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Andrea Jubé: O aliado que não falava “javanês”

Rodrigo Pacheco ganhou fama de “não confiável”

Um verso de Chico Buarque dita o ritmo da eleição para as novas Mesas Diretoras da Câmara e do Senado. “Não se afobe não, que nada é pra já”, ensina o compositor na letra de “Futuros amantes”. Vale para a poesia e para a política: um gesto precipitado pode arruinar uma estratégia.

Se a história se repete como tragédia ou farsa, a tendência é que os tabuleiros de cada uma das Casas se aclarem somente no fim de janeiro. No ano passado, a bancada do MDB no Senado se reuniu somente na véspera da eleição para definir o candidato da sigla à sucessão, e por um voto Renan Calheiros (AL) venceu Simone Tebet (MS).

O embate no MDB foi apenas o primeiro lance de uma sequência de jogadas dramáticas que culminaram na vitória de Davi Alcolumbre (DEM-AP), em resultado que só pode ser alcançado na noite do dia 2 de fevereiro, um sábado. No dia da eleição, Alcolumbre sentou-se na cadeira de presidente e passou a conduzir a sessão de votação, ainda sem tornar pública a sua candidatura.

A certa altura daquela sessão, a senadora Kátia Abreu (PP-TO), aliada de Renan, aproximou-se de Alcolumbre e lhe cobrou ao pé do ouvido quando ele se declararia candidato. Em resposta, ouviu que, até aquele momento, com a sessão em curso, seu grupo não havia definido se o candidato seria ele, ou Tasso Jereissati (PSDB-CE).

Somente no dia seguinte, Alcolumbre assumiu que era candidato. Um enredo incrementado por lances cinematográficos, como o roubo da pasta da presidência por Kátia Abreu, as acusações de “usurpador”, a oposição a Renan abrindo os votos, a revelação de 82 cédulas de votação, em um colégio de 81 eleitores.

A recordação desses fatos se impõe para contextualizar a avaliação de senadores experientes de que Alcolumbre se precipitou ao lançar o nome de Rodrigo Pacheco (DEM-MG) para sucedê-lo. “O Senado não é a República do Amapá, não dá pra ele simplesmente tirar um nome do paletó, e tem que ser alguém do DEM para parecer que ele ganhou”, criticou um senador.

Com cinco titulares, o DEM é uma das menores bancadas do Senado. O MDB tem a maior bancada, com 13 integrantes, e contaria com a prerrogativa de indicar o presidente da Casa. Alcolumbre elegeu-se em 2019, egresso de uma bancada reduzida, em circunstâncias muito singulares: surfou na onda bolsonarista de rejeição à “velha política”. Beneficiou-se da revelação dos votos, quando a sessão secreta favoreceria Renan. Para completar, teve o apoio do Planalto, escancarado com a declaração do voto do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ).

Mas a resistência a Rodrigo Pacheco vai além de pertencer ao DEM. “Ele tem um passado esquisito”, diz um senador do grupo de Alcolumbre, que enumera razões para que muitos colegas, principalmente do MDB, rejeitem o apoio ao mineiro.

Quando Pacheco ainda integrava os quadros do MDB, e era presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) na Câmara, designou um relator independente, que recomendou a abertura de processo de impeachment contra o então presidente Michel Temer. Sua situação no MDB ficou insustentável, e Pacheco abrigou-se no DEM em 2018.

Já como senador, Pacheco é acusado de descumprir acordos quando foi relator na CCJ do projeto que pune abuso de autoridade de juízes e procuradores. “Na hora H, ele se tremeu todo e não entregou o relatório combinado”, reclama um colega.

Outro motivo de desconfiança é porque Pacheco é pré-candidato ao governo de Minas Gerais. Alguns colegas receiam que ele use o cargo para fazer “populismo”. A pré-candidatura também pode empurrar o PSD para o colo do MDB, porque o partido quer eleger Alexandre Kalil, prefeito reeleito de Belo Horizonte, governador em 2022.

Por todas essas razões, até mesmo aliados de Alcolumbre acham que ele foi com muita sede ao pote ao tirar o nome de Pacheco da cartola.

Em paralelo, a resistência ao nome do DEM estimulou o movimento do MDB para restabelecer a regra da proporcionalidade no Senado, para que a distribuição dos espaços - a começar pela presidência da Casa - respeite o tamanho das bancadas.

A regra se aplicaria, da mesma forma, à divisão de cargos na Mesa Diretora, nas comissões, e até mesmo na indicação de relatores.

Confiante no resgate dessa regra, o MDB pretende atrair as lideranças das outras grandes bancadas, como Podemos, PSD, PSDB, PP e PT. “Quando se prioriza a regra da proporção, os espaços de cada partido ficam garantidos”, justifica um senador.

Nesse contexto, outras lideranças do Senado, como Flávio Bolsonaro, o presidente do PP, Ciro Nogueira (PI), entre outros, tentam construir nos bastidores uma candidatura de consenso que una o grupo de Alcolumbre e o MDB.

O Planalto não faz oposição a Pacheco, tampouco aos postulantes do MDB, que ganharam o apelido de “os três mosqueteiros”: Eduardo Braga (AM), Eduardo Gomes (TO), e Fernando Bezerra (PE).

Se essa construção for bem sucedida, em movimento que fica para janeiro, o DEM sai perdendo, se o escolhido não for Pacheco, mas não Alcolumbre.

Embora o nome do deputado e presidente do Republicanos, Marcos Pereira (SP), seja lembrado, Alcolumbre é visto por ministros como o melhor perfil para assumir a articulação política no ano que vem, no lugar do general Luiz Eduardo Ramos. “Não quero ser ministro”, disse Pereira à coluna.

Um ministro não palaciano disse à coluna que Davi Alcolumbre tem o melhor perfil para se tornar ministro da Secretaria de Governo. “Alcolumbre não fala javanês, ele fala a língua do presidente”, justificou, alegando que ambos fazem política da mesma forma.

Uma alusão ao conto de Lima Barreto, “O homem que sabia javanês”, de 1911. Na história, o protagonista Castelo, até então desempregado, consegue uma colocação de professor ao fingir que conhecia o idioma da ilha de Java.

Três vezes deputado federal, eleito presidente do Senado no primeiro mandato, com boa relação com Bolsonaro, Alcolumbre é visto em alas do governo, e no Centrão, como alguém que fala “politiquês” melhor que o general.


Bernardo Mello Franco: O tombo de Davi Alcolumbre

Davi Alcolumbre planejou um dezembro glorioso. O presidente do Senado esperava garantir a permanência no cargo e emplacar o irmão como prefeito de Macapá. Em duas semanas, tudo foi por água abaixo.

No dia 6, o Supremo Tribunal Federal surpreendeu e vetou a reeleição dos chefes da Câmara e do Senado. A jogada estava ensaiada, mas a Corte voltou atrás e desistiu de atropelar a Constituição.

No dia 20, veio a segunda derrota: Josiel Alcolumbre perdeu a eleição na capital do Amapá. Ele liderava as pesquisas desde o início da campanha, mas foi ultrapassado na reta final pelo azarão Dr. Furlan.

O presidente do Senado se empenhou nas duas disputas. Para conquistar a simpatia do Supremo, engavetou pedidos de impeachment e barrou a chamada CPI da Lava-Toga. Para eleger o irmão, montou uma coligação de 12 partidos, apoiada pelas máquinas do estado e da prefeitura. A chapa parecia invencível até o apagão que atingiu o Amapá em novembro.

Numa entrevista desastrada, Davi disse que o maior prejudicado com a falta de luz foi Josiel, “que ia ganhar a eleição no primeiro turno”. A declaração revoltou amapaenses que passaram 22 dias às escuras.

Na véspera das urnas, Jair Bolsonaro ainda tentou retribuir a blindagem do senador ao primeiro-filho. Em vídeo, ele pediu votos para Josiel “do fundo do coração”. Tarde demais: a zebra já estava no pasto em Macapá.

Em dois anos na cadeira, o presidente do Senado nunca deixou de agir como um político do baixo clero. Sem luz própria, ele se equilibrou graças à distribuição de cargos e favores. Quando os bolsonaristas ameaçavam fechar o Congresso, fez cara de paisagem e aproveitou para arrancar mais verbas para aliados.

Após se recuperar do tombo, Davi poderá ser recompensado com uma vaga de ministro. Nesse caso, Josiel também ganhará um consolo: ele é o primeiro suplente do irmão no Senado.

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Depois de dois anos sem trabalhar, Bolsonaro saiu de férias. Deve ser isso o que chamam de meritocracia.


O Estado de S. Paulo: Alcolumbre sofre resistência para emplacar sucessor no Senado

Apoiado pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco não encontra respaldo nas maiores bancadas; MDB vai lançar candidato único

Daniel Weterman e Anne Warth, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - O presidente do SenadoDavi Alcolumbre (DEM-AP), enfrenta resistências internas para emplacar seu sucessor no comando do Legislativo. O parlamentar tenta atrair apoio para a candidatura do líder do DEM, Rodrigo Pacheco (MG), mas o nome é questionado dentro das maiores bancadas. A disputa está marcada para fevereiro. O projeto original de Alcolumbre era ser candidato à reeleição, possibilidade barrada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Em um movimento para fazer frente ao candidato de Alcolumbre, o MDB, maior bancada do Senado, decidiu lançar um candidato único à sucessão. Dentro do partido, os senadores Eduardo Braga (AM), Eduardo Gomes (TO), Fernando Bezerra Coelho (PE) e Simone Tebet (MS) estão no páreo. Com quatro pré-candidatos, a legenda divulgou uma nota após reunião em Brasília afirmando que caminhará em “unidade” para voltar ao comando do Senado em 2021. O MDB tem 13 integrantes e buscará aliança com outros partidos. Um dos focos é o Podemos, que tem 10 senadores e faz oposição interna ao atual ocupante da cadeira.

Aos 44 anos, formado em Direito, Rodrigo Pacheco está na primeira legislatura no Senado – antes, foi deputado federal. Para alguns senadores, Pacheco é considerado imaturo para o cargo e há desconfiança de que ele usaria o posto para se alçar à disputa pelo governo de Minas Gerais em 2022. Por outro lado, aliados o apontam como alguém que consegue manter a ponte construída por Alcolumbre com o Palácio do Planalto e facilitar a demanda de colegas com o governo.

Senadores mais antigos na Casa querem o resgate de algumas tradições – entre elas a proporcionalidade na distribuição das comissões e da Mesa Diretora do Senado. Por essa regra, que vigorou por anos, os partidos com bancadas maiores têm direito a mais cargos. Alcolumbre, por sua vez, tem oferecido cargos em troca de apoio a Pacheco, sem observar essa prática.

A insatisfação foi expressa em nota divulgada pelo MDB após a reunião da bancada. “O momento exige bom senso e maturidade política. O respeito ao diálogo e à dimensão das bancadas é particularmente importante para garantir condução equilibrada de uma pauta de reconstrução do País, após esse período tão difícil que o Brasil enfrenta”, diz o texto.

Na semana passada, Alcolumbre esteve com o presidente Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto e sinalizou que caminharia para definir um candidato fora do MDB. O parlamentar conseguiu aceno de Bolsonaro para apoiar o “ungido” e fazer seu próprio sucessor. A escolha alinhada com o governo antes de consultar líderes partidários causou incômodo. Para alguns senadores, Alcolumbre praticamente tirou Pacheco do “bolso” após ser impedido de tentar a reeleição. “O Senado não pode ser um apêndice do Executivo. Não ter proporcionalidade significa transformar o Senado em um balcão de negócios”, afirmou Simone Tebet (MDB-MS), que disputa a indicação do MDB à sucessão.

Nos últimos dias, Alcolumbre buscou apoio do PP e do PSD, partidos com senadores mais próximos a ele. As legendas, porém, evitaram declarar voto em Rodrigo Pacheco neste momento. Com as alianças indefinidas, o presidente do Senado vem buscando apoios individuais para a candidatura de Pacheco. Nas sessões do Senado durante esta semana, conforme o Estadão/Broadcast apurou, o parlamentar pediu votos para o candidato do DEM a colegas em meio à reunião de votações.

PSD

A bancada do PSD, com 12 senadores, se reuniu na segunda-feira para discutir a sucessão. Vice-presidente do Senado e aliado de Alcolumbre, Antonio Anastasia (PSD-MG) afirmou na conversa que não é candidato. Colegas do partido, porém, defendem que ele se lance na disputa. Além de Anastasia, Otto Alencar (BA) e Nelsinho Trad (MS) são citados como possíveis concorrentes. A legenda voltará a se reunir na próxima semana para decidir que rumo tomará na eleição. Um consenso entre os integrantes é tomar uma decisão única em comum acordo. Líderes do Senado apontam que duas forças despontam com maior influência para vencer a eleição: Alcolumbre e o MDB.


Bruno Boghossian: O centrão e os radicais

Presidente quer convencer apoiadores de que aliança no Congresso favorece agenda radical

A ansiedade de Jair Bolsonaro está em alta. Depois de tropeçar nas votações do Congresso ao longo de dois anos de mandato, o presidente conta com a vitória de aliados que possam garantir um caminho mais suave para seus planos nas chefias da Câmara e do Senado.

Bolsonaro começou a anunciar suas prioridades para o Legislativo em 2021. As propostas incluem a redução de punições para policiais que matam em serviço, a instalação do voto impresso e a mudança de regras de regularização de terras no país.

Em discursos nas últimas semanas, o presidente disse que terá chances de aprovar esses projetos a partir do ano que vem. A menção a essas pautas não foi acidente: Bolsonaro tenta encantar sua base fiel para neutralizar os danos causados pela aliança do governo com o centrão na disputa pelo comando do Congresso.

Ainda que o presidente tenha abandonado há tempos a fantasia da campanha, a aproximação com os velhos políticos ainda provoca abalos na relação do governo com seus apoiadores mais radicais. A ideia é convencê-los de que esse movimento se dá em nome de uma causa maior.

Na terça (15), Bolsonaro falou com otimismo sobre o plano que protege policiais. “Se Deus quiser, com a nova presidência da Câmara e do Senado, vamos botar em pauta o excludente de ilicitude”, declarou, num gesto àqueles que defendem uma política de segurança violenta. Em campanha, ele dizia que a proposta daria “carta branca para policial matar”.

O presidente também já afirmou que o novo comando do Congresso votaria a chamada MP da grilagem, que flexibiliza a regularização fundiária e pode favorecer os ruralistas. Ele disse ainda que vai trabalhar pela aprovação do voto impresso –pauta de extremistas que preparam terreno para contestar uma eventual derrota de Bolsonaro em 2022.

Não se sabe se essas ideias são distrações ou se o presidente vai gastar capital político para aprová-las. No centrão, muita gente acredita que ele só quer escapar do impeachment e livrar a família de investigações.


RPD || Paulo Fábio Dantas Neto: Em busca de um centro - Uma eleição e dois scripts

Eleições municipais mostraram que, para vencer Bolsonaro no pleito de 2022, será necessário uma candidatura capaz de dialogar embaixo e partidos que tenham papel aglutinador

Lemos e ouvimos sempre que eleições municipais têm lógica diferente de eleições para Executivos nacional e estaduais. Fenômenos comuns a 2016 e 2018 arranharam um pouco essa convicção. O sucesso do discurso anti-política, a força da onda lavajatista, o antipetismo como coalizão de veto e por aí vai, tudo isso se desdobrou e radicalizou entre 2016 e 2018. Agora, um ponto em discussão é em que medida 2020 reverteu 2016. Deve-se considerar o insucesso eleitoral dos discursos de polarização ideológica, da “nova política” como antipolítica, a menor relevância nas urnas do tema da segurança e a pouco peso do da corrupção. Também que o eleitorado valorizou eficácia nas gestões municipais, fator cuja importância foi potencializada pelo contexto da pandemia.

Mas não se pode excluir da análise importante elemento de continuidade entre 2016 e 2020: o fortalecimento eleitoral da chamada centro-direita, em sua diversidade. Aqui cabe distinguir uma centro-direita pragmática que recebe o apelido, muitas vezes impróprio, de centrão, e aquela que há tempos tem o DEM como sua expressão programática, postura que manteve esse partido, por mais de uma década, na oposição.  

Da análise desses fatores depende a resposta à seguinte questão: a reversão que tenha havido, em 2020, do “espírito” de 2016 restabelecerá o antigo grau de autonomia de eleições municipais, deixando supor que 2022, apesar da sinalização contrária de 2020, possa reiterar o quadro inóspito de 2018 ou o padrão de desconexão que vigorou dos anos 90 até 2016-2018 seguirá sendo violado, tornando 2020 capaz de prenunciar 2022 como 2016 prenunciou 2018?  

Analiticamente, é possível admitir as duas hipóteses. Politicamente, é interessante ver como reforçar a segunda. Uso aqui a chave toquevilleana que abre possibilidades a escolhas políticas, em condições gerais postas por um processo que os atores não controlam. Mas reforçar qual script de 2020? Há mais de um a delinear um realinhamento de forças. Uma bifurcação liga-se a diferenças persistentes de idioma entre a política de São Paulo e do resto do país.  

"O peso de São Paulo nas análises encobre movimentos de fortalecimento de outro tipo de centro moderado em Fortaleza, Recife, Rio e Porto Alegre, convergentes com o ocorrido, no primeiro turno, em Salvador"
Paulo Fábio Dantas Neto

Há duas versões acerca do desfecho do segundo turno das recentes eleições na capital paulista. A primeira, que a reeleição de Bruno Covas foi uma vitória do governador João Dória, o que estimularia uma aliança entre PSDB, DEM e MDB, com posição determinante do primeiro. Ela estaria em dupla polarização com o bolsonarismo e uma esquerda unida que teria encontrado em Boulos uma nova rota de navegação. A segunda versão é que Covas venceu apesar de Doria e que sua vitória pessoal aponta à possibilidade de o PSDB paulista adotar perspectiva mais ao centro e mais nacional, para superar dificuldades de trânsito de Doria, fora da centro-direita.  

O peso de São Paulo nas análises encobre movimentos de fortalecimento de outro tipo de centro moderado em Fortaleza, Recife, Rio e Porto Alegre, convergentes com o ocorrido, no primeiro turno, em Salvador. Nessas cinco cidades, DEM, PSDB, MDB e Cidadania estiveram juntos com o PDT e/ou o PSB, no primeiro e/ou no segundo turno. Em todas, venceram. Em Fortaleza a aliança chegou a englobar, no segundo turno, o PT. Nessas cidades, com diversas peculiaridades óbvias, há um desenho comum, diverso daquele que São Paulo sugeriu.  

Dessa bifurcação surge uma outra questão:  saber se esses movimentos apontam a um tipo de centro moderado que pode atrair São Paulo, em vez de gravitar em torno do contencioso paulista e do PSDB. Sinalizam a chance de uma frente ainda no primeiro turno, situada, de fato, ao centro, aproximando setores da centro-direita e da centro-esquerda. Isso pede uma candidatura capaz de dialogar embaixo e partidos que tenham papel aglutinador. Do nome, ainda estão longe. Quanto a partidos, é preciso conversar a sério sobre o DEM. Ele é tão central para essa rota Brasil-São Paulo como o PSDB e Boulos são para a rota São Paulo-Brasil. Para observá-lo, é preciso uma filmadora que capte seu movimento da centro direita ao centro, não flashs que o flagrem como um ator com “essência” de centro-direita.  

Essas cogitações sugerem balizas para um agir baseado no que aí está: governo relativamente enfraquecido e Presidente relativamente popular. Muito pode mudar se presidente e governo desabarem juntos numa crise econômica e social ou se, por oposto, o capitão surpreender e vier a ser também presidente. É incerteza intrínseca ao processo. Convém as oposições terem pés no chão, para lidar com o que há e olhos abertos para o que pode vir.

*Doutor em Ciência Política, bacharel em Ciências Econômicas e mestre em Administração. É professor da FFFCH/UFBA, onde atua como docente no Departamento de Ciência Política e no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais e, como pesquisador, no Centro de Recursos Humanos (CRH). Foi Vereador em Salvador (1983-1988), deputado estadual (1989) e secretário municipal de Educação (1994).  


RPD || Raul Jungmann: Militares e elites civis - Liderança e responsabilidade

O país convive hoje com um distanciamento entre o poder político, elites civis e as Forças Armadas, avalia Raul Jungmann. Enquanto o poder político se aliena das suas responsabilidades quanto à defesa da nação, os militares, por sua vez, passam a assumir a tutela da existência da nação, inclusive, sem uma liderança civil

Aos 18 dias de novembro de 2016, o Presidente da República, Michel Temer, enviou ao Congresso Nacional a Política e a Estratégia Nacionais de Defesa e o Livro Branco da Defesa Nacional, que nós, à época, tínhamos coordenado na qualidade de Ministro da Defesa que éramos. Dois anos depois, em 18 de dezembro de 2018, o Presidente do Senado e do Congresso, Senador Eunício Oliveira, enviou à Presidência da República os textos, para sanção. Considerando que seu governo estava praticamente findo, o Presidente Temer deixou para seu sucessor a assinatura presidencial que sancionaria os referidos textos.

O Presidente Jair Messias Bolsonaro, entretanto, entendeu que a Política, Estratégia e o Livro Branco eram projetos do governo anterior (e não de Estado, o que eles verdadeiramente são), e não os sancionou. Resultado, até hoje vigem os textos de 2012, até que os projetos em tramitação, referentes ao quadriênio de 2020 a 2024, sejam aprovados. Nós fomos o relator do que hoje é a Lei Complementar 136, que no seu bojo trazia uma novidade histórica. Pela primeira vez, o Congresso Nacional passaria a apreciar e, portanto, a ter o controle das diretrizes, objetivos e rumos da defesa nacional – algo que não consta da nossa Constituição Federal. Ao negociar as emendas à proposta original com o Ministro Nélson Jobim, imaginávamos o potencial que teria a análise das mais elevadas decisões quanto a nossa defesa e segurança por parte do parlamento e o diálogo histórico que se travaria entre o poder político e os militares, num claro avanço democrático. Em vão.

Ao longo de dois anos de tramitação, os textos de 2016 não foram objeto de nenhuma audiência pública. Seu parecer, emitido pela Comissão Mista de Inteligência, e não pelas Comissões de Relações Exteriores e Defesa Nacional das duas casas do Congresso, era, claramente, uma colagem das propostas, sem críticas ou aprimoramentos dignos de nota. Já sua votação, nas duas casas, foi simbólica e não nominal, sem debates ou pronunciamento dos líderes. O “histórico diálogo” e o consequente “avanço democrático” fracassaram melancolicamente...Por quê? São três os motivos principais.

As elites civis e o poder político do pais não vislumbram quaisquer ameaças no horizonte a nos  desafiar. E, vale lembrar, o nosso último conflito interestatal data de 150 atrás, a Guerra do Paraguai, se descontarmos nossa participação nas I e II guerras mundiais. Secundariamente, defesa e as FFAA não dão retorno político-eleitoral, sendo que as Forças, instituições de Estado, são impessoais, e seu efetivo é infenso a indicações políticas. Por fim, as intervenções militares ao longo da nossa história, sendo a última em 1964, e o fato que parte dos quadros dirigentes da política fizeram oposição ao regime militar, não estimulam pontes e diálogos. Em consequência, hoje existe um distanciamento entre poder político, elites civis e FFAA, que nos leva a uma dupla disfunção.

"Criação do Ministério da Defesa é uma exigência da guerra moderna, onde as forças singulares devem estar sob um comando único e superior a elas, como também em razão da complexidade, logística e dimensões adquiridas pelos conflitos bélicos, sobretudo após as duas guerras mundiais"
Raul Jungmann

De um lado, o poder político se aliena das suas responsabilidades quanto à defesa da nação, não a levando a sério. De outro, os militares, cuja “raison d’être” é justamente a defesa nacional, diante do alheamento do poder político sobre a nossa soberania, integridade e independência, passam a assumir a tutela da existência da nação. A segunda das consequências é que a defesa e as FFAA necessitam da liderança civil por bons motivos. Um, que cabe privativamente aos representantes políticos da nação, definir qual defesa necessitamos, seu rumo, estrutura e organização, em face de nossos objetivos nacionais e projeto de desenvolvimento. A segunda é que, sem que líderes civis em diálogo com os militares proponham mudanças, as FFAA, como toda grande corporação, tende a manutenção do status quo. Exemplo disso é o Ministério da Defesa. Sua elaboração levou 5 anos para se concluir, sendo iniciada no primeiro e concluída no segundo governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso.

À época, havia forte resistência no meio militar a sua criação. Dentre outros motivos, porque os quatro ministérios militares existente passariam a se tornar comandos militares das Forças, sob a direção superior de um único ministro, que seria um civil. A criação do Ministério da Defesa é uma exigência da guerra moderna, onde as forças singulares devem estar sob um comando único e superior a elas, como também em razão da complexidade, logística e dimensões adquiridas pelos conflitos bélicos, sobretudo após as duas guerras mundiais. Tanto é fato que a maioria dos países desenvolvidos instituíram ministérios da defesa há décadas, inclusive os sul-americanos, a exemplo da Argentina e Chile.  

Cabe notar o que afirmamos: não fora a persistente liderança do poder político, a criação do Ministério da Defesa, uma necessidade militar, ressalve-se, não teria se tornado realidade.

Cabe recordar um outro exemplo. Declarada nossa independência em 1822, as elites Imperiais viram-se a braços com questões estratégicas para a constituição e o futuro do Estado nacional. Elas eram: a manutenção da unidade e integridade do território, a definição das fronteiras e o impedimento que Argentina, Bolívia e Paraguai viessem a formar um polo de poder ao sul, que nos contrastasse e fizesse sombra. Em todas essas complexas tarefas, a elite imperial saiu-se a contento e, em todas elas, fez uso das nossas FFAA.  Isto porque, além de ter um projeto de país a construir, elas tinham clareza quanto ao papel e orientação dar as Forças Armadas – algo que nossas elites atuais não possuem.

Findo o regime militar, as Forças Armadas recolheram-se aos quarteis e, durante um quarto de século, viveram num vazio estratégico, sem que lhes fossem atribuídas competências e rumos na nossa renascente democracia e num projeto nacional de desenvolvimento, o que só começa a mudar em 2008 com a 1ª. Estratégia Nacional de Defesa. Já o vazio de interlocução e de diálogo persiste. Na academia, mídia, sociedade, empresariado e no Congresso, raros são os que conhecem o tema defesa, dele entendem e têm diálogo com as Forças e militares. Os partidos políticos lhes dedicam rarefeitas e precárias linhas “de ofício”, meramente declaratórias. Não possuem especialistas, tão pouco unidades de estudo e proposição de políticas públicas. Nas eleições e debates nacionais, a defesa e FFAA primam pela ausência. Democratas de vários matizes delas guardam distância, com também raríssimas exceções.  

Dialogar e liderar as nossas Forças Armadas na definição de uma defesa nacional adequada ao Brasil, é um imperativo da nossa existência enquanto nação soberana.  Construir essa relação, levar a sério nossa defesa e as FFAA, assumir as responsabilidades que cabem ao poder político e as nossas elites, é também uma questão democrática, incontornável e premente.

*Ex-Deputado Federal, Ministro da Reforma Agrária, Defesa Nacional e Segurança Pública. 


Vera Magalhães: Se dividir, Bolsonaro leva

É vital união entre forças divergentes e entre Câmara e Senado

Se o jogo da disputa pelas presidências da Câmara e Senado continuar a ser jogado de maneira desarticulada, e na base do cada um por si entre os partidos ditos opositores ao bolsonarismo, Jair Bolsonaro tem boas chances de emplacar aliados seus nas duas Casas do Congresso e com eles tocar seus dois últimos anos de mandato. E, bem no fundo, pode ser justamente isso que muitos dos atores do momento político querem. Vamos analisar um pouco a forma como cada um deles age.

Comecemos por Davi Alcolumbre. O presidente do Senado risca os dias na folhinha em pânico desde que o Supremo Tribunal Federal acabou com sua tentativa de dar um chega pra lá na Constituição e disputar novo mandato. Morto de medo de voltar ao baixo clero, tenta uma costura dissociada do correligionário Rodrigo Maia para eleger alguém sob sua influência para sua cadeira.

Para isso, vale até uma aliança com o presidente. Mais ainda se no pacote vier, quem sabe, um ministério para evitar que ele desça de volta à planície sem escala.

Se Alcolumbre fosse fechado com o DEM, seu partido, e se estivesse disposto a ajudar numa articulação para colocar alguém de fato independente em seu lugar, o jogo teria de ser casado com a Câmara, de forma a que o MDB fizesse o candidato lá, e o DEM ou algum partido sob a influência de Alcolumbre, o postulante à presidência do Senado.

E teria de ser uma “chapa” com o discurso da independência, para atrair ou pelo menos tentar arrancar um compromisso público de todos os partidos que entendem que dar o comando do Congresso a Bolsonaro agora significa autorizar que ele “passe a boiada” com sua pauta retrógrada em campos vitais da vida brasileira e tenha uma vantagem imensurável para fechar uma aliança e se posicionar para 2022.

Além disso, é ilusório achar que Arthur Lira (PP-AL), o candidato do bolsonarismo na Câmara, tenha qualquer compromisso com a responsabilidade fiscal. Só o pacote de promessas que ele fez para se eleger no périplo que vem cumprindo por lideranças partidárias já é suficiente para estourar o Orçamento e arrombar o teto de gastos. Se somar as emendas que o próprio Bolsonaro vem autorizando que sejam negociadas, a conta dobra.

Isso num ano em que a pandemia ainda está longe de acabar, como de novo de forma irresponsável mentiu o presidente, e está mais próximo o número de Paulo Guedes de voltarmos ao sinistro patamar de mais de mil mortes diárias por covid-19.

Já escrevi que não é o STF que deve ser responsabilizado pela vantagem com que Bolsonaro conta hoje, mas os próprios Maia e Alcolumbre, que se deixaram empanturrar pela fome de poder e agora correm o risco de ficar de mãos abanando, por não terem organizado a sucessão a tempo, quando ainda detinham o poder da caneta e uma coalizão forte em torno de ambos.

É por isso que cabe aos dois, e ao partido do qual fazem parte, bem como ao autoproclamado centro democrático e à esquerda que se diz antibolsonarista se unirem para evitar um desastre político com risco de se alastrar para a saúde, os costumes, o meio ambiente, a segurança pública, a educação e todas as outras áreas em que o toque de Midas reverso de Bolsonaro, que transforma tudo em morte e devastação, puder tocar.

Que o PT negocie com Lira em troca da revisão da Lei da Ficha Limpa e de outros marcos civilizatórios que são conquistas da sociedade brasileira diz muito sobre o estágio de putrefação avançada do partido, do qual ele teima em não sair.

Na ausência de democratas de verdade, cabe ao capitão autoritário, que antes se recusava a fazer política, ditar as regras e distribuir as cartas. O que mostra que quem foi derrotado em 2018 não aprendeu nada, nem diante dos descalabros de 2020.


O Globo: entenda por que a eleição no Congresso é decisiva para o governo Bolsonaro

Escolha dos novos chefes do Congresso na segunda metade do governo de Jair Bolsonaro será decisiva para as marcas que o presidente deixará ao fim de seu mandato — e, consequentemente, para a possibilidade de se reeleger

Paulo Cappelli, Isabella Macedo e Julia Lindner, O Globo

BRASÍLIA — A escolha dos novos chefes do Congresso na segunda metade do governo de Jair Bolsonaro, em 1º de fevereiro, será decisiva para as marcas que o presidente deixará ao fim de seu mandato — e, consequentemente, para a possibilidade de se reeleger. Ampliar as reformas econômicas, cumprir promessas de campanha e implantar uma agenda ideológica dependerão dos futuros presidentes do Legislativo.

VejaRodrigo Maia diz que governo faz 'interferência antidemocrática' na eleição da Câmara

Na Câmara, há pressão de bolsonaristas para que o candidato do Palácio do Planalto dê andamento a pautas conservadoras que ficaram emperradas. Mas, no Senado, nem mesmo os governistas estão dispostos a dar abertura ao discurso na área de costumes enfatizado pelo presidente da República.

Aliados do governo avaliam que, caso o candidato apoiado pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), vença a eleição, pautas de costumes ligadas ao bolsonarismo terão ainda mais dificuldade de serem levadas ao plenário. Por isso, eles tentam negociar a tramitação das matérias com o deputado Arthur Lira (PP-AL), apoiado pelo Planalto na disputa.

— O governo quer desburocratizar o acesso às armas e reduzir os impostos na área. Quer também acabar com a ideologia nas escolas, de esquerda ou de direita. Já na questão ambiental, é necessária uma flexibilização para tornar mais rápida a emissão de licenças — afirma o deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), que integra a ala bolsonarista do partido e já declarou voto em Lira.

O candidato do Planalto, porém, tem evitado falar publicamente sobre essas pautas e, em conversas com a oposição, garante não haver compromisso de levá-las adiante. Uma declaração de Bolsonaro na semana passada, no entanto, deu a entender que o governo fará pressão. O presidente disse que vai reenviar em fevereiro um projeto sobre regularização fundiária, tema de uma Medida Provisória (MP) que, este ano, flexibilizou as exigências para a titulação de terras. A MP perdeu a validade sem ser votada.

Alinhamento econômico

Com relação às pautas econômicas, disputas políticas travaram o andamento delas em 2020. A expectativa de governistas é que no próximo ano seja possível retomar com mais facilidade a discussão das reformas administrativa e tributária, independentemente dos vitoriosos nas corridas pelas presidências de Câmara e Senado, pois há maioria no parlamento a favor dessas agendas. Outras pautas econômicas no horizonte são a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) Emergencial — que trata de medidas administrativas que poderão ser usadas pelos entes federados para reduzir despesas —, a criação do Renda Cidadã e a privatização de estatais.

Presidência na CâmaraApoio a Lira opõe direção do PSB a bancada na Câmara; PT quer se unir a partidos da oposição

No Senado, nem os candidatos alinhados ao governo indicam ter disposição de colocar em pauta temas controversos defendidos pelo presidente. Exemplo disso foi a postura do líder do governo na Casa, Fernando Bezerra (MDB-PE), um dos cotados na disputa à presidência, durante sessão na última semana. O senador votou a favor do decreto que susta a portaria editada pelo presidente da Fundação Cultural Palmares, Sérgio Camargo, retirando nomes como Milton Nascimento e Gilberto Gil da lista de personalidades negras.

— Eu fico em uma posição muito delicada, porque, como líder do governo, teria que fazer a defesa do decreto da Fundação Palmares, mas, como senador de Pernambuco, com uma trajetória de vida pública nessa Casa e na Câmara, quero me aliar a todos os líderes partidários e votar sim — disse Bezerra.

Um dos poucos a contestarem a votação foi o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente.

Outro possível candidato do MDB, que mantém proximidade com o Planalto, é o líder da bancada no Senado, Eduardo Braga (AM). Nas conversas que manteve na semana passada, ele disse que tem compromisso com pautas pela responsabilidade fiscal, como a manutenção do teto de gastos, e que deem boas sinalizações ao mercado para atrair investimentos. E diz que não dará prioridade à chamada pauta de costumes.

Diálogo no senado

Nos últimos dois anos, em contraste aos embates protagonizados com Maia, Bolsonaro manteve uma boa relação com Davi Alcolumbre. Senadores consideram, no entanto, que o atual presidente do Senado conseguiu barrar a agenda conservadora de maneira discreta, sem ter que partir para um confronto direto. Alcolumbre quer lançar na disputa um senador independente do governo, mas que consiga ter diálogo com o Planalto — o favorito é Rodrigo Pacheco (DEM-MG).

O analista político e diretor licenciado de Documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antônio Augusto de Queiroz, avalia que a pauta de costumes não encontra apoio suficiente no parlamento e ficaria travada na Casa mesmo diante da vitória de um candidato apoiado por Bolsonaro:

— A agenda de costumes vai travar. Nós temos parlamentares que não vão aceitar essa mentalidade do governo de retroceder em uma série de conquistas civilizatórias, em temas com posições já consolidadas, até internacionalmente.


Ascânio Seleme: Os candidatos

Decisão do STF de barrar por serem inconstitucionais as reeleições de Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre inaugurou o lançamento de candidaturas nas duas casas

Congresso Nacional começa a viver os momentos de turbulência que antecedem a sucessão das mesas da Câmara e do Senado. A decisão do Supremo Tribunal Federal de barrar por serem inconstitucionais as reeleições de Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre inaugurou o lançamento de candidaturas nas duas casas. Esta coluna não quer fazer juízo de valor, mas vai nomear cada um dos já lançados e acrescentar pequenas bios das suas trajetórias nas tramas da justiça. A elas.

CÂMARA

Arthur Lira (PP-AL), candidato do presidente Bolsonaro. Réu por desvio de dinheiro do erário e por enriquecimento ilícito; denunciado na Lava-Jato por lavagem de dinheiro; acusado pelo Ministério Público de Alagoas por desviar R$ 1 milhão através de rachadinhas durante mandato de deputado estadual; denunciado no STF por agressão à sua ex-mulher, que o acusou de participar de um esquema de corrupção em seu estado.

Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), foi ministro de Dilma e depois votou contra ela no processo de impeachment. Acusado pelo doleiro Alberto Youssef de receber mesada do PT para votar a favor das pautas do partido; citado na delação da Odebrecht por receber propina; denunciado pelo ex-procurador Rodrigo Janot por fazer parte da organização criminosa que assaltou a Petrobras.

Luciano Bivar (PSL-PE), presidente do partido que abriu as portas para Bolsonaro ser candidato em 2018. Em 2013, admitiu ter pago propina para a CBF para que o técnico da seleção Emerson Leão convocasse o jogador Leomar, que à época pertencia ao Sport, clube que Bivar dirigia; indiciado pela PF no esquema de laranjas do PSL nas eleições de 2018.

Marcos Pereira (Republicanos-SP), bispo licenciado da Igreja Universal, foi ministro do governo Temer. Ficou quase dois anos no cargo, mas se viu obrigado a renunciar ao posto quando seu nome apareceu na lista da Odebrecht como um dos beneficiários das propinas da empresa.

Elmar Nascimento (DEM-BA), deputado de segundo mandato. Acusado de ser um dos 81 parlamentares beneficiários do esquema da Odebrecht de distribuição de dinheiro para campanhas em caixa dois através da cervejaria Itaipava.

Baleia Rossi (MDB-SP), presidente nacional da sigla desde o fim da era de Romero Jucá. Foi acusado em 2016 pelo lobista Marcel Júlio como participante de um esquema de extorsão de fornecedores de merenda para escolas públicas de São Paulo. Mais tarde, o Coaf apresentou uma lista de envolvidos sem o seu nome.

Tereza Cristina (DEM-MS), ministra da Agricultura de Bolsonaro e deputada licenciada. Acusada de dar calote em cinco empréstimos que tomou de bancos e fundos de investimentos agropecuários, entre eles, um da JBS, para projetos rurais particulares.

SENADO

Fernando Bezerra (MDB-PE), ex-ministro do governo Dilma. Acusado de lavagem de dinheiro na Operação Turbulência para reeleição de Eduardo Campos em Pernambuco (parte do dinheiro teria sido usado na compra do avião que caiu em 2018 matando Campos); denunciado por receber propina da Camargo Corrêa nas obras da refinaria Abreu Lima; denunciado na Lava-Jato por receber R$ 20 milhões em propina.

Eduardo Braga (MDB-AM), ex-prefeito de Manaus, ex-governador do Amazonas, ex-ministro de Dilma. Suspeito na Lava-Jato por receber R$ 1 milhão em propina; acusado de ser dono oculto de um jato Citation de US$ 9 milhões (R$ 46,5 milhões), cujo prefixo é o sugestivo PP-MDB; denunciado pelo MP do estado por comprar terreno público por R$ 400 mil e vendê-lo três meses depois por R$ 13,1 milhões; conhecido nas planilhas da Odebrecht pelo apelido “Glutão”.

Nelsinho Trad (PSD-MS), ex-prefeito de Campo Grande. Teve R$ 101 milhões bloqueados em suas contas por envolvimento no maior escândalo do Mato Grosso do Sul, de desvios milionários da empresa de limpeza urbana da capital do estado, a Solurb; denunciado pelo MP estadual por fazer autopromoção com dinheiro público quando era prefeito.

Eduardo Gomes (MDB-TO), senador de primeiro mandato. Denunciado na Operação Sanguessuga por desvio de dinheiro do Ministério da Saúde destinado a compra de ambulâncias; acusado de fraudar licitações quando presidia a Câmara Municipal de Palmas; usou verbas indenizatórias do Senado para comprar “notícias” favoráveis a ele em jornais de Tocantins.

Antonio Anastasia (PSD-MG), ex-governador de Minas Gerais, ex-vice de Aécio Neves, a quem sucedeu. Citado na Lava-Jato como receptor de propinas. O ex-policial Jayme Oliveira Filho disse ter entregado dinheiro em BH a uma pessoa muito parecida com Anastasia. Alberto Youssef, de quem o policial era operador, negou que o dinheiro fosse para Anastasia. O processo acabou arquivado.

Simone Tebet (MDB-MS), senadora de primeiro mandato. Investigada por crime de responsabilidade em dois inquéritos que apuram fraude durante sua gestão na prefeitura de Três Lagoas (MS). Um deles foi arquivado por prescrição.

Rodrigo Pacheco (DEM-MG), senador de primeiro mandato. Defensor dos denunciados no mensalão, detrator da Lava-Jato e crítico do Ministério Público.

ATÉ HONDURAS

Com todo o respeito que aquele país da América Central merece, mas é bom notar que até mesmo a pequena Honduras (9,5 milhões de habitantes, PIB de US$ 49 bilhões e renda per capita de US$ 5,8 mil) vai começar a vacinação da sua população ainda este ano. Na capital, Tegucigalpa, as doses da vacina russa Sputnik começam a ser inoculadas na semana que vem. Alguém pode até dizer que a Sputnik não é segura, mas toda a família real de Dubai foi imunizada com ela.

O OSCAR BRASILEIRO

Daniel Day-Lewis leu cem livros sobre Lincoln para interpretar seu personagem no cinema. Assim que se trabalha. Quantos livros Bolsonaro e Pazuello leram sobre o coronavírus? O ator ganhou um Oscar por aquela interpretação. Que prêmio você daria ao presidente e ao seu ministro?

SAÚDE MENTAL

O governo resolveu revogar portarias que dão estrutura e recursos às políticas de saúde mental no Brasil. Parece que alguém mais, além do general Eduardo Paradão Pazuello, perdeu o juízo no Ministério da Saúde. Ou será que foi mais do mesmo?

HOTEL MUSEU

Nada contra um hotel no Jardim Botânico. Parques têm que ser usados e visitados pelas pessoas. São educativos e dão prazer e relaxamento aos visitantes. O maior parque do mundo, o Yellowstone, que se estende por três estados americanos em 8,9 mil quilômetros quadrados muito bem preservados, tem dez hotéis no seu interior. Todos geram renda e empregos e não atentam contra o meio ambiente. Agora, por que fazer logo no lugar do Museu do Meio Ambiente? Para reduzir o debate sobre a questão e suspender a movimentação de ideias e ideais preservacionistas. E para quê mais hotel no já abarrotado Rio de Janeiro? Aliás, Salles ajudaria muito se mandasse demolir o esqueleto do Gávea Tourist Hotel no Parque da Tijuca. Ou será que Eduardo Paes poderia se ocupar disso?

CANCÚN, NÃO

Por falar em hotel, é bom não se esquecer que ainda está muito bem viva a ideia maluca de Bolsonaro de querer transformar a baía de Angra dos Reis em uma “Cancún brasileira”. O que se quer fazer ali é uma agressão hedionda a um dos lugares mais preservados do planeta. A proposta é acabar com a estação ecológica e a APA de Tamoios e chamar investidores para erguer hotéis e resorts na área. Uma bobagem que não pode prosperar. E não vai, por que você acha que ainda tenha gente que acredite neste governo e invista numa furada dessas?

AINDA RODRIGO

O deputado Rodrigo Maia chegou a se coçar quando emissários de Bolsonaro o avisaram, há dois meses, que sua excelência pensava em lhe entregar um ministério. Poderia ser uma forma de agradecer ao presidente da Câmara por fazer nada com os mais de 30 pedidos de impeachment que recebeu. Mas, como revelou ontem o jornalista Fernando Rodrigues, do Poder 360, Paulo Guedes vetou Rodrigo num hipotético Ministério do Planejamento recriado. Pois é.

OS MITOS

Os políticos acreditam que o brasileiro gosta mesmo de líderes fortes e, melhor ainda, carismáticos. Muito provavelmente inspirados em outros modelos latinos, como o argentino, que até hoje vive sob a sombra de Juan Domingos Perón. Talvez seja por isso que políticos de direita (não falo do centrão das boquinhas, que não tem ideologia e está em qualquer governo) ainda acreditem em Bolsonaro, o mito de 2018. E esta também deve ser a razão para muitos bons quadros da esquerda continuarem teimando com Lula, o mito de duas décadas atrás.

NEGÓCIO NOVO

O mercado do direito autoral só se surpreendeu com o montante, não com a venda dos direitos autorais das músicas de Bob Dylan por US$ 300 milhões. No Brasil, investimentos no setor podem render até 13% ao ano, como mostrou em setembro a repórter Júlia Lewgoy, do Valor Investe. Significa quase cinco vezes mais do que paga a poupança. Mas é preciso saber como funcionam os direitos autorais de músicas para poder se movimentar por ali. Para isso é que estão sendo criados fundos específicos por bancos e fintechs. Trata-se de um novo negócio na praça.

AUDIÊNCIAS

A audiência da Fox News no verão americano foi a maior da história, superando todas as demais no cabo e ganhando até mesmo das emissoras de sinal aberto. Já por aqui, a Fox brasileira perdeu feio para a GloboNews.

IMPOSTOS E ARMAS

Bolsonaro vai zerar impostos para importação de armas a partir de 1º de janeiro. Neste caso, o presidente não surpreende mesmo. Agora, por que não zera também as alíquotas para seringas, já que os produtores locais dizem que não conseguem entregar o que o país precisa para a vacinação contra a Covid? Com a redução do imposto as indústrias poderiam contratar funcionários e produzir mais. Aliás, o que a Taurus, uma das maiores financiadoras da campanha de Bolsonaro em 2018, tem a dizer sobre a medida?

ULTRAJE

Não há outro nome para aquela ridícula exposição dos vestuários de Bolsonaro e Michelle no dia da posse.


Elena Landau: Juntos e misturados

É fundamental melhorar a qualidade dos gastos sociais no País

O senador Tasso Jereissati acaba de propor uma Lei de Responsabilidade Social (LRS). O PL 5.343/2020 é a etapa final de um trabalho de advocacy, que reuniu a academia, o Livres, o Centro de Debate de Políticas Públicas (CDPP) e um grupo de parlamentares envolvidos com o tema da renda cidadã, infância e educação. A sociedade civil se organizou e ocupou o vácuo deixado pelo Executivo em assunto da maior importância.

Algumas ideias já vinham sendo estudadas desde o início da pandemia. Várias propostas circulavam em seminários e artigos, incluindo desde a ampliação do programa Bolsa Família até a criação de uma renda mínima universal.

Muitas delas esbarraram na falta de fontes de financiamentos. Era preciso buscar uma solução que melhorasse a qualidade das despesas, respeitando os limites fiscais. O Brasil não gasta pouco com social, quando incluídos no total os programas de transferência e aposentadorias – priorizando mais idosos que crianças.

auxílio emergencial foi feito às pressas para atender aos efeitos humanitários, econômicos e sociais da covid-19. Seu redesenho se apresenta como uma oportunidade para a criação de um projeto permanente, mais eficaz no combate à pobreza.

Em maio, o Livres, do qual sou presidente do Conselho Acadêmico, realizou um debate com dois de nossos conselheiros, Ricardo Paes e Barros e André Portela, especialistas em políticas sociais. O Livres é um movimento suprapartidário e defende uma agenda liberal, que vai além da pauta econômica. É conhecido como “liberal por inteiro”, porque entre seus princípios estão a busca de igualdade de oportunidades e inclusão, o que abarca tanto o combate à pobreza quanto a redução de desigualdades e maior mobilidade social.

Desse encontro, surgiu a ideia de montar uma proposta de unificação de diferentes políticas de transferência, com melhor focalização dos gastos sociais. Hoje, se reconhece que se desembolsou mais do que o necessário com o auxílio emergencial, o que, de um lado, permitiu relativa recuperação de certos setores da economia, mas gerou uma piora dramática nas contas públicas.

Para sugerir uma alternativa, o Livres buscou outros especialistas, que sugeriram um trabalho em três dimensões. A primeira, a focalização e a unificação de benefícios. A segunda, uma atenção ao mercado informal de trabalho, cujo problema não é tanto de baixa renda, mas de volatilidade da renda. E, por fim, um projeto que respeitasse os limites fiscais do teto de gastos. Vinicius Botelho, Fernando Veloso e Marcos Mendes aceitaram o desafio.

Bom lembrar que, no início dos trabalhos, o presidente já havia interditado qualquer ideia de unificação de benefícios, que previa revisão do salário família e abono salarial, com a frase populista e de grande impacto político: “Não vou tirar dos pobres para dar aos paupérrimos”.

Independentemente da decisão do governo, a proposta foi levada ao CDPP, que, através de seu diretor e sócio fundador, Ilan Goldfajn, abraçou a ideia de imediato e deu todo apoio financeiro e logístico. Uma contribuição fundamental para a viabilização do projeto. Foi então desenhada uma proposta de Lei de Responsabilidade Social.

Para isso, foram realizados debates preliminares com outros especialistas da área social, que trouxeram boas contribuições. Reuniões mais amplas se seguiram até a versão final. O trabalho completo pode ser encontrado no site do CDPP. Ele traz também sugestões legislativas para sua implementação.

Foi organizado com o presidente da CâmaraRodrigo Maia, uma apresentação a alguns parlamentares, que já se empenhavam na busca de uma política de transferência de renda nova e permanente, entre eles o senador Tasso Jereissati, autor do PL da Lei Responsabilidade Social. 

Não só os efeitos da pandemia ainda serão sentidos em 2021, como é fundamental melhorar a qualidade dos gastos sociais. O País vem enfrentando há anos as consequências de políticas fiscais irresponsáveis, que geraram recessão, desemprego e aumento da desigualdade.

A mobilidade social no Brasil é muito baixa, filhos de pobres e de pais com baixa escolaridade já nascem com seu destino marcado. Uma das propostas do estudo é incentivar a conclusão do ensino médio com a criação da Poupança Mais Educação. Além disso, é necessário enfrentar questões de desigualdade que começam já na primeira infância, sem abandonar a responsabilidade com as contas públicas. 

O PL apresentado por Tasso Jereissati traz, como é natural na busca de viabilização política, algumas modificações. Entre elas, a previsão de redução de 15% nas renúncias tributárias caso as metas de redução da pobreza não sejam atingidas.

A Lei de Responsabilidade Social, com relatoria do senador Antonio Anastasia, se aprovada, mostra a importância da advocacy, um movimento que se inicia na sociedade civil para sugestões de políticas públicas. Foi um trabalho conduzido por muitas mãos. 

*ECONOMISTA E ADVOGADA 


Carlos Andreazza: O garantismo de rebolação

Cinco ministros da corte constitucional brasileira se sentiram à vontade para depredar o texto que deveriam guardar

Não tenhamos dúvida de que a pressão da sociedade foi decisiva para que o Supremo votasse contra o golpe urdido — dentro do Supremo — para autorizar a reeleição dos comandos de Senado e Câmara numa mesma legislatura. Matou-se a pretensão golpista de Davi Alcolumbre, mas não sem que aqui se reforce a vergonha de um presidente de Poder que abandona o mandato vigente para costurar uma presidência futura, ademais interditada por lei. Ceifou-se também a chance de Rodrigo Maia surfar a onda.

Não há o que comemorar, porém. Cinco dos 11 ministros da corte constitucional brasileira se sentiram à vontade para — distorcendo a semântica — depredar o texto que deveriam guardar. Cinco dos 11 ministros, alguns dos quais considerados garantistas, não se acanharam em expor o molejo oportunista do garantismo de rebolação hoje havido no STF.

Rebolam todos, entretanto. Ou quase todos. Muitos dos que agora se impuseram como originalistas — protetores do que versa a palavra constitucional — sendo os que, no ano passado, contorceram o verbo para encontrar na Constituição brecha que encaixasse a prisão após condenação em segunda instância. Não faltam exemplos outros.

Gilmar Mendes, relator da matéria da hora, não escondeu o método em seu voto-cabe-tudo: “O afastamento da letra da Constituição pode muito bem promover objetivos constitucionais de elevado peso normativo”. Difícil é achar ministro — todos decerto seguros de serem promotores dos mais virtuosos refinamentos constitucionais — que já não se tenha baseado nessa fórmula tudo-pode. Trata-se de manifestação cujo endosso teria —e tem — efeito carta branca nas mãos de juízes que não raro se movem como agentes políticos, mas que se querem merecedores da fé devotada aos santos.

Em suma, ignorar o que diz a Carta como forma de, confiando na condução dos iluminados, libertar o sentimento, o sentido não expresso, da Carta. Na prática, ignorar o que diz a Carta, o que pretendeu o constituinte, para que objetivos político-eleitorais de elevado peso antirrepublicano sejam tratados como saudáveis mutações constitucionais por togados, cujo abuso de poder os transformou em ditadores do regime democrático.

Quem lê o voto de Mendes quase tem vontade de o agradecer por ainda não serem ele e os seus supremos os que elegem as mesas diretoras do Congresso. O ministro nos avisa, condescendente, que pretendia mesmo mudar a regra do jogo e que não lhe faltam meios para fazê-lo à revelia do texto constitucional; mas que continuariam sendo os parlamentares a eleger o comando das Casas.

É preciso ser duro com o que se tentou armar no Supremo. Um golpe contra a Constituição da República. Um golpe que consiste em declarar inconstitucional o texto constitucional — com o argumento de cevar o texto constitucional.

Um golpe urdido há mais de ano, nos últimos meses à custa de um país de todo paralisado, que tem como gênese a convicção de que se poderia lastrear um arranjo político, a partir do Supremo, fraudando a Carta. A partir do Supremo, a subversão da Carta! O — como o nomeei no artigo passado — golpe de Alcolumbre; que corpo de golpe não teria, que não passaria de fetiche de moleque autocrata, sem que ministros do STF, verdadeiros despachantes, o tivessem anabolizado por meio de leituras messalinas da Constituição.

Diz-se — e sem o devido escândalo — que ministros do STF fariam cálculos políticos ante o que seria um dilema; como se fossem moderadores de apetites autoritários do futuro. Assim, porque avaliariam que a dupla Alcolumbre e Maia cumpre bom papel em frear o ímpeto golpista de Jair Bolsonaro, seria seguro, pensando num bem maior, estender-lhes os períodos na presidência das Casas legislativas. E então teríamos a seguinte equação arbitrária: para evitar um presumido golpe bolsonarista amanhã, aplique-se um golpe já.

É grave. A prostituição do pacto social assentado pelo constituinte; que faz ver que a progressiva depredação de nossos fundamentos institucionais, de que a eleição de Bolsonaro é a febre maior, plantou não raposas no supremo galinheiro, mas cupins. O STF carcomendo-se por dentro, enquanto do lado de fora crescem os que o querem derrubar — muito mais volumosos sendo os que, considerando-o uma estrutura inconfiável, voltada ao cultivo dos próprios interesses, não se incomodariam com seu empastelamento.

Como defender a importância do equilíbrio republicano e a virtude da separação entre Poderes independentes, da ponderação garantida pelo balanço entre eles, ante um Supremo infiltrado por grupos de interesse e que se acostumou a responder com gambiarras? Como defender a concertação da República, a tessitura garantidora de que o Estado não nos oprimirá tanto, num país em que ministros de corte constitucional conseguem extrair autorização de onde há vedação explícita, por consequência projetando, para deleite dos autoritários, um tribunal que, manipulando o ordenamento para fins casuísticos, enfraquece sua a razão de existir?

O Supremo precisa se proteger — se defender — do próprio Supremo.


Ricardo Noblat: O Supremo Tribunal salva-se do vexame de rasgar a Constituição

Menos mal, mas nada a celebrar

Nada a comemorar quando o Supremo Tribunal Federal decide que os atuais presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado não poderão ser reeleitos. Por maioria de votos, os ministros do Supremo limitaram-se apenas a respeitar o que está escrito no parágrafo 4 do artigo 57 da Constituição que diz:

“Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de 2 (dois) anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente”.

A atual legislatura começou em fevereiro de 2019 com a eleição de David Alcolumbre (DEM-AP) para presidente do Senado, e a reeleição de Rodrigo Maia (DEM-RJ) para presidente da Câmara. E se estenderá até fevereiro de 2023. Logo, eles não poderiam permanecer onde estão a partir de fevereiro próximo.

O que espanta é que até a semana passada houvesse no Supremo uma maioria de votos para favorecer os dois e, na prática, rasgar a Constituição. Ministros que acabaram votando contra, como Luiz Fux, por exemplo, presidente do tribunal, admitiam votar a favor com a intenção de barrar o avanço de Bolsonaro no Congresso.

O presidente da República queria a recondução de Alcolumbre, seu aliado, mas não a de Maia a quem considera um desafeto e aliado do governador João Doria (PSDB-SP) que deseja concorrer com ele na eleição de 2022. Agora, para que Bolsonaro consiga o que quer, precisaria aprovar uma emenda à Constituição. Mas como?

Emendar a Constituição requer dois terços dos 513 votos possíveis na Câmara e dos 81 no Senado. Bolsonaro não conta com mais do que 200 na Câmara, e menos da metade necessária no Senado. Resta-lhe trabalhar para que os sucessores de Alcolumbre e Maia sejam nomes pelo menos simpáticos ao seu governo.

Na Câmara, esse nome seria o do deputado Arthur Lira (PP-AL). Acontece que Lira é alvo de denúncias de corrupção e Maia se opõe à sua escolha. A parada para Bolsonaro poderá ser menos difícil no Senado onde são muitos os que desejam seu aval para se eleger. Muita água ainda rolará por debaixo da ponte até lá.

O Supremo salvou-se da vergonha de se meter onde não deveria e fechar os olhos ao que manda a Constituição – menos mal. Mas só o fez, é bom reconhecer, porque foi grande e unânime a reação da opinião pública. Pena que tenha sido acima de tudo por isso. O episódio não engrandeceu a toga.