senado
Cristovam Buarque: Desorientação dos terracubistas
Os partidos progressistas não sabem para onde ir
Em recente entrevista, o ex-presidente Fernando Henrique disse temer que o PSDB esteja em decadência. Na verdade, seu partido está desorientado, tanto quanto os demais partidos democratas progressistas, de centro ou de esquerda. Eles não entendem, ou não aceitam, que suas ideias e propostas perderam prazo de validade diante das mudanças que ocorrem na história; ou tentam se adaptar de maneira incompleta.
Percebem que o Estado tem limitações de recursos, mas não sabem como atender às necessidades sociais sem gastar além dos limites responsáveis. Não sabem como colocar a solidariedade necessária dentro da aritmética possível.
Descobriram os limites ecológicos ao crescimento, mas não conseguem oferecer um tipo de bem-estar que substitua a ânsia pelo consumo. Não conseguem colocar o PIB dentro da ecologia.
Entendem que uma das causas de nosso atraso está no desprezo à educação de base com qualidade para todos. Mas não assumem que a educação de qualidade para todos é mais do que o direito de cada pessoa, é o vetor do progresso econômico e da justiça social. Não acreditam, nem sabem como fazer para que o Brasil tenha uma educação tão boa quanto às melhores do mundo e que o filho do mais pobre estude em escola com a qualidade do filho do mais rico.
Perceberam que os partidos já não existem e as siglas pouco significam, mas não sabem que tipo de organização colocar no lugar. Nem como fazer política nos tempos das comunicações de massa.
Se surpreendem que perdemos velocidade no ritmo de crescimento, mas não entendem ainda, ou se assustam, com a ideia de que o problema não é a velocidade do progresso, é do caminho escolhido para ele. O problema não está na saída da Ford, mas na opção pela indústria automobilística como carro chefe da economia.
Continuam nacionalistas em um tempo de globalismo, mas não sabem como tirar proveito da globalização e evitar os problemas do livre comércio sem cair no protecionismo.
Os partidos progressistas estão desorientados do ponto de vista filosófico e em consequência decadentes do ponto de vista político e eleitoral, seu progressismo tem a cara, a cor e o cheiro do passado. Não veem a realidade em toda sua complexidade esférica, global e dinâmica. São partidos terracubistas. Os conservadores levam vantagem, porque o passado e o reacionarismo é a “praia” deles. A nostalgia é uma qualidade no discurso da direita, que defende “grande outra vez”; mas a nostalgia é um pecado entre os progressistas, que deveriam propor “melhor em frente”. Os conservadores não se desorientam porque desejam ficar parados; os progressistas se desorientam porque desejam avançar, mas olhando para trás, sem bússola, sem estradas e no meio do terremoto civilizatório.
Os progressistas não aceitam a Terra Plana, mas ainda não têm propostas pela a Terra Global no tempo da crise ecológica, da robótica e do esgotamento do Estado. Felizmente, a percepção de que a decadência é uma desorientação, possibilita o surgimento de mapas para futuros progressistas.
*Cristovam Buarque foi ministro, senador e governador
Marco Aurélio Nogueira: O momento pede ação democrática firme e inteligente
A espetacular vitória de Arthur Lira na Câmara dos Deputados deixará marcas profundas na vida política brasileira, que terão de ser digeridas pela oposição democrática. Pode não ser uma novidade, dadas as características do nosso presidencialismo, que impulsiona o governo federal a se compor com o que se pode ter de “maiorias” no plenário da Câmara. Todo governo age para ganhar o Congresso, valendo-se de recursos mais decentes ou menos. Mas a vitória de Lira teve um diferencial: materializa uma ampla coalizão direitista e fisiológica e expressa com clareza a nova estética política que prevalece no País, na qual o que conta é jogar para a plateia (no caso, o plenário), abusar da demagogia, explorar mágoas e ressentimentos, deixar de lado qualquer protocolo ou manual de boas maneiras. Como no Executivo, a grosseria e a rusticidade predominam, sem qualquer prurido.
A festa com que Arthur Lira e seus apoiadores comemoraram a vitória, em Brasília, foi o suprassumo da estética dominante. Todos sem máscara, bebida solta, abraços e beijos, um festival de breguice e exibicionismo. Dançaram e cantaram como se estivessem a debochar da população enclausurada ou que rala nas ruas para trabalhar.
Há questões que passam pela lógica dos partidos brasileiros: a tendência inerente a eles de serem sugados pelo poder, com suas prebendas e vantagens. DEM, PSDB, MDB, PT, para falar de alguns “grandes”, se estraçalharam com isso. Mostraram pouca coerência e nenhuma lealdade. Deixaram Simone Tebet e Baleia Rossi na mão. Provavelmente não se beneficiaram com cotas orçamentárias, mas deixaram patente a disposição de ficar bem com a “maioria” que controla a Câmara, quem sabe aspirando fazê-la girar em dada direção, e não em outra. O que pesou mesmo foram interesses pessoais, grupais, regionais, muito mais do que princípios ou alinhamentos políticos. Deixaram no ar uma interrogação sobre quem é oposição, por quais razões e com quais intenções.
DEM e PSDB, em particular, que se consideravam líderes de uma espécie de “centro democrático”, saíram desmoralizados, cortados de cima a baixo por desavenças e desentendimentos. Mostraram ser compósitos de correntes que não se entendem: vão pela estrada carregando bagagens em que abundam pequenos interesses e faltam ideias, firmeza, compromissos.
No Senado, o estrago foi menor, o que converteu a instituição em um fator de equilíbrio e no novo locus da articulação democrática. Afinal, a candidatura do vitorioso Rodrigo Pacheco funcionou como um estuário de forças de centro e de esquerda, desenho que não se viabilizou na Câmara. O MDB “cristianizou” Tebet, mas não rompeu com a coalizão que terminou por prevalecer. No Senado, Bolsonaro não nadará à vontade. A Casa poderá fazer um contraponto ao que se antevê como recrudescimento direitista na Câmara, com um Arthur Lira se entregando a um plenário fragmentado e desorganizado, à agressividade típica de um “cabra da peste”, cego para o País, concentrado em seus interesses e modus operandi.
Lira fez questão de insistir na tese da Câmara independente, mas enfatizou também a ideia de que ela precisa agir em “harmonia”. Com quem? Ele mencionou a direita, a esquerda e o centro, mas seus olhos brilham mesmo para o Palácio do Planalto: as pautas que interessem a Bolsonaro e não o desafiem. Se conseguirá fazer isso, é algo a ser visto mais à frente. O fato, porém, é que tentará, o que já é suficiente para mudar o eixo de atuação da Casa. Irá se valer do estilo que tem feito sua fama, e que já foi associado à figura do “rato de plenário”, que circula sem parar, ouve conversas e confidências, abraça quem encontra pelo caminho.
Na sessão de abertura do ano legislativo, Lira comprometeu-me a “não medir esforços para que a harmonia se traduza numa pauta comum em prol de toda a sociedade”. Para ele, “a hora é de superarmos antagonismos, deixarmos para trás eventuais mágoas e mal-entendidos e unirmos forças para que saiamos maiores desta crise, para que o povo brasileiro sinta-se bem representado por cada um de nós, sinta-se protegido e atendido nas suas necessidades prementes”. A Câmara precisaria sair da “paralisia interna provocada por problemas políticos passageiros que a História sequer irá registrar”.
Lira nem sequer considerou o País que se espalha para além da Câmara. Sua briga era para ganhar o “baixo clero” e os trânsfugas, e foi para eles que discursou. Falou também para Bolsonaro, mostrando um espírito de colaboração que terá de ser posto à prova dia após dia.
Para celebrar tamanha disposição colaborativa, o governo acenou com diversos projetos na área econômica e de costumes, embrulhando tudo num pacote com o selo de “reformismo”, mas que não passa de um cozido mal temperado. Como escreveu Carlos Melo no Estadão, “ter mais de uma prioridade é não ter prioridade alguma”. Haverá, portanto, muita negociação, afora as surpresas, os erros, os humores sociais. A pauta reacionária dos costumes e dos direitos humanos, que o bolsonarismo quer privilegiar, não será digerida automaticamente e terá de ser negociada caso a caso.
Para Bolsonaro, descortina-se um cenário inédito. Ele ganhou, mas não necessariamente se beneficiará disso. Terá maior presença no Congresso, mas perderá um de seus ativos eleitorais, o de que não faria o “toma-lá-dá-cá” da “velha política”. Por extensão, estará impossibilitado de reclamar que suas pautas estão bloqueadas pelos parlamentares. Sua incompetência e sua falta de ideias ficarão ainda mais evidentes, assim como a falta de bons articuladores, que terão de ser terceirizados. Abrirá um flanco que, se bem explorado pelas oposições, poderá leva-lo a chegar enfraquecido a 2022. A incapacidade de governar, o descaso com que trata a crise sanitária, a miséria programática da política econômica e social são coisas que precisam ser denunciadas de forma clara, objetiva, sem maiores firulas analíticas.
Virar a página
No episódio da eleição dos presidentes da Câmara e do Congresso houve também algumas camadas de cálculo estratégico: afirmou-se a opção de esfriar o clima, desgastar eventuais lideranças que despontavam para 2022, caso de Rodrigo Maia. Ele mostrou habilidade nos quatro anos em que presidiu a Câmara, mas morreu na praia. Quando mais se necessitava de um coordenador, perdeu força. Foi queimado por seu próprio partido, que expôs as vísceras do que se tinha como alto poder de articulação. Maia tentou formar uma “frente ampla” que antecipasse 2022, mas não conseguiu. Sai chamuscado, e terá de correr atrás do prejuízo, que foi enorme.
O ambiente congressual esfriará o tema do impeachment, empolgações à parte. A batalha agora será no tempo regulamentar, onde a sabedoria terá de prevalecer, mais que a agitação.
É hora de virar a página. Ficou evidente que Bolsonaro ganhou fôlego e não será politicamente diminuído se continuar a ser tratado como a besta-fera genocida que só tem olhos para os seus. Atacá-lo por ser um ogro fascista que fala coisas estúpidas e reacionárias não machucará sua carcaça. O jogo ficou mais complexo e complicado: exigirá linguagem programática e capacidade de bater onde a dor seja mais forte, aqueles pontos em que a fragilidade fique escancarada. As oposições terão de se esforçar mais e aperfeiçoar seu modus operandi, em termos práticos e discursivos. Antes de tudo, precisarão definir se desejam caminhar juntas e articuladas. A ressaca talvez as ajude a apurar o foco e ganhar musculatura para uma disputa de mais longo prazo.
Trata-se, em suma, de por em movimento uma operação política que mostre à população a tragédia que vem sendo alimentada sistematicamente pelo governo Bolsonaro. A começar da deliberada ação para menosprezar o vírus, os cuidados e as vacinas, o que desagregou o País e conteve qualquer impulso de recuperação. Mas também a incompetência governamental generalizada. Não há um ministério que se salve, que tenha realizações a apresentar, que possa dizer que fez algo para o bem dos brasileiros. Há desemprego e inflação, a miséria cresce, sem que o auxílio emergencial (o de ontem e o futuro) sirva para outra coisa que não o aumento da popularidade do presidente.
As oposições democráticas, se decidirem agir de fato, precisam ir onde o povo está. Saber se comunicar, engavetar personalismos e querelas partidárias, falar o que a sociedade precisa ouvir, tendo em vista seus interesses, suas expectativas e sua indignação. Precisam mostrar que os problemas são enormes e que, para enfrentá-los, serão necessários governos ativos e competentes.
Para serem de fato uma alternativa, as oposições devem tratar o Palácio do Planalto como um adversário que requer inteligência e pertinácia para ser derrotado, num trabalho de construção cotidiana, sem arroubos retóricos infrutíferos. Que se deixe a bandeira do impeachment tremular, como ameaça e imã de agregação, mas que se compreenda que o impeachment não é um ato de vontade unilateral, a ser imposto sem uma adequada correlação de forças na sociedade e no Congresso. O importante, agora, é reagrupar o que está disperso e definir, o quanto antes, com quem é que se irá a 2022.
*Marco Aurélio Nogueira é Professor Titular de Teoria Política da Universidade Estadual Paulista-UNESP. Doutor em Ciência Política pela USP, com pós-doutorado na Universidade de Roma (1984-1985)
Paulo Fábio Dantas Neto: Reposicionamento do DEM?
Frustrarei alguns dos ainda poucos leitores ou ouvintes regulares desta coluna, ao não comentar diretamente o desfecho de eleições recentes para as mesas da Câmara e Senado. É que estou escrevendo um artigo sobre esse assunto, que será publicado, em breve, pela revista eletrônica “Política Democrática”. Quem ainda não estiver saturado de informações, interpretações e conclusões sobre isso poderá acessar a revista, na próxima semana. De todo modo, o tema de hoje deriva daquele. É, por assim dizer, um efeito colateral do desfecho da disputa da Câmara, que vem sendo tratado - a meu ver, indevidamente e não inocentemente - como se fosse uma causa. Trata-se do posicionamento político do DEM.
Cultivo o hábito, hoje meio fora de moda, de avaliar, de saída, a posição de políticos e partidos pelo que eles declaram em público. A declaração tem valor em si, porque – salvo em casos limite, devidamente comprovados, de desprezo pela razão e uso contumaz da mentira - compromete o declarante, além de provocar ações de terceiros, que a tomam como baliza. De modo complementar, fazer reflexões para avaliar se estão sendo verazes, usando, como evidências, fatos e informações cruzadas de outras fontes, mas sempre pondo-as na condicional, sem fazer conjecturas passarem por veredictos. Pior do que a benevolência acrítica é o criticismo imprudente. Por isso, parto da entrevista concedida, pelo presidente nacional do partido em foco, ao jornal Folha de São Paulo, no último dia 3.
O título da matéria é “DEM não vai com extremos em 2022, mas não posso descartar agora estar com Bolsonaro, diz ACM Neto”. Quem foi além do título e leu a entrevista, viu que essa não foi uma declaração da iniciativa do entrevistado e sim uma resposta sua a uma pergunta direta do jornal. Leu também, no restante da mesma resposta, uma pergunta feita pelo político baiano: Qual Bolsonaro vai ser? O dos dois últimos anos que passaram? Não queremos. Agora, haverá um reposicionamento? Para a construção de algo mais amplo, que não fique limitado à direita? Não sei.” O título da matéria reproduz o núcleo da resposta e destaca o que nela suscita mais polêmica. O contexto da polêmica é a divisão do DEM na disputa da Câmara dos Deputados, fato que já vinha sendo interpretado, predominantemente, nos meios de comunicação, sob a chave da “traição”, da maioria da bancada e do presidente do partido, ao deputado Rodrigo Maia. Como estratégia jornalística, tudo certo, o entrevistado perderá tempo em reclamar.
O uso político da notícia-título, nos dias subsequentes, tem sido intenso e sem alusão ao complemento da resposta do entrevistado. Soltos os freios, as especulações abundam. Segundo elas, o presidente do DEM já indicou o mesmo virtual ministro para as pastas da Educação e da Cidadania, já está cotado para vice de Bolsonaro e esse último pode se aboletar no DEM. Alguma terminará acertando o alvo porque o que vale para qualquer partido não vale do mesmo modo para seus membros, individualmente. O padrão de independência política declarado pelo DEM com base nessa premissa não é contestado pelo palácio. Prova isso a permanência de quadros do partido em ministérios desde 2019, inclusive durante surtos milicianos do capitão, mesmo quando Mandetta, Maia e o próprio Neto se posicionavam, pontualmente, contra várias posições e iniciativas suas. Por que seria diferente agora quando Bolsonaro faz uma performance de político “normal”?
O padrão seletivo das especulações tem favorecido quem aposta em racha definitivo do DEM, animado pelo fato de destacados quadros do partido assumirem hoje uma nítida atitude de oposição, enquanto outros quadros se declaram independentes e outros ainda ocupam ministérios. Para se ter uma ideia da complexidade do quadro, é preciso ver que, além de tradicionais políticos regionais e daqueles da clientela do varejo, que não particularizam qualquer partido, dada a sua difusão em diferentes quadrantes ideológicos (os partidos do chamado centrão não se diferenciam por terem esse tipo de político mais que outros partidos e sim por quase não terem outros tipos além dele), convivem, no DEM, expressões carimbadas de várias espécies de centro, direita e centro-direita.
Sem pretender ser exaustivo, cito figuras hoje facilmente consideradas no chamado centro liberal democrático (como Rodrigo Maia e mais recentemente Luiz Mandetta), um exemplar de direita sem conexão fácil com qualquer centrismo (governador Caiado), um liberal ativista ao molde de Kin Kantaguri; um pragmático conectado com a extrema direita (Onix Lorenzoni), além de uma expressão política do agro negócio, a ministra Teresa Cristina e da mais recente aparição, na primeira cena da política, como presidente do Senado, de Rodrigo Pacheco, quadro de um conservadorismo moderado que lembra o estilo Marco Maciel, duas vezes vice-presidente da República, com a aparente vantagem de, no mineiro, a moderação sobressair mais do que o conservadorismo.
Quem quer analisar esse conjunto de crenças, interesses e configurações regionais, sem apenas fazer política com sua crise, precisa evitar etiquetas puras, colocar estratégias jornalísticas entre parênteses e prestar atenção às palavras de quem preside esse intricado mosaico, ele mesmo um caso complexo, herdeiro de uma tradição conservadora e pragmática que interagiu com autoritarismo e democracia e, com o tempo, foi adquirindo perfil liberal em trânsito na direção do centro, sem com isso perder seu pragmatismo.
Combinemos: se o presidente nacional do DEM dissesse em público que o nome de Bolsonaro está descartado como opção para 2022, essa não seria uma fala de oposição? Motivos não faltam para se fazer oposição no momento, mas acontece que o DEM não é oposição. É ambivalente. Uso essa palavra sem a conotação pejorativa que a ela se costuma dar, como se fosse um desvio de conduta política. Não é. Frequentemente, a ambivalência é uma atitude política positiva, que corresponde à ambiguidade de uma situação concreta. Nesses casos, político que quiser se livrar dela, vai parar na doutrina ou na demagogia.
Pode-se argumentar - e a meu ver com bastante razão - que o fator Bolsonaro desidrata o ambiente político da ambiguidade que poderia justificar uma ambivalência de posição. Tolerar ataques extremistas a granel sem um enfrentamento firme enfraquece moralmente a democracia porque vai rebaixando as crenças da sociedade em relação às instituições. Por outro lado, o fato de o extremismo ter chegado ao palácio e a isso juntar-se uma pandemia cria uma situação perigosa, levando a um argumento diferente, que também tem sua razão: é preciso defender a democracia dos ataques extremistas, mas também haverá risco institucional para ela se não se agir com moderação quando o presidente extremista ainda tem apoio popular e construiu uma base no Congresso. É fato que o DEM vem seguindo essa linha prudencial, desde o começo do governo Bolsonaro.
Nos limites da habilidade e clareza possíveis, o presidente do DEM disse que o Bolsonaro desses dois anos (o Bolsonaro real) não terá seu apoio, que o partido não quer nada com extremos nem seguirá algo que se limite à direita. Mas que em nome das prioridades do país, no contexto de pandemia, é preciso mediar e reduzir o conflito político e adiar o momento de opções eleitorais, para que se consiga clima de governabilidade e cooperação. Trata-se de um reposicionamento? Penso que não. É a mesma política de conciliação que o DEM vem pregando e praticando desde que o governo começou. Com essa estratégia conduziu-se na Câmara, sob o comando de Rodrigo Maia, no Ministério da Saúde dirigido por Luiz Mandetta e, em contexto mais limitado, com o próprio ACM Neto na prefeitura de Salvador, inclusive atuando em cooperação com o governo estadual adversário, durante a pandemia. Política nacional de conciliação que se combinou com alianças ao centro e até com a centro-esquerda nas eleições de 2020. E que se expressa agora na base de alianças que elegeu Rodrigo Pacheco presidente do Senado e na sua postura política.
Afinal, não era exatamente essa política que, semanas atrás, chamei, elogiando sua eficácia, de “estratégia maricas”, a mesma política que levava o então presidente da Câmara, Rodrigo Maia, a ser acusado de conivente com Bolsonaro? Assim como não estava de acordo com essa crítica, penso que também não procedem as que hoje se dirigem ao presidente do DEM. Adesismo ao governo e estratégia maricas podem ter pontos de intersecção (eis a ambivalência) mas não são sinônimos. É possível discutir razões que passaram a levar quadros do DEM, como Maia e Mandetta, a preferirem o caminho aberto da oposição e até a flertarem com a ideia do impeachment. Diante da derrota da campanha de Baleia Rossi na Câmara, resolveram alterar a conduta, talvez até mudar de estratégia. Juntam-se à oposição, achando ser esse, nas circunstâncias seguintes à derrota na Câmara, caminho melhor para derrotar Bolsonaro e seu governo. Pode ser que estejam mais certos do que ACM Neto. Mas o reposicionamento é deles e não do partido ou do seu presidente.
Até onde posso imaginar a profundidade das feridas, o DEM retirou-se do bloco de apoio a Baleia Rossi porque não foi possível chegar a um acordo com Maia em torno do partido permanecer no bloco e aceitar-se a liberação da bancada, sabendo que a maioria ficaria com Lira. Foi essa a solução achada no PSDB, que também foi majoritariamente para Lira. Com todo desacordo interno, é no mínimo duvidoso que o DEM tenha virado centrão, ou tenha rompido com a perspectiva de frente ou de frentes democráticas. Esse risco existe, é claro, mas parece longe de ser favas contadas. O desfecho na Câmara foi de afastamento por razões diversas, que incluem o fisiologismo político, mas a ele não se restringem (tratarei disso no artigo da PD). Foi derrota importante da frente democrática para a qual as defecções no DEM decerto contribuíram. Mas a larga margem da derrota indica que a avaliação das causas não conduz a explicações simplórias. Muito menos a se considerar o DEM território inóspito para, por exemplo, uma eventual candidatura presidencial de Luiz Henrique Mandetta surgir e ter boa receptividade no centro e áreas da centro-esquerda.
Chego assim ao último ponto que quero abordar neste texto. O ex-ministro da Saúde tem dado sinais bem recentes de que interpreta o cenário político de modo diferente do ponto de vista que estou tentando aqui expressar. Fala-se que, assim como Rodrigo Maia, estaria considerando deixar o DEM e ingressar em algum partido menor que abrace a sua pre candidatura. Paciência! Se acontecer, não será a primeira nem será a última vez que discrepância parecida ocorre entre as perspectivas de um ator e de um espectador.
Tentarei ser sintético. Militares do palácio e o centrão estão oferecendo a Bolsonaro uma chance de se customizar para 2022. Conseguirão baixar sua rejeição e torná-lo competitivo numa eleição em dois turnos (algo que, hoje, não é)? Não sei, ninguém sabe. Mas esses agrupamentos governistas, não necessariamente bolsonaristas, parecem dispostos, mais uma vez, a maquiar o miliciano, agora com mais decisão. Dando certo, mergulharão o país numa aventura mais radical de extrema direita, após as eleições. É possível, como já disse nesta mesma coluna, que a customização tenha um sentido de ultimato. Batendo fofo, a opção é usar a posição institucional de Arthur Lira pra abrir caminho a uma espécie de Rússia, com Mourão, que passa por estraçalhar, casuisticamente, a Constituição. Aliás, se o estupro da Carta avançar até o sistema eleitoral talvez dê pra seguir com Bolsonaro mesmo, desafiando a sua rejeição. A solução russa não faz questão de patente.
Quais as evidências de que essa é, ou possa vir a ser, a aposta do DEM? Vamos pensar se é sensato, sem tais evidências, supor que tenha esse horizonte quando se nega a sair da posição de independência para a oposição. Vejo mais evidências de que aposte em ser a alternativa política e eleitoral da reconciliação do país, possível quando a maquiagem improvisada de Bolsonaro borrar. A incerteza maior que a novíssima conjuntura traz é que essa alternativa pode se tornar inviável, se as saídas do partido de Maia, Mandetta e do vice-governador de São Paulo se confirmarem e se derem em tom de rompimento.
Claro que a Bahia também está no meio disso. A negação dessa suposição intuitiva foi um momento em que ACM Neto não pareceu veraz. Como qualquer político, tem aspirações e ambições pessoais. Quer ser governador e para isso é bom estar nacionalmente junto do PP e do PSD, aliados do PT na Bahia e, também, perto de centros gerenciadores de decisões governamentais. Mas isso não quer dizer que pretenda correr o Estado com Bolsonaro a tira colo. Quem conhece minimamente o que se passa na Bahia pode avaliar o que ele teria a perder com isso. A esquerda baiana bem o sabe e por isso esfrega as mãos para que esse casamento de raposa aconteça, ou pareça que vai acontecer. O pragmatismo evidente do presidente nacional do DEM também não quer dizer que sacrificaria o papel mediador do partido que preside nacionalmente por uma aspiração provinciana. Vou concluir com isso.
Aparências não devem enganar. A tradição política que o DEM herdou na Bahia apela, em alguns momentos, a um discurso bairrista. Mas é uma tradição baiano-nacional. Escrevi um livro sobre origens e implantação do carlismo (“Tradição, autocracia e carisma: a política de Antônio Carlos Magalhães na modernização da Bahia, 1954-1974” – Ed. UFMG), dizendo isso. Foi publicado em 2004. A atualização sairá este ano e cobrirá o auge e o declínio do seu poder. O DEM, na maré vazante, aprendeu a manejar seletivamente sua tradição. Na Bahia, caminhou devagar em direção ao centro e hoje já se entende com parte da esquerda não governista. E não havia escolha, já que os partidos de direita e centro direita, satélites do PFL no tempo de ACM, tornaram-se (ainda são) aliados do PT, no Estado. O car1ismo acabou. Resta a memória, emulada por diversos, até opostos, partidos. Boa parte da Bahia sabe disso. Setores da imprensa nacional precisam se despedir do avô.
Se há uma percepção que vai da direita democrática à esquerda, é a de que Bolsonaro e democracia pluralista não combinam. O presidente nacional do DEM é um liberal pragmático, mas não um político de voo solo. Irá aonde o campo liberal brasileiro for. Não há sinais, até aqui, de que esse campo pode seguir na contramão da democracia.
*Cientista político e professor da UFBa
Marcus Pestana: O novo ciclo político aberto em 2021
Fechadas as urnas no Congresso Nacional, temos novos presidentes no Senado Federal e na Câmara dos Deputados. Eleitos Rodrigo Pacheco (DEM/MG) e Arthur Lira (PP/AL), eles serão agora atores centrais na organização da agenda de debates e deliberações para o enfrentamento da pandemia, a retomada da economia e o combate aos seus graves efeitos colaterais no plano social.
Houve uma mudança significativa no quadro político. O atual governo foi produto de uma eleição disruptiva ocorrida sobre o signo de uma “nova política”. A partir daí, tivemos, em 2019, a ruptura com o modelo de presidencialismo de coalizão, predominante desde o nascimento da Nova República em 1985. Houve uma aposta num verdadeiro presidencialismo de confrontação, quando o ambiente institucional sofreu grande deterioração.
Em 2020, com a pandemia e os naturais problemas de governabilidade, foi operada uma correção de rota, com o governo se aproximando do chamado “Centrão”, antes tão criticado como expressão máxima da “velha política”.
No Senado Federal não haverá grande descontinuidade e as eleições internas não foram tão traumáticas, embora haja diferenças de estilo entre os senadores Davi Alcolumbre e Rodrigo Pacheco. Na Câmara, a mudança na correlação de forças foi radical. O “Centrão” se fortaleceu e passa a ser o grande fiador do governo. O centro democrático sofreu um abalo profundo com as divisões ocorridas no DEM e no PSDB. E a esquerda abriu uma porta de diálogo com o centro, não sofreu perdas significativas, embora a divisão tenha sido grande no PSB, e continuará sua atuação minoritária de oposição, tendendo a radicalizar sua postura.
Afastado momentaneamente o fantasma de um processo de impeachment contra o presidente da República, o importante é superar as feridas naturais em um processo eleitoral interno radicalizado, e retomar o diálogo sobre a agenda que interessa ao país. No plano sanitário, o centro de gravidade está mais no plano administrativo. Não há que se inventar a roda. O bordão tem que ser vacinar, vacinar, vacinar, rapidamente a população.
Mas, na economia e no combate ao agravamento da pobreza, precisamos avançar e muito a agenda legislativa. O movimento UNIDOS PELO BRASIL, coordenado pelo Centro de Liderança Pública (CLP) e congregando 20 instituições de caráter nacional lançou uma interessante proposta baseada em três pilares: retomada do crescimento, combate às desigualdades e crescimento sustentável.
A agenda reformista lista 25 Projetos de Lei e Propostas de Emenda Constitucional prioritários em tramitação no Congresso Nacional, a saber: reforma tributária, lei das contratações temporárias, lei da meritocracia, lei da improbidade administrativa, lei dos privilégios do magistrado, lei do desligamento do servidor, autonomia do Banco Central, extinção do FAT e reformulação do FGTS, lei das debêntures, marco do saneamento, lei do gás, lei da governança da ordenação pública econômica, marco do setor ferroviário, lei dos penduricalhos, PEC emergencial, lei da partilha no petróleo, lei da garantia física das usinas, lei do documento eletrônico, lei do desmatamento zero, lei do licenciamento ambiental, novo marco do setor elétrico, sistema nacional de educação, PEC da renda básica.
Portanto, existe uma bússola na mesa. Existem outras. Mãos à obra, o Brasil tem pressa.
*Marcus Pestana, ex-deputado federal (PSDB-MG)
Adriana Fernandes: É do presidente do Senado o protagonismo na coordenação da pauta prioritária
Mineiramente, Rodrigo Pacheco cobrou a prorrogação do auxílio, organizou um acordo para a reforma tributária e prometeu rapidez para votar o Orçamento
É do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (MG), o protagonismo político da coordenação da pauta prioritária de projetos nos primeiros dias após as eleições das presidências do Congresso.
Em menos de uma semana de eleito, Pacheco bateu na porta do presidente Jair Bolsonaro e do ministro Paulo Guedes cobrando a urgência da prorrogação do auxílio emergencial, organizou um acordo para a reforma tributária, defendeu a ampliação urgente da vacinação, prometeu uma votação rápida do Orçamento, falou de um “protocolo fiscal” que envolve uma pauta para garantir a “higidez” da economia e botou em votação a MP 998 do setor elétrico.
Aprovado, o texto da MP, que vai agora à sanção do presidente, reduz as tarifas de energia de consumidores que são atendidos por distribuidoras das regiões Norte e Nordeste, freia o crescimento de subsídios para fontes renováveis e facilita a retomada das obras da usina nuclear de Angra 3.
Mineiramente, o novo presidente fez uma costura política e evitou o esvaziamento, na largada dos trabalhos legislativos, da comissão mista temporária de reforma tributária, presidida pelo colega, Roberto Rocha, da ala do PSDB que o apoiou na eleição de segunda-feira.
Como mostrou reportagem do Estadão, a comissão corria o risco de morrer antes do seu prazo final, em 31 de março, por causa do rescaldo da rixa do presidente da Câmara, Arthur Lira, com o relator da reforma, deputado Aguinaldo Ribeiro, e o autor da proposta, o deputado Baleia Rossi.
Nos últimos dias, o futuro da reforma tributária foi o assunto mais comentado nos grupos de zap de empresários e tributaristas que querem entender no que vai dar a tramitação. A desenvoltura de Pacheco também. Vai durar?
O cenário ainda é turvo. O tititi é de que seria “surpreendente” Lira deixar Aguinaldo ser protagonista, com o texto do Baleia. O certo é que não dá para criar uma comissão mista, analisar duas PECs 45 (Câmara) e 110 (Senado) e no fim do dia produzir uma simples lei ordinária para a criação da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) com unificação do PIS e Cofins.
Se não bastassem os pontos descritos acima, Pacheco avisou que vai analisar o pedido de abertura de uma CPI para investigar a atuação do governo federal no combate à pandemia de coronavírus. Foi durante visita à Assembleia Legislativa de Minas que ele disse que fará uma análise sobre a abertura da CPI com a “maior ligeireza possível”. A pressão em cima dele é grande. O presidente da Casa tem a função de ordenar a instalação, desde que cumprido os mandamentos constitucionais (fato determinado), e analisar os requisitos.
Com o assunto CPI da covid no ar, “cadiquê” o governo vai “caçar confusão” e bater de frente com o “mineiro” Pacheco, que nasceu em Rondônia e cresceu em Minas Gerais? Não precisa nem gastar linha da coluna para sustentar que seria um completo desastre ter a CPI para atrapalhar os planos do governo.
Com o bonde agora andando em velocidade mais acelerada, o carioca Paulo Guedes que, como Pacheco, passou a infância e juventude em Minas, tratou de sinalizar depois de encontro com o presidente do Senado que o novo auxílio emergencial será “mais focalizado”.
Falou o ministro: “Ao invés de atendermos 64 milhões de pessoas, pode ser a metade disso”. O seu próximo passo foi acionar nesta sexta-feira o que o ministro disse que faria, caso a pandemia piorasse, o “protocolo da crise”, para o enfrentamento do agravamento da pandemia. A primeira medida foi a publicação no Diário Oficial da União da antecipação do abono salarial.
A lista ainda vai incluir a antecipação do 13.º para aposentados e pensionistas do INSS. Ambas medidas são infralegais e não representam custo adicional para os cofres públicos, uma vez que são antecipações dos pagamentos já previstos.
Para ligar o próximo botão, dessa vez do auxílio emergencial, Guedes quer o protocolo da cláusula da calamidade – uma segurança jurídica. O governo tem o trunfo da caneta para assinar. Para conceder o auxílio, mesmo que aprovado pelo Congresso, só o governo tem a prerrogativa de editar um crédito extraordinário que permite que o gasto para o pagamento do auxílio fique fora do teto de gastos, sem comprometer ainda mais o Orçamento deste ano.
Guedes já avisou que “não tem gasolina” para dar um auxílio de R$ 300, como querem os parlamentares. Para R$ 200, “talvez tenha”. O trem começou a andar. Na próxima semana, o protagonisno poderá estar com Lira. Ele avisou que colocará em votação o projeto de autonomia do BC. Tem político experiente dizendo que começar com um projeto polêmico vai dar trabalho. Teste de fogo do Centrão.
César Felício: O 2022 de cada um
No cenário da sucessão presidencial, Luciano Huck busca seu nicho e ACM Neto prioriza a Bahia
São significativas as condicionantes para que o apresentador Luciano Huck entre na disputa de 2022. Huck já acumulou forças no sentido de ter equipe, conhecimento de questões de Estado, estudou o mapa das armadilhas que uma campanha presidencial em si encerra. Sabe que vai apanhar, sabe que precisa aprender a bater.
A decisão de concorrer, contudo, está travada porque coube a Huck a bênção de enfrentar o raro dilema de ter possibilidades interessantes de crescimento abertas nas duas vertentes de sua vida: tanto no mundo do entretenimento quanto no da política. O que quer que aconteça, precisa ocorrer este ano.
Uma das condicionantes para entrar na guerra sucessória é o cenário político. Huck não quer entrar na disputa para dividir o que se convenciona chamar de centro. Se o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), mantiver a disposição de se candidatar e consolidar seu nome na nominata dos candidatos, será calculado o risco de se fragmentar o campo que rechaça simultaneamente o bolsonarismo e o petismo. É bem verdade que o apresentador de TV chega a 11% em algumas pesquisas de intenção de voto e Doria não passa de 4% ou 5%, mas, como disse um velho político baiano em conversa com esta coluna, “pesquisa a dois anos de eleição é como apresentar teste de covid-19 do mês passado para viajar”.
No panorama atual, ainda que Doria seja visto como uma pessoa que acerta na ação, mas erra na forma de apresentá-la, como ficou evidente na questão da vacinação, o diagnóstico é que o governador paulista tem muitos trunfos na mão. Só não será candidato se não quiser. E se a razão para ele não querer ser candidato for a perspectiva de uma reeleição inexorável de Bolsonaro, a Huck também não interessa muito concorrer nessa perspectiva. O empresário é pragmático. Analisa uma candidatura competitiva, não um apostolado.
O que mantém acesa a possibilidade de uma candidatura Huck é o vácuo de representatividade que se abriu no país depois do vendaval da Lava-Jato. A queda das empreiteiras e das campeãs nacionais mudou a relação entre o empresariado e a política. Os políticos de hoje, em geral, clausuraram-se na exploração do Estado para sobreviver. Há os que sofisticam esquemas de rachadinhas, há os que drenam fundos eleitorais, há os que se cacifam com as emendas parlamentares, com o Orçamento loteado.
No meio empresarial, a implosão da interlocução privilegiada entre empresas e meio político gerou uma dispersão. Há um núcleo de dirigentes da velha estrutura empresarial, as confederações e federações, vocacionadas desde sempre para o lobby, que talvez não tenha no mundo real a importância que aparenta ter. O que se chamava no passado de “classes conservadoras”.
Há um meio mais novo, muito ligado ao comércio e à área de serviços, cavador de oportunidades, ativo nas redes sociais para defender o atual governo. Tanto o primeiro grupo como o segundo são pilares do bolsonarismo.
Há um terceiro grupo, que sempre antagonizou com o primeiro, nucleado em centros de estudos, uns vinculados à indústria, outros, que predominam, dos setores de serviço e financeiro, que não estão, nunca estiveram e não estarão com Bolsonaro. É grande a preocupação nesta vertente com a falta de compromisso governamental com educação e meio ambiente. Persiste o temor com as veleidades autoritárias do presidente.
E por fim existe um quarto grupo, ligado a novas tecnologias, inovação, startups, unicórnios, muito ocupado para pensar em política, Huck poderá, quem sabe, representar o terceiro e o quarto grupo.
ACM Neto
2022 não é apenas ano de eleição presidencial. Há o 2022 de cada um, e não é possível entender os movimentos recentes do ex-prefeito de Salvador Antonio Carlos Magalhães Neto sem pensar no quadro baiano e nas idiossincrasias de “Neto”, como é usualmente chamado no Estado.
Segundo um dos mais próximos operadores políticos do avô do ex-prefeito, o velho ACM, Neto sabe que a eleição baiana é muito dependente do quadro nacional. O alinhamento do PP ao bolsonarismo, cada vez mais nítido, afeta o cenário baiano. É um complicador não só para a manutenção da aliança local entre PT e PP, como para a desincompatibilização do governador petista Rui Costa.
O PT exerce na Bahia uma hegemonia de 16 anos com vitórias sempre no primeiro turno. Para 2002 o candidato está posto, é o senador Jaques Wagner. Mas os petistas se ancoram no Estado em estruturas alheias: a do PP do vice-governador João Leão e a do PSD do senador Otto Alencar. A dependência da Bahia do quadro nacional joga contra o PT.
O PSD está com ambições altas em 2022. O presidente da sigla, Gilberto Kassab, estimulou Otto Alencar, cacique baiano do partido, a se posicionar como uma opção para compor chapa presidencial. No que depender da influência de Alencar, distante do bolsonarismo. “Em 2022 provavelmente não estarei na aliança em que estiver o presidente Bolsonaro. Espero que o PSD não faça isso”, afirmou. O peso baiano no PSD não é pouco: um senador, seis deputados federais, nove estaduais e 110 prefeitos.
Se o PSD pode se afastar do PT, o PP certamente o fará, e é desse partido que Neto precisa se aproximar para sua própria viabilização.
Uma vitória de Baleia Rossi na Câmara, representando a antecipação de uma aliança PSDB/MDB/DEM para 2022 não traria dividendos para Neto, porque não abriria oportunidades de se obter vantagens com as contradições da aliança petista no Estado.
Bolsonaro é impopular em Salvador. O ex-prefeito da capital precisa manter próximo de si o bolsonarismo, já que sem o PP ele não tem capilaridade para a campanha, mas não tão próximo a ponto de se comprometer com um político com rejeição tão alta em seu reduto político.
A eventual ida do deputado federal João Roma (Republicanos-BA) para a pasta da Cidadania seria providencial. Embora de outra sigla, Roma é ligadíssimo a Neto. O ex-prefeito teria o bônus de ter um aliado no Planalto sem o ônus de amarrar-se. De quebra fortalece sua união com o partido da Universal.
Até aí é cálculo. A idiossincrasia entra no hábito de Neto surpreender aliados. Ele não gosta de ir para o sacrifício. Em 2018, chocou seus apoiadores quando desistiu na última hora de disputar o governo estadual. Seu abandono a Rodrigo Maia, na semana passada, despertou a lembrança do episódio de dois anos atrás em muitos de seus interlocutores na Bahia.
Bruno Boghossian: Bolsonaro adia medidas para os mais pobres, mas corteja classes C e D
Crítico de programas contra a pobreza, presidente tenta proteger caminhoneiros e comerciantes
Jair Bolsonaro quer dar "uma mexidinha" no Imposto de Renda. Na campanha, o presidente prometeu aumentar de R$ 2 mil para R$ 5 mil a faixa de renda que fica isenta do tributo. Agora, ele fala no valor de R$ 3 mil. O presidente nunca teve capacidade de implantar a ideia, mas a insistência reforça seu flerte com um nicho das classes C e D.
A sociedade de Bolsonaro tem uma linha de corte peculiar. Em sua carreira política, ele atacou programas que atendem a população miserável. Nos últimos meses, o presidente criticou a proposta de renovar o auxílio emergencial pago aos mais pobres. Seu instinto de proteção, porém, aflorou para outros grupos.
Na pandemia, Bolsonaro demonstra preocupação especial com caminhoneiros, taxistas e comerciantes. Todos enfrentam dificuldades, mas a atenção presidencial é notável –e tem cores políticas. Em janeiro, ele divulgou o protesto de uma lojista contra medidas de restrição tomadas pelo governo paulista. "Se coloque no lugar dessa senhora", escreveu.
No caso dos motoristas de caminhão, o governo incluiu o grupo na fila prioritária de vacinação, zerou a tarifa de importação de pneus e, agora, quer reduzir tributos sobre o diesel. O presidente avisou que deve anunciar uma medida para baratear os combustíveis e fez um aceno a sua base: "Tem a ver com os caminhoneiros, com os taxistas, Uber, vocês que têm carro particular".
A renda de motoristas de caminhão varia de R$ 3.720 a R$ 5.011 por mês, segundo a CNT. Bolsonaro escutou as reclamações desses profissionais sobre o custo crescente do trabalho. Poderia ouvir também os beneficiários do Bolsa Família, que têm renda per capita abaixo de R$ 178.
O presidente adia planos para quem está na base da pirâmide social, mas tenta fidelizar grupos que já fazem parte de seu eleitorado, como os caminhoneiros, e corteja grupos das classes média e média baixa que se sentiram desamparados em governos de esquerda. Só a mudança no IR, por exemplo, pode dar um alívio para 20% das famílias do país.
Ruy Castro: A teia armada de Bolsonaro
Aos poucos, ele agrupa gente embalada capaz de perpetuá-lo no poder
Jair Bolsonaro foi chamado de genocida e fascista em plena Câmara dos Deputados e reagiu com um alegre "Nos vemos em 22!". É o seu estilo. Não só nenhum conceito o abala —uma zebra se abala ao ser chamada de zebra?—, como está convicto de sua reeleição em 2022. Talvez com razão, porque vive em campanha desde a posse, a 1º de janeiro de 2019 —o que inclui apunhalar aliados, corromper as instituições e tapear os que, bovinamente, acreditam nele. Enquanto isso, e sem que se perceba, tece uma vasta urdidura armada para, de um jeito ou de outro, se perpetuar no poder.
Sua atração por oficiais de baixa patente, PMs, bombeiros, delegados e investigadores, por exemplo, não é um desvio suspeito como parece. Bolsonaro os vê como sua tropa de choque numa eventualidade. A cada formatura de cadetes ou baile de sargentos a que comparece, planta a sedição —os milicos sabem bem o que é isso. E não descansará enquanto não minar a autoridade estadual sobre as polícias Civil e Militar, drenando-as para si, com o que, no caso de um possível confronto, elas atirarão a seu favor.
A obsessão em promover a compra e o porte de armas pela população também não se refere à nossa segurança pessoal —você se vê reagindo a um arrastão em seu prédio?—, nem é um mimo aos "colecionadores" de fuzis e matadores de jacarés. É para armar os seus 30% de seguidores.
Seria um acaso que ele e seus filhos tivessem tantos milicianos, pistoleiros e armazenadores de munição como funcionários, vizinhos de condomínio ou parças de churrasco? Getulio Vargas, por razões higiênicas, deixava esse contato a cargo de Gregorio Fortunato. Os Bolsonaros dispensam intermediários.
E ele já tem gente infiltrada em todas as repartições federais, monitorando decisões, medidas, contratações. Se você trabalha numa delas, o home office tem pelo menos esta vantagem —poupa-o do mau cheiro.
Paulo Baía: Frente de perfil progressista definida
As peças do jogo eleitoral para presidência da república, renovação da Câmara dos Deputados e de um terço do Senado Federal já se movimentam.
Os governadores também se mexem, mas o foco está no atual Congresso Nacional e na lei orçamentária de 2022.
O jogo político eleitoral não é semelhante a um "jogo de xadrez", como de maneira vulgar alguns chamam ou até acreditam.
O carteado do poquer é o que mais se aproxima.
Temos delineados hoje, pelas narrativas mais midiáticas, os cenários de uma sólida frente de Jair Bolsonaro com "bolsonaristas" das seguranças públicas estaduais e municipais, conservadores, ultradireistas, o "Centrão" com os seus fisiológicos e negocistas, militares da ativa e da reserva, religiosos fundamentalistas e moderados de todas as religiões, o mundo do pessoal do direito e do judiciário, pela reeleição do presidente.
Uma "Frente de Esquerda independente", com epicentro no estado de São Paulo, com o PSOL, intelectuais, acadêmicos, artistas e movimentos identitários.
Uma "Frente de Esquerda institucional", liderada pelo PT, com sindicalistas, "movimentos sociais" clássicos, "esquerda acadêmica" e burocracias das instituições públicas.
Uma "Frente de Centro Esquerda" com Ciro Gomes, PDT, o PSB e talvez a Rede.
Uma "Frente Neoliberal", que se autodenominará de "Democrática" , com João Dória, Luciano Huck, Cidadania, PSDB, "Lavajatistas" e pedaços do DEM e do MDB.
O jogo já está sendo jogado na Câmara dos Deputados e no Senado Federal.
Jair Bolsonaro, "bolsonaristas" e negocistas nesse início de jogo estão dando as cartas do poquer eleitoral.
Não creio que as demais "Frentes" tenham cacife para bancar as apostas.
A "Frente Neoliberal" apelidada de "Democrática" tende a apoiar os negocistas e Jair Bolsonaro, como "menos pior", até setembro de 2022, como fizeram no setembro de 2018.
As "Frentes de Esquerda independente", a do "PT e esquerda burocrática institucional sindicalista" e a de "Centro Esquerda" , do Ciro Gomes, PDT, PSB e adereços, ficarão disputando o espólio e as saudades de uma imaginação, acusando-se entre si.
Eu gostaria de ver se formar uma "Tendência eleitoral" e um nome que espelhe essa "Tendência", que não é Marina Silva, que nunca expressou ou expressará essas ideias, com um programa progressista bem definido, com eixos em redes de proteção social amplas , renda mínima universal, sustentabilidade, uma economia em plataformas digitais, Tecnologias da Informação e Inteligências Artificiais, com cidades inteligentes, includentes.
Gostaria de ter essa "Tendência eleitoral" já, agora, como ariete estruturador de um futuro a médio prazo, pós 2026.
O presente e o futuro próximo estão carimbados, com Jair Bolsonaro, liberais, neoliberais, negocistas e bolsonaristas.
Que as juventudes arrojadas e criativas de nossas periferias nos inventem essa "Tendência".
*Sociólogo e cientista político em 05/02/2021.
Bernardo de Mello Franco: O centrão na janelinha
O centrão mal entrou no ônibus e já quer sentar na janelinha, assumir o volante e se apossar do bagageiro. Recém-instalado no comando da Câmara, o bloco não está disposto a aceitar migalhas. Vai cobrar caro pelo apoio que prometeu ao governo.
Ontem a turma começou a mostrar a que veio. O deputado Ricardo Barros, um dos principais escudeiros de Arthur Lira, ameaçou “enquadrar” o almirante Antonio Barra Torres, presidente da Anvisa. Esbravejou contra as exigências para o registro da vacina Sputnik V, de origem russa. “Estão achando que eu sou trouxa?”, desafiou, em entrevista ao “Estadão”.
A pressa de Barros não parece ser motivada pelo avanço do vírus. A Sputnik V será produzida no Brasil pelo laboratório União Química, ligado a políticos do centrão. Um dos diretores da empresa é o ex-deputado Rogério Rosso, que disputou a presidência da Câmara em 2016. Ele era o candidato de Eduardo Cunha, que festejou a vitória de Lira na segunda-feira.
Em outra frente, o centrão jogou na fritura a deputada Bia Kicis, porta-voz da ala mais radical do bolsonarismo. O novo chefão da Câmara havia prometido a Bolsonaro que ela assumiria a Comissão de Constituição e Justiça. Ontem seus aliados começaram a sabotar o acordo.
Investigada no inquérito das fake news, Kicis poderia usar o cargo para ajudar o Planalto a conspirar contra a democracia. No entanto, Lira tem preocupações mais urgentes. Quer evitar conflito com os ministros do Supremo, onde é réu por corrupção e organização criminosa.
As cotoveladas em Torres e Kicis anunciam uma fase mais agressiva na disputa por poder em Brasília. Na semana passada, Bolsonaro declarou que poderia recriar três ministérios para acomodar os novos parceiros. Ontem Barros debochou da oferta. “Quem está correndo atrás de ministério da Cultura, do Esporte e da Pesca?”, questionou.
O centrão não vai se contentar com cargos decorativos. Exigirá pastas de alto orçamento e com potencial para turbinar candidatos em 2022, como Saúde, Cidadania e Desenvolvimento Regional.
Na primeira metade do governo, Bolsonaro suou para mediar crises entre militares e olavistas. Em pouco tempo, essas disputas deverão ser lembradas com saudade no Planalto. Agora o capitão terá que lidar com profissionais.
Rogério L. Furquim Werneck: Bolsonaro pediu 'blindagem' e agora está sob a proteção do Centrão
Porém, vulnerável como está, presidente terá pouca margem de manobra para endurecer o jogo com o Centrão, caso seja necessário
O que terá levado Jair Bolsonaro a dobrar a aposta que já fizera no Centrão? Levará algum tempo até que os múltiplos determinantes desse jogo tão pesado sejam entendidos em toda sua complexidade. Mas a razão primordial já salta aos olhos: o pânico do presidente com a possibilidade de ser levado a impeachment por seus desmandos no enfrentamento da pandemia.
É bem verdade que a disponibilidade de vacinas vem permitindo, afinal, vislumbrar o fim da pandemia. Mas, por aqui, o quadro se afigura bem mais complicado que em países mais afortunados. Na esteira da “segunda onda”, do surgimento de novas cepas do vírus e da gritante ineficácia das ações do governo na Saúde, o Brasil parece fadado a continuar enredado no combate à covid-19 por muitos meses mais.
Em artigo recente, intitulado O tsnunami que se aproxima, o renomado biólogo Fernando Reinach não poderia ter sido mais contundente: “Desculpem o pessimismo, mas é melhor apertar os cintos e nos prepararmos para o pior” (Estado, 30/1). A conta de quase 230 mil mortes parece estar longe do fim.
Tudo indica que as cenas macabras de Manaus fizeram soar o alarme definitivo no Planalto. Bolsonaro, afinal, se deu conta de como um novo e sério agravamento da pandemia poderá lhe ser desastroso. Percebeu, enfim, a real extensão de sua vulnerabilidade ao crescendo de indignação da opinião pública que tal cenário traria, tendo em vista a acintosa inconsequência com que se permitiu lidar com a pandemia desde seu início.
Por não dispor de mecanismos de correção de erros e pela própria personalidade peculiar do presidente, o governo se recusa a reconhecer seus equívocos no combate à covid-19. O que se teme, no Planalto, é que o reconhecimento de tais equívocos, com imediata demissão do ministro da Saúde, dê força redobrada às alegações de que os desacertos de Bolsonaro nessa área já seriam razão mais que suficiente para justificar seu impeachment.
Estalado nessa situação, o Planalto decidiu partir para nova fuga para a frente. Dobrou a aposta que já fizera, em maio do ano passado, quando negociou, às pressas, com o que havia de pior no Centrão, a montagem de uma coalizão governista na Câmara que ao menos lhe assegurasse os votos necessários para bloquear o avanço de um impeachment na Casa. A ideia, agora, foi comprar do Centrão um novo seguro contra impeachment, bem mais caro que o anterior, que efetivamente garanta a “blindagem” do presidente, mesmo nos cenários mais adversos de evolução da pandemia.
Não se trata propriamente de uma adesão tardia de Bolsonaro ao presidencialismo de coalizão, mas da contratação de uma guarda pretoriana supostamente mais confiável do que a que já fora contratada em maio. O Centrão pode dificultar o impeachment, mas não dará maioria ao governo para aprovar o que queira no Congresso.
A proteção, claro, não saiu barata. E deverá ficar mais cara a cada dia. Bolsonaro terá, agora, de arcar com os custos de cumprir o contratado e, de fato, trazer o Centrão para dentro do governo. Um caminho sem volta. E o que se espera é que ministérios inteiros sejam entregues de “porteira fechada”. Arranjos desse tipo envolvem riscos que poderão se mostrar proibitivos, tendo em conta as vulnerabilidades com que o presidente e seu entorno já vêm tendo de lidar.
São, sabidamente, políticos com arraigada propensão a extrair benesses do Estado, à custa do Tesouro, para atendimento dos interesses que representam. Em que medida a voraz “agenda extrativa” do Centrão conflitará com a agenda de Paulo Guedes? Vulnerável como está, o presidente se verá com pouca margem de manobra para endurecer o jogo com o Centrão, caso isso se faça necessário. Já não tem como se expor ao risco de retaliação. Tornou-se refém de seus supostos aliados.
O pior é que, se a epidemia de fato se agravar tanto como se teme, a recuperação da economia for comprometida e a proteção a Bolsonaro ficar pouco promissora, o Centrão não hesitará em abandoná-lo à própria sorte. Até as pedras sabem.
*Economista, doutor pela Universidade Harvard, é professor titular do departamento de economia da PUC-Rio
Claudia Safatle: Vacinação é o que vai determinar a retomada
Quem tem 35 prioridades não tem nenhuma
O mercado financeiro já absorveu a ideia de que o governo terá que voltar com o auxílio emergencial. Os analistas do mercado acreditam que o auxílio será concedido de forma mais restrita, em menor valor e por alguns meses. Pouca importância se atribuiu à lista de 35 prioridades enviada pelo Palácio do Planalto aos presidentes da Câmara e do Senado - até porque quem tem 35 prioridades não tem nenhuma.
O foco está mais no processo de vacinação. É a vacina que vai definir quando as mortes cairão de patamar e, portanto, o país poderá voltar à normalidade e a atividade econômica será retomada. Nesse cenário, o governo poderá retirar o auxílio emergencial, porque as pessoas vão encontrar emprego ou retomar suas atividades no mercado informal.
Se toda a população com mais de 60 anos estiver vacinada nos próximos três meses, idade em que se concentram cerca de 80% dos óbitos ocorridos (ver acima gráfico produzido pela equipe de economistas do Banco Safra), o país estará com parte importante do problema equacionada. E é isso que vai dar conforto para as empresas voltarem a produzir, contratar mão de obra; e os consumidores vão dar alento à demanda por bens e serviços. Para que isso ocorra, porém, é preciso que o governo se mobilize e dê celeridade à vacinação.
Da lista de 35 medidas que a Presidência da República considera prioritárias e que estão travadas seja na Câmara, seja no Senado, 26 são relacionadas à economia. O restante refere-se à pauta de costumes. O trabalho do governo junto ao novo comando das duas casas será o de destravá-las.
Na agenda da economia se encontram a autonomia do Banco Central, lei do gás, reformas tributária e administrativa, mineração em terras indígenas assim como a proposta de dar cumprimento ao teto remuneratório no setor público. Do rol constam ainda a privatização da Eletrobras, a criação das debêntures de infraestrutura, mudança no regime de partilha do petróleo e aprovação do marco legal do mercado de câmbio, dentre outras.
É uma verdadeira lista de supermercado, que inclui, também, as três PEC enviadas pelo governo no fim de 2019: a Emergencial, do Pacto Federativo e dos Fundos. Segundo fontes da área econômica do governo, porém, nas negociações na Câmara e no Senado, os temas vão se afunilando e ficará para efetiva tramitação e votação o que for de interesse comum das duas casas e do Executivo.
As conversas em torno da pauta de votação devem começar na próxima semana, depois de escolhidos, referendados e empossados os demais componentes das mesas diretoras de ambas as casas.
É difícil alguém se opor ao retorno do auxílio emergencial, mas é forçoso reconhecer que a situação hoje é diferente da de abril do ano passado, quando ele foi criado. Naquela ocasião, não dava para estabelecer critérios rigorosos de acesso aos então R$ 600. Sabe-se que houve pessoas da classe média que conseguiram obter essa ajuda.
Agora, o governo tem informações suficientes para fazer um desenho mais adequado desse instrumento de emergência para atender aos que realmente precisam dele para não passar fome.
Não está claro se o governo vai propor uma ajuda estrutural que melhore a distribuição da renda ou se vai optar mesmo pelo auxílio emergencial e de curta duração (uns três a quatro meses).
É importante, porém, que o tema da desigualdade não seja esquecido quando a pandemia deixar de ocupar o primeiro lugar nas preocupações do país. Afinal, se havia alguns milhões de brasileiros desconhecidos das estatísticas oficiais, os invisíveis sociais, agora não há mais.
É uma pena que da extensa lista de medidas prioritárias do governo não conste nenhuma que faça uma boa faxina em algumas excrescências tributárias mediante, por exemplo, uma varredura nas deduções e isenções do Imposto de Renda das pessoas físicas.
A renda do capital é subtributada. E nesse aspecto também não há uma única iniciativa seja para inclusão dos dividendos na renda tributável ou para taxar os fundos fechados (onde os ricos aplicam seus recursos). Fontes oficiais garantem que esses são temas para a tão falada e sempre adiada reforma tributária.