sérgio cabral

Bernardo Mello Franco: O Rio na mira de velhos e novos corsários

Completou ontem 309 anos a invasão do Rio pela tropa de Duguay-Trouin. O corsário francês adentrou a Baía de Guanabara em 12 de setembro de 1711. Comandava uma esquadra de 17 navios e mais de 5.800 homens, com ordens do rei Luís XIV para levar o que estivesse ao alcance. Assustado, o governador abandonou a cidade à própria sorte. Os bucaneiros ameaçaram destruir tudo se não recebessem o resgate desejado. Partiram com 610 mil cruzados, cem caixas de açúcar e 200 bois.

Passados três séculos, o Rio continua a conviver com pilhagens. Os novos corsários falam português e dispensam o uso de fragatas. Acessam o cofre com a permissão do eleitor.

O carioca parece não ter aprendido com os saques de Sérgio Cabral. Já está mergulhado em novos escândalos, com o governador afastado e o prefeito na mira da polícia. Nos últimos dias, três operações ampliaram a sensação de naufrágio da cidade. Elas ocorrem às vésperas da eleição municipal.

Os dois principais candidatos terminaram a semana sob artilharia. Na terça-feira, Eduardo Paes virou réu por corrupção, lavagem de dinheiro e caixa dois. O ex-prefeito é acusado de receber R$ 10,8 milhões em repasses ilegais da Odebrecht em 2012. Ele se disse vítima de uma armação eleitoral.

Na quinta, outra operação acordou Marcelo Crivella, que busca o segundo mandato. O Ministério Público apontou a “efetiva participação e o protagonismo” do prefeito num “gigantesco esquema de corrupção, peculato, fraude a licitação e lavagem de dinheiro”. Ele afirmou que a ação foi “estranha” e “injustificada”.

Na sexta, foi a vez de Cristiane Brasil. A ex-deputada, filha de Roberto Jefferson e também aspirante à prefeitura, prometia tirar o Rio das “mãos de bandidos”. Foi presa sob acusação de receber propina como secretária de Paes e Crivella.

O arrastão policial tumultuou uma disputa que parecia limitada ao atual prefeito e seu antecessor. O deputado Marcelo Freixo, que havia desistido de concorrer, ensaiou um retorno de última hora. A ideia animou artistas, mas foi abatida pelas bases do PSOL. A chapa do partido já pertencia a Renata Souza, mulher, negra e ligada à causa feminista.

Com a esquerda dividida e os dois favoritos sob ataque, abre-se um espaço para surpresas. Ontem dois aspirantes a outsider formalizaram suas candidaturas: o deputado federal Luiz Lima, do PSL, e a deputada estadual Martha Rocha, do PDT. Ambos devem investir no discurso anticorrupção, mas terão que explicar suas companhias no passado recente.

O ex-nadador bolsonarista entrou na política sob as bênçãos da família Picciani. Foi secretário do Ministério do Esporte na gestão de Leonardo, herdeiro do clã que comandou a Assembleia Legislativa por uma década. A delegada Martha foi chefe de polícia na gestão Cabral. É possível encher um álbum com fotos dela ao lado do ex-governador.

A pandemia produzirá uma campanha atípica, com pouca atividade na rua e muita batalha nas redes. Isso aumenta a imprevisibilidade do páreo, ampliando as chances de azarões. O Rio corre um duplo risco: eleger velhos corsários ou apostar num novo pirata com pose de almirante.


Elio Gaspari: A confissão de Cabral tem farinha de pizza

O juiz Marcelo Bretas e o Ministério Público no Rio podem transformar a massa numa inédita faxina

A quantidade de farinha que o ex-governador Sérgio Cabral colocou na sua repentina conversão à causa da verdade deu um cheiro de pizza às suas confissões. O doutor reconheceu-se viciado em roubo. Isso até as pedras sabem, tanto que ele já amealhou sentenças que lhe dão a fortuna de 198 anos de cadeia.

Sua confissão vale nada, mas pode vir a valer muito, desde que o juiz Marcelo Bretas e o Ministério Público Federal no Rio percebam que Cabral pode se transformar no maior colaborador da história daquilo que se convencionou chamar de Lava Jato.

Cabral presidiu a Assembleia Legislativa, foi senador, governou o Rio por oito anos, reelegeu-se com dois terços dos votos e emplacou um cúmplice como sucessor. Ele sabe tudo, sabe mais do que souberam os empreiteiros e é o primeiro gato gordo do aparelho do Estado a mostrar que pode falar. Nada a ver com a colaboração seletiva e pasteurizada do ex-ministro Antonio Palocci.

A guinada de Cabral sugere que ele busca um acerto no escurinho dos processos. Falando o que já se sabe, aliviaria a situação de seus parentes e conseguiria algum tipo de conforto. Nesse caso, surgiria um Cabral 2.0. O mitológico gestor de propinas daria lugar ao administrador de confissões.

Se o detento quer colaborar com as investigações, precisa sentar com o Ministério Público para contar como funciona a máquina de corrupção política, administrativa e empresarial do andar de cima do Rio de Janeiro. Esse mecanismo arruinou o estado e a cidade. A roubalheira na privataria da saúde é exemplar na sua crueldade. Tem um pé nos hospitais públicos e outro operando o prestígio e a força moral da Arquidiocese. O andar de baixo conhece a ruína porque convive com ela, o que se precisa expor é o mecanismo com que o andar de cima operou e opera essa máquina.

O Ministério Público em Curitiba desvendou as tramas das empreiteiras porque trabalhou duro, com inédita independência.

No Rio essa máquina rateou, tanto que ao tempo em que Cabral cabalava, a Procuradoria dormiu em berço esplêndido.

A Lava Jato quebrou o mundo dos comissários petistas e das empreiteiras em 2014, quando o doleiro Alberto Youssef começou a falar. Cabral pode vir a ocupar esse lugar, desde que responda direito às perguntas certas. Nesse caso, poderia ganhar paz de espírito e leniência.

Fora daí, é pizza.

Bolsonaro passou pela primeira pesquisa
Bolsonaro tem filhos encrenqueiros e ministros perigosamente folclóricos, como Ricardo Vélez, Damares Alves e Ernesto Araújo, mas a pesquisa CNT/MDA mostrou que ele vai bem, obrigado. Seu desempenho no cargo foi aprovado por 57,5%, percentagem um pouco superior à dos votos que teve no segundo turno (55%). Já a avaliação do governo ficou rala, em 39% de aprovação. No primeiro turno um eleitorado fiel deu a Bolsonaro 46% dos votos.

Considerando-se a polarização que marcou o segundo turno, só 7,6% dos entrevistados que votaram para presidente arrependeram-se da escolha que fizeram. (Nessa percentagem há pessoas que votaram nele ou em Fernando Haddad, mas pode-se especular que poucos eleitores do PT estejam arrependidos.) A percentagem de pessoas que acharam o governo ruim ou péssimo (19%) é menor que a dos eleitores de Haddad no primeiro ou no segundo turnos (29% e 45%).

A sabedoria convencional permitia supor que mais gente que votou em Bolsonaro para derrotar o PT tivesse ficado desencantada com as trapalhadas do início do governo. Isso não aconteceu.

Madame Natasha
Natasha concedeu uma bolsa de estudos ao ministro Sergio Moro pela nota que divulgou ao comunicar que revogou a nomeação (feita por ele) da pesquisadora Ilona Szabó para uma suplência do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária.

O doutor disse o seguinte:

"Diante da repercussão negativa em alguns segmentos, optou-se por revogar a nomeação, o que foi previamente comunicado à nomeada e a quem o ministério respeitosamente apresenta escusas".

Natasha lamenta que Moro torture o idioma.

O "optou-se" esconde a autoria da opção, que foi dele. Poderia ter dito "optei".

O ex-juiz de Curitiba curvou-se à "repercussão negativa em alguns segmentos". Se repercussão negativa dobrasse suas convicções, teria mandado soltar boa parte das pessoas que condenou. Vá lá que o Moro de Brasília precisa ser outro, mas falar em "alguns segmentos" ofende a inteligência de quem lhe dá crédito. Há "segmentos" reclamando de qualquer coisa, até de vacinas. Moro sabe quais foram os "segmentos" que pressionaram Bolsonaro.

Finalmente, o ministro pediu "escusas" a Szabó. Natasha acredita que Moro deve aprender a usar a palavra "desculpas".

Em 2016, quando ele divulgou uma conversa de Lula com Dilma Rousseff, grampeada fora do prazo da interceptação autorizado pela Justiça, pediu "respeitosas escusas" ao Supremo Tribunal Federal.

Sistema S
A caixa de surpresas da Fecomércio do Rio assombra vários escritórios de advocacia da cidade. O Ministério Público está atrás de contratos onde estava combinada uma rachadinha com os maganos da instituição.

Infeliz coincidência
A sorte faltou ao Tribunal de Contas da União quando acatou um pedido para abrir uma auditoria na Receita Federal dias depois do vazamento de informações de que o Leão xeretava as contas de magistrados.

O tribunal poderia ter acordado há anos, meses ou semanas, mas despertou quando entrou na roda a doutora Isabel Gallotti, do STJ. Ela é casada com Walton Alencar, um dos ministros do TCU.

A ministra informou que sua movimentação financeira derivou de uma herança materna, declarada à Receita.

Adrenalina
Chegará nesta semana à TV paga o documentário "Free Solo", vencedor do Oscar. Vendo-o, ganha-se uma dose de adrenalina sem que se tenha que queimar calorias.

Em uma hora e meia o filme conta a história de Alex Honnold escalando sozinho e sem cordas os 900 metros da escarpa de El Capitán. (O Pão de Açúcar tem 390 metros). Um erro e ele morreria. Um dos integrantes da equipe que filmou a proeza evitava olhar para a cena.

A primeira escalada do penhasco, com cordas, levou 47 dias. Honnold, subiu em duas horas. Ele é um vegetariano frio que gosta de viver em vans.

Numa época em que o cinema faz de tudo com efeitos especiais, "Free Solo" mostra a audácia e o sangue frio de um atleta que tinha apenas as mãos, breu e um par de tênis.

Bloomberg
Se Deus quiser, Michael Bloomberg disputará a presidência dos Estados Unidos em 2020. A seu favor tem a biografia, pois começou de baixo, tem uma fortuna de US$ 51 bilhões e foi um grande prefeito de Nova York por 12 anos. Não recebia salário. Contra, só a idade, pois entraria na Casa Branca com 79 anos.

Em 2016, antes da eleição de Trump, ele o definiu:

-- Como nova-iorquino, eu reconheço um vigarista quando o vejo.

*Elio Gaspari, jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".


Ascânio Seleme: A farra dos guardanapos vista por dentro

Bastidores da noite em que a ruína de Sérgio Cabral começou são contados em livro

Estão enganados os que acham que já viram tudo no ataque praticado pelo ex-governador Sérgio Cabral e sua turma aos cofres públicos e às boas práticas políticas e comportamentais. Vem aí um livro que conta com uma riqueza impressionante de detalhes o primeiro e decisivo capítulo da destruição de Cabral, a festa parisiense conhecida como a farra dos guardanapos. Todos os bastidores da esbórnia de Cabral, seus secretários, amigos empresários e suas mulheres estão ali relatados.

Há inúmeras passagens exóticas que nunca foram contadas. O livro escrito pelo jornalista Sílvio Barsetti passa por tudo, conta desde o volume etílico consumido na bagunça até uma cena de ciúmes de Adriana Ancelmo, mulher de Cabral, que quase estraga a festa. O autor entrevistou dezenas dos convidados para reproduzir o capítulo mais constrangedor da trajetória do governador que agora cumpre mais de cem anos de cadeia por desvios financeiros e éticos durante seu mandato.

Patrocinada pela Peugeot, a festa ocorreu no Hotel La Paiva, um palácio destinado a recepções de luxo na Avenida Champs-Élysées e que pertencera à marquesa Theresa Lachmann, uma conhecida cortesã parisiense do século 19. O banquete foi servido por maîtres e 25 garçons, um para cada cinco convidados. Ao final, 300 garrafas da champagne Dom Pérignon e do vinho português Barca Velha teriam sido consumidas. Além de uísques e cognacs.

Cabral e Adriana chegaram a Paris dois dias antes e se hospedaram no Hotel Le Bristol. O luxo do hotel impressionou os pais de Cabral, também presentes. Sérgio Cabral pai disse à mulher Magaly: “Essa realidade não nos pertence. Daqui a pouco vão pegar a gente no colo”. Não tinha visto nada ainda. Luxo mesmo ele conheceria na noite da festa. Mas, além do luxo, os modos da turma é que deixariam estarrecidos até mesmos os serviçais do Palácio.

Além dos guardanapos nas cabeças de um quinteto para lá de embriagado, houve momentos de descontração de tal ordem que um dos convidados passou parte da festa com dois copos nas mãos, um de vinho e outro de champagne. Em outro, dois deles subiram em uma mesa para dançar. Foram convidados a descer por um maître. Ao ver a cena, o patrocinador Thierry Peugeot disse que a cortesã dona da casa “marquesa Lachmann estaria radiante aqui”.

A cena de ciúmes se deu quando uma sensual cantora francesa contratada para animar os convivas se insinuou a Sérgio Cabral. Adriana afastou a moça dizendo com fúria e em bom e sólido português: “Aqui não, pode sair de perto”.

Outro barraco foi de Cabral, que brigou com sua assessoria que pediu para uma convidada parar de fotografar a festa. Ela se queixou, e o governador deu uma bronca num assessor. “Que merda é essa? Você está maluco? Ela é minha convidada e pode fotografar, sim”. Cabral descobriu mais tarde que foi esta mulher, cujo nome o livro não revela, quem passou para Anthony Garotinho as fotos da noitada.

O livro “A farra dos guardanapos — O último baile da Era Cabral — A história que nunca foi contada” é o primeiro fruto da parceria dos jornalistas Bruno Thys e Luiz André Alzer, idealizadores e fundadores da editora Máquina de Livros. A editora já tem outros três projetos em andamento. Todas as suas obras serão de não ficção. “A farra dos guardanapos” tem 176 páginas, vai custar R$ 39,90 e estará disponível nas livrarias a partir de agosto.

QUEM ACREDITA EM CIRO?

Ciro Gomes vem cumprindo rigorosamente tudo aquilo que se previa para a sua derrocada. Primeiro, o destempero verbal. Xingar a mãe de uma promotora que representou contra ele é coisa típica do cirogomismo. Depois, e até mais grave, há o desequilíbrio ideológico que o transforma num pião desgovernado. Ciro tem posições de esquerda que nem o PT avaliza, mas disse que poderia “modular” o seu discurso para atrair os liberais DEM e PP. O centrão não caiu na conversa, e o candidato voltou a massagear o PT pedindo a liberdade de Lula. Oportunismo. Se Lula for solto, Ciro desaparece.

E EM ALCKMIN?

O candidato do PSDB que juntou o centrão prometeu a Paulinho da Força encontrar um novo modelo para financiar o sindicalismo brasileiro. Mas não é o PSDB que defende a liberdade de escolha do trabalhador, onde contribui apenas quem quer e acredita em seu sindicato?

FALA, GRANDE LÉO

O senador Lindbergh Farias diz que não é com ele e acusa a Globo de perseguição porque a procuradora-geral, Raquel Dodge, viu indícios de ação sua em favor da empreiteira OAS ao custo de R$ 700 mil de repasses em caixa dois. Interceptação feita pela PF na caixa de mensagens do seu celular mostra a intimidade com o dono da OAS, Léo Pinheiro. Ao responder a um pedido de audiência do empresário, Lindbergh Farias disse: “Fala, grande Léo. Chego terça pela manhã, estarei te esperando”. E a culpa é da Globo.

ALGEMAS

Não ouvi qualquer gritaria contra o fato de a assistente e namorada do doutor Bumbum, Renata Cirne, sair algemada da delegacia da Barra no dia em que foi presa. Nem uma palavra a seu favor de deputado, senador, defensor de direitos civis. Nem a mãe da presa reclamou.

SEM BEM

Processada na Justiça do Trabalho por um corretor demitido, a imobiliária Júlio Bogoricin declarou não ter dinheiro em caixa e nenhum bem imóvel para satisfazer a demanda. O advogado Jorge Passarelli só conseguiu um acordo a favor de seu cliente ao pedir a decretação da falência da empresa e penhorar uma cobertura, na Avenida Atlântica, de Júlio Bogoricin, o dono, não a empresa. Para não perder o apartamento, o empresário aceitou negociar.

IMPOSTO A JATO

Tramita no STF uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) ajuizada pelo ex-procurador-geral Rodrigo Janot contra lei no Ceará que cobra IPVA de avião. Como o estado não tem nenhuma companhia de aviação, a Adin beneficia apenas donos de aviões e jatos particulares. O assunto já entrou no debate eleitoral. O pré-candidato do PSOL, Guilherme Boulos, defende a cobrança do tributo em todo o país.

EU SOU VOCÊ AMANHÃ

A Argentina já está sendo chamada de “País 30, 30, 30”. Porque hoje tem 30% da sua população abaixo da linha da pobreza, a inflação é de 30% ao ano e cada dólar custa 30 pesos.

PSOL ÀS ESCURAS

Jornalistas não serão bem-vindos na convenção do PSOL. Só terão acesso ao comício depois da escolha do candidato e a uma entrevista coletiva com o ungido. O que será que o partido quer esconder? Claro que todos vão saber no minuto seguinte. Para isso é que existe jornalista, para fazer luz na escuridão.

ALOPRADO DA SEMANA

O título vai para Gilberto Carvalho, ex-ministro de Lula e Dilma, o conhecido Gilbertinho, que pregou um levante popular para tirar Lula da cadeia. Já até consigo visualizar a massa invadindo a PF de Curitiba e tirando o prisioneiro nos braços. Neste caso, nem eleições serão mais necessárias.

Leia mais: https://oglobo.globo.com/brasil/a-farra-dos-guardanapos-vista-por-dentro-22908602#ixzz5Lzev1Ybk
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Fernando Gabeira: A trajetória Rio abaixo

Quando menino, vi as luzes do Rio e me apaixonei. A escola nos trouxe para uma excursão a Petrópolis. A professora, generosamente, permitiu que o ônibus avançasse um pouco para nos maravilhar com a visão. Mais tarde, li no romance “Judas, o obscuro”, de Thomas Hardy, uma experiência semelhante: o personagem também admirava a cidade grande longe, fixado em suas luzes.

Assim que minha segurança profissional permitiu, ainda quase adolescente, mudei-me para o Rio, apenas com a mala de roupas, decidido a nunca mais sair. Ao voltar do exílio, apesar do avanço cultural em São Paulo, decidi, ou algo decidiu dentro de mim, ficar. Sei apenas que moro aqui, tive filhas e neto no Rio e não pretendo sair.

Mas a crise que o Rio vive é a mais grave que presenciei. Às vezes, repito aqui a pergunta de Vargas Llosa sobre o Peru, nas primeiras linhas de seu romance “A cidade e os cachorros”: quando é que o Rio se estrepou? É um reflexão que pode começar com a mudança da capital, passar pelas várias experiências de populismo de esquerda para acabar se fixando no encontro do PT com Cabral e toda a sua quadrilha. Entre eles, um coadjuvante de peso: o petróleo.

Às vezes, pergunto se fiz tudo o que poderia para evitar esse desastre. Confesso que, apesar de denunciá-los em várias campanhas, não tinha a verdadeira dimensão da rapina que iriam promover no Rio. Lembro-me que, em 2010, a “Folha de S.Paulo” publicou uma fala em que eu tentava descrever o projeto de Cabral. Comparava-o à tática das milícias que dão segurança a uma determinada área e são livres para cometer crimes. Disse que o instrumento dessa barganha eram as UPPs. A opinião pública ficaria satisfeita e Cabral teria as mãos livres para a pilhagem.

Questionei Cabral em vários debates de TV, sobre corrupção na saúde, politicas sociais etc. Não poderia imaginar que o arrogante adversário gastava R$ 4 milhões mensais com suas despesas particulares. O esquema monstruoso que contou com generosas verbas federais, royalties do petróleo e uma desvairada política de isenção de impostos corrompeu todas as dimensões do governo e talvez mesmo da vida cultural do Rio, entendida num sentido mais amplo.

Cabral caiu com seus asseclas. Em seguida, tombaram os conselheiros do Tribunal de Contas. Começa a cair agora a base de sustentação parlamentar de Cabral, Picciani à frente. O círculo da corrupção estava fechado. Não havia brechas. Era uma trama criminosa perfeita, com todos os seus anéis de legitimação. Nada ficou de pé, exceto sombras do passado, como Pezão e uma Assembleia, com raras exceções, totalmente desmoralizados.

A performance de Pezão como morto-vivo é patética. Ele indicou um deputado para o TCE. O procurador recusou-se a defender essa escolha: era inconstitucional. O procurador foi demitido por defender a Constituição. Felizmente, o deputado indicado por Pezão está para ser preso. Foi indicado ao TCE porque é cúmplice do assalto. A lógica da quadrilha ainda domina o estado. Em outras palavras, o Rio foi arruinado pela maior quadrilha da História, e coube aos remanescentes do grupo reconstruí-lo. Eles não sabem nem querem fazer isto. Seu único objetivo é escapar da Justiça.

No livro “Sobre a tirania”, de Timothy Snyder, o autor mostra 20 lições do século XX. Uma delas pode ser adaptada para o Rio: mantenha a calma quando o impensável chegar. Snyder fala do terrorismo nessa lição. O impensável chegou ao Rio não na forma do terrorismo, mas na ruína profunda de suas instituições. Ele explode na violência cotidiana, crise econômica, desemprego e miséria.

Em outras circunstâncias, a única saída seria uma intervenção federal. Mas o governo de Brasília é também um remanescente do esquema gigantesco que arruinou o país. Não tem força nem legitimidade. A última esperança está na própria sociedade. Uma ilusão a enfraquece: esperar 2018 para realizar a mudança.

Em outros estados, isso pode fazer sentido. Não consigo imaginar como o Rio resistirá a mais um ano de bandidos no poder e a todas as consequências da presença da quadrilha no governo. De que adianta prender deputados como Picciani se a Assembleia está pronta para soltá-los?

No espírito de manter a calma quando o impensável chegar, a sociedade precisa discutir logo não apenas as grandes saídas, mas também a solução emergencial. O problema central é este: o que fazer com as grandes quadrilhas que dominam o estado? Como tomar iniciativas imediatas, para não ter de mudar daqui no futuro próximo? Não tenho resposta pronta. Sei apenas que é preciso enfrentá-los, derrubá-los e substituí-los. Isso precisa ser feito agora.

Já disse no alto de um caminhão de som, em debates e palestras: é insuportável viver num país onde os bandidos fazem a lei. O Rio é o núcleo dramático dessa desgraça nacional.

PS: No artigo anterior, errei o nome de Mario Tricano, prefeito de Teresópolis.
Imperdoável, pois o conheço pessoalmente e o entrevistei no seu hotel.