da Saúde porque é um craque da logística.

Estando no cargo, uma partida de vacinas que deveriam ter ido para Manaus acabaram no Amapá. A distância entre a capital do Amazonas e Macapá é de mil quilômetros.

Atribuir a lambança a Pazuello seria injusto, até porque, com seu temperamento, virou saco de pancadas por bobagens alheias.

Mesmo assim, ele deveria refletir. O que aconteceria a um oficial que, no Dia “D”, mandasse um suprimento destinado à Normandia e ele fosse parar em Copenhague, na Dinamarca?

Capitão Galtieri

Uma víbora chama o presidente Bolsonaro de “Capitão Galtieri”.

O general Leopoldo Galtieri presidia a Argentina e era um tipo espetaculoso. Em 1982, teve uma ideia: invadir as Ilhas Malvinas, colônia inglesa perdida no Atlântico. Negou a lógica da ciência militar e foi humilhado por Margaret Thatcher, que desceu com a frota e botou suas tropas para correr.

Ao contrário de Galtieri, Bolsonaro é abstêmio.

250 mil mortos

A “gripezinha” estava no “finalzinho” e a segunda onda era “conversinha”.


Pedro Venceslau: Aliados apelam para Moro retornar ao cenário eleitoral para 2022

Podemos e PSL tentam convencer ex-ministro e ex-juiz da Lava Jato a se lançar candidato à Presidência

Líderes partidários e defensores da Operação Lava Jato passaram a fazer apelos públicos na tentativa de convencer o ex-ministro e ex-juiz Sérgio Moro a se posicionar como potencial candidato na disputa pelo Palácio do Planalto em 2022

Com um perfil discreto, Moro submergiu desde que se tornou sócio-diretor da consultoria americana Alvarez & Marsal no ano passado, mas tem mantido conversas reservadas “como cidadão” sobre o cenário nacional com parlamentares aliados. 

Nesses diálogos, segundo apurou o Estadão, Moro resiste a dar sinais claros sobre suas pretensões políticas, mas não descarta uma futura candidatura. O ex-ministro demonstra desconforto com o que interlocutores chamam de “progressiva deterioração” do País e dos mecanismos anticorrupção. 

Os entusiastas da candidatura do ex-juiz voltaram a se mobilizar após a decisão da maioria da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) de liberar o compartilhamento da íntegra das mensagens vazadas da Lava Jato com a defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). 

A expectativa do julgamento sobre a suspeição de Moro no caso do triplex do Guarujá (RJ) deu munição à narrativa dos partidários de Lula, mas também aglutinou as correntes dissidentes do bolsonarismo que apostam no discurso contra a corrupção para formar uma frente eleitoral em 2022. 

“Uma reviravolta (nas decisões da Lava Jato) chocaria a população que votou contra a corrupção em 2018 e beneficiária uma eventual candidatura do Moro, que simboliza esse sentimento. As cartas para 2022 ainda não foram apresentadas em sua plenitude, mas ele já tem visibilidade”, disse o senador Alvaro Dias (Podemos-PR). 

O parlamentar, que disputou à Presidência em 2018, conversou com Moro pela última vez após a eleição para a presidência da Câmara. Na mesma linha, a deputada Renata Abreu (SP), presidente nacional do Podemos, disse acreditar que Moro sai maior a cada “ataque” que sofre. “O povo sabe que ele, sozinho, tem reafirmado seu papel de herói nacional. Mesmo diante de mensagens hackeadas, obtidas de forma ilegal, o conteúdo revela a cautela e a seriedade que fez dele, no auge da operação, um orgulho de todos os brasileiros”, afirmou a dirigente. 

O Podemos está em compasso de espera e considera o ex-juiz o seu “plano A” para 2022. Outra legenda que mantém as portas abertas para Moro é o PSL, que planeja um processo de expurgo da ala bolsonarista. “O PSL é um partido moderado e de centro- direita. Estamos buscando construir pontes com ele. Moro é o nome mais consistente do ponto de vista eleitoral. Ele aglutina os lavajatistas, antipetistas e aqueles que pregam a ética na política. Ou seja: as três vertentes da sociedade que o Bolsonaro abdicou”, disse o deputado federal Junior Bozzella (SP), vice-presidente nacional do PSL. 

Em suas redes sociais, a deputada estadual paulista Janaína Paschoal (PSL) fez um apelo para que Moro entre no tabuleiro eleitoral de 2022. “Haja vista o inferno que estão transformando a vida dele, não vejo outro caminho para Sérgio Moro além de se candidatar à Presidência da República em 2022”, escreveu a parlamentar no Twitter. 

Horizonte

No ano passado, apoiadores de Sérgio Moro no Congresso viram na sua contratação por uma consultoria americana e em manifestações recentes sinais de que o ex-ministro está reticente quanto a uma eventual candidatura em 2022. A interlocutores nos últimos meses, Moro indicou que não está determinado a ser protagonista em um projeto eleitoral neste momento. 

Mas apesar da discrição, ele tem participado de articulações por uma candidatura de centro-direita, em oposição ao presidente Jair Bolsonaro. Em setembro, ele jantou com o governador de São Paulo, João Doria (PSDB). Segundo o tucano, foi uma conversa “sem prerrogativa de nomes, mas sim de princípios”. Depois do encontro, Moro se reuniu com o apresentador Luciano Huck, que também se movimenta para disputar a Presidência.

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Afonso Benites: Direita se engalfinha e desfaz alianças enquanto Haddad, Huck e Moro seguem entre apostas para 2022

Eleição de presidente da Câmara expõe guerra interna do DEM e PSDB e embaralha xadrez para próxima eleição. Bolsonaro premia Centrão com ministério da Cidadania enquanto PT testa primeiro nome da esquerda à sucessão presidencial

Sem lideranças políticas naturais, a direita brasileira está esfacelada em compasso de espera pelas eleições de 2022. E a esquerda também, depois que o PT lançou a candidatura de Fernando Haddad como um balão de ensaio para testar o eleitorado. O presidente Jair Bolsonaro foi incapaz de criar sua própria legenda, a Aliança pelo Brasil, mas alcançou a proeza de embaralhar a miríade das outras composições partidárias que pretendem disputar sua sucessão. Com um cenário de candidaturas diluído, a máquina governamental nas mãos e um apoio na casa dos 30% da população já colocariam o presidente em um segundo turno.

Nas últimas semanas, Bolsonaro cooptou com cargos e recursos da União o Centrão, o fisiológico grupo de centro direita que atua no Congresso Nacional, implodiu o direitista Democratas e acabou estimulando um racha na sigla de centro-direita PSDB. Todo o processo tem como pivô a disputa pela Presidência da Câmara dos Deputados no início do mês, que terminou com a vitória do candidato bolsonarista e expoente do Centrão Arthur Lira (PP-AL).

Nesta sexta-feira, Bolsonaro concretizou parte do acordo firmado com o Centrão em troca de seu apoio por Lira. Ele nomeou o deputado federal João Roma, do Republicanos, para o Ministério da Cidadania em substituição a Onyx Lorenzoni (DEM-RS), que foi deslocado para a Secretaria-Geral da Presidência da República. Roma é amigo e ex-assessor de Antônio Carlos Magalhães Neto, o presidente do Democratas que se aproximou do Planalto rompendo com o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM-RJ). Com o movimento, o mandatário começa a pagar a sua fatura em troca de uma base de sustentação legislativa. Ainda restam entre dois e três ministérios a serem entregues ao Centrão, o que deve ocorrer nas próximas semanas.

Os movimentos no xadrez político de Bolsonaro ocorrem a um ano e 8 meses da eleição. Mas, de pronto, já começaram a minar alianças que estavam sendo planejadas pelo campo autodenominado “direita democrática”. A principal delas foi a articulação feita por DEM, MDB, Cidadania e PSDB. As quatro legendas rascunhavam um acordo para seguirem juntas em 2022. Seu candidato seria João Doria (PSDB), o governador paulista que já foi aliado de Bolsonaro, ou Luciano Huck, o apresentador da maior emissora de TV do Brasil, a Globo, que paquerava uma filiação ao DEM ou ao Cidadania.

Implosão do DEM e racha no PSDB

A implosão do DEM afastou Huck dos democratas, mas há ainda a esperança do Cidadania de tê-lo em suas hostes. Além disso, dos 27 deputados do DEM, 6 disseram que apoiarão a reeleição de Bolsonaro, 14 não descartaram apoiá-lo e apenas dois disseram que não se aliarão ao presidente. Os dados foram levantados pelo jornal O Estado de S. Paulo. “O que o DEM tem dito é que não fechará nenhuma porta, nem mesmo a Bolsonaro. Se o presidente se moderar nos próximos dois anos, o DEM consegue se justificar e seguir com ele, caso contrário, pode tomar outro rumo”, avalia e cientista política Lara Mesquita, que é pesquisadora do Centro de Política e Economia do Setor Público da Fundação Getulio Vargas.

No PSDB, Doria se sentiu forçado a marcar território. Tentou controlar diretamente a Executiva Nacional do partido, atualmente comandada pelo seu então aliado o ex-deputado Bruno Araújo. Mas os figurões da sigla reagiram e estenderam o mandato de Araújo para 2022. De pronto, Doria se enfraqueceu no processo, sinalizou que pode deixar a legenda e viu outro tucano despontar como potencial presidenciável: Eduardo Leite, o governador do Rio Grande do Sul que quer ser uma nova oposição a Bolsonaro. “O Doria é uma liderança de luz própria. Os velhos elefantes do partido não o veem com bons olhos. Ele é uma das pessoas mais pragmáticas da política brasileira. Tanto que se aliou a Bolsonaro para se eleger governador”, diz a cientista política Mariana Borges, pesquisadora em Oxford.

Outra legenda de centro-direita que está em busca de um nome que agregue outros apoios é o Podemos. Os dirigentes esperam que o ex-juiz da operação Lava Jato e ex-ministro da Justiça, Sergio Moro, anuncie sua filiação até o início do próximo ano. As conversas estavam adiantadas. Mas, nas últimas semanas, o que menos Moro tem feito é se preocupar com a política partidária, já que corre o risco de ter sua biografia ainda mais manchada, quando o Supremo Tribunal Federal está em vias de invalidar as decisões que ele tomou contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Para as duas pesquisadoras consultadas pela reportagem, ainda é cedo para os partidos definirem qualquer cenário. “Tudo ainda depende da economia e de como o Governo vai reagir à pandemia [de coronavírus]. Também tem de ser levado em conta a avaliação da população sobre os processos judiciais contra os filhos do presidente”, diz Lara Mesquita. A narrativa que Bolsonaro empregou na eleição de 2018, de ser um político antissistema também será posta a prova. “Ele está claramente adaptando o seu discurso extremista. Vamos ver até onde isso vai durar”, afirma Mariana Borges.

Da mesma maneira que a direita anti-bolsonaro, a esquerda também enfrenta severas dificuldades de articulação interna. O PT já colocou em prova sua hegemonia nesse campo na última semana, quando o ex-presidente Lula lançou a candidatura do ex-prefeito de São Paulo Haddad e disse para ele percorrer o Brasil em uma espécie de pré-campanha. O PDT se aproxima de uma aliança com o PSB para relançar o ex-governador do Ceará Ciro Gomes. E o PSOL sinaliza que deve seguir com o professor universitário Guilherme Boulos. Ou seja, seria a repetição dos três candidatos que foram derrotados por Bolsonaro na disputa passada. A diferença agora é que Boulos ganhou projeção nacional ao disputar o segundo turno com Bruno Covas pela prefeitura de São Paulo, a maior cidade do Brasil. “Os partidos estão se movimentando porque sabem que se não começarem a se movimentar, eles não terão um candidato do dia para a noite. O Bolsonaro, mesmo, ficou quatro anos fazendo campanha”, diz a pesquisadora Lara Mesquita.

Para Mariana Borges, uma das falhas da esquerda brasileira, especialmente do PT, é manter-se focada no Estado de São Paulo na hora de falar em candidatos, ignorando outras regiões brasileiras. Ela cita que, ao escolher Haddad, Lula deixa de lado lideranças baianas do partido, como o senador Jaques Wagner ou o governador Rui Costa. “Talvez apresentar um nome que não seja tão ligado ao Lula seria a alternativa para atrair os outros partidos de esquerda”, diz.

Outra conta que tem sido feita pelas legendas é a da cláusula de barreira. A partir de 2023, só terá acesso aos fundos públicos eleitoral e partidário quem atingir 2% dos votos válidos para a Câmara em nove Estados ou eleger ao menos 11 deputados. Atualmente, a doação eleitoral privada é proibida no Brasil. E é quase consenso entre os partidos que, sem uma candidatura presidencial como uma vitrine, dificilmente se elegem tantos deputados federais. Como o Brasil tem 33 partidos registrados, sendo que 24 têm representação na Câmara, a tendência é que haja uma disseminação de candidaturas presidenciais.


Janio de Freitas: Habituados às delações traidoras, integrantes da Lava Jato se delataram em gravações

Próprios integrantes da Lava Jato se delataram em gravações

 “Presente da CIA.”

A frase começa por suscitar curiosidade com seu sentido dúbio e logo ascende, vertiginosa, à mais elevada das questões nacionais —a soberania. As três palavras vêm, e passaram quase despercebidas, entre as novas revelações das tramas ilícitas de Sergio Moro e Deltan Dallagnol, envoltas em abusos de poder e de antiética no grupo de procuradores.

Seca, emitida como um repente fugidio de saberes velados, a frase de Dallagnol celebrava a informação mais desejada: Sergio Moro determinara, no começo da noite daquele 5 de abril de 2018, primórdio da campanha para a Presidência, a prisão do candidato favorito Lula da Silva. Na véspera, o Supremo Tribunal Federal acovardou-se ante a ameaça golpista do comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas. Por um voto de diferença, entregou a candidatura e, para não haver dúvida, o próprio Lula à milícia judicial de Curitiba.

A frase pode dizer presente “da CIA” porque destinado à agência do golpismo externo dos Estados Unidos. Ou “da CIA” porque vindo da articuladora do presente. Não importa o que agora Dallagnol diga. Não será crível. O mesmo sobre quem embalou e entregou o presente, Sergio Moro.

A dubiedade cede à certeza quando se trata do pré-requisito para que Dallagnol compusesse a frase. Em qualquer dos dois sentidos, a preliminar é a mesma: o coordenador da Lava Jato tinha conhecimento da relação entre pretensões da CIA na eleição brasileira e a exclusão da candidatura de Lula. Nem lhe ocorreu falar de candidatos favorecidos, nem sequer do êxito da ideia fixa que dividia com Moro e disseminara nos companheiros. Era a CIA na sua cabeça.

Não faz muito, foi noticiado o envolvimento de agentes do FBI com a Lava Jato de Curitiba. FBI como cobertura, mas, por certo, também outras agências (NSA, Tesouro, CIA, por exemplo). Um grupo de 17 desses agentes chegou à Lava Jato em outubro de 2015, acobertado por uma providência muito suspeita: Dallagnol escondeu sua presença, descumprindo a exigência legal de consultar a respeito, com antecedência, o Ministério da Justiça. Eram policiais e agentes estrangeiros agindo com a Lava Jato, não só sem autorização, mas sem conhecimento oficial. Violação da soberania, proporcionada por procuradores da República, servidores públicos. Caso de exoneração e processo criminal.

O sigilo é tão mais suspeito quanto era certo que o governo nada oporia, como não veio a opor. Há até uma delegação permanente do FBI no Brasil, trabalhando inclusive em assuntos internos como as investigações de rotas do tráfico. O motivo real do sigilo é desconhecido, e só pode ser comprometedor.

Também interessante é outra providência do coordenador. Logo depois da prisão de Lula, o obcecado Dallagnol viajou. Para os Estados Unidos. “Foi à Disney.” Logo naqueles dias tumultuosos, que lhe pareceram até exigir, como recomendou, medidas especiais de segurança dos integrantes da Lava Jato.

Talvez se tenha que esperar por livros estrangeiros para saber o que foi e como foi, de fato, a Lava Jato conduzida por Deltan Dallagnol e Sergio Moro, este, hoje, integrado a uma empresa americana que lida com procedimentos do submundo empresarial. Mas nem tudo continua sob sombra ou como dúvida.

Habituados às delações traidoras, os próprios integrantes da Lava Jato delataram-se em gravações. A procuradora Carolina Resende, por exemplo, não disfarçou o objetivo do grupo: “Precisamos atingir Lula na cabeça (prioridade número 1) pra nós da PGR”. Falou no melhor vernáculo miliciano.

UM SHOW

No mesmo dia em que era noticiado o próximo fim do estoque de vacinas, o general do Ministério militar da Saúde dizia no Senado que “a Pfizer oferece 2 milhões de vacinas ao Brasil, mas não vamos comprar. É muito pouco”.

O general Pazuello mostrou, o tempo todo, desfaçatez admirável. Um exemplo, dos mais inofensivos: “Vamos vacinar 50% da população vacinável no primeiro semestre e 100% até dezembro”. O Brasil vacinou apenas 1,3% da população e já está parando, não se sabe até quando.

Sabe-se, isto sim, que, se a variante do vírus, chamada no exterior de Brasil ou Amazonas, se espalhar aqui, ocorrerá uma calamidade. Americanos e europeus estão assustados com essa variante, mas aqui o governo e seus 26 militares do Ministério militar da Saúde nem sabem dessa nova criação da sua incúria.


Ruy Castro: Receita de golpe

Edson Fachin analisou com preocupação a cena nacional

Na Folha de quarta última (10), o ministro do STF Edson Fachin analisou com preocupação a cena nacional e listou fatos cuja soma me faz farejar uma receita de golpe de Estado, em preparo por um já declarado candidato em 2022 caso as eleições não o favoreçam. Os ingredientes dessa receita, com meus comentários, são:

1. Remilitarização do goveno civil. Milhares de militares de patentes inferiores, da ativa e da reserva, foram infiltrados na administração. Ensaio de compra das Forças Armadas.

2. Instigação ao fechamento dos demais Poderes. O Executivo tenta intimidar o Judiciário e o Legislativo com mobilizações populares e ameaça de tropa na rua.

3. Declarações acintosas de depreciação do valor do voto. Permanente pregação com fundo antidemocrático, sedimentando o terreno para uma possível alternativa totalitária.

4. Palavras e ações que atentam contra a liberdade de imprensa. Campanha incessante de desmoralização da imprensa livre, aliada à compra descarada do apoio de certos canais de TV —a velha e boa "mamata".

5. Incentivo às armas e à violência. A ideia é armar seus seguidores no caso de as forças da legalidade resolverem intervir no sentido de um impeachment ou interdição.

6. Recusa antecipada de resultado eleitoral adverso. Insinuações de fraude eleitoral, ao estilo Donald Trump, e tentativa de impor o voto por escrito, fácil de viciar, para levar o eleitorado a insurgir-se contra o resultado.

7. Corrupção de agentes administrativos. Inúmeros funcionários e aliados do governo, sem falar nos filhos, são investigados, denunciados ou réus por corrupção. O empenho em corromper atinge também juízes, procuradores, promotores, a Abin, o Coaf, a Polícia Federal, a Receita Federal etc., para controlá-los.

Os golpes desprendem seu mau cheiro muito antes de serem postos em marcha. Não é sensato tapar o nariz. Ainda mais quando já há um em marcha.


Hélio Schwartsman: O sarrafo e a Justiça

Faz sentido anular certos atos de Moro no processo que conduziu contra Lula

Qual a diferença entre um "julgamento" do PCC e um julgamento da Justiça? É a altura do sarrafo. Na tentativa de emular as instituições, gângsters até permitem que os "réus" em seus "tribunais" se manifestem e tentem explicar-se, mas não dá para confundir isso com o direito à ampla defesa e outras garantias fundamentais que estão no DNA das sociedades que se organizam como Estados de Direito.

E é porque o sarrafo é alto que faz sentido anular certos atos de Sergio Moro no processo que conduziu contra Lula. As mensagens trocadas entre o ex-juiz e procuradores da Lava Jato deixam claro que o ex-presidente não teve direito a um julgador minimamente imparcial.

Daí não decorre, é óbvio, que devamos passar um atestado de inocência a Lula. Não é porque Moro e alguns procuradores da Lava Jato não tiveram um comportamento à altura de seus cargos que não havia um bom caso contra Lula.

E nem precisamos nos enfronhar em intermináveis polêmicas jurídicas sobre a culpabilidade do ex-presidente. Mesmo que não existissem provas suficientes para condenar Lula nos termos da lei, não vejo como absolvê-lo no plano da ética. Ele, afinal, estabeleceu uma relação promíscua com empreiteiros que comandaram esquemas de corrupção que atravessaram vários governos e deles recebeu vários mimos.

Pela régua ética que o próprio PT utilizava nos anos 80 e início dos 90 (e que me parece essencialmente correta), isso teria bastado para expulsá-lo do partido.

Outro ponto que merece atenção é a extensão das nulidades que a Justiça deverá decretar. Não dá para fingir que o julgamento de Lula por Moro foi conforme o figurino, mas é preciso cuidado para não pôr a perder anos e anos de investigações da Lava Jato que afetaram centenas de réus e resultaram na recuperação de bilhões de reais desviados dos cofres públicos.

O sarrafo precisa ser alto, mas não infinito.


Bruno Boghossian: Lava-jatismo deve ser página virada na arena eleitoral de 2022

Operação entra em declínio depois de influenciar corridas presidenciais e impeachment

Uma semana após deixar o Ministério da Justiça, Sergio Moro disparou nas pesquisas para 2022. O rompimento com Jair Bolsonaro rachou o eleitorado governista e impulsionou o ex-juiz. Numa simulação de segundo turno feita no levantamento XP/Ipespe do fim de abril, ele aparecia com 58% das intenções de voto, contra 24% do antigo chefe.

O ex-ministro já perdeu o bônus daquele divórcio. Fora dos holofotes de um cargo público, desprovido de habilidade política, moído pelas tropas bolsonaristas e desgastado pela corrosão da Lava Jato, Moro murchou. A última sondagem do mesmo instituto mostra o ex-juiz numericamente à frente, mas em empate técnico com Bolsonaro: 36% a 32%.

O lava-jatismo perdeu fôlego na arena política. Em 2014, os primeiros escândalos desvendados pela operação balançaram a corrida presidencial. Depois, a ação de seus integrantes deu combustível ao impeachment e moldou o tabuleiro eleitoral de 2018. No ano que vem, essa influência tende a ser limitada.

Na pesquisa de abril do ano passado, três personagens estavam empatados na simulação de primeiro turno: Bolsonaro aparecia com 20%, Lula tinha 19% e Moro contava 18%. A trajetória recente do trio teve a marca da Lava Jato, mas a história deve ser diferente na próxima disputa.

Depois de se eleger sob o disfarce da luta contra a corrupção, Bolsonaro rasgou o figurino da campanha. Ancorado na máquina do governo e numa base radical desvinculada do lava-jatismo, ele aparece agora com 28% das intenções de voto.

Já Sergio Moro foi abandonado por uma fatia da direita e continua bloqueado na esquerda. Hoje, ele tem 12% no primeiro turno. Se quiser voltar a campo pela centro-direita, o ex-juiz encontrará um espaço congestionado, à espera de figuras como Luciano Huck e João Doria.

Do outro lado, Lula depende de seu antagonismo com a Lava Jato. A principal jogada do petista é explorar o declínio da operação para reduzir seu desgaste político –como candidato ou como cabo eleitoral.


Juan Arias: O angustiante dilema de Lula ao final de sua vida política

Os grandes estadistas se consagram ou se destroem quando são incapazes de compartilhar a liderança e de decidir, nos momentos mais dramáticos, de mãos dadas com todos os que desejam o bem nacional

Lula sempre foi e continua sendo um animal político, com seus acertos e desacertos. Poucos como ele carregam a política no próprio sangue. E agora, ao final de seu caminho, vive a maior encruzilhada de sua vida.

É possível que o Supremo lhe ofereça a possibilidade de disputar no ano que vem as eleições contra o nazifascista e genocida Bolsonaro. Não cabe dúvida que seu sonho seria derrotá-lo. É seu último sonho político. Mas sabe também que, no caso de uma derrota, jogaria tristemente por terra seu passado político, que é o oxigênio de sua vida.

Lula, que é um estrategista político indiscutível, talvez já esteja pensando que não lhe convém brincar de roleta-russa, mesmo que o Supremo dê luz verde à sua candidatura.

E talvez por isso já antecipou que, caso não possa ou não queira se arriscar a perder, o candidato dele e do seu partido será Fernando Haddad, e lhe pediu que prepare sua campanha e movimente as ruas.

É uma solução acertada ou se trata de um erro político?

Não que Haddad não seja um bom candidato ―que é―, mas porque já perdeu de Bolsonaro, e porque desta vez Bolsonaro voltará à arena com apoios políticos maiores que da vez anterior, se não for apeado do poder antes disso.

Há anos o presidente que disputa o segundo turno vence as eleições. Foi assim com Fernando Henrique Cardoso, com Lula e com Dilma. Pois nesse caso eles dispõem de toda a máquina do Estado ao seu dispor para a campanha.

Mas tem mais. Essa antecipação em escolher pessoalmente Haddad sem uma ampla consulta ao seu partido só faz enfraquecê-lo. O primeiro alarme foi dado pelo PSOL, onde Guilherme Boulos, que desponta como o líder de uma nova esquerda, já criticou delicadamente que o Brasil vive o perigo de chegar novamente à próxima eleição presidencial com as forças progressistas divididas e ameaçadas de serem derrotadas por Bolsonaro e por aqueles que serão seus novos aliados.

Há muitos anos a esquerda e a social-democracia parecem mais frágeis no tabuleiro político nacional e internacional. E concretamente o PT de Lula não está em seus melhores tempos. Foi derrotado nas últimas eleições municipais e não passou de coadjuvante na disputa pelas presidências da Câmara e do Senado.

Para as forças democráticas, a única chance de derrotar a extrema direita fascista, à qual parece se somar o DEM, é esquecer as brigas domésticas e se apresentarem unidas com um pacto no qual, embora possa haver mais de um candidato para enfrentar Bolsonaro, já cheguem às eleições com um acordo de que na segunda volta se comprometam a apoiar um único candidato, seja ou não do PT.

Por isso acredito que foi um erro que Lula, com sua impulsividade, tenha querido se antecipar em consagrar o seu candidato sem um diálogo prévio não só com seu partido, que já está perdendo força e se encontra dividido, e sim com todos os partidos da chamada frente ampla, esquecendo-se dos cálculos meramente pessoais.

Entende-se que, ao final de seu caminho político, Lula, sempre acostumado a ser obedecido e a decidir imperialmente em seu partido, não queira acabar com a maior derrota da sua história.

Mas Lula sabe muito bem que, diante de problemas graves como os que está vivendo o Brasil, se quiser ganhar as próximas eleições presidenciais terá de estar junto com os outros, e não pensando só em seu partido e em si mesmo.

Os grandes estadistas se consagram ou se destroem quando são incapazes de compartilhar a liderança e de decidir, nos momentos mais dramáticos de um país, de mãos dadas com todos os que desejam o bem nacional, acima de seus interesses pessoais.

O resto é política provinciana e mesquinha, e não a Política com maiúscula, que é aquela à qual pertence Lula, e que poderia acabar perdendo-a melancolicamente.

Juan Arias é jornalista e escritor, com obras traduzidas em mais de 15 idiomas. É autor de livros como Madalena, Jesus esse Grande Desconhecido, José Saramago: o Amor Possível, entre muitos outros. Trabalha no EL PAÍS desde 1976. Foi correspondente deste jornal no Vaticano e na Itália por quase duas décadas e, desde 1999, vive e escreve no Brasil. É colunista do EL PAÍS no Brasil desde 2013, quando a edição brasileira foi lançada, onde escreve semanalmente.


El País: STF ratifica acesso de Lula a diálogos vazados da Lava Jato, mas adia debate sobre validade como prova

Ministros garantiram o pedido da defesa do ex-presidente. Gilmar Mendes usa voto para atacar frontalmente operação e chamar revelações de “maior escândalo da história”

Regiane Oliveira, El País

Por 4 votos a 1, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) seguiu o relator, Ricardo Lewandowski, e garantiu à defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva o acesso às mensagens do Telegram entre procuradores da força-tarefa da Lava Jato e o ex-juiz Sergio Moro apreendidas pela Operação Spoofing―que investiga as invasões por hackers de contas de autoridades brasileiras. Apenas o ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato, votou conforme pedido dos procuradores para impedir que os advogados do petista pudessem utilizar o material.

Com essa vitória, a defesa de Lula avança um passo em sua meta de tentar anular os processos do ex-presidente, e não só aqueles julgados por Sergio Moro, na Operação Lava Jato. Mas segue à espera de que o STF julgue se as mensagens podem ou não ser usadas como provas. “Isso é matéria para outra ação”, afirmou Ricardo Lewandowski, que já havia autorizado, em decisão solitária, o acesso da defesa do ex-presidente às mensagens. A questão da autenticidade das mensagens deve ser resolvida no âmbito dos processos em que elas forem juntadas aos autos, quer em petições da defesa de Lula ou de outros réus da Lava Jato. E não há prazo definido para que isso aconteça.

Seriam os hackers de Araraquara ficcionistas?

O julgamento também serviu para medir a humor de ministros do Supremo com os protagonistas da Lava Jato. Os sempre críticos como ministros Lewandowski e Gilmar Mendes, mas também o novato Kássio Nunes Marques, indicado por Jair Bolsonaro, e até Carmen Lúcia, que costuma defender as teses da operação, não aceitaram a petição feita por sete procuradores da força-tarefa, como parte interessada no caso, de que o compartilhamento das mensagens pode afrontar o direito à intimidade das pessoas que tiveram seus celulares invadidos e dados compartilhados.

Os ministros da Segunda Turma estavam alinhados em não discutir a validação dos diálogos como provas, inclusive o presidente, Gilmar Mendes. Ainda assim, ao menos dois ministros deixaram transparecer suas avaliações. “A pequena amostra do material já se figura apta a evidenciar, ao menos em tese, uma parceria indevida entre o órgão julgador e a acusação”, disse Lewandowski. Último a votar, o ministro aproveitou para fazer uma longa explanação e criticar frontalmente a Lava Jato. Fez questão de frisar a gravidade do revelado ―em primeiro lugar, pela investigação Vaza Jato, liderada pelo site The Intercept Brasil e com participação de vários veículos de imprensa, entre eles o EL PAÍS. Recheada por trechos de diálogos entre os procuradores e Sergio Moro, alguns deles apontados por juristas como claramente violadores do princípio de neutralidade dos juízes nos processos prevista na Constituição, também deixaram claro sua posição sobre a questão.

Gilmar citou por exemplo, uma conversa entre o então chefe da força-tarefa Deltan Dallagnol e Moro, em que o procurador explica que estariam apurando sobre as palestras do ex-presidente: “Estamos trabalhando com a colaboração de Pedro Correa, que dirá que Lula sabia da arrecadação via PRC”, referindo-se ao ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa. “Isto tem a ver com o processo penal? Ou esses fatos não existiram ou, se existiram, eles são de uma gravidade que comprometem a existência da Procuradoria-Geral da República”, afirmou. “Se esses diálogos não existiram, os hackers de Araraquara são notáveis ficcionistas”, disse. Caso seja realmente ficção, afirma o ministro, “é preciso que se prove”.

Em outro trecho, Mendes destacou uma conversa em que a procuradora Jerusa Viecili criticava Moro. “Russo tá de sacanagem”, afirmou utilizando o codinome do ex-juiz nos chats dos procuradores. Ela reclamava para o procurador Januário Paludo que o ex-juiz havia dado vistas à defesa e solicitado um pedido do MPF antes do prazo, pois iria viajar. “Essa eu não tinha visto ainda... mas no cpp russo, tudo pode....”, afirmou, referindo-se ao que seria o Código de Processo Penal de Moro.

“É isto que produziu, ministro Fachin, a famosa República de Curitiba. É este o legado jurídico. Isto envergonha. Os sistemas totalitários não tiveram tanta criatividade”, afirmou Mendes, citando a União Soviética e a Alemanha oriental. “Vamos ser julgados pela história se formos cúmplices com este tipo de situação. Nós montamos um modelo totalitário ou alguém é capaz de dizer que há algo de democrático neste CPP Russo”, destacou o ministro do STF, que nem sempre foi um crítico tão ácido da Lava Jato ou de Moro como agora. Em março de 2016, por exemplo, Gilmar Mendes decidiu em julgamento monocrático (solitário) suspender a nomeação de Lula como então ministro do Governo Dilma Rousseff, acusando o petista de tentar fugir de uma ordem de prisão de Moro. Nenhuma palavra de crítica foi feita à divulgação dos áudios entre Lula e Dilma feita pelo juiz. A decisão final do plenário sobre a nomeação de Lula só aconteceria anos depois, já pós-impeachment do Governo petista.

Em seu voto nesta terça-feira, Mendes também criticou o papel do ex-auditor da Receita Federal Roberto Leonel, conhecido colaborador da Lava Jato, que fez inclusive serviços de investigação e coleta de dados fora das petições formais. “Vocês sabem que vivi na Alemanha, e acompanhei a história da Stasi. Muito provavelmente replicamos essa história com a Receita Federal fazendo investigação à sorrelfa”, afirmou, apontando Leonel como “um verdadeiro homem da Stasi na Receita Federal”. O auditor foi indicado pelo então ministro da Justiça Sergio Moro para a presidência do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) em janeiro de 2019. Leonel deixou o cargo e se aposentou após o órgão ser transferido para o Ministério da Economia, em setembro de 2019.

A origem do julgamento

Os advogados de Lula ainda não protocolaram uma petição ao STF para que essas mesmas mensagens sejam incluídas nos autos do habeas corpus que pede a suspeição de Moro, um julgamento que o ministro Gilmar Mendes promete colocar de volta em pauta ainda neste semestre.

O julgamento no Supremo teve como origem uma petição ligada a ação penal do caso do Instituto Lula, em tramitação na 13ª Vara Federal de Curitiba.No processo, o ex-presidente é acusado de ter recebido vantagens indevidas do Grupo Odebrecht, como um imóvel em São Paulo para nova sede do Instituto e um apartamento em São Bernardo do Campo, na região metropolitana da capital paulista. Inicialmente, a defesa pediu acesso ao acordo de leniência da Odebrecht, bem como aos documentos correlatos, como perícia nos sistemas da companhia, e documentos trocados entre a força-tarefa e organizações internacionais, como o FBI e o Departamento de Justiça dos EUA (DOJ). As sucessivas negativas tanto dos procuradores como dos magistrados da primeira instância em liberar o acesso fizeram com que a defesa de Lula recorresse ao Supremo. Em agosto de 2020, a Segunda Turma concedeu o acesso aos autos do acordo de leniência da Odebrecht que digam respeito ao petista, que foi atendida de forma restrita. A alegação dos procuradores era de que não havia novos materiais para serem compartilhados. Mas as mensagens divulgadas pela Vaza Jato mostravam que isso não era verdade. Por isso, a defesa voltou ao Supremo pedindo acesso às conversas apreendidas pela Spoofing, e conseguiram.

“A polícia tem acesso aos autos, a Justiça tem acesso aos autos, mas a defesa não tem acesso aos autos? Não é direito fundamental da defesa ter acesso aos autos?”, afirmou a ministra Carmén Lúcia no julgamento. “Não houve nenhum movimento intempestivo deste relator (...) foi uma sequência de decisões para fazer cumprir aquilo que foi determinado e pela [Segunda] Turma desde agosto, de algo que vem sendo sonegado à defesa há quase três anos e que agora, parece, vem a lume”, afirmou Lewandowski ao justificar seu voto.