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Sergio Lamucci: O cenário negativo para a renda dos mais pobres
O principal fator para a ampliação do número de domicílios mais pobres deve ser a desocupação mais elevada entre os menos escolarizados, mais afetados pela pandemia
O cenário para a renda dos brasileiros mais pobres em 2021 é bastante negativo. Com a piora da pandemia da covid-19 e o avanço lento da vacinação, a atividade econômica foi prejudicada no primeiro semestre, resultando na continuidade da fraqueza do mercado de trabalho, num ano em que o auxílio emergencial será bem menor do que em 2020. A desigualdade de renda, nesse quadro, voltará a crescer.
Um estudo da Tendências Consultoria Integrada estima que haverá neste ano um aumento de 1,2 milhão de domicílios nas classes D e E, definidas como as que têm rendimento mensal domiciliar de até R$ 2,6 mil. Com isso, essas faixas de renda deverão passar a responder por 54,7% do total de residências no país.
“O principal fator para a ampliação do número de domicílios mais pobres deve ser a desocupação mais elevada entre os menos escolarizados”, aponta o trabalho, ressaltando que “o caráter regressivo da pandemia permanece desproporcional” para as pessoas de menor nível de escolaridade.
“A piora do balanço de riscos para a atividade econômica deve restringir o ímpeto de contratações, sobretudo no segmento de serviços, cuja tendência de crescimento deve ser interrompida, à vista do recrudescimento do isolamento social em diversas localidades do Brasil.” A consultoria revisou recentemente a estimativa para a expansão do PIB em 2021 de 2,9% para 2,7%. Ainda que a nova versão do programa que permite a suspensão do contrato de trabalho ou a redução de jornada e de salários (o BEm, a ser reeditado em breve) deva contribuir para sustentar o emprego formal, a renovação do auxílio emergencial não deverá conter a alta dos desempregados, avalia a Tendências.
O auxílio emergencial atingiu um valor total de R$ 293 bilhões em 2020, o equivalente a 4% do PIB. De abril a agosto, o valor médio foi de R$ 600; de setembro a dezembro, de R$ 300. Em alguns meses, alcançou 67,9 milhões de pessoas, equivalente a um terço da população. Neste ano, o Congresso aprovou R$ 44 bilhões para o benefício fora do teto de gastos, a ser pago em quatro parcelas, com um valor médio de R$ 250. Se o benefício em 2020 foi amplo demais, neste ano pode haver o problema oposto - o valor é mais baixo, atenderá a menos pessoas e valerá por um prazo mais curto.
“Diante do menor auxílio emergencial e da perspectiva de recuperação moderada do mercado de trabalho, a massa total de renda deve recuar 3,8% em 2021”, impedindo a manutenção no mesmo nível de 2020, diz a Tendências. Essa é a variação prevista em termos reais, já descontada a inflação. No conceito da consultoria, a massa total considera o rendimento de todos os trabalhos, o Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada (BPC, voltado para idosos de baixa renda e pessoas com deficiência), os benefícios previdenciários e outras fontes de renda. No ano passado, o indicador cresceu 5,2%, fortemente impulsionado pelo auxílio emergencial. Neste ano, haverá uma ressaca mais intensa da massa de renda no Norte e Nordeste, após o enxugamento dos repasses emergenciais, aponta a Tendências.
A expectativa dos analistas é que a retomada da economia ocorrerá no segundo semestre. Com o avanço da vacinação, as medidas de restrição à mobilidade tendem a ser relaxadas. Na visão da Tendências, a economia brasileira deve manter trajetória de gradual recuperação em 2021, sem uma melhora plena do mercado de trabalho, devido a fatores como “o agravamento da pandemia, os recentes sinais de fraqueza de grandes setores, a redução do arsenal de políticas anticíclicas e as incertezas da agenda de política econômica”.
Num primeiro momento, a retomada da atividade deve favorecer as classes sociais mais altas, segundo a Tendências. “A elite do funcionalismo público sente menos os efeitos da crise, já que a dinâmica econômica pouco interfere em seus salários e planos de carreira”, aponta o estudo, observando também que a maior concentração de empregadores no topo da pirâmide social propicia um rápido reequilíbrio financeiro das famílias. “Com rendimento atrelado aos ganhos de suas empresas, os donos de negócio buscam recuperar o padrão histórico de lucro, antes de reajustar salários de empregados e recontratar”, diz a Tendências.
Para as classes D e E, as perspectivas são desanimadoras. “A mobilidade social das classes D e E deve ser reduzida nos próximos anos, acompanhando um fenômeno típico de países com alta desigualdade de renda”, avalia a consultoria. “O maior entrave ao crescimento da renda dos estratos sociais mais pobres é a educação não revertida em produtividade. O ingresso no mercado de trabalho é o principal meio de redução da pobreza, mas não é condição suficiente para superá-la.”
A Tendências observa que o mercado de trabalho brasileiro é fortemente caracterizado por baixas remunerações, elevadas desigualdades entre grupos de população ocupada, altas taxas de informalidade e marcante heterogeneidade entre os setores produtivos. “O alto nível de desemprego, a falta de ganho real no salário mínimo, o elevado grau de informalidade e a subutilização dos trabalhadores devem impedir ganhos elevados de renda nas classes D e E.” Nas projeções da Tendências, depois de crescer 23,4% em 2020 em termos reais, na esteira do auxílio emergencial, a massa de renda das classes D e E deve cair 14,4% em 2021, crescendo a uma média de apenas 0,85% de 2022 a 2025, em estimativas que já descontam a inflação. Já a massa de rendimentos da classe A, que subiu 1% em 2020, vai ter aumento real de 2,8% neste ano e de 5,6% no ano que vem, com um avanço próximo a 4,5% nos três anos seguintes, estima a consultoria.
Para escapar desse cenário negativo para a renda, é fundamental primeiro acelerar a vacinação. Isso permitirá afrouxar as medidas de restrição à mobilidade social, beneficiando em especial a recuperação do setor de serviços, o maior empregador da economia. Também é essencial a renovação imediata dos programas de empréstimos a micro e pequenas empresas e de proteção ao emprego, para dar fôlego às companhias de pequeno porte. Se a recuperação da atividade continuar a patinar, uma nova extensão do auxílio emergencial deverá ser necessária, o que será um desafio num quadro de penúria das contas públicas.
Sergio Lamucci: Pandemia descontrolada piora cenário econômico
A política desastrosa de Bolsonaro para a saúde atrapalha o combate à pandemia, levando à perda de vidas e afetando a retomada
A atividade econômica deverá sofrer um tranco nas próximas semanas, com o impacto das medidas mais fortes de isolamento social adotadas por Estados e municípios, em reação ao avanço descontrolado da covid-19 e ao ritmo lento de vacinação. Não se espera um tombo como o registrado em março e abril do ano passado, mas as perspectivas são negativas. O PIB deverá cair no primeiro e no segundo trimestres, num cenário marcado ainda pela inflação alta, que em meados do ano pode chegar a 8% no acumulado em 12 meses.
Nesse ambiente, as expectativas para o emprego e para a renda pioraram. É possível que governadores e prefeitos tenham de estender o período de confinamento mais rigoroso, afetando especialmente o setor de serviços. Nesta semana, o Brasil deve bater duas marcas trágicas, ao atingir o número de 3 mil mortes por dia e um total de 300 mil óbitos por covid-19. Combater esse quadro exige uma coordenação entre União, Estados e municípios, mas o presidente Jair Bolsonaro continua a produzir ruídos e a vociferar contra o isolamento social - na semana passada, entrou com ação no Supremo Tribunal Federal (STF) contra o toque de recolher adotado por Bahia, Rio Grande do Sul e Distrito Federal.
Com um mercado de trabalho fraco, as perspectivas para o consumo são desanimadoras. Além disso, o auxílio emergencial voltará a ser pago apenas no mês que vem. E, dadas as restrições fiscais, o plano inicial é que o benefício dure quatro meses, com valores de R$ 150 a R$ 375, atendendo 46 milhões de pessoas. Em 2020, o governo pagou cinco parcelas de R$ 600 e quatro de R$ 300, chegando em alguns meses a beneficiar quase 68 milhões de pessoas.
Em relatório, a A.C. Pastore & Associados ressalta que a conduta do governo durante a pandemia criou conflitos que pioram as perspectivas para 2021. “Para recuperar a economia e voltar a crescer é preciso inicialmente vacinar a população o mais rapidamente possível. A falta de vacinas, fruto da negligência do governo, alimenta uma nova onda de contágio bem maior do que a ocorrida no início da pandemia”, diz a consultoria do ex-presidente do Banco Central (BC) Affonso Celso Pastore.
O documento observa que os primeiros sinais de desaceleração já haviam se manifestado nos vários índices de confiança e apareceram com clareza nas vendas do comércio de janeiro. “Com um auxílio em valor menor do que o anterior e concedido a um número bem mais baixo de beneficiários, o comportamento do consumo deve ser dominado pela fraqueza do mercado de trabalho. “O comércio varejista tem um peso elevado no setor de serviços, cujas demais componentes também devem sofrer contrações devido ao afastamento social”, aponta a A.C. Pastore. “Como o alto índice de incerteza da economia impede uma retomada dos investimentos, a única esperança de uma expansão da demanda agregada vem do aumento mais forte das exportações líquidas [a diferença entre vendas e compras externas] na segunda metade do ano, devido à retomada de EUA, Europa e China.” Com isso, o crescimento no ano deve ficar abaixo dos 3,6% da herança estatística deixada por 2020. Isso significa que, se o PIB encerrar 2021 no mesmo nível do fim do ano passado, a expansão será de 3,6%. Para a A.C. Pastore, o crescimento deve ser de 3,2%.
Para complicar, o Brasil enfrenta pressões inflacionárias provenientes da combinação do câmbio desvalorizado e da alta das commodities. Na semana passada, o BC aumentou os juros em 0,75 ponto percentual, levando a Selic de 2% para 2,75% ao ano, mais do que o 0,5 ponto esperado pela maior parte dos analistas. Com o risco de perda de controle das expectativas de inflação e o câmbio muito depreciado, o BC optou por um elevação mais forte dos juros, a despeito de uma atividade fraca e que vai desacelerar nos próximos meses.
Se conseguir reancorar as expectativas inflacionárias e contribuir para uma valorização mais duradoura do câmbio, a ação do BC poderá ser bem-sucedida, exigindo talvez um ciclo menos extenso de alta da Selic. O problema é que os juros mais altos tendem a castigar mais a atividade, num momento de desemprego elevado. Além disso, grande parte das pressões sobre o câmbio vem das incertezas em relação ao futuro das contas públicas, do maior intervencionismo do governo na economia e da dificuldade crônica de o país crescer a taxas razoáveis. O papel do nível baixo dos juros internos parece menos relevante para explicar o real desvalorizado.
Neste mês, o Congresso aprovou uma versão desidratada da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) Emergencial. Caiu a proibição a promoções e progressões de servidores públicos em caso de acionamento dos gatilhos, por exemplo, mas o teto de gastos não ruiu, ainda que o texto autorize o pagamento de R$ 44 bilhões para o auxílio emergencial fora do limite imposto pelo mecanismo. Em resumo, o Congresso não abriu exceções em demasia ao teto, uma âncora fiscal vista como importante por muitos analistas, embora a proposta esteja longe de resolver o problema do crescimento das despesas obrigatórias, além de deixar os ajustes mais fortes para 2024 ou 2025. Isso pode tirar alguma pressão do câmbio, mas não acaba com dúvidas sobre a sustentabilidade das contas públicas. Outro ponto é que “a relação entre o governo e a elite empresarial, com destaque para o mercado financeiro, passa por um momento de estremecimento”, como diz o analista político Ricardo Ribeiro, da MCM Consultores. “A interferência de Bolsonaro na Petrobras e os relatos a respeito dos incentivos provenientes do Planalto para que senadores e deputados desidratassem ainda mais a PEC Emergencial acenderam temores quanto à ascensão do populismo econômico no governo”, escreve ele, em nota. “Tais temores estão se sobrepondo aos efeitos positivos da aprovação da autonomia do BC, da própria PEC Emergencial e da lei do gás sobre as expectativas dos investidores.”
A política desastrosa de Bolsonaro para a saúde atrapalha o combate à pandemia, levando à perda de vidas e afetando a retomada. Na economia, as ações do presidente contribuem para deteriorar a percepção de risco sobre o país, num momento em que o ambiente externo pode ficar menos favorável aos emergentes, com a trajetória de alta das taxas de retorno dos títulos do Tesouro americano de longo prazo. A expectativa de algum avanço da vacinação melhora as perspectivas para atividade no segundo semestre, mas as incertezas produzidas por Bolsonaro nublam o cenário econômico do país.
Sergio Lamucci: Economia caminha para um semestre perdido
Primeira metade do ano deverá ser marcada pela combinação de atividade fraca e inflação ainda elevada
A economia brasileira terá mais um ano difícil em 2021, especialmente no primeiro semestre, marcado pela combinação de atividade fraca e inflação ainda elevada. Com o avanço do número de casos e mortes pela covid-19 e a vacinação lenta, a adoção de medidas mais rigorosas de isolamento social se tornou necessária em muitos Estados e municípios, o que vai afetar especialmente o setor de serviços. Além disso, a volta do auxílio emergencial demorou, prejudicando a demanda nos primeiros três meses do ano, e não foi acompanhada de iniciativas mais firmes para controlar a expansão dos gastos públicos obrigatórios, o que mantém o câmbio sob pressão, num momento de alta dos preços de commodities. Em resposta à inflação mais elevada, o Banco Central (BC) deverá começar neste mês um ciclo de aumento dos juros, apesar da falta de fôlego da economia.
Além do ambiente doméstico difícil, o cenário externo pode ficar menos favorável para países emergentes como o Brasil. A alta das taxas de retorno dos títulos de 10 anos do Tesouro americano aponta para um quadro complicado para esse grupo de economias. A expectativa de um ritmo forte de crescimento nos EUA pode resultar numa elevação precoce da inflação, levando o Federal Reserve a retirar parte dos estímulos monetários antecipadamente, ainda que esse não seja o cenário com que trabalham os dirigentes do BC americano. O risco de um quadro externo mais adverso é causar uma desvalorização adicional do real, que segue muito mais depreciado do que sugerem fatores como os termos de troca (a diferença entre preços de exportação e importação) e a situação das contas externas.
O governo federal é o grande responsável pelo cenário negativo. A economia só terá chance de deslanchar com a vacinação em ritmo acelerado. Com a falta de planejamento na compra de imunizantes pelo Ministério da Saúde, o processo avança lentamente, custando milhares de vidas e atrasando a normalização da economia. Na semana passada, o país teve mais de 10 mil mortes por covid-19. Enquanto isso, o presidente Jair Bolsonaro minimiza a gravidade da crise sanitária, desdenha de medidas como o uso de máscaras e se opõe a decisões de maior isolamento social, apesar da escalada do número de casos e de óbitos, num momento em que o sistema de saúde de diversos Estados se aproxima do colapso.
A Tendências Consultoria projeta um crescimento de 2,9% em 2021, menos que a herança estatística que o ano passado deixou para este ano, de 3,6%. Isso significa que, se PIB não crescer nada em relação ao fim de 2020, a expansão será da magnitude do carregamento estatístico. “Ainda estamos trabalhando nos números trimestrais, mas a projeção de 2,9% embute a perspectiva de contração no primeiro semestre”, diz a economista Alessandra Ribeiro, sócia e diretora de macroeconomia e análise setorial da consultoria.
Em relatório da Tendências, os economistas Thiago Xavier e Lucas Assis destacam os fatores que contribuem para interromper a retomada da economia no começo do ano. “Do ponto de vista qualitativo, o contexto é de elevação de casos de covid-19, já superando os patamares registrados no auge do contágio em 2020, de redução do arsenal de políticas fiscal e monetária anticíclicas e de persistência da relativa pressão inflacionária corrente.” Segundo eles, é um ambiente especialmente difícil para os vetores fundamentais para a recuperação sustentável da economia no curto prazo, como a demanda das famílias, a atividade de serviços, o mercado de trabalho e a confiança do consumidor.
Os dois notam que a suspensão do auxílio emergencial desde janeiro é “uma limitação importante” para o consumo das famílias e para o PIB. O benefício vai voltar, mas num valor mais baixo e para um público menor, devendo vigorar por um período de quatro meses. O volume total do auxílio em 2020 superou R$ 293 bilhões, o que representa 4% do PIB total e 6% do PIB das famílias, observam os analistas da Tendências. Em tese, o auxílio neste ano estará limitado a R$ 44 bilhões, dadas as restrições fiscais.
O cenário para o investimento também se turva. O descontrole da doença gera tanto efeitos diretos, ao impedir a retomada do mercado de trabalho da construção civil e limitar a demanda por bens industriais, quanto efeitos indiretos, uma vez que a persistência de um quadro complicado para a pandemia é fonte expressiva de incertezas, afetando as decisões das empresas de investir, dizem Xavier e Assis. “Ao final, não há saída na direção de uma recuperação econômica sem superar inevitavelmente a pandemia da covid-19”, resumem eles.
Também atrapalham a retomada a taxa de câmbio excessivamente desvalorizada e os juros futuros elevados, pressionados pelas incertezas no campo fiscal e por fatores como a atitude mais intervencionista de Bolsonaro na economia. A volta do auxílio é necessária, mas deveria ser acompanhada por medidas mais consistentes de ajuste das contas públicas, como de controle dos gastos com pessoal. A versão da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) Emergencial aprovada na sexta-feira pelo Senado não tirou o Bolsa Família do teto de gastos, mas não embute regras mais duras de consolidação fiscal num prazo mais curto. Nesta semana, a Câmara dos Deputados deverá analisar o texto.
O dólar está próximo de R$ 5,70, afetando a inflação num quadro de alta forte das commodities. Para piorar, as taxas mais elevadas dos títulos de longo prazo dos EUA são preocupantes para emergentes como o Brasil - o rendimento dos papéis do Tesouro americano de 10 anos está perto de 1,6% ao ano, depois de começar 2021 em 0,93%. A aprovação do pacote de estímulo fiscal nos EUA, de US$ 1,9 trilhão, deve ajudar a manter essas taxas em nível alto.
Ao comentar o ambiente externo, Alessandra diz que, “de um lado, há crescimento mais expressivo nas principais economias e alta de commodities, o que seria positivo para o Brasil”, mas, de outro, há uma expectativa antecipada de aumento dos juros, com o receio de inflação maior. “Esse cenário pode ser mais difícil para emergentes, em especial para aqueles com fundamentos mais frágeis”, afirma ela. “No Brasil, o risco é um câmbio mais depreciado, maiores pressões inflacionárias, alta mais expressiva dos juros futuros e o BC tendo que ser mais agressivo no processo de normalização da política monetária”. Se concretizado, esse quadro vai afetar ainda mais o ritmo da economia brasileira, minando uma eventual retomada no segundo semestre, que depende primordialmente de um processo mais rápido de vacinação.
Sergio Lamucci: Os obstáculos para a retomada da economia
Vacinação lenta, fim do auxílio emergencial, desemprego e inflação atrapalham retomada mais forte da economia
A economia brasileira começou 2021 sem o auxílio emergencial e com a vacinação em ritmo lento, o desemprego elevado e a inflação ainda pressionada. É um cenário que aponta para uma atividade fraca no primeiro trimestre, com provável queda do PIB em relação ao trimestre anterior. O auxílio, porém, deverá voltar, ainda que num valor mais baixo e por um período não muito extenso. A vacinação, por sua vez, vai avançar e, a depender do ritmo das imunizações, tende a permitir restrições menores à mobilidade, favorecendo o claudicante setor de serviços.
Nesse cenário, a economia pode voltar a ganhar algum fôlego daqui a alguns meses. Alguns fatores importantes, porém, jogam contra a retomada, como um mercado de trabalho fraco e pressões inflacionárias decorrentes principalmente da combinação de commodities em alta e do câmbio desvalorizado. Incertezas em relação à sustentabilidade das contas públicas enfraquecem a moeda brasileira, ao mesmo tempo em que mantêm os juros futuros em níveis elevados. Isso leva a uma piora das condições financeiras, prejudicando a recuperação.
O retorno do auxílio emergencial parece inevitável. O próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, que se opunha à medida, falou na volta do benefício na quinta-feira. Segundo ele, o novo auxílio será voltado para metade do público-alvo da sua primeira versão - em alguns meses, chegou a quase 68 milhões de pessoas. O valor será menor que os R$ 600 que vigoraram de abril a agosto de 2020 - e, na visão da equipe econômica, também inferior aos R$ 300 do período de setembro a dezembro, além de um prazo curto, de três meses. No Congresso, as pressões devem ser um por um benefício maior e por um período menor.
Com a piora da pandemia e a vacinação lenta, a volta do auxílio é necessária para evitar uma perda de renda muito acentuada. O desafio é aliar o retorno do benefício - além de eventuais novos gastos com saúde - a um compromisso com a trajetória sustentável para as contas públicas. Na quinta-feira, Guedes atrelou a volta do auxílio a “um ambiente fiscal robusto”, indicando que ela poderia ocorrer num quadro em que o Congresso acionasse o estado de emergência ou de calamidade pública.
Com uma média de mais de mil mortos por dia, um cenário de excepcionalidade se justifica, e parece improvável que o retorno do auxílio ocorra dentro dos limites do teto de gastos. O estado de calamidade permitiria gastos acima do teto, assim como a abertura de créditos extraordinários. O Citi Brasil avalia que, dado o espaço limitado para corte de despesas discricionárias (como o custeio da máquina e investimentos), os gastos públicos devem superar o teto em 1% do PIB neste ano.
No entanto, isso precisa ser feito com cautela, para evitar pressões adicionais sobre o câmbio e sobre os juros futuros. O ideal é adotar ao mesmo tempo medidas que enfrentem o crescimento das despesas obrigatórias. Versões mais robustas da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) Emergencial e da reforma administrativa ajudariam nesse sentido, ao combater a expansão dos gastos de pessoal. A questão é que o presidente Jair Bolsonaro resiste a bancar esse tipo de medida, e é difícil acreditar na disposição dos novos presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), de levar o Congresso nessa direção, que afeta os interesses do funcionalismo. De qualquer modo, é possível encontrar uma saída para financiar o auxílio emergencial e mais gastos com saúde sem que isso signifique o abandono do compromisso com a sustentabilidade fiscal.
Isso é fundamental para tirar pressão do câmbio, que segue volátil e desvalorizado. Um modelo dos pesquisadores Livio Ribeiro e Samuel Pessôa, do Instituto Brasileiro da Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), decompõe a variação do câmbio, considerando fatores externos (preços de commodities, o comportamento do dólar no cenário global e a taxa de dez anos dos títulos do Tesouro americano), a diferença de juros externos e internos e fatores locais (levando em conta o risco-país, mas expurgando a influência de fatores globais). Pelos cálculos de Ribeiro, a alta de 9% do dólar de 10 de dezembro do ano passado ao fim de janeiro deste ano, quando a moeda passou de R$ 5,02 a R$ 5,47, se deveu quase toda a fatores domésticos. Em texto para o Blog do Ibre, Ribeiro diz que o real “opera descolado do comportamento de seus pares desde o evento da covid, com reconciliações incompletas e pontuais (principalmente em relação ao comportamento das moedas emergentes)”. Segundo ele, há algo específico que “nos atrapalha” e, desde novembro, fica evidente que esse fator negativo é de responsabilidade do país. “O real tem operado sob fogo amigo e, enquanto isso não for resolvido, continuaremos não aproveitando bons ventos globais em sua totalidade. Ainda pior, quando os ventos inverterem, não estaremos bem posicionados para enfrentá-los”, afirma Ribeiro.
No texto, o pesquisador do Ibre/FGV não aponta quais motivos domésticos seriam responsáveis por pressionar o câmbio - pelo modelo, os fatores domésticos são o “resíduo” não explicado pelos fatores externos e pela diferença de juros. As incertezas fiscais, em especial, ajudam a entender as pressões sobre o real, assim como possíveis dúvidas quanto ao ritmo de crescimento do país, devido à piora da pandemia e a vacinação lenta.
Num ambiente de alta dos preços das commodities, o câmbio desvalorizado é um fator que preocupa, por elevar a inflação. Em janeiro, o Índice de Commodities do Banco Central, medido em reais, subiu 10,6%, a maior alta desde maio de 2020, como lembra o Bradesco. Com isso, avalia o banco, a inflação não deve dar alívio no curto prazo. “Se por um lado o aumento das cotações internacionais de produtos básicos, favorecido pela demanda chinesa aquecida, tende a continuar favorecendo as exportações brasileiras, por outro, tais cotações, quando mensuradas em reais, aumentam os desafios na condução da política monetária”, afirma o Bradesco, em relatório.
O BC já indicou que deverá elevar os juros em breve. A persistência da combinação de commodities em alta expressiva e câmbio mais depreciado pode levar a instituição a aumentar a Selic mais do que se antecipa hoje. Isso tenderia a colocar em risco uma recuperação que já é frágil. Além da volta do auxílio e de uma vacinação mais rápida, evitar pressões exageradas sobre o câmbio é importante para garantir a retomada da economia, num país que desde 2014 tem enormes dificuldades para crescer.
Sergio Lamucci: A volta do auxílio emergencial
Retorno faz sentido, com piora da pandemia e vacinação incerta
A volta do auxílio emergencial se torna cada vez mais provável, devido ao recrudescimento da pandemia e ao ritmo lento e incerto da vacinação contra a covid-19. A economia brasileira vai sofrer o golpe dessa combinação, devendo encolher no primeiro trimestre. O aumento do número de casos e mortes começa a levar a medidas mais fortes de restrições à mobilidade, como as anunciadas pelo governo de São Paulo na sexta-feira. As perspectivas para o mercado de trabalho, que já não eram das melhores, tendem a piorar, afetando o consumo das famílias. O quadro também é negativo para o investimento, dadas as incertezas sobre a vacinação e a possibilidade de que outros Estados e municípios adotem novas medidas de isolamento social, ainda que menos rigorosas do que as implementadas em março e abril do ano passado.
Com isso, as perspectivas para o crescimento em 2021 começaram a se deteriorar, e números na casa de 2% a 3% já aparecem em algumas estimativas de bancos e consultorias, apesar da elevada herança estatística que 2020 deixará para este ano. Nesse ambiente, cresce a pressão pela renovação do auxílio, uma medida que faz sentido, num ambiente de desemprego altíssimo. A volta do benefício, porém, precisa ser muito bem comunicada e acompanhada por medidas que indiquem o compromisso com a sustentabilidade fiscal, com reformas que enfrentem o aumento das despesas obrigatórias, como os gastos com pessoal.
O Ministério da Economia resiste ao retorno do auxílio, encerrado em dezembro. O risco é ser atropelado pelo Congresso e ver aprovado um benefício de valor mais alto, por um prazo longo e para um público mais amplo do que o recomendável num momento em que a dívida bruta é de quase 90% do PIB, enquanto a média dos emergentes é um pouco menor que 63% do PIB.
Na declaração da equipe do Fundo Monetário Internacional (FMI) ao fim da missão que fez o raio-X da economia brasileira no ano passado, divulgada em outubro, ficou evidente o dilema para a política fiscal do país. O Fundo elogiou o compromisso do governo com o teto de gastos e ressaltou a importância do mecanismo. Ao mesmo tempo, afirmou que, se “a evolução das condições sanitárias, econômicas e sociais” fosse “pior do que o esperado pelas autoridades”, elas deveriam “estar preparadas a prestar mais apoio fiscal”.
O FMI sugeriu a realocação de recursos dentro do teto, para fortalecer a rede de proteção social de modo permanente. Essa teria sido a melhor solução, unificando programas sociais como o Bolsa Família, o abono salarial, o salário família e o seguro-defeso, conforme a proposta dos economistas Fernando Veloso, Marcos Mendes e Vinicius Botelho. Isso exigiria, porém, a disposição para tomar medidas corajosas e politicamente difíceis, algo que não faz parte do repertório do presidente Jair Bolsonaro.
O problema é que a pandemia não acabou com o ano-calendário, como tem dito o diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), Felipe Salto. Há uma segunda onda em curso, provavelmente mais grave que a primeira, o que também se observa em diversos outros países, com impactos sobre o ritmo de crescimento global no primeiro semestre. O dramático no Brasil é a atitude de Bolsonaro, que não reconhece a gravidade da doença, questiona a eficácia das vacinas e não planeja a imunização.
Com o recrudescimento da epidemia e as incertezas sobre a vacinação, retirar os estímulos fiscais abruptamente tende a levar a uma desaceleração expressiva da economia. Sem o auxílio, haverá uma queda de renda significativa dos grupos mais vulneráveis. Isso justifica mais apoio fiscal, como recomendado pelo próprio FMI, insuspeito de leniência fiscal. Além da volta do auxílio, podem ser necessários mais recursos para a saúde e para a compra de vacinas.
A questão é como fazer isso num país que tem de fato uma situação fiscal delicada. O comportamento do câmbio e das taxas de juros de longo prazo reflete a incerteza sobre a trajetória das contas públicas. A renovação do auxílio e eventuais novos gastos com saúde precisam ser comunicados com cuidado, ou o impacto sobre as condições financeiras vai dificultar ainda mais a retomada da atividade. Além disso, um câmbio muito desvalorizado colocará mais pressão sobre os preços, podendo exigir do Banco Central (BC) elevações mais fortes dos juros.
A situação exige uma sintonia fina. É preciso cautela ao retirar os estímulos fiscais, sem que isso seja visto como o fim do compromisso com o ajuste das contas públicas. Uma opção é usar a abertura de créditos extraordinários para financiar despesas como o auxílio. Salto observa que se trata de um instituto previsto na Constituição e que pode ser utilizado mesmo sem a presença do decreto do estado de calamidade pública, “como acontece em maior ou menor grau todo ano”. Segundo ele, o crédito extraordinário, desse modo, pode resolver a questão do teto, que limita o crescimento das despesas da União à inflação.
“O problema é que o déficit público previsto já é alto”, diz Salto. “Para o déficit, são necessárias outras medidas, ou pelo menos contas mostrando como ele seria afetado e como o país voltará, e em que prazo, à estabilidade da relação dívida/PIB.” Com isso, o crédito extraordinário poderia ser um caminho para a volta do auxílio, desde que acompanhado por outras medidas mostrando a sustentabilidade da dívida, como reformas que apontem para redução de gastos obrigatórios, caso das despesas com pessoal, avalia Salto, ressaltando que essa é uma das opções na mesa. “A falta de planejamento é um pecado mortal quando se está numa crise como esta. Em tempos normais, passa como um pecado venial, mas, no quadro atual, tudo muda de figura.”
O orçamento deste ano, ainda não aprovado, não tem espaço para mais gastos. O risco de paralisação dos serviços públicos já é elevado mesmo sem novas despesas, diz Salto. Para acomodar novos gastos, uma outra saída terá que ser adotada, além do corte de despesas discricionárias, como o custeio da máquina e os investimentos.
Os candidatos à presidência da Câmara e do Senado têm se mostrado a favor da volta do auxílio, em maior ou menor grau, indicando que ele deverá ser renovado. O benefício terá que ser menor que os R$ 600 que vigoraram de abril a agosto - de setembro a dezembro, o valor foi de R$ 300 -, e voltado a um grupo mais restrito. Em alguns meses, ele chegou a quase 68 milhões de pessoas. O prazo também não poderá ser dos mais longos.
Para que seja viável um auxílio por um período menor, porém, é fundamental que a vacinação deslanche. Sem isso, a economia não voltará à normalidade.
Sergio Lamucci: Problemas à vista na relação com os EUA
Governo brasileiro não fez nenhum gesto para se aproximar de Biden
A menos de dez dias da posse de Joe Biden como presidente dos EUA, o governo de Jair Bolsonaro segue distante da nova administração americana. Não construiu pontes com o novo líder americano, fazendo questão de reafirmar os seus laços com Donald Trump, que se recusa a reconhecer a derrota nas eleições e termina o governo apostando ainda mais na divisão do país, ao ter incitado a invasão do Congresso.
Essas atitudes de Bolsonaro vão dificultar a relação do Brasil com os EUA, por mais que Biden seja visto como um político pragmático. O Brasil ficará ainda mais isolado no cenário externo, enfrentando problemas especialmente por causa da atitude do governo Bolsonaro em relação ao ambiente, que será uma das prioridades do novo presidente americano.
Na semana passada, Bolsonaro voltou a questionar o processo eleitoral dos EUA, afirmando que a causa da crise americana é “basicamente a falta de confiança no voto”. Segundo ele, “lá, o pessoal votou e potencializaram o voto pelos correios por causa da tal da pandemia, e houve gente lá que votou três, quatro vezes, mortos que votaram. Foi uma festa lá. Ninguém pode negar isso daí.” A apoiadores, o presidente disse ainda o Brasil terá “um problema maior que os EUA” em 2022, caso não haja uma mudança no sistema eleitoral por aqui, com o voto impresso.
Bolsonaro usa o exemplo do pleito americano para mais uma vez colocar em xeque a credibilidade das eleições brasileiras, indicando que poderá repetir a estratégia de Trump no ano que vem, se o resultado for desfavorável a ele. O presidente já disse várias vezes que houve fraudes nas eleições de 2018, em que venceu Fernando Haddad (PT) com grande folga. Com essa estratégia, Bolsonaro subordina os interesses do país aos seus interesses pessoais.
Por mais que seja próximo de Trump, já passou da hora de Bolsonaro buscar uma aproximação com Biden. O brasileiro só foi cumprimentar o presidente eleito americano 38 dias após as eleições, sendo o último líder dos países que integram o G-20 a reconhecer a vitória do candidato democrata.
Em entrevista ao Valor em outubro, Thomas Shannon, ex-embaixador americano no Brasil entre 2010 e 2013, destacava que “a agenda do Partido Democrata não é favorável ao presidente Bolsonaro”, citando temas ambientais, por exemplo, embora tenha afirmado que Biden entende o valor estratégico do Brasil para os EUA.
Ex-subscretário de Estado dos EUA para Assuntos Políticos, Shannon conhece profundamente a política do Partido Democrata para a América Latina. Já em artigo para a revista “Crusoé”, publicado em 1º de janeiro, Shannon deixou claro o impacto que podem ter para as relações entre Brasil e EUA as declarações de Bolsonaro sobre o resultado das eleições americanas - e isso antes de o brasileiro repetir, na semana passada, as insinuações de fraude no pleito americano.
Shannon escreve que Biden “conhece a importância do Brasil e tem um conhecimento bem desenvolvido da trajetória histórica de nossa cooperação”, sendo ainda um político que “verá a relação com o Brasil não em termos pessoais, mas em termos dos interesses e valores que ligam nossas duas nações”.
Depois de apontar essas características de Biden, Shannon afirma que, “dito isso, o governo Bolsonaro tem feito quase todo o possível para complicar a transição na relação bilateral”, lembrando que o presidente e membros de sua administração expressaram preferência por Trump. Ele destaca ainda que Bolsonaro criticou Biden após comentários do então candidato democrata durante um debate, pedindo uma ação mais orquestrada do Brasil sobre o desmatamento”. Na ocasião, o americano disse que pretendia reunir outros países para garantir US$ 20 bilhões para preservar a Amazônia - caso contrário, o Brasil enfrentaria “consequências econômicas significativas”.
Segundo Shannon, “essa gafe, no entanto, perde relevância quando é comparada com a disposição do presidente Bolsonaro de repetir as alegações infundadas de fraude” feitas por Trump sobre as eleições dos EUA. “A preferência partidária baseada na amizade pessoal é perdoável, assim como a defesa da soberania nacional. No entanto, atacar a integridade e a credibilidade do processo eleitoral americano é um ataque à legitimidade da democracia americana e à Presidência de Joe Biden. É algo que não será facilmente perdoado e não será esquecido.”
Nesse cenário, “o tom da parceria única entre Brasil e Estados Unidos agora depende em grande parte do Brasil”. Pelo que se vê até o momento, porém, o governo Bolsonaro não está disposto a fazer gestos de boa vontade para a nova administração americana. Não foi apenas o presidente brasileiro que questionou as eleições americanas. No Twitter, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, disse na semana passada que “há que reconhecer que grande parte do povo americano se sente agredida e traída por sua classe política e desconfia do processo eleitoral”. O líder da diplomacia brasileira também levanta dúvidas sobre o pleito que levou à vitória do novo presidente americano.
Nessa toada, o Brasil não deverá ter vida fácil com o governo de Biden. Na semana passada, o novo presidente indicou Juan Gonzalez para o cargo de diretor-sênior para o Hemisfério Ocidental do Conselho de Segurança Nacional. Em outubro, Gonzalez afirmou que “qualquer um, no Brasil ou em outro lugar, que pensa que pode avançar numa relação ambiciosa com os EUA enquanto ignora assuntos importantes como mudança climática, democracia e direitos humanos claramente não está ouvindo Joe Biden em sua campanha”.
O foco do americano em políticas ambientais, atuando possivelmente em conjunto com a União Europeia (UE), colocará mais pressão sobre o Brasil nesse campo. Isso poderá afetar as exportações brasileiras, assim como atrapalhar o fluxo de investimentos estrangeiros para o país. O governo Bolsonaro, porém, não parece preocupado em ter bom um relacionamento com Biden, como já não tem com boa parte dos países da UE e com a China. Sem aliados importantes no cenário internacional, o Brasil caminha em 2021 para ficar ainda mais isolado.
Sergio Lamucci: Os custos da falta de um plano para a vacinação
Um planejamento minimamente adequado conseguiria poupar muitas vidas, além de contribuir para a retomada da economia
Enquanto os EUA e vários países da Europa, da América Latina e do Oriente Médio já iniciaram a vacinação contra a covid-19, o Brasil fica para trás, sem um plano claro e definido para a imunização. Por aqui, o presidente Jair Bolsonaro se empenha numa campanha de desinformação contra a vacina. Diz que não vai se vacinar, lança dúvidas sobre a Coronavac, desenvolvida no Brasil pelo Instituto Butantan e pela chinesa Sinovac, e afirma não ter pressa em iniciar a vacinação, num país em que já morreram mais de 191 mil pessoas pela doença. Além da tragédia da perda de muitas vidas, a demora tende a prejudicar a retomada da economia, que já vai enfrentar outros ventos contrários em 2021.
A vacinação em massa é o caminho mais eficaz para deter a doença. Diante disso, a estratégia óbvia de grande parte dos países foi planejar com antecedência a aquisição de vacinas para imunizar uma parcela expressiva de sua população, começando o processo o mais rápido possível. Não foi o que fez o governo Bolsonaro. No sábado, o presidente disse que não se sentia pressionado pelo fato de outros países já terem iniciado a vacinação, afirmando não dar “bola para isso”. Em 19 de dezembro, havia dito que “a pressa pela vacina não se justifica”, no mesmo dia em que vaticinou que a “pandemia estava chegando ao fim”. Ontem, porém, afirmou ter “pressa em obter uma vacina, segura, eficaz e com qualidade, fabricada por laboratórios devidamente certificados”, mas que a questão da responsabilidade por reações adversas é “um tema de grande impacto e que precisa ser muito bem esclarecido”.
A coleção de disparates de Bolsonaro a respeito do tema é ampla. Alguns dos mais graves são as seguidas declarações de que não pretende se vacinar, as críticas à imunização obrigatória e as ironias sobre a Coronavac. O presidente, que assinou uma medida provisória (MP) destinando R$ 20 bilhões para a compra da vacina, contribui ativamente para a campanha de desinformação sobre o assunto, que corre solta nas redes sociais e em grupos de WhatsApp.
Pesquisa feita pelo Datafolha neste mês mostra que 22% dos entrevistados não pretendem se vacinar contra a covid-19, percentual que era de 9% em agosto. Um terço dos ouvidos pelo instituto que afirmam confiar sempre em Bolsonaro diz que não vai tomar o imunizante. Além disso, metade dos entrevistados informa que não tomará uma vacina da China. Se uma parcela expressiva da população resiste a se vacinar, é mais difícil evitar a disseminação da doença.
O atraso na vacinação deverá ter consequências negativas para a economia. O maior otimismo em relação à atividade econômica global em 2021, especialmente no segundo semestre, se deve à expectativa de que uma parte expressiva da população em muitos países será imunizada. Se o Brasil ficar para trás nessa corrida, a retomada por aqui vai enfrentar um obstáculo importante.
Na visão dos analistas, o recrudescimento da covid-19 é um dos fatores que podem atrapalhar a recuperação da economia em 2021, num cenário em que as incertezas em relação às contas públicas e o fim do auxílio emergencial tendem a afetar o ritmo de expansão da atividade.
O Itaú Unibanco, por exemplo, estima que a economia brasileira deverá crescer no segundo trimestre 0,2% em relação ao trimestre anterior, feito o ajuste sazonal, considerando uma média diária de 400 óbitos pela covid-19 no fim desse período. No entanto, se a média de mortes por dia no fim do primeiro trimestre ficar em 600, pode haver uma retração do PIB de 1,2% nos três primeiros meses do ano, calcula o banco.
Segundo o economista-chefe do Itaú Unibanco, Mario Mesquita, o que se observou é que “a mortalidade afeta a atividade diretamente, porque as pessoas passam a circular menos e usar menos serviços que implicam aglomeração, mesmo antes de qualquer restrição por parte das autoridades”. Além disso, “elas passam a poupar mais também, pelo efeito precaucional”, diz Mesquita. A média de mortes nos últimos sete dias ficou em 625, de acordo com o consórcio de veículos de imprensa.
Ainda que não se esperem restrições à mobilidade tão fortes como as adotadas no começo da pandemia, em março e abril, esse movimento deverá ter um impacto negativo sobre a economia brasileira.
Em relatório, o Itaú Unibanco nota que continua a haver “um aumento acelerado na curva de novos casos um pouco mais lento na curva de novas mortes”, com base em números disponíveis até 22 de dezembro. “A utilização de capacidade hospitalar no país segue aumentando. O Estado de São Paulo anunciou a adoção da ‘fase vermelha’ durante os feriados de fim de ano, buscando reduzir o contágio em encontros sociais. É provável que outras regiões do país tomem decisões similares”, afirma o banco.
Se o número de casos e mortes continuar a crescer ou se mantiver em níveis elevados, os segmentos de serviços que exigem maior interação social vão sofrer. É o caso dos setores de alojamento e alimentação, que incluem turismo, bares e restaurantes, e dos serviços prestados a famílias. São segmentos que empregam muita mão de obra.
Com o fim do auxílio emergencial, a recuperação do mercado de trabalho é fundamental para a economia não sofrer um baque muito forte. Desse modo, promover uma vacinação rápida e ampla é a melhor resposta também do ponto de vista econômico. Bolsonaro, porém, continua a tratar a pandemia com descaso. No caso das vacinas, também politizou ao máximo a discussão, por causa de sua disputa política com o governador João Doria (PSDB).
Em São Paulo, o plano do governo paulista é começar a vacinação em 25 de janeiro, mas o adiamento da divulgação do índice de eficácia da Coronavac, que teria ocorrido a pedido da Sinovac, levantou dúvidas a respeito da viabilidade do cronograma. Em entrevista à TV Brasil, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, disse que até o fim de janeiro haverá “vacinas iniciais, algumas em caráter emergencial, e a vacinação em massa, já com registro, a partir de fevereiro”.
Como se vê, o Brasil começará a vacinação atrasado em relação a outros países, e não está claro qual fatia da população será atendida ao longo de 2021. Um planejamento minimamente adequado conseguiria poupar muitas vidas, além de contribuir para a retomada da economia.
Sergio Lamucci: O equilíbrio difícil para 2021
Incerteza fiscal, fim do auxílio e piora da covid afetam cenário para a economia brasileira no ano que vem
A economia brasileira caminha para entrar em 2021 com o cenário fiscal em aberto, sem o auxílio emergencial e com um quadro de recrudescimento da covid-19. Há dúvidas sobre como ficará o orçamento do ano que vem, com o risco de o teto de gastos não ser respeitado e incertezas quanto ao avanço das reformas para conter a expansão das despesas obrigatórias. Já a retirada abrupta dos estímulos fiscais deverá ter impacto negativo sobre a atividade, num ambiente de desemprego elevado. A evolução recente da doença também preocupa, o que poderá ter impacto negativo sobre a economia.
O Brasil enfrenta uma situação complicada, que exigiria habilidade e liderança do governo para encontrar uma solução razoável. De um lado, houve uma deterioração expressiva das contas públicas em 2020, por causa do aumento dos gastos para combater os efeitos da pandemia e da queda de receitas causada pela recessão. De outro, a perspectiva para o ano que vem é de um corte significativo nas medidas de estímulo, depois de o país ter adotado um pacote de apoio expressivo neste ano.
Nesse cenário, é preciso indicar claramente a retomada do ajuste fiscal, num país em que o endividamento público deu um salto enorme e tem déficits primários (excluindo gastos com juros) desde 2014. De outro, retirar os estímulos bruscamente, encerrando o auxílio emergencial sem colocar nada no lugar - como um programa de transferência de renda mais amplo que o Bolsa Família -, vai afetar a recuperação da atividade. É um equilíbrio difícil, que esbarra na aversão do presidente Jair Bolsonaro a tomar decisões muitas vezes impopulares.
Em relatório sobre as perspectivas para 2021, o J.P. Morgan diz que o principal assunto para os mercados e a economia brasileira em 2021 é se o governo vai respeitar o teto de gastos. “Com a crise deixando desemprego elevado, seguido agora pela possibilidade de uma segunda onda de casos de covid-19, há pressões para novos estímulos no ano que vem”, escrevem os economistas Cassiana Fernandez, Cristiano Souza e Vinicius Moreira. Para eles, há diversas opções para desatar esse nó: novas transferências de renda sem nenhuma compensação em contrapartida, o que tenderia gerar reações negativas do mercado; novas transferências de renda combinadas à aprovação de reformas fiscais de médio prazo, preservando a credibilidade fiscal; ou o encerramento do auxílio emergencial sem maiores mudanças nas políticas sociais. O ideal seria a segunda opção, uma solução intermediária.
O cenário-base do banco, porém, é que o governo não será capaz de aprovar reformas de médio prazo para acomodar mais gastos no curto prazo e tampouco conseguirá mudar o teto. No entanto, como as despesas obrigatórias continuam a crescer, a pressão sobre o mecanismo que limita a expansão dos gastos da União vai seguir, mantendo dúvidas sobre a sustentabilidade de médio prazo das regras fiscais, avaliam os economistas do J.P. Morgan. Com isso, a discussão sobre reformas que garantam a sustentabilidade das contas públicas continuará a ter destaque em 2021, com efeitos sobre as expectativas e possivelmente causando volatilidade durante o ano.
Com a premissa de que o teto de gastos será mantido e com o aumento de casos da covid-19 na Europa e nos EUA, o J.P. Morgan vê o PIB brasileiro se enfraquecendo na virada do ano, com aceleração posterior. A economia teria um crescimento de 2,6% em 2021 - para 2020, a estimativa é de uma retração de 4,6%.
Depois de crescer no terceiro trimestre 7,7% em relação ao anterior, feito o ajuste sazonal, o PIB deve perder bastante fôlego no quarto trimestre deste ano e no primeiro trimestre do ano que vem, avalia o J.P. Morgan. Para os três últimos meses de 2020, a projeção é de alta de apenas 1%; para os três primeiros meses de 2021, de queda de 0,5%.
O banco estima que haverá um forte impulso fiscal negativo no primeiro trimestre de 2021, equivalente a 1,9% do PIB, considerando a mudança do resultado primário ajustada pelo ciclo econômico. Esse efeito deverá ocorrer devido ao fim do auxílio e à retirada de outras medidas de crédito, avaliam Cassiana, Souza e Moreira. Na visão do banco, haverá uma recuperação gradual, num cenário em que, além do impulso fiscal negativo, o desemprego vai permanecer elevado. Esse efeito pode ser parcialmente compensado pelo uso da poupança acumulada durante a crise, mas os economistas do J.P. Morgan avaliam que isso não será suficiente para contrabalançar totalmente a retração fiscal, em meio à piora da covid-19.
Ao longo do ano, porém, a situação tende a ser tornar mais positiva, dizem eles. É verdade que o agravamento da pandemia em algumas regiões, especialmente na Europa, deve desacelerar o crescimento global no fim deste ano e no começo do próximo. No entanto, várias opções de vacina estarão disponíveis no início de 2021 e a mobilidade deverá aumentar ao longo do primeiro semestre, uma vez que a vacinação em massa deverá começar nos países desenvolvidos por volta do meio do ano que vem, escrevem os economistas. Com esse cenário externo mais positivo, o J.P. Morgan espera uma retomada da economia brasileira, com a normalização das condições domésticas e a perspectiva de que haja maior disponibilidade de vacinas também no Brasil no fim do ano. Desse modo, haveria uma tendência de melhora moderada ao longo de 2021, liderada pelo consumo das famílias. Os maiores riscos a esse cenário são um recrudescimento da pandemia que afete a mobilidade e a perda de credibilidade da política fiscal, dizem os economistas do banco.
A condução irresponsável da crise sanitária por Bolsonaro e a falta de um planejamento para a vacinação indicam que essa é uma ameaça de peso para o cenário de crescimento em 2021. No front fiscal, há vários motivos para ceticismo. O presidente se recusa a tomar decisões difíceis e há problemas na articulação política do governo. Se não ficar claro que há um plano de ajuste das contas públicas de médio prazo, há o risco de danos graves para a confiança na política fiscal, o que coloca em xeque a manutenção dos juros baixos. Já o fim do auxílio, sem a adoção de um programa de transferência de renda mais amplo que o Bolsa Família, poderá causar uma desaceleração mais significativa da economia, além de aumentar a pobreza e a desigualdade.
Sergio Lamucci: Um país cada vez mais isolado
Com a derrota de Trump nas eleições americanas, o Brasil fica distante de todas as principais potências globais
Novembro foi mais um mês em que o presidente Jair Bolsonaro se esforçou ao máximo para criar incidentes diplomáticos com parceiros comerciais importantes do Brasil, contando ainda com a ajuda de seu filho Eduardo Bolsonaro para a tarefa. Como resultado desse empenho, o país está cada vez mais isolado no cenário externo, especialmente por causa da política ambiental. Para Matias Spektor, professor da Escola de Relações Internacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV), é o momento em que as relações exteriores do Brasil “estão mais deterioradas” desde a transição para a democracia.
Há pouco menos de 20 dias, Bolsonaro ironizou Joe Biden, o vencedor das eleições nos EUA. Ao comentar declarações do americano sobre eventuais sanções ao Brasil por causa do desmatamento da Amazônia, o brasileiro lançou uma bravata, dizendo que “apenas pela diplomacia não dá” e que “depois que acabar a saliva, tem que ter pólvora - não precisa nem usar a pólvora, tem que saber que tem”. Na semana seguinte, ameaçou divulgar o nome de países que comprariam madeira ilegal do Brasil. Ele voltou atrás, mas já havia causado outro mal estar com países europeus.
Por fim, Eduardo Bolsonaro provocou mais um ruído nas relações com a China na semana passada. Presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados, o filho do presidente escreveu que o governo apoiou a aliança “Clean Network”, lançada por Donald Trump, por ser uma frente global para um “5G seguro, sem espionagem da China”. Eduardo apagou a publicação, que recebeu resposta agressiva da embaixada chinesa, advertindo para “consequências negativas” dessa retórica.
Com a derrota de Trump nas eleições americanas, o Brasil fica distante de todas as principais potências globais. Até o momento, Bolsonaro não fez nenhum gesto em direção a Biden. O brasileiro é um dos poucos chefes de Estado ou de governo a não ter cumprimentado o americano pela vitória. Ontem, Bolsonaro disse ainda que tinha informações de que houve “muita fraude” nas eleições americanas.
Spektor diz que a “relação interpessoal entre Bolsonaro e Biden será difícil, tendo em vista a “reação visceral” que o brasileiro “provoca no Partido Democrata de modo específico, mas também “na classe política americana de modo mais geral”. Segundo ele, não se trata apenas do meio ambiente, mas também dos valores que o brasileiro representa, vistos no contexto americano não só “como antiquados, mas como politicamente incorretos”.
O mal estar em relação ao Brasil não se resume à política ambiental, mas esse será o terreno em que o país tende a enfrentar maiores problemas com os EUA. A nomeação do ex-secretário de Estado John Kerry como czar do ambiente mostra a importância central que o tema terá no governo Biden, diz Spektor. “O meio ambiente será para Biden o que a reforma do sistema de saúde foi para Barack Obama no primeiro mandato” avalia ele, observando que isso coloca o Brasil numa situação muito difícil, num momento em que se consagrou a ideia e a imagem do país como um “vilão do clima”. Para Spektor, reverter essa tendência demandaria um esforço muito forte do Brasil, algo que até o momento o governo Bolsonaro não parece disposto a fazer.
Para Spektor, há “um risco enorme” para as exportações brasileiras por causa desse tema. “O mundo está avançando numa direção na qual as normas internacionais de preservação ambiental não serão implementadas pelo Conselho de Segurança da ONU, pela Otan, por um país invadindo o outro. O processo de implementação será feito via regras comerciais. É nos acordos comerciais que os países vão sentir a pressão para se adequarem”, afirma ele, para quem já parece “contratada” essa crise do comércio exterior brasileiro. Ou o Brasil se adapta a essas normas e dá uma sinalização clara de que está em conformidade com elas ou o setor exportador brasileiro arcará com esse custo, diz Spektor. Segundo ele, para todos os efeitos, os países europeus não vão ratificar neste momento o acordo entre a União Europeia (UE) e o Mercosul.
O governo Bolsonaro também tem se especializado em criar ruídos com a China, o principal destino das exportações brasileiras. Spektor diz que, nesse front, “o que está em jogo agora, para além da briga pública entre a embaixada chinesa e o deputado Eduardo Bolsonaro, é o papel do Brasil diante da presença econômica chinesa na América Latina”. É o país da região no qual a China enfrenta mais dificuldades, nota ele. “Um exemplo disso é o processo licitatório do 5G. Para onde o Brasil vai avançar deve depender da relação com os EUA, de quanto pressão os americanos colocarão”, diz Spektor. “O Brasil é a principal economia que ainda não tomou a decisão para que lado penderá. A Argentina não tem muita opção, a não ser pender para a China, idem o Chile, idem a Colômbia. No caso do Brasil, ainda há incerteza.”
Dada a orientação do governo Bolsonaro para a política externa e a política ambiental, o isolamento do Brasil se acentua. Para Spektor, é uma tendência que vem de antes de Bolsonaro. “A operação Lava-Jato aumentou muito o isolamento brasileiro na América do Sul, por causa dos efeitos deletérios que teve para a classe política, sobretudo da Argentina, Peru, Colômbia e México”, diz ele. O ponto é que, com Bolsonaro, a tendência de um Brasil isolado se reforçou, afirma Spektor, observando que o brasileiro não foi capaz nem sequer de montar uma coalizão com os governos de direita da região, como Iván Duque na Colômbia ou Sebastián Piñera no Chile. “O nosso isolamento já está contratado, e pelo menos hoje não parece haver um sinal de que essa tendência será revertida. À medida que o tema ambiental ganhar força, essa tendência deve se acirrar”, diz Spektor. Para ele, o Brasil começa a se colocar numa posição um “pouco análoga” a que o país tinha em meados dos anos 1980, quando estava assolado por uma crise ambiental (por fatores como o desmatamento na Amazônia, a poluição em Cubatão e o assassinato de Chico Mendes), uma imagem muito negativa da classe política e uma crise fiscal com implicações inflacionárias.
Para ele, este é o momento em que o país se encontra mais isolado desde a época da transição para a democracia, há mais de 30 anos. “É uma notícia muito negativa para a qualidade de vida dos brasileiros, porque boa parte do bem-estar da população depende ativamente do sistema internacional, da economia internacional, do comércio internacional, da taxa de juros internacional, da capacidade de cooperação em áreas como saúde global no contexto da pandemia”, lamenta Spektor.
Sergio Lamucci: O contraste entre 2021 e o cenário de curto prazo
Economia foi bem no terceiro trimestre, mas o quadro para o futuro continua incerto
O crescimento da economia brasileira no terceiro trimestre saiu melhor que a encomenda. As estimativas apontam para uma expansão na casa de 9% em relação ao trimestre anterior, feito o ajuste sazonal. Além da reação ao tombo violento dos três meses anteriores, quando houve o impacto mais forte da pandemia, o efeito do auxílio emergencial foi significativo, e setores como construção civil e agronegócio vão bem. No ano, é possível uma queda do PIB na casa de 4% ou até menos, um recuo significativo, mas bem menor do que a retração de 9,1% que o Fundo Monetário Internacional (FMI) chegou a projetar em junho.
Esse bom resultado de curto prazo, contudo, não assegura que o ritmo de crescimento vai continuar firme nos próximos meses. Mais uma vez, o governo de Jair Bolsonaro age para produzir incertezas, em vez de buscar diminuí-las. Primeiro, não há clareza sobre o quadro fiscal que vai prevalecer em 2021, a um mês e meio do começo do ano. A definição do Orçamento deve ficar para o primeiro trimestre do ano que vem. Não se sabe se um programa mais amplo de transferência de renda será criado, por exemplo.
Além disso, Bolsonaro politiza ao máximo a pandemia, como ficou mais uma vez evidente na semana passada, quando o presidente comemorou a interrupção dos testes com a vacina Coronavac, determinada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Para completar, o país caminha para ficar mais isolado no cenário externo. Com Joe Biden na presidência dos EUA, a política ambiental do Brasil estará na mira de outra grande potência, além da União Europeia (UE). A insistência de Bolsonaro nas atuais diretrizes para o ambiente poderá afetar as exportações brasileiras e afastar parte do investimento estrangeiro do país.
Essas incertezas atrapalham a economia num cenário em que os ventos externos podem se tornar mais positivos. A possibilidade de que esteja disponível em não muito tempo uma vacina com eficácia elevada melhora as perspectivas para a economia global, embora a segunda onda da covid-19 em alguns países abale a atividade no curto prazo, como ocorre na Europa. A tendência de juros baixos nos principais países avançados por um longo período, por sua vez, favorece mercados emergentes como o Brasil. Por fim, o governo de Joe Biden não deverá ser uma fonte de volatilidade e preocupação para a economia global como foi a administração de Donald Trump, ainda que a rivalidade entre os EUA e a China deva continuar intensa.
Desse modo, o bom momento da economia brasileira no curto prazo contrasta com o cenário para 2021, totalmente indefinido por causa dessas várias incógnitas. O Indicador de Incerteza da Economia (IIE-Br) da Fundação Getulio Vargas (FGV) deve voltar a subir neste mês, uma notícia ruim para o investimento, que depende de um horizonte de maior previsibilidade para deslanchar.
Divulgada na sexta-feira, a prévia do índice de novembro mostra uma alta de 7,6 pontos, para 151,4 pontos. Se confirmado, será o primeiro aumento depois de seis quedas seguidas. As dúvidas em relação à trajetória das contas públicas contribuem para elevar o indicador de incerteza. No auge do impacto da pandemia sobre a atividade, em abril, o IIE-Br bateu em 210,5 pontos, mas o nível sugerido pela prévia de novembro é muito alto - o recorde anterior à eclosão da covid eram os 136,8 pontos de setembro de 2015.
Nesse quadro, a economia tende a perder dinamismo, podendo patinar em 2021. O auxílio emergencial, cujo valor já foi reduzido de R$ 600 para R$ 300, deve expirar em dezembro. Não parece haver tempo suficiente para que se monte um programa de transferência mais amplo até o começo do ano. O ideal seria unificar programas sociais existentes ao Bolsa Família, o que seria possível fazer respeitando o teto de gastos, mas é algo que não está no radar, pois o governo resiste a tomar medidas nessa linha.
Já prorrogar o auxílio por poucos meses até que se encontre uma solução para o sucessor do Bolsa Família tende a ser juridicamente complicado e pode causar ruídos, se for feito fora do teto e sem o compromisso com uma agenda de reformas que combatam a expansão de gastos obrigatórios.
Nesse ambiente, é importante que, passado o primeiro turno das eleições municipais, seja feito um esforço para dar um rumo claro à condução das contas públicas em 2021. Há o risco de que haja uma retirada de estímulos muito abrupta se o auxílio emergencial for encerrado e nada for colocado em seu lugar. Ao mesmo tempo, há o risco de perda de credibilidade da política fiscal se o teto de gastos for abandonado e não ficar claro que reformas serão aprovadas. O câmbio pode se desvalorizar mais, tornando mais duradouras as pressões sobre a inflação que, por enquanto, são temporárias e localizadas.
Também causa muito ruído a atitude de Bolsonaro em relação à pandemia. Desde o começo, o presidente negou a gravidade da doença e acusou os governadores pela adoção de medidas de distanciamento social. Agora, bombardeia a vacina produzida pela chinesa Sinovac e pelo Instituto Butantan, por causa de sua rivalidade com o governador João Doria (PSDB). Em vez de apostar na coordenação de ações com Estados e municípios no combate à covid-19, Bolsonaro opta pelo conflito.
A resistência em cumprimentar Biden pela vitória e os sinais de que não haverá mudança na política ambiental tambem são negativos para a economia brasileira. O Brasil fica mais isolado no cenário internacional, havendo um risco de que as exportações do país sejam afetadas. O fluxo de investimento externo também pode minguar, num momento em que empresas e fundos estrangeiros dão cada vez mais importância à questão da sustentabilidade.
Se essas incertezas forem reduzidas, especialmente no front fiscal, o país poderá ter um crescimento na casa de 3,5% em 2021, estimulado por juros ineditamente baixos. Caso elas permaneçam, porém, uma expansão em torno de 2% tende a ser mais provável, um ritmo muito fraco depois do tombo deste ano e do desempenho medíocre dos anos anteriores.
Sergio Lamucci: O cenário para 2021 está mais nublado
As indefinições não se limitam ao front fiscal; há também incertezas em relação à reforma tributária e na área ambiental
Os indicadores econômicos de agosto confirmaram uma retomada mais forte da economia brasileira no terceiro trimestre, com crescimento firme na indústria e no comércio e um desempenho mais modesto nos serviços. O PIB pode ter avançado 8% em relação ao segundo trimestre, de acordo com várias estimativas. Para 2020, a expectativa é de uma queda na casa de 5%, bem menos intensa que o tombo de 8% a 9% que chegou a ser projetado por algumas instituições. O auxílio emergencial teve grande peso para o melhor resultado do período de abril a junho.
As perspectivas para o fim deste ano e em especial para o ano que vem, porém, estão contaminadas por incertezas, principalmente em relação às contas públicas, elevando os juros futuros e mantendo o câmbio excessivamente desvalorizado. As indefinições, contudo, não se limitam ao front fiscal. Há incertezas quanto ao que vai ocorrer com as propostas de reforma tributária, o que também contribui para segurar investimentos, por falta de clareza sobre o sistema de impostos que vai prevalecer no país dos próximos anos. Além disso, a política ambiental do governo segue desastrosa, afastando parte do capital estrangeiro do Brasil.
Esses fatores nublam o cenário para 2021. O quadro para o mercado de trabalho não é animador e o auxílio emergencial, cujo valor já caiu à metade, deverá deixar de existir no ano que vem. Ainda que o governo coloque de pé um programa de transferência de renda amplo, os valores envolvidos e o número de beneficiários serão bem menores que os do auxílio. Para que a retomada da economia seja firme, é preciso reduzir essas incertezas, aumentando a segurança para o setor privado investir e tirando pressão dos juros futuros e do câmbio.
O Indicador de Incerteza da Economia (IIE-Br) da Fundação Getulio Vargas (FGV) segue em nível elevado, apesar de estar em queda desde maio. Em abril, o índice atingiu o nível recorde de 210,5 pontos, devido ao choque produzido pela pandemia da covid-19. O IIE-Br tem recuado, mas a trajetória declinante perde força. Divulgada na semana passada, a prévia do indicador para outubro aponta para uma queda de 1,8 ponto no mês, para 144 pontos. Se confirmada, será a menor baixa desde maio, com o indicador permanecendo acima da máxima pré-pandemia, de 136,8 pontos, alcançado em setembro de 2015, quando a agência de classificação de risco Standard and Poor’s (S&P) tirou o grau de investimento do Brasil. Um nível elevado de incerteza afeta principalmente o investimento, que necessita de um horizonte previsível para se materializar.
A grande incógnita é o que vai ocorrer com as contas públicas a partir de 2021. Para combater os efeitos da pandemia, o governo elevou os gastos e viu as receitas caírem, como resultado da recessão. O problema é que o Brasil já partiu de uma situação fiscal pouco confortável, com uma dívida bruta de 75,8% do PIB no ano passado. O endividamento bruto deve fechar 2020 na casa de 95% do PIB, enquanto o déficit primário (excluindo gastos com juros) ficará próximo a 12% do PIB.
Para financiar um programa de transferência de renda mais amplo, o presidente Jair Bolsonaro não quer promover a fusão de programas sociais como o abono salarial, o seguro-defeso e o salário família com o Bolsa Família, o que não levaria ao rompimento do teto de gastos, mas exige medidas impopulares. Nesse cenário, surgem ideias para tentar driblar o mecanismo, como usar parte do dinheiro do pagamento de precatórios para bancar o Renda Cidadã.
A economia em 2021 deverá ter como vento contrário uma redução expressiva do estímulo fiscal, depois de um déficit primário superior a dois dígitos em 2020. Uma contração muito forte dos gastos tende a produzir efeitos negativos sobre a atividade, num quadro em que o investimento e o consumo das famílias não têm perspectivas favoráveis. A questão é que os indicadores fiscais são de fato preocupantes e o governo não dá mostras de que vai enfrentar o crescimento dos gastos obrigatórios. Um ajuste mais gradual no ano que vem precisaria ser comunicado com muito cuidado, reforçando o compromisso com medidas estruturais de contenção das despesas. O governo, contudo, caminha direção oposta. Há uma disputa entre o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, escancarando a falta de coesão na questão fiscal.
Com o panorama para as contas públicas incerto em 2021, o câmbio se desvaloriza e os juros futuros disparam - o dólar está acima de R$ 5,60, enquanto a taxa dos contratos de DI para janeiro de 2027 fechou na sexta-feira em 7,56% ao ano, muito acima dos 2% da Selic. Hoje, os índices ao consumidor mostram uma alta forte dos preços de alimentos, mas a expectativa é que esse movimento seja temporário, não levando a pressões inflacionárias mais disseminadas. Novas rodadas de depreciação do câmbio, contudo, podem mudar esse quadro, colocando em risco a Selic na mínima histórica.
Há dúvidas ainda quanto ao avanço de uma das propostas de reforma tributária hoje em discussão. O assunto não vai deslanchar antes das eleições. Qualquer progresso, se houver, ficará para 2021. O governo ainda não apresentou a segunda parte da sua proposta, que deve incluir um imposto sobre transações financeiras para bancar uma desoneração mais ampla da folha de pagamento. Em resumo, não se sabe se alguma das iniciativas em debate vai caminhar, e qual será a natureza da reforma. Uma redução da tributação das empresas - hoje mais alta no Brasil do que em muitos outros países -, acompanhada da taxação da distribuição de dividendos, seria bem vinda, mas não parece estar no radar. Com isso, há incertezas sobre qual será o desenho do sistema tributário nos próximos anos, o que também colabora para segurar os investimentos privados, num momento de enorme ociosidade de recursos na economia.
Há ainda a política ambiental. Além do retrocesso em si, a imagem do governo Bolsonaro nessa área é péssima, o que atrapalha a ratificação do acordo comercial fechado entre o Mercosul e a União Europeia (UE) e afugenta parte dos investidores estrangeiros do país. É mais obstáculo para o investimento, assim como a condução da crise sanitária pelo governo federal.
Esse conjunto de incertezas dificulta a retomada em 2021. O consenso de mercado indica por enquanto um crescimento de 3,5% no ano que vem, mas alguns analistas já projetam um resultado mais fraco, na casa de 2%, o que seria muito ruim para um país com 14 milhões de desempregados.
Sergio Lamucci: As incertezas fiscais e o efeito sobre a retomada
Se persistirem as incertezas fiscais, a recuperação da economia, que já terá desafios como a fraqueza do mercado de trabalho e o fim do auxílio emergencial, será ainda mais difícil
As incertezas em relação às contas públicas brasileiras em 2021 aumentaram ainda mais nos últimos dias, por causa da confusão quanto ao financiamento de um programa de transferência de renda mais amplo que o Bolsa Família e das rusgas entre os ministros Paulo Guedes e Rogério Marinho. Para completar, pioraram as perspectivas de avanço da reforma tributária e da administrativa. Se os juros futuros seguirem em alta e o câmbio continuar a se desvalorizar, como reflexo do agravamento dos riscos fiscais, a recuperação da economia poderá ser ameaçada, num quadro de deterioração das condições financeiras. Os juros básicos em níveis ineditamente baixos ficarão em xeque.
A Selic a 2% ao ano é um dos maiores trunfos para o pós-pandemia. A avaliação dominante é que a taxa poderá continuar nesse nível por alguns trimestres, apesar da alta forte dos preços dos alimentos, um reflexo da disparada da inflação no atacado, devido à desvalorização do câmbio e ao aumento das commodities. O ponto é que a ociosidade na economia é monstruosa, o que tem se traduzido em preços de serviços em níveis muito baixos, inferiores a 1% no acumulado em 12 meses.
Além disso, as expectativas de inflação estão sob controle. As previsões apontam para um IPCA abaixo das metas perseguidas pelo Banco Central (BC) em 2020 e 2021 e exatamente no alvo em 2022 e 2023.
A continuidade dos juros nos atuais níveis é fundamental para impulsionar a economia, que amargou uma recessão cavalar entre o segundo trimestre de 2014 e o quarto trimestre de 2016, cresceu a uma taxa um pouco superior a 1% ao ano em 2017, 2018 e 2019 e terá o maior tombo da história em 2020, por causa do impacto da pandemia. Os efeitos das taxas baixas ficam claros no “crescimento expressivo de setores sensíveis a crédito - principalmente o imobiliário e, em segunda medida, o de vendas de automóveis”, como nota, em relatório, o Itaú Unibanco. Além disso, os juros menores contribuem para aliviar a situação fiscal, num cenário em que a dívida bruta se encaminha para 100% do PIB. Para completar, taxas baixas ajudam a situação financeira de empresas e famílias.
Colaborar para que os juros possam seguir nos níveis atuais deveria ser uma das prioridades do governo. Isso exigiria um compromisso firme com o ajuste das contas públicas, necessário num país que tem uma dívida elevada, com taxas variáveis e prazos relativamente curtos. O que se vê, porém, não é isso. Os sinais são de que, para montar o programa de transferência de renda, não há disposição de tomar decisões difíceis. A percepção é que o teto de gastos será furado em 2021 por meio de algum subterfúrgio. Na semana passada, houve o anúncio da ideia estapafúrdia de financiar o Renda Cidadã com parte dos recursos destinados ao pagamento de precatórios e ao Fundeb (o fundo para complementação da educação básica). A proposta foi bombardeada pelos especialistas em contas públicas, que classificaram a iniciativa de usar dinheiro dos precatórios como “contabilidade criativa” e “pedalada fiscal”. O ministro da Economia, Paulo Guedes, se disse por fim contrário à medida, mas esteve presente no anúncio da proposta, não se opondo naquele momento a ela. Nesse cenário, há uma piora significativa dos preços dos ativos brasileiros. Os juros futuros e o risco país aumentam, o câmbio se deprecia e a bolsa cai.
Essa combinação leva a um aperto das condições financeiras. Nas estimativas do ASA Investments, “mantidos os patamares atuais de nível de juros futuros, risco país, índice Bovespa e outros indicadores, teríamos o crescimento econômico de 2021 reduzido para 1,2%, contra nossa projeção de 2,1%, já substancialmente abaixo do consenso Focus, de 3,5%”, aponta a instituição. “Teríamos um crescimento pífio, que nos condenaria a manter uma taxa de desemprego praticamente inalterada ao longo de 2021, em torno de seu recorde histórico de 16%, número que estimamos para o final deste ano”, dizem os economistas do ASA. Se o câmbio ficar muito pressionado, os aumentos de preços, hoje concentrados principalmente nos alimentos, podem se disseminar. As expectativas de inflação começariam a piorar, levando o BC a ter que elevar a Selic prematuramente.
Fazer um programa de transferência de renda mais amplo é uma ideia que faz todo o sentido num país tão desigual quanto o Brasil. A proposta, contudo, precisa ser bem desenhada. É possível concebê-la e executá-la sem recorrer a malabarismos fiscais, como usar recursos dos precatórios. Mas isso requer decisões complexas e eventualmente impopulares, como unificar programas sociais já existentes.
Adotar medidas para tentar driblar o teto de gastos vai piorar o risco fiscal, elevando ainda mais os juros futuros e a cotação da moeda americana. O teto tem problemas, como a dificuldade para acionar os gatilhos que controlariam em especial os gastos com o funcionalismo. Além disso, as despesas não financeiras da União só poderão aumentar 2,13% em 2021, o que levará a cortes expressivos nos gastos discricionários (como custeio da máquina e investimento). Trata-se, porém, da âncora fiscal que dá alguma previsibilidade para as contas públicas do país. Uma eventual mudança do teto precisaria ser conduzida com muita habilidade, combinada a medidas que reduzam a rigidez do orçamento - como uma reforma administrativa de fato ambiciosa - e aumentem o potencial de crescimento da economia - como a reforma tributária.
A administração de Jair Bolsonaro vai na direção oposta. A disputa entre Guedes e o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, evidencia a falta de rumo do governo de um presidente que só pensa na reeleição e não se dispõe a contrariar grupos de interesse. A percepção crescente é que não haverá iniciativas para deter a expansão das despesas obrigatórias e que a agenda de reforma vai ficar à deriva. Marinho e a ala política do governo planejam medidas que tendem a furar o teto, num quadro de isolamento cada vez maior de Guedes.
Se persistirem as incertezas fiscais, a recuperação da economia, que já terá desafios como a fraqueza do mercado de trabalho e o fim do auxílio emergencial, será ainda mais difícil. As condições financeiras apertadas vão minar a retomada e o cenário para o investimento seguirá turvo, afetando o crescimento de um país que desde 2014 exibe um desempenho econômico lamentável.