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Ricardo Noblat: Vidas importam pouco para o governo de Jair Bolsonaro
Mais armas, menos radares, remédios que não curam
Há mais mortes em países onde armas de fogo estão ao alcance da maioria dos cidadãos. Pois o presidente Jair Bolsonaro quer facilitar ainda mais o acesso dos brasileiros a armas. Por aqui, cerca de um milhão de pessoas dispõem de armas legalizadas.
Não há comprovação científica de que a cloroquina e outras drogas curem as vítimas do coronavírus. Pois Bolsonaro insiste em defender “o tratamento precoce” que em nenhuma parte do mundo foi adotado por ser claramente ineficaz.
Só vacinas funcionam contra o vírus. Mas em sua live semanal no Facebook, Bolsonaro voltou a duvidar da eficiência delas, riu quando o diretor-geral da Agência Nacional de Vigilância Sanitária disse que se vacinará, e negou que fará o mesmo.
Por temer que os vídeos onde ele recomenda o uso da cloroquina sejam apagados, e outras provas destruídas, o Ministério Público Federal providenciou o download deles. Bolsonaro e o ministro Eduardo Pazuello, da Saúde, estão sendo investigados por isso.
Levantamento feito em 2019 pelo jornal Folha de S. Paulo mostrou que a média de mortes nas estradas brasileiras caiu aproximadamente 22% nos trechos em que há radares de velocidade após a instalação dos equipamentos.
Naquele ano, o primeiro de Bolsonaro na presidência da República, ele tentou acabar com os radares, mas esbarrou na Justiça. Ontem, prometeu:
“Era uma festa no Brasil. Tínhamos mais de 8 mil pontos [de radares], conseguimos passar para 2 mil. Eu quero zerar isso daí, porque não deu certo”.
É ou não é o governo da morte?
Eliane Cantanhêde: Líder do governo contra a Anvisa e Bia Kicis para a CCJ refletem a ‘nova Câmara’ bolsonarista
Só num ambiente contaminado pelo bolsonarismo seria possível o PSL indicar deputada extremista para a principal comissão da Casa
Alguma dúvida de que está tudo dominado pelo presidente Jair Bolsonaro e o bolsonarismo na Câmara? O deputado Arthur Lira (PP-AL), líder do Centrão e da “velha política”, apadrinhado de Bolsonaro e do governo, já assumiu a presidência da Casa com festança de 300 pessoas sem máscara, implodindo o bloco oposicionista e atacando o antecessor Rodrigo Maia, enquanto lia discursos sobre “harmonia” e “pacificação”. Parece alguém, não é?
Se há alguma esperança de bom senso é com o novo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que não fez festança, não atacou ninguém e, lado a lado com Bolsonaro, condenou os “extremismos dos dois lados”, defendeu a “altivez” do Parlamento, se solidarizou com as famílias dos mortos da covid-19 e defendeu igualdade, justiça, democracia, República, federação, reformas e auxílio emergencial. O oposto do que prega Bolsonaro.
Só num ambiente tão contaminado pelo bolsonarismo seria possível o impossível: o PSL, partido que elegeu Bolsonaro em 2018, hoje rachado ao meio, indicou a deputada Bia Kicis para a mãe de todas as comissões da Câmara, a de Constituição e Justiça (CCJ). A rejeição a Kicis uniu o Supremo, toda a esquerda, parte do centro e até líderes do Centrão. Ou o PSL retira, ou vão lançar uma candidatura independente, como os deputados Lafaiette Andrada (Republicanos-MG) e Margarete Coelho (PP-PI). De direita, sim, mas não extremistas nem investigados pelo STF como Kicis.
Procuradora aposentada no DF, ativista das manifestações golpistas contra o Supremo e o próprio Congresso, divulgadora de fake news absurdas a favor de Trump e Bolsonaro e contra todos os demais, ela é também negacionista na pandemia e desfilou com uma placa replicando a reação de Bolsonaro à marca de 20 mil mortos pela covid-19: “E daí?”. Pacheco condenou extremistas. Alguém pode ser mais extremista do que isso?
E só nesse ambiente é possível uma guerra Barros versus Barra. Ricardo Barros (PP-PR) é o líder do governo na Câmara. Antonio Barra Torres, diretor-presidente da Anvisa, contra-almirante e amigo de Bolsonaro. Em entrevista bombástica ao Estadão, o líder ameaçou “enquadrar a Anvisa”, que “está fora da casinha” e “não está nem aí para a pandemia”. Um escândalo. É o líder do governo quem agora lidera as suspeitas que a oposição fazia de ingerência política na Anvisa. Viva-se com um barulho desses.
À coluna, depois da primeira reunião de líderes, Barros disse que seu ataque foi aplaudido por todos: “Só me deram parabéns. Ninguém falou ‘coitadinha da Anvisa’”. Oficialmente, ele quer que a agência, que é técnica, científica, apresse o rito de autorização das vacinas Sputnik V, da Rússia, e Covaxin, da Índia. Mas, como mostra a reportagem do Estadão, o imbróglio vem do governo Temer, quando ele era ministro da Saúde e comprou grande quantidade de um remédio que não foi autorizado pela Anvisa. Vingança?
Também à coluna, Barra Torres disse que o ataque do líder do governo é “estranho, desconcertante, desagradável, numa hora péssima” e, assim, “abriu um rastilho de pólvora na agência, onde todos estão se matando para fazer o melhor e o mais correto para o Brasil”. Convidado para a live de ontem com Bolsonaro, ele disse que “todos têm amigos, mas relação pessoal não interfere no trabalho” e avisou que vai continuar esse trabalho “até a hora que for possível”.
Bolsonaro assume o comando da Câmara e se prepara para aprovar todas as suas “boiadas”, armas, excludente de ilicitude, escola em casa, mineração em área indígena... Mas não pense que vai ficar barato. O Centrão está muito dono de si e, além de falar grosso com a Anvisa e atacar amigos do presidente, vai cobrar a conta em moedas mais objetivas: cargos, verbas, poder.
Vera Magalhães: Síndrome do cunhado
Muito se falou no chavão “criminalização da política” como uma das justificativas para a sucessão de fatos que levou à eleição de Jair Bolsonaro em 2018.
Trata-se de uma leitura bastante rasa e condescendente com a roubalheira que os políticos promoveram como se não houvesse amanhã, ao longo de sucessivos mandatos e que, quando foi descoberta, gerou, sim, uma onda de compreensível indignação com a classe política.
Acontece que os políticos não só não perceberam isso a tempo, como menosprezaram os efeitos que isso teria. Cansei de ouvir de próceres de vários partidos, da esquerda à direita, em 2018, as seguintes avaliações:
1) corrupção nunca foi fator decisivo para eleição, bastava ver que Lula tinha sido reeleito em 2006 mesmo com o mensalão;
2) redes sociais nunca elegeram ninguém;
3) Bolsonaro desidrataria quando começasse o horário eleitoral, pois as eleições ainda seriam definidas pela equação clássica: tempo de TV, coligação forte e grana.
Bolsonaro fez um rocambole de tudo isso, regou com leite condensado, e a política, além de criminalizada, ficou humilhada no cantinho do pensamento.
Eis que, mais de dois anos e quase 230 mil mortos pela pandemia depois, os políticos do autoproclamado centro democrático estão marchando docemente para o cadafalso, atrelando seu destino ao de Bolsonaro.
Para o presidente do DEM, ACM Neto, Bolsonaro não é um extremista. Como chamar alguém que desdenha uma pandemia, que frequenta e incentiva atos pelo fechamento do Supremo e do Congresso, que aparelha instituições como a Polícia Federal e o Coaf, que investe por meio de decretos contra a pauta de direitos humanos e de defesa do meio ambiente, que acusa fraude eleitoral sem provas e insinua dois anos antes que isso pode ocorrer se não houver voto impresso?
O que precisará acontecer para que o presidente brasileiro seja reconhecido como o que é: um expoente de uma cepa de políticos de corte neopopulista que usa de expedientes como a propagação de fake news, o enfraquecimento deliberado da imprensa e do sistema de freios e contrapesos da democracia e a difusão do ódio para se manter no poder?
Diante do cálculo de curtíssimo prazo de líderes como ACM Neto, que priorizam a aproximação a um presidente mal avaliado e mal-intencionado à construção de uma alternativa sólida e viável de poder que tire o país dessa encalacrada social, econômica e institucional em que está enfiado, Bolsonaro vai ganhando, justamente dos políticos a quem desprezou em 2018, um passaporte de vida fácil para 2022.
Acontece que, como escrevi aqui na quarta-feira, a vida real caminha de forma bem diferente do minueto desconjuntado da política. Na Bahia de ACM Neto, faltam vacinas, faltam leitos de UTI, falta comida, falta auxílio emergencial e falta base social para o bolsonarismo. Em nome de que, então, o presidente do DEM opta por implodir a própria legenda, depois de um sucesso nas urnas? O tempo vai responder em nome de quê.
Enquanto isso, graças a análises equivocadas como essa, Bolsonaro, o “não extremista”, vai se comportando depois das vitórias congressuais que lhe foram dadas de bandeja como o cunhado folgado que chega na casa do outro e tira o sapato com chulé, coloca o pé em cima do pufe, faz uma piada homofóbica com o sobrinho e assalta a geladeira para acabar com a cerveja.
Quando a classe política resolver reagir, pode ser tarde, como viram os atônitos integrantes do Partido Republicano, que não contiveram o também extremista Donald Trump e o deixaram questionar as eleições, incentivar a invasão do Capitólio e desgastar uma democracia sólida como a americana.
Por aqui, o centro com vocação para cunhado bonachão não aprendeu absolutamente nada nos últimos anos.
Fernando Gabeira: O estreito caminho pela frente
A democracia brasileira ficou mais vulnerável, o negacionismo tem agora uma base parlamentar
As eleições no Congresso nos remetem a uma situação relativamente familiar: o mecanismo do “toma lá da cá”, que muitos supunham estar esgotado na política, voltou ao centro da cena. E desta vez com poucos esforços para disfarçar. O governo destinou mais de R$ 3 bilhões de verbas aos parlamentares e Bolsonaro confessou que iria influenciar a escolha num Poder que deveria ser independente.
Para quem vive há muitos anos o processo político brasileiro, é como se um ciclo se encerrasse. As relações fisiológicas degradam a política nacional e criam condições para que surja alguém prometendo tudo mudar e trazer consigo uma “nova forma de fazer política”.
Ao cair de cabeça no velho fisiologismo, Bolsonaro não somente reconstrói uma cena política que estamos cansados de ver. Há diferenças agora. Como ele e outras figuras, como Wilson Witzel, eram os arautos de uma “nova política”, é possível esperar que a própria ideia de novidade radical entre em decadência, o que, aliás, de certa forma já foi revelado em algumas cidades nas eleições de 2020.
Um dos subprodutos da vitória de Bolsonaro no Congresso foi desmantelar o centro. Em política, talvez isso não signifique um mundo que desmorona, como no verso de Yeats – “the center will not hold”. Significa apenas que aumentam as possibilidades de polarização.
Afinal, o centro, que foi implodido por Bolsonaro, acabaria se rompendo de qualquer forma. Não há consistência nesses partidos e, estrategicamente, o melhor seria um racha, com o lado da oposição democrática tentando se viabilizar na própria sociedade.
Quando Bolsonaro se elegeu, as barreiras de contenção de suas tendências autoritárias seriam o Congresso e o STF. Agora seu candidato obteve 302 votos, seis a menos que o necessário para aprovar uma emenda constitucional. Por essa e muitas razões, a democracia brasileira ficou mais vulnerável. Dificilmente serão considerados os crimes de responsabilidade que se sucedem na condução da pandemia. O negacionismo de Bolsonaro tem agora uma base parlamentar.
Aliás, uma demonstração disso foi a festa para 300 pessoas na comemoração da vitória de Arthur Lira, em Brasília. Horas depois de dizer em discurso que era preciso vacinar, vacinar, vacinar, o novo presidente comemorava com grande número de pessoas sem máscara.
Isso não é um detalhe. A posição negacionista se estende também ao combate ao uso de máscaras, consideradas por alguns “mordaças ideológicas”. É algo tão característico de escolhas políticas que nos Estados Unidos Joe Biden decretou o uso obrigatório de máscara em propriedades federais.
É necessário concluir que a mudança no Congresso, apesar da retórica, pode fortalecer a política negacionista. Nesse caso, não se trata mais de ameaça à democracia, mas do avanço de uma política que mata.
É evidente, hoje, que dois tipos de contenção foram necessários. Um para evitar a ruptura democrática, que se tornou menos viável para Bolsonaro após a prisão de Fabrício Queiroz. Mas continua sendo necessária a contenção da política que contribui para a morte de milhares de pessoas.
O STF avançou nisso, sobretudo no momento em que definiu a responsabilidade conjunta de União, Estados e municípios. Tentou avançar em alguns outros pontos, como a exigência de uma política de proteção às populações indígenas, e solicitou também um plano nacional de vacinação. Onde foi necessário investigar diretamente a responsabilidade pelas mortes de Manaus, determinou uma investigação policial.
Mas o Congresso, disperso, agiu pouco. Aqui e ali entrou com denúncias no Supremo, mas não considerou uma tarefa coletiva deter a política de Bolsonaro e oferecer uma alternativa que pudesse salvar vidas, e não exterminá-las.
O que será agora da ação do Congresso na pandemia, com o poder nas mãos de aliados de Bolsonaro? Uma das saídas é a oposição reconhecer suas dificuldades e tentar viver este novo momento com habilidade para unir e coragem para combater os erros do governo.
Neste momento em que o poder no Congresso se concentra nas mãos de aliados de Bolsonaro, um caminho é buscar o equilíbrio por meio do encontro com a sociedade. Há pelo menos três temas que podem fortalecer esse encontro: a luta contra a pandemia, um processo organizado de vacinação e uma renovada ajuda emergencial aos milhões que ainda precisam dela.
No caso da ajuda emergencial, pode até haver uma convergência com o governo, mas é possível deixar claro que a oposição pressionou. Da mesma forma, o governo pode se convencer a vacinar, sob intensa pressão. No tratamento da pandemia as diferenças são abissais, intransponíveis. O governo nega sua importância, investe em remédios ineficazes, subestima testes e deixa que se estraguem, não sequencia nem rastreia novas variantes. E quando são descobertas, como no caso de Manaus, não existe um esboço de plano nacional para conter seu impacto.
É preciso simultaneamente evitar o sacrifício produzido pelo negacionismo e coletar provas de sua ineficácia, para ser responsabilizado adiante. Se o Congresso o blindar, existe o Supremo, se o STF não o punir, há o Tribunal Internacional.
A perda de espaço num Congresso fisiológico é menos importante do que o encontro da política com o sofrimento humano. Basta olhar para fora.
O Globo: Partidos se articulam para barrar indicação de Bia Kicis à CCJ da Câmara
Aliados de Lira acreditam que deputada terá dificuldade de ser eleita pelos futuros integrantes da comissão
Natália Portinari, Bruno Góes e Paulo Cappelli, O Globo
BRASÍLIA — Em meio à reação negativa em torno da escolha da deputada Bia Kicis (PSL-DF) para assumir a presidência da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, partidos se articulam para derrubar a indicação ou derrotar a parlamentar no voto.
Veja:Em dez pontos, quem é Bia Kicis, a extremista que vai comandar a comissão mais importante da Câmara
Seu nome foi definido para o cargo em um acordo no PSL, a quem cabe a indicação, mas já há resistência entre parlamentares até no próprio partido. Segundo a deputada, Arthur Lira (PP-AL), o novo presidente da Câmara, ajudou a costurar a combinação que levou à indicação de seu nome.
Aliados de Lira, porém, acreditam que Bia Kicis terá dificuldade de ser eleita pelos futuros integrantes da CCJ. Avaliam, em conversas reservadas, que ela cometeu um equívoco ao anunciar que seria presidente um mês antes da instalação da comissão e que, pelo histórico polêmico, sofrerá resistência.
Presente em atos considerados antidemocráticos nos quais os manifestantes atacavam o Congresso, e ela mesma uma crítica daquilo que aliados de Bolsonaro chamavam de “velha política”, a parlamentar não tem boa relação com líderes partidários. A previsão do entorno de Lira é de que ela seja derrotada por uma candidatura avulsa caso insista.
O PSL tem a prerrogativa de indicar o comandante da CCJ por ter 53 deputados, tendo sido a maior bancada do maior bloco na eleição de Rodrigo Maia (DEM-RJ) à presidência da Câmara em 2019. As comissões seguem a proporcionalidade da primeira eleição da legislatura.
Bia Kicis na CCJ: debate online sobre indicação da deputada alimentou ambiente de polarização
Em geral, pela praxe parlamentar, o designado é eleito sem disputas em votações. Mas essa tradição pode ser rompida, alertam parlamentares, caso o PSL mantenha o nome de Kicis. Ela é investigada em dois inquéritos no Supremo Tribunal Federal (STF): o das fake news e o dos atos antidemocráticos.
Nesse último, Bia Kicis teve seus sigilos bancário e fiscal quebrados por ordem do ministro Alexandre de Moraes. Ela negou à PF ter feito manifestações de apoio ao fechamento do STF e disse que sugeriu aos grupos bolsonaristas que não aderissem a essa pauta. A PGR apontou que ela gastou R$ 6,4 mil de sua cota parlamentar para contratar uma empresa para promover nas redes sociais apoio a manifestações antidemocráticas.
Possíveis adversários
O deputado João Bacelar (Podemos-BA) lançou sua candidatura à presidência da CCJ. “Precisamos de equilíbrio, aqui nesta Casa. Chega de disputas acirradas, conflitos e pressões do governo”, disse, em nota.
Marcelo Ramos (PL-AM), vice-presidente da Câmara e aliado de Arthur Lira, frisa que Bia precisará fazer um “trabalho de diálogo”:
A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) é a de maior destaque, tanto da Câmara quanto do Senado, porque a grande maioria das propostas precisa ser apreciada pelo colegiado. É considerado um controle preventivo da constitucionalidade e do ordenamento jurídico.
Sonar: Bolsonaristas fazem campanha para que deputada Carla Zambelli (PSL-SP) assuma comunicação da Câmara
Dentro do próprio PSL, há dirigentes e deputados que estimulam o lançamento de outra candidatura para enfrentar Bia Kicis. O mais cotado para a tarefa é Marcelo Freitas (PSL-MG), visto com um parlamentar com bom diálogo com a ala de Luciano Bivar (PSL-PE), presidente do partido, e com o núcleo bolsonarista.
Ao GLOBO, Bivar disse que a bancada é quem deve escolher o nome e evitou responder se apoia Kicis:
— O partido hoje tem novo líder, Vitor Hugo. Então o partido tem o direito a indicar o presidente da CCJ. Mas é preciso ser eleito na comissão.
O acordo costurado por Lira no PSL envolve ceder a Bivar a primeira secretaria na Mesa Diretora. Os bolsonaristas, que pertencem à outra ala do partido, ficariam com a CCJ e poderiam indicar o líder, Vitor Hugo.
O Estado de S. Paulo: 'Não quero o STF interferindo nas minhas funções', diz Bia Kicis
Deputada critica o que considera interferência da Corte no Parlamento e defende fim da CPI das Fake News
Camila Turtelli, O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA - Indicada para comandar a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a principal da Câmara, a ex-procuradora da República e deputada federal Bia Kicis (PSL-DF) pretende colocar em votação um projeto para acabar com o que ela chama de "ativismo judicial". Ela é alvo de um inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF) sob suspeita de organizar atos antidemocráticos no ano passado. "Não quero o STF interferindo nas minhas funções de parlamentar", afirmou Kicis em entrevista ao Estadão/Broadcast.
A parlamentar contou já ter conversado com o deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), um dos líderes da bancada evangélica na Câmara, autor de um projeto que inclui na lista dos crimes de responsabilidade a "usurpação de competência do Congresso Nacional" por parte de ministros do Supremo. A proposta está parada na CCJ desde 2016.
Uma das principais apoiadoras do atual governo, a deputada tem a bênção do novo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para ser a primeira mulher da história a comandar a CCJ. O colegiado deve ser retomado após o carnaval, depois de ficar um ano parado devido à pandemia do novo coronavírus. Embora formalmente haja eleição para o comando da comissão, o nome do presidente é definido previamente por acordo.
Na entrevista, ela afirma ainda que suas prioridades à frente da CCJ devem ser a reforma administrativa, enviada pelo governo à Câmara no ano passado, as pautas de costumes, como o ensino doméstico (homeschooling), e projetos que barrem a obrigatoriedade da vacinação contra a covid-19.
O governo passou uma lista de projetos prioritários para o Congresso votar e incluiu medidas da pauta de costume. A sra. vai dar prioridade a essa agenda?
Claro, porque as pautas de costume ficaram completamente obstruídas nos últimos dois anos. É preciso avançar nisso também, buscando equilíbrio. Falei com o deputado Sóstenes (Cavalcante, do DEM, um dos principais líderes evangélicos da Câmara) sobre uma pauta para combater a usurpação de poder do Legislativo, para podermos usar medidas de freio e contrapeso e não permitir ativismo judicial, avançando nas nossas pautas.
A sra. participou, divulgou e convocou pessoas para participar de protestos onde havia pessoas carregando cartazes e pedindo o fechamento do STF, a volta da ditadura...
Mas eu nunca carreguei esses cartazes. Vamos ser muito honestas aqui. Tem uma manifestação com 10 mil pessoas de verde e amarelo, bandeira do Brasil, cantando o Hino, apoiando o presidente. Ai, você tem um grupinho de uma ou duas pessoas ali com um cartaz. Qual é a responsabilidade que temos sobre isso?
A sra. é contra o fechamento do STF?
Óbvio que sou contra, sou uma jurista. Quero um Supremo que funcione cumprindo seu papel constitucional. Eu sou contra o ativismo judicial do STF. Agora, como parlamentar, não quero o STF interferindo nas minhas funções de parlamentar. É muito diferente. E outra, relatório da PF já disse que não tem nenhum elemento para indiciar a mim ou qualquer outra pessoa no inquérito. Eu não sou investigada em nenhum crime.
E na investigação da CPI da Fake News?
Essa CPI da Fake News teria de acabar, ela é uma vergonha e foi uma armação.
Por quê?
Primeiro que não existe conceito de fake news. Segundo que pegaram pessoas que expressam sua opinião nas redes para dizer que é fake news. Os fatos que disseram que eu teria espalhado fake news, eu ganhei na Justiça por provar que o que eu falei era verdade. Um atestado de óbito de um borracheiro que dizia que ele morreu de covid-19.
A sra. é uma das principais aliadas do governo na Câmara e associada ao bolsonarismo mais radical. Acha possível fazer acordos com a oposição para que projetos importantes para o País avancem na CCJ?
Me sinto perfeitamente apta, tanto com capacidade jurídica para isso, como com capacidade política. Existe muita narrativa que não se sustenta, na realidade, quem conhece meu trabalho, sabe que eu sou uma pessoa de diálogo, de negociar.
A sra. vai sentar à mesa com o PT para conversar?
Fiz isso por um ano e meio como vice-líder do governo no Congresso, conversei com todos da oposição e tivemos um excelente relacionamento.
A Câmara discute medidas que podem dificultar a punição a políticos corruptos, como uma revisão da Lei de Improbidade, afrouxar a lei de lavagem e restringir o compartilhamento de dados por órgãos de investigação. Pelo seu histórico de ativismo anticorrupção, a sra. vai combater essa agenda?
Estava assistindo um debate sobre a Lei de Improbidade com vários advogados dizendo que existe um projeto no Congresso que é muito bom, que vai avançar muito. Então, pretendo ver esse projeto. Mas a primeira coisa que preciso fazer é tomar pé do acervo que está na CCJ.
São mais de mil projetos parados.
Mas tem muito projeto irrelevante que eu não pretendo pautar como, por exemplo, dar nome de rua. Acho que não é isso que temos de fazer agora, não é o que o País precisa, precisamos focar nas reformas. Administrativa é prioridade absoluta e também pautas de costume, temos ai homeschooling.
Reforma administrativa vai ser o primeiro projeto que a senhora vai pautar?
Chegando na CCJ, sim, vai ser o primeiro. Mas preciso ver em que pé está. Ainda não tem relator nem nada. Mas será prioridade assim que chegar lá.
Existe possibilidade de algum projeto para barrar a obrigatoriedade da vacina?
Eu sou autora de um projeto, mas não existe só o meu. Sou favorável para que tenha vacina para todo mundo. Meu pai já tomou vacina. Ele tem 90 anos e tomou a primeira dose da Coronavac, está esperando a segunda.
Como as bandeiras de Bolsonaro devem avançar agora nesse novo Congresso?
Falei com Lira sobre isso e ele disse que a intenção é pautar junto com os líderes. Ele me disse: "nosso Congresso é conservador". Então, pautas conservadoras andarão. (O ex-presidente da Câmara, Rodrigo) Maia (DEM-RJ) sentava em cima, ele não dava chance de ir para o voto.
O que sra. fará se chegar um processo de impeachment na CCJ?
Isso seria absolutamente enterrado, porque é preciso ter crime do presidente Bolsonaro. Mas acredito que não chega até a CCJ, antes é necessário que processo seja admitido pela presidência da Casa e ele (Lira) não deve admitir. Não há indícios que sustentem um pedido.
Existe a chance de a senhora não ser a presidente da CCJ?
Só se houver uma quebra de acordo, o que vai ser muito ruim para o Congresso. Isso iria desmoralizar uma gestão que chegou com o compromisso de acordo.
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Indicada para a CCJ, bolsonarista Bia Kicis, que já defendeu golpe militar e é negacionista da pandemia, sofre resistência. Derrota de deputada no colegiado seria derrota do Planalto
Na primeira metade de seu mandato, o presidente Jair Bolsonaro não conseguiu emplacar suas pautas de costumes. A expectativa dele era que, a partir deste ano, com as duas casas comandadas por seus aliados, o deputado Arthur Lira (PP-AL) e o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), a situação mudasse. Mas não é o que parece que ocorrerá. Nesta quarta-feira, na abertura do ano legislativo, Lira e Pacheco se comprometeram a pautar temas ligados ao crescimento da economia, mas não com a agenda ultraconservadora do presidente.
Em uma relação enviada aos parlamentares pela Secretaria de Governo, Bolsonaro citou que gostaria que nos próximos anos fossem debatidos temas como a permissão para mineração em terras indígenas, alterações no estatuto do índio, a ampliação do porte de armas para a população em geral, a licença para militares matarem quando estiverem em operações de garantia de lei e ordem (as GLOs), além da permissão para o ensino escolar domiciliar, o homeschooling.
Mais cedo, contudo, os presidentes de Câmara e Senado assinaram um documento no qual se comprometem a se empenhar em pautar medidas para o combate à pandemia de covid-19, a reforma tributária e às propostas de emendas constitucionais dos fundos infraconstitucionais e a emergencial. Essas duas últimas tratam da destinação de recursos da União para Estados e Municípios.
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Apesar de um aparente descompasso inicial, o presidente Bolsonaro disse estar confiante na relação com os dois parlamentares. “O clima [é o] melhor possível. Imperará harmonia entre nós”, declarou após um encontro com Lira e Pacheco na manhã de quarta-feira. O Governo ainda pediu dedicação do Parlamento na análise da reforma administrativa e da privatização da Eletrobrás. Algo que, inicialmente, não estava necessariamente no radar de prioridades do Congresso.
Na relação enviada pelo Executivo também constam propostas feitas para agradar os ruralistas, como os projetos de lei que pretendem alterar a regularização fundiária, o licenciamento ambiental e a concessão de áreas florestais.
No ato de abertura do ano legislativo, o presidente foi vaiado por deputados do PSOL, que fazem oposição ao seu Governo. Eles o chamaram de “genocida” e “fascista”. Em tom de deboche, o mandatário disse que em seus 28 anos de parlamentar sempre respeitou as autoridades que frequentaram o plenário da Câmara. E retrucou: “Nos vemos em 22”. Era uma alusão à eleição presidencial prevista para ocorrer em outubro do ano que vem na qual ele deve ser candidato à reeleição.
Reforma à vista
A relação inicial entre o Executivo e o Legislativo servirá de teste para Bolsonaro começar a pagar a fatura com o Centrão, responsável pela eleição de Lira para a presidência da Câmara. Auxiliares do presidente relataram que, ao invés de entregar os prometidos quatro ministérios já neste mês, o presidente pretende fazer uma reforma ministerial a conta-gotas. Seria uma estratégia para não deixar tão evidente o toma-lá-dá-cá que foi a eleição no Parlamento. Duas pastas da Cidadania e do Desenvolvimento Regional seriam entregues nas próximas semanas ao Centrão e ao grupo de Davi Alcolumbre (DEM-AP), que apadrinhou a candidatura de Pacheco. O presidente ainda estuda como iria acomodar os atuais ministros, Onyx Lorenzoni e Rogério Marinho, respectivamente. Lorenzoni deve ir para a Secretaria-Geral da Presidência. O destino de Marinho é incerto.
Numa segunda etapa, o presidente poderia recriar o Ministério da Previdência e o do Esporte, para alocar indicados do Centrão. Ainda há a possibilidade de dar as pastas ou da Saúde ou da Educação para os neoaliados. Outra troca deve ocorrer no Itamaraty. Mas essa seria uma indicação pessoal de Bolsonaro e um aceno ao presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, já que o atual ministro, Ernesto Araújo, foi um dos que mais empenhou na relação com Donald Trump.
As mudanças ocorreriam conforme os neobolsonaristas passassem a fazer a sua parte, ou seja, a aprovar os projetos de interesse do Planalto. Ainda não está claro para o Governo qual é o tamanho real de sua bancada. Na Câmara, 302 dos 513 deputados votaram no candidato de Bolsonaro, Lira. Mas sabe-se que houve traições entre parlamentares que os partidos oficialmente apoiavam Baleia Rossi (MDB-SP). No Senado, entre os 57 votos de Pacheco (entre 81 possíveis) houve apoios do PT, da Rede e do PDT, que são declaradamente opositores e tentam emplacar uma CPI da Saúde, para investigar a atuação do Governo na pandemia de coronavírus.
A ocupação de espaços internos da Câmara e do Senado também demonstrarão qual é o real tamanho do empenho dos bolsonaristas. O primeiro teste de fogo será a disputa pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. Esse é o principal colegiado da Casa, por onde passam todos os projetos de lei. Em tese, o cargo seria de direito do PSL, que indicou a deputada Bia Kicis (PSL-DF). Em seu primeiro mandato, ela é defensora de um golpe militar, é aliada de primeira hora do presidente e foi apontada como uma das principais disseminadoras de desinformação da Câmara. Há uma tentativa de demovê-la da ideia de assumir o cargo. Apesar da indicação do partido, a escolha de presidentes de comissões depende da votação dos membros de cada colegiado. A derrota de Kicis seria a derrota de Bolsonaro.
Alon Feuerwerker: O que muda e o que fica igual
Finalmente elegeram-se por completo as mesas diretoras da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Comandam ambas aliados do presidente da República. Se não aliados históricos, ao menos personagens que chegaram lá também pela força do governo.
O que muda em relação à situação anterior? Pela primeira vez em seis anos, haverá uma sincronia maior entre o Executivo e o Legislativo. E o risco de impeachment caiu verticalmente. Essa eventualidade depende agora de um desarranjo político ainda fora do radar.
Ou de surgir o assim sempre chamado (e por alguns esperado) fato novo. Que na política brasileira nunca é conveniente descartar. Mas ainda não está no horizonte. Uma possível fonte é o Judiciário, ainda que a Operação Lava Jato esteja no ocaso.
Ou seja, tudo indica que a pauta legislativa vai andar. Os juízes não vão mais travar o jogo. Mas o desafio maior continua do mesmo tamanho. O governo precisará reunir os votos. Foi competente para fazer isso na eleição das mesas. Vai ter a mesma competência para aprovar suas propostas?
*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
Carlos Melo: Ampla lista de prioridade é não ter prioridade
Vencer eleição não é difícil, sobretudo, com recursos às mancheias. Difícil é satisfazer expectativas: cumprir promessas espalhadas ao ar como confetes, honrar acordos, conciliando interesses; definir prioridades e demonstrar como realizá-las. Passadas as disputas na Câmara e no Senado, os vencedores devem mostrar que estão prontos e sabem o que fazer. Liderança é um estado de prontidão.
Agrega-se a eles nessa obrigação também o Executivo, pois, no limite, foi o presidente da República proclamado como grande vitorioso do processo. Para Jair Bolsonaro será, aliás, um desafio interessante: a partir de agora, não poderá dizer que é impedido pelo Congresso, não poderá atribuir a desafetos a origem de suas dificuldades: ao vencedor, não cabe desculpas.
Nesse sentido, era natural que os principais dirigentes políticos do país viessem a público expressar seus propósitos. No processo eleitoral, Arthur Lira, por exemplo, não conseguiu elaborar nada que extrapolasse o corporativismo, o interesse e as questiúnculas de seus pares do baixo clero. Logo, cumpria mostrar ao que vieram. Foi o que tentaram simbolizar ao trocarem quase protocolarmente cartas de intenção.
Primeiro, Pacheco e Lira enfatizaram o enfrentamento à pandemia na aquisição de vacinas — atribuição do Executivo, diga-se –, apontaram a necessidade do retorno ao Auxílio Emergencial; comprometeram-se com o teto de gastos, mencionaram as “reformas”. Não disseram como.
Depois, foi presidente: numa lista de 35 propostas, Bolsonaro desenrolou um pergaminho de questões ao gosto de uma base eleitoral conservadora e extremista. Para o mercado, houve espaço até para mencionar a retomada do investimento e a questão fiscal.
Mas, é forçoso reconhecer que o rol de questões é perigosamente amplo e genérico. Parece produtivo, mas prima pela falta de objetividade. Em ambiente de escassez, o governar é definir prioridades. No mais, apresentar um plano para realizá-las. Isso, sim, expressaria liderança e sinalizaria caminhos para superação da crise ampla, geral e irrestrita em que o país se encontra.
É certo que em política não há o rigor de uma ordem burocrática, nem movimentos exatos; nada é simples, há conflitos e movimentos de opinião pública podem ajudar ou inviabilizar pautas importantes. É da natureza da atividade que intercorrências possam se interpor aos desejos. Mas, o timing é fundamental: iniciar o processo com clareza, seria importantíssimo. Por definição, ter mais de uma prioridade, é não ter prioridade alguma.
*Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.
Adriana Fernandes: PEC emergencial, antes vista como salvadora, já morreu no Congresso
Por ora, a coisa mais responsável a fazer é aprovar o auxílio emergencial
Por interesse político-eleitoral, criou-se a falsa ideia de que seria possível prorrogar o auxílio emergencial com responsabilidade fiscal e dentro do teto de gastos.
Essa possibilidade nunca existiu de verdade e a realidade virá à tona nas discussões de Orçamento de 2021 que começam de fato na próxima semana.
Com o fim das eleições, a história já é outra. O primeiro passo foi dado: o anúncio da decisão de conceder o auxílio no manifesto assinado pelos novos presidentes Rodrigo Pacheco (Senado) e Arthur Lira (Câmara) e entregue ao presidente Jair Bolsonaro. O documento chegou carimbando no Palácio do Planalto.
Com o auxílio chegando pelas mãos do Congresso, ninguém poderá dizer que o presidente quis ser populista. De quebra, Bolsonaro ganha depois os bônus pela concessão do benefício da população. A mesma estratégia já foi usada outras vezes com sucesso.
A urgência da pandemia não permite esperar a discussão difícil de corte de gastos que demora tempo. Também há a pressão para a acomodação de novas demandas políticas, acertadas durante a campanha eleitoral. Sem falar na necessidade mais do que evidente de ampliação de gastos para a área de saúde com a segunda onda da pandemia (ninguém está falando disso agora, mas esse tema vai aparecer) e os pedidos de recursos que surgem para a produção de novas vacinas no Brasil.
Nesse momento de retomada das discussões da lista de prioridades de projetos no Congresso, o ponto mais importante que precisa ser levado em consideração é que a PEC emergencial, que muitos depositam esperança quase salvadora ou fingem fazê-lo, perdeu o seu tempo. Ficou no passado.
A função da PEC emergencial de garantir abertura fiscal para acomodar espaço no Orçamento deste ano, de R$ 20 bilhões a R$ 30 bilhões, para um programa social praticamente não existe mais.
Em primeiro lugar, porque a essa altura qualquer medida de desindexação (que implicava congelamento da correção de benefícios como aposentadorias) de despesas do Orçamento para 2021 já não servem mais. O salário mínimo já está dado.
Em segundo lugar, porque os efeitos, por exemplo, da aprovação de gatilhos como corte de jornada e de salários dos servidores, na melhor hipótese, precisam ser regulamentados. Um processo que pode demorar meses e cuja economia diminui à medida que o tempo passa. O mesmo vale para as mudanças nas regras do abono salarial, que se aprovadas a contragosto do discurso do presidente, só terão efeitos em 2022.
Por último, ganhos com corte de despesas de pessoal já estão na conta do Orçamento depois que a lei de socorro aos Estados e municípios foi aprovada com congelamento de salários dos servidores públicos até o final deste ano.
A emergência da PEC emergencial, portanto, perdeu sua função imediata: solucionar um problema de curto prazo. Mesmo que a proposta inclua corte de renúncias e isenções fiscais (algo ainda difícil de acontecer em 2021).
Olha a dificuldade que tem sido para o presidente Bolsonaro reduzir o PIS/Cofins do diesel e minimizar o risco de greve! Para reduzir o tributo, a solução dada foi a compensação com medidas que aumentam a arrecadação com corte de benefícios fiscais. O presidente não aceitou até agora.
A compensação é uma exigência da Lei de Responsabilidade Fiscal que deixa sempre Bolsonaro desgostoso com Guedes a ponto de ter acenado, no sábado, com a possibilidade dessa regra ser alterada na discussão da reforma tributária. Se levada a cabo, a sua retirada será o maior golpe feito até agora contra a LRF em seus quase 21 anos.
Se quiser avançar de verdade na agenda econômica, o governo e seus aliados políticos precisam mudar o disco arranhado da repetição em coro sobre a necessidade da PEC emergencial. É melhor não perder tempo com isso. Vide o fracasso do primeiro relatório da PEC emergencial do senador Márcio Bittar.
Guedes, mesmo que não fale publicamente, já percebeu isso e tenta recolocar uma PEC maior e mais reforçada em torno do Plano Mais Brasil, pensado em 2019 e que depois foi dividido em três PECs para atender aos interesses políticos de dar mais protagonismo ao Senado de Davi Alcolumbre depois da aprovação da reforma da Previdência.
Mas essa é uma PEC muito difícil e impopular para aprovar, com efeitos para o futuro, além de 2022. O custo político de tentar agora será alto. Muitos acham melhor apostar as fichas numa reforma administrativa mais forte. A reforma tributária, por enquanto, é um sonho de uma noite de verão. O risco de não ter ajuste é grande. Ela deve ficar para o próximo mandato.
Tudo isso com o Centrão com fama de “gastador” no comando total e a pauta de costume mais viva do que nunca concorrendo com a agenda econômica. Por ora, a coisa mais responsável a fazer é correr para aprovar o auxílio. Depois, escolher os alvos certos do que apostar. Entregar uma carta de intenções de projetos prioritários ao Congresso não basta.
Roberto Macedo: Ao escolher o presidente, Câmara ignorou seus representados
Os congressistas deveriam explicar aos eleitores o seu voto e a razão
A Carta Magna de 1988 diz no seu artigo 1.º, parágrafo único, que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. A julgar por isso, a recente eleição de Arthur Lira (PP-AL) para presidente da Câmara seria inconstitucional, tamanha a distância que a maioria dos seus deputados manteve do povo.
O que se viu foi um processo de vassalagem a um candidato que não teria vencido se não fosse o apoio recebido do presidente Jair Bolsonaro, até mesmo sob forma que anteriormente abominava, o toma lá de verbas e cargos, e o dá cá de votos, vistos como o melhor para lhe evitar incômodos, como um processo de impeachment e comissões parlamentares de inquérito. E também para facilitar medidas para aumentar sua popularidade e suas chances de reeleição em 2022. O anterior presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, não se curvava diante de Bolsonaro, já Lira deve responder com gratidão.
Quanto a isso, merece destaque a reportagem Por eleição, Planalto libera R$3 bi a parlamentares, publicada por este jornal no último dia 29. Lamentavelmente, negociações de liberação de recursos para parlamentares em troca de apoio político no Congresso é prática antiga e comum em Brasília, mas o que chamou a atenção agora foi a dimensão do valor e a coincidência com o período pré-eleitoral nas duas Casas do Congresso.
Quanto a essas negociações, o jornalista Carlos Brickmann fez esta comparação: “Para evitar o constrangimento de levar uma proposta indecente a um parlamentar decente”, o que procurasse o governo ou fosse chamado para negociar deveria portar um código de barras para mostrar o valor de seu interesse, e acelerar as negociações.
Nos Estados Unidos, propostas legislativas feitas por congressistas em favor de seus redutos eleitorais são chamadas de earmarks, como aquelas plaquinhas colocadas em orelhas de bovinos. Lá são combatidas por uma instituição chamada CAGW (Cidadãos contra o Desperdício Governamental), como não cabíveis num orçamento federal que deve ser voltado para o bem comum, e não para interesses específicos e locais. Aqui caberia iniciativa similar, pois tais emendas parlamentares e outras verbas que recebem violam outro dispositivo constitucional, o de que todos são iguais perante a lei, pois no processo eleitoral os candidatos já incumbentes são beneficiados por essas dotações relativamente aos candidatos sem mandato. Assim, elas constituem indiretamente um financiamento público de campanhas, que distorce a competição entre candidatos.
Voltando à representação dos eleitores, a brasileira é extremamente frágil. Vivi em países com voto distrital, em que o eleito passa a representar um distrito, e não apenas aqueles que o elegeram, e tem o hábito de prestar contas aos moradores distritais ao longo de seu mandato, sem o que poria em risco a renovação dele. Houvesse isso aqui, os congressistas deveriam estar agora explicando em quem votaram na segunda-feira passada e a razão. Muitos enfrentariam problemas, pois a avaliação de Bolsonaro vem caindo e está perto de 30% a proporção dos que veem sua gestão como ótima ou boa. Aliás, a representatividade dos parlamentares eleitos no Brasil é tão baixa que é como se eles fossem parlamentares cometas, pois só aparecem diante do eleitor a cada quatro anos, em busca de votos.
No Senado, o resultado pareceu-me diferente do da Câmara e não tão ruim. Foi eleito o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) por maior margem relativa de votos, tendo como adversária apenas uma concorrente simbólica, Simone Tebet (MDB-MS), que disputou individualmente. Seu próprio partido deixou de apoiá-la. Bem articulado, Pacheco teve apoio até do PT.
Li na Agência Brasil reportagem sobre seu discurso de posse e destaco estes trechos: “Defendeu a independência da Casa, o combate à corrupção, a geração de empregos, o combate à pandemia, a estabilidade econômica e a preservação do meio ambiente. (...) (O Senado deve) atuar com vistas no trinômio saúde pública, desenvolvimento social e crescimento econômico, com o objetivo de preservar vidas humanas, socorrer os mais vulneráveis, gerar emprego e renda. (...) também citou as reformas, sobretudo a tributária. (...) votações de reformas que dividem opiniões (...) deverão ser enfrentadas com urgência, mas sem atropelo”. Em tese, tudo muito bonito.
Pacheco chegou ao Congresso em 2014, como deputado federal, e no seu primeiro mandato alcançou a presidência da importante Comissão de Constituição e Justiça, o que demonstra poder de articulação, ratificado pela eleição recente. Seu currículo não levanta tanto as sobrancelhas como o de Arthur Lira, mas tem sido criticado por conflito de interesses entre suas ações políticas e negócios da família.
O que quero mesmo é um Brasil melhor, mas tenho minhas dúvidas quanto à eficácia, nessa direção, dos novos presidentes da Câmara e do Senado, principalmente do primeiro. Certo mesmo é que vou acompanhar de perto o trabalho deles.
*Economista (UFMG, USP E HARVARD), professor sênior da USP.
Ribamar Oliveira: Para cumprir teto, risco é subestimar despesa
Redução do “empoçamento” é uma das ideias em estudo para abrir espaço para outros gastos
O senador Marcio Bittar (MDB-AC), relator-geral da proposta orçamentária deste ano, tem uma missão ingrata. Ele terá que descobrir uma maneira de fechar o Orçamento sem paralisar investimentos ou afetar serviços públicos. A avaliação dos especialistas é que as despesas não cabem dentro do teto de gastos sem que cortes adicionais sejam realizados. O relator não pode, no entanto, dar ouvidos a propostas que resultariam, em última análise, em subestimar despesas.
Um caminho nessa direção já foi trilhado em 2019, quando o Congresso Nacional aprovou o Orçamento de 2020. O então relator-geral da proposta orçamentária, deputado Domingos Neto (PSD-CE), reduziu as despesas com pessoal em R$ 6 bilhões, na suposição de que a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 186/2019 teria “aprovação célere”, pois ela era “considerada fundamental por expressiva parcela dos membros do Congresso”.
A PEC 186/2019 prevê, entre outras coisas, a redução da jornada de trabalho em até 25% com diminuição proporcional da remuneração nos exercícios financeiros em que a União descumprir a chamada “regra de ouro”, que proíbe o aumento da dívida pública acima da elevação da despesa de capital (investimentos e amortização da dívida). A PEC veta também o aumento do valor de benefícios de caráter indenizatório para servidores, assim como proíbe a progressão e a promoção funcional em carreira.
O relator Domingos Neto estimou quanto essas medidas impactariam as despesas e, com base no cálculo, reduziu o gasto com pessoal. Desta forma, ele abriu espaço no teto de gastos para acomodar emendas parlamentares. O problema é que a PEC 186/2019 não foi aprovada, a despesa com pessoal não foi reduzida, mas as emendas parlamentares, que são impositivas, ficaram no Orçamento para serem executadas. Esta foi uma clara maneira de furar o teto, sem qualquer reação do mercado.
O relator Bittar não pode, portanto, acolher a tese que foi abraçada pelo relator que o antecedeu, segundo a qual, se existe uma proposta legislativa em análise pelo Congresso, que prevê a aprovação de medidas reduzindo a despesa da União, a economia que seria obtida já pode ser incorporada ao Orçamento. Esta seria uma maneira tosca de burlar e desmoralizar o teto de gastos.
Se a tese prevalecer, bastará que, todo ano, o governo encaminhe um pacote de medidas de redução de despesas ao Congresso, estime a economia que terá com elas e incorpore ao Orçamento, no pressuposto de que serão aprovadas. Mesmo sabendo de antemão da impossibilidade de aprová-las. A farsa seria tão grande que, provavelmente, ninguém terá coragem de adotá-la.
Mas existe uma abordagem mais sofisticada. Desde 2017, quando o teto de gastos passou a ser a principal âncora fiscal do país, o governo registra o que o ex-secretário do Tesouro Nacional Mansueto Almeida chamou de “empoçamento” de recursos. O fenômeno resulta, basicamente, da excessiva rigidez orçamentária brasileira, marcada por vinculações de recursos a despesas específicas, por mínimos legais e constitucionais, despesas de execução obrigatória e emendas parlamentares impositivas.
O Tesouro Nacional libera recursos para os ministérios e órgãos público, que, no entanto, não conseguem, por razões diversas, gastar o dinheiro. Por causa da rigidez excessiva, o Tesouro não pode alocar estes recursos para outras finalidades. O dinheiro acaba “empoçado”, ou seja, fica parado no caixa do ministério ou do órgão e termina sendo incorporado ao resultado primário da União.
No ano passado, R$ 21,7 bilhões ficaram “empoçados”. Em 2019, o “empoçamento” atingiu R$ 17,4 bilhões, enquanto que no ano anterior ele ficou em R$ 7,7 bilhões. Uma ideia que está sendo analisada é como reduzir o “empoçamento” para abrir espaço para outras despesas, principalmente investimentos.
Obviamente, a resposta mais razoável para a pergunta é reduzir as vinculações de receitas, ou seja, diminuir a rigidez orçamentária, o que é um dos “3 Ds” do ministro da Economia, Paulo Guedes. Os outros dois, são desindexação e desobrigação do gasto. Mas, dificilmente esta alternativa será adotada, pois ela envolve o abertura de sérios conflitos dentro da nova base política do governo. O risco, portanto, é que seja adotada uma fórmula fantasiosa apenas para disfarçar o furo do teto de gastos.
Há, no entanto, outra questão que está sendo considerada. No ano passado, a despesa total da União, ou seja, o que foi efetivamente pago, ficou R$ 52,2 bilhões abaixo do limite permitido pelo teto de gastos. O “empoçamento” explica apenas metade da folga. Outra razão para ela é que várias despesas obrigatórias foram estimadas acima do que foi efetivamente realizado, como os gastos com benefícios previdenciários, abono salarial, seguro-desemprego, pessoal e subsídios.
Para fechar o Orçamento deste ano, uma estratégia em análise é tentar fazer estimativas mais próximas da realidade. “Não dá para projetar uma despesa muito maior do que ela vai ser”, ponderou uma importante fonte do governo. O problema, no entanto, é cair no oposto, ou seja, subestimar despesas para cumprir o teto.