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Bruno Boghossian: Lula retoma territórios, e Bolsonaro se agarra a base mais restrita, aponta Datafolha

A fidelidade da base lulista e a hesitação do eleitorado que aderiu a Jair Bolsonaro (sem partido) em 2018 ajudam a explicar o descolamento entre os dois principais personagens da próxima corrida presidencial.

De volta ao jogo depois que o STF (Supremo Tribunal Federal) anulou condenações que o impediam de concorrer no ano que vem, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) retomou o controle de territórios tradicionalmente petistas, de acordo com números da primeira pesquisa do Datafolha para a disputa de 2022.

Uma fatia da vantagem que o ex-presidente abriu sobre seus adversários aparece principalmente no grupo mais pobre da população —o que sugere que bandeiras petistas como as plataformas de distribuição de renda e redução da pobreza ainda ressoam nesse eleitorado.

Os números indicam que essa faixa é uma trincheira inicial de Lula. Entre eleitores que ganham até dois salários mínimos, o petista aparece com 47% no primeiro turno. Nos demais grupos de renda, ele não passa de 34%. Também está ali sua menor rejeição: 29%, contra mais de 40% em outros segmentos de renda.

Num eventual segundo turno contra Bolsonaro, os mais pobres dariam ao petista uma vitória por 60% a 28%.

A margem de Lula nesse recorte é relevante, no ponto de partida, porque o segmento de baixa renda representa mais da metade do eleitorado brasileiro. Além disso, esses grupos foram alvos de investidas de Bolsonaro ao longo do último ano.

O pagamento das parcelas de R$ 600 do auxílio emergencial, até setembro de 2020, aproximou esse eleitorado da órbita do presidente. O segmento ajudou o governo, em certa medida, a manter sua aprovação estável na pandemia e após a crise com o ex-juiz Sergio Moro, quando Bolsonaro perdeu popularidade em grupos de renda mais alta.

Os índices apresentados pelo Datafolha apontam que o presidente se agarra, agora, a uma base mais restrita. Com uma nova rodada do auxílio em valores menores, Bolsonaro não conseguiu avançar entre os mais pobres. Do outro lado, ele tem seus maiores índices de rejeição em segmentos mais ricos e com escolaridade mais alta.

Embora o presidente tenha consolidado um eleitorado fiel, ele encontra esse obstáculo em sua corrida à reeleição. Brasileiros com ensino superior completo foram alguns dos primeiros grupos a impulsionar a candidatura de Bolsonaro em 2018, abrindo caminho para sua vitória.

Agora, parte deles rejeita o presidente e parece buscar uma alternativa. Nesse segmento, Lula aparece com 30%, contra 22% de Bolsonaro, enquanto outros 36% se dividem entre os candidatos que disputam o rótulo da terceira via: Ciro Gomes (11%), Sergio Moro (10%), João Amoêdo (6%), Luciano Huck, João Doria e Luiz Henrique Mandetta (3% cada).

Esse pelotão, no entanto, não ameaça a vaga de Bolsonaro no segundo turno ou a liderança de Lula em nenhum recorte da população com peso relevante na pesquisa. Pode ser um sinal de que o eleitorado que rejeita os dois principais concorrentes não é tão numeroso quanto gostariam os demais candidatos.

Caso o cenário se cristalize como uma disputa concentrada entre Lula e Bolsonaro, a corrida vai se desenhar ao longo do próximo ano a partir dos movimentos dos dois líderes para preservar redutos, ampliar seus domínios e estimular a rejeição ao adversário.

No numeroso segmento de baixa renda, o desempenho da economia e o uso da caneta presidencial podem mexer nas curvas de intenção de voto. Ainda que os petistas enxerguem um vínculo histórico com esse grupo, a experiência do auxílio emergencial mostrou que parte dos eleitores responde rapidamente a medidas que tenham efeito direto sobre seu bolso.

As discussões no governo sobre a ampliação de despesas, os benefícios prometidos pelo presidente a categorias como caminhoneiros e o enfraquecimento da agenda de cortes do ministro da Economia, Paulo Guedes, indicam que Bolsonaro tem disposição para tomar decisões com potencial eleitoral considerável.

Além disso, auxiliares do presidente esperam que sinais de recuperação econômica e avanços na vacinação, embora extremamente lentos, possam se consolidar até 2022 e ajudar a reduzir a rejeição ao governo pela condução da resposta à pandemia da Covid-19.

A esperança dos bolsonaristas é recuperar, assim, parte do eleitorado que esteve com o presidente em 2018 e que não votaria em Lula no ano que vem. O foco da campanha seria despertar novamente o antipetismo, principalmente em segmentos da classe média e em grupos mais ricos da população.

Na visão de aliados do Palácio do Planalto, se nenhum outro candidato se mostrar competitivo até os meses finais da campanha, parte desse eleitorado poderia se aproximar de Bolsonaro por gravidade para derrotar o PT.

Fonte:

Folha de S. Paulo

https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/05/lula-retoma-territorios-e-bolsonaro-se-agarra-a-base-mais-restrita-aponta-datafolha.shtml

 


Carlos Melo: A mentira e a linha de um tempo de absurdos

Precipitadamente, esperava-se que o depoimento de Fabio Wajngarten trouxesse revelações bombásticas e viesse a entregar ex-colegas de governo. Afinal, o ex-secretário viveu os bastidores da presidência de Jair Bolsonaro, foi integrante do núcleo dirigente e, sobretudo, por meio da Revista Veja havia dirigido artilharia pesada contra o Ministério da Saúde.

No entanto, sendo evasivo, Wajngarten buscou se caracterizar como um burocrata distante do centro do poder. Defendeu-se e optou pela fidelidade ao presidente e à sua alma mater, o bolsonarismo. E era mesmo essa a perspectiva mais realista a respeito do depoimento.

Contudo, ele não combinou com a maioria da CPI. Determinados em revelar erros do governo e do presidente da República, os membros não governistas da comissão resolveram apertar o ex-secretário. E assim explicitaram inúmeras contradições em suas declarações. Sobretudo, em relação ao que disse à revista Veja.

Saiu dali a primeira protagonista do dia: as acusações de falso testemunho — Wajngarten mentiu à CPI ou à Veja? A revista liberou o áudio da entrevista e uma acareação entre o ex-secretário e seus repórteres foi posta sobre a mesa. Ficou ali patente o erro estratégico de Wajngarten, o que poderia ter-lhe levado da CPI diretamente à prisão. Não chegou a tanto, mas ficou o recado aos próximos depoentes.

A segunda personagem do depoimento emergiu com a exposição da Carta da Pfizer dirigida aos principais membros do governo. Emitida em setembro de 2020, ela alertava para a urgência da negociação em torno da compra de vacinas. Como se o assunto fosse irrelevante, após dois meses parecia ignorada — medidas efetivas se deram apenas quatro meses mortais mais tarde. Inadvertidamente, Wajngarten explicitou “a linha do tempo de absurdos” que giram em torno da pandemia no Brasil.

A mentira e o desmazelo gritaram alto na CPI. Despreparada, a tropa governista não conseguiu deter a linha do tempo. Nem a história, de onde todos os absurdos transbordam.

*Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.

Fonte:

O Estado de S. Paulo

https://politica.estadao.com.br/blogs/carlos-melo/a-mentira-e-a-linha-de-um-tempo-de-absurdos/


José Serra: Orçamento sem bom censo

O Orçamento público aprovado no final de abril, com atraso e inconsistências técnicas, compromete o desempenho das políticas públicas no País e cancela, na prática, os recursos para a realização do Censo 2021. Nos Estados Unidos, o presidente Joe Biden defende seu ambicioso plano de Estado para os próximos dez anos; já no Brasil, os formuladores de políticas governamentais promovem desorganização das contas públicas e desmantelamento de programas de governo indispensáveis ao desenvolvimento do País.

Soma-se a esse inadmissível desacerto na condução da política econômica a inepta tese de que o Orçamento público deve ser decidido pelos parlamentares. Como se o papel do Executivo fosse somente largar na porta do Congresso Nacional o principal instrumento de planejamento e gestão do País. Não é admissível que um governo se exima de governar.

Nossa Constituição federal confere ao Poder Executivo competência privativa para elaborar o Orçamento, em função de metas e prioridades estabelecidas pelo presidente da República. Quando o governo abre mão dessa prerrogativa durante o processo de elaboração do Orçamento, o Parlamento ocupa esse espaço e, por inércia, tende a avançar na alocação unilateral dos recursos públicos, por meio de emendas orçamentárias.

Nota-se que o governo federal se descompromete das próprias metas e prioridades ao evitar interações com o Poder Legislativo na fase de discussão do Orçamento. Por sua vez, os parlamentares têm interesses próprios relacionados às suas bases eleitorais e locais. Num sistema político-partidário fragmentado, como se verifica no Brasil, a estratégia do governo, em última análise, compromete a qualidade do gasto e alimenta o viés deficitário do Orçamento.

Nesse contexto, o Congresso praticamente excluiu do Orçamento de 2021 a previsão de recursos para a realização do censo. O relator-geral do Orçamento adotou uma estratégia conhecida na Esplanada como “inversão de prioridades”: corta-se uma despesa essencial para financiar outros gastos de prioridade duvidosa, sabendo que, no fim das contas, haverá forte pressão para recompor a verba cortada.

Sabe-se que o censo, no Brasil, deve ser realizado a cada dez anos, nos termos do primeiro artigo da Lei 8.184, de 1991. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal, ao ser provocado, decidiu corretamente ao determinar que o governo tome as providências para realizá-lo neste ano. A Corte julga agora um recurso da Advocacia-Geral da União contra essa determinação, mas, ao que tudo indica, os ministros devem manter a decisão anterior.

O Censo 2021 deve ter prioridade e medidas devem ser tomadas para superar questões sanitárias. Na ponta do lápis, o custo é irrisório comparado aos benefícios: gasta-se pouco para lançar mão de dados que ajudam os gestores públicos a fazer uma alocação melhor e mais eficiente dos recursos públicos. Trata-se de uma ampla pesquisa que cobre os domicílios brasileiros, com um retrato detalhado da população – desde quantidade e características das famílias até o tipo de moradia em que vivem, levando em conta acesso a coleta de lixo, energia elétrica e transporte público, por exemplo.

Cabe também observar que o Brasil vem sofrendo transformações substanciais na última década. São mudanças nos fluxos migratórios e na pirâmide etária do País, por exemplo, que só podem ser medidas com maior precisão com o censo. E são indicadores fundamentais para tomada de decisões e formulação de políticas públicas.

Em países avançados, o censo é considerado uma ferramenta essencial para o desenvolvimento. Recentemente tive a oportunidade de acompanhar a manifestação de um ministro canadense explicando a importância das pesquisas censitárias, especialmente para o planejamento dos negócios no setor privado e das políticas públicas mais importantes para as comunidades. Devemos seguir esse caminho, pondo o censo como instrumento prioritário da administração pública.

Quando ministro do Planejamento, tive a oportunidade de coordenar a elaboração do primeiro plano plurianual do governo Fernando Henrique Cardoso. A maioria das reuniões era realizada no ministério, mas não foram poucas as vezes em que fui pessoalmente ao Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), braço direito na elaboração do plano.

Eram presença marcante e constante dessas reuniões técnicos da Secretaria de Orçamento Federal (SOF) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Este, hoje tão desrespeitado e desprestigiado, foi o responsável por fornecer as estatísticas sobre o acesso da população brasileira aos serviços básicos, níveis educacionais e outros indicadores que nortearam a definição das políticas públicas a serem implementadas no Brasil à época.

É uma pena observar manobras no Orçamento federal que comprometem a realização do Censo 2021. O governo precisa recuperar seu protagonismo no processo de elaboração do Orçamento, sinalizando para o Congresso o compromisso com o planejamento das políticas públicas. Caso contrário, o Orçamento continuará sem bom censo.

*Senador (PSDB-SP)

Fonte:

O Estado de S. Paulo

https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,orcamento-sem-bom-censo,70003713088

 


Ricardo Noblat: No seu pior momento e no melhor de Lula, Bolsonaro perde feio

Um truísmo, mas vá lá. Pesquisa de opinião é um retrato do momento. Tendência, a evolução de alguma coisa num sentido determinado. O que uma pesquisa revela só vira uma tendência se confirmada por futuras e sucessivas pesquisas.

Os resultados da pesquisa Datafolha divulgada nas últimas horas foram péssimos para o presidente Jair Bolsonaro e ótimos para o ex-presidente Lula. Manda a prudência, contudo, que se esperem novas pesquisas para conferir se isso configura uma tendência.

Pode ser também o que pesquisadores chamam de “soluço”, algo ocasional que, mais tarde, será naturalmente corrigido. De resto, faltam 20 meses para o primeiro turno da eleição presidencial do ano que vem. Mesmo uma tendência pode ser revertida.

Tais ressalvas não tiram a importância do que a pesquisa Datafolha registrou: se a eleição tivesse sido realizada nessa quarta-feira (12/5), Lula teria batido Bolsonaro com folga de votos no primeiro ou no segundo turno. Bolsonaro deve preocupar-se, e Lula comemorar.

Bolsonaro atravessa seu pior momento. Embora em queda, a pandemia da Covid já matou quase 430 mil pessoas, em grande parte por incúria dele mesmo. Uma CPI apura tudo. Há 14 milhões de desempregados, e a recuperação da economia é lenta.

A série histórica da pesquisa mostra que, de dezembro para cá, a popularidade de Bolsonaro derreteu. A fatia de ótimo ou bom, que no último mês de 2020 atingia o recorde de 37%, caiu até chegar ao atual patamar, de 24% (queda de 13 pontos percentuais).

O grupo dos que consideram o governo ruim ou péssimo, que em dezembro correspondia a 32%, cresceu até atingir os atuais 45% (alta de 13 pontos). Bolsonaro amarga ao mesmo tempo o maior percentual de rejeição e o menor de aprovação.

Lula vive o melhor momento de sua vida desde que foi preso, condenado e trancafiado em Curitiba por 580 dias. A Justiça anulou suas condenações e declarou suspeito o ex-juiz Sergio Moro, que conduziu os processos. Por ora, nada de ruim gruda nele.

Tornou-se de bom-tom adversários políticos responderem a acenos de Lula com afabilidade, e se convidados, reunirem-se com ele. Sua passagem recente por Brasília foi um sucesso. Quem não esteve com ele insinua em conversas que poderia ter estado.

Em vista disso tudo, é compreensível que na simulação de primeiro turno feita pelo Datafolha Lula apareça com 41% das intenções de voto, contra 23% de Bolsonaro, 7% de Moro, 6% de Ciro, 4% de Luciano Huck, 3% de João Doria e 2% de Mandetta.

Num eventual segundo turno contra Bolsonaro, Lula o derrotaria por 55% dos votos a 32%. Para o petista, migraria a maioria dos votos de Doria, Ciro e Huck. Bolsonaro herdaria a maior fatia dos votos de Moro, seu ex-ministro da Justiça e desafeto declarado.

Lula venceria Moro no segundo turno por 53% a 33%, e Doria por 57% a 21%. Bolsonaro empataria tecnicamente com Doria (39%, a contra 40%) e perderia para Ciro (36%, a 48%). Os que disseram que jamais votariam em Bolsonaro são 54%, contra 36% de Lula.

O barco do PT navega, por enquanto, em mar de almirante. O céu não é de brigadeiro para Bolsonaro.

Candidato de centro a presidente ainda não deu o ar de sua graça

Quem souber de um, favor informar aos partidos interessados em construir alternativa a Lula e a Bolsonaro

Por ora, a eleição presidencial daqui a 20 meses será travada por apenas dois nomes com chances de vencer, segundo a pesquisa de intenções de voto do Datafolha, a primeira aplicada presencialmente: Lula e Bolsonaro. Não tem para mais ninguém.

Ciro Gomes, do PDT, que será pela quarta vez candidato? Foi rebaixado pela entrada de Lula no páreo. Antes, apostava em atrair boa parte dos votos da esquerda. Agora, ambiciona os votos do centro direita para tirar Bolsonaro do primeiro turno.

João Doria, do PSDB, governador de São Paulo e pai da vacina? Reúne míseros 3% das intenções de voto e enfrenta forte resistência dos seus governados. Eles o rejeitam até quando reconhecem que, se não fosse Doria, não se vacinariam tão cedo.

Sergio Moro, o ex-juiz? É carta fora do baralho. Não só porque anunciou que não se candidatará, mas porque os políticos em geral não o suportam. Moro criminalizou a política, e os políticos querem vê-lo morto e enterrado. Não há acordo possível entre eles.

Luciano Huck, o apresentador do programa das tardes de sábado na Rede Globo de Televisão? Seu destino é trocar de dia, sucedendo Faustão nos fins de tarde do domingo. É jovem, pode esperar que a fila ande e trocar de palco mais adiante.

Luiz Henrique Mandetta, ex-ministro da Saúde? Esse até quer ser candidato e deixa boa impressão por onde passa. Mas seu partido, o DEM, está em liquidação e sem cacife para alçar voo. Mandetta admite disputar o governo do Rio ou uma vaga no Senado.

Faltou algum nome na lista dos pretendentes a candidato do centro? O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) e o governador do Rio Grande do Sul Eduardo Leite (PSDB) foram lançados só para atrapalhar a vida de Doria, e estão atrapalhando.

O deputado Aécio Neves (PSDB-MG) encabeça um movimento para que seu partido não tenha candidato próprio a presidente. Ele e boa parte dos seus pares estão interessados na grana do Fundo Partidário para se reeleger. Sobrará mais grana para eles.

Em resumo: quem souber do paradeiro de um viável candidato de centro a presidente da República será regiamente gratificado.

Fonte:

Metrópoles

https://www.metropoles.com/blog-do-noblat/ricardo-noblat/no-seu-pior-momento-e-no-melhor-de-lula-bolsonaro-perde-feio

 


Míriam Leitão: O falso testemunho

Pegue-se de qualquer ponto o depoimento que o ex-secretário Fabio Wajngarten deu à CPI e é possível encontrar uma inconsistência. Foi tanta mentira e contradição que, durante a tarde, instalou-se uma discussão entre o presidente Omar Aziz e o relator Renan Calheiros. O relator queria prender. O presidente, não. Renan temia a desmoralização, Aziz disse que estava salvando a CPI. A prisão faria a Comissão Parlamentar escalar o grau de conflito. A não prisão daria a qualquer um o direito de mentir ali. Cada um dos dois tinha um ponto, não era fácil decidir. Senadores que a coluna ouviu acham que era caso de prisão. O senador Alessandro Vieira, que é suplente, quando acabou de interrogá-lo e pegar novas contradições, concluiu:

— Eu apenas reforço, e pode ser uma tendência desta comissão. Não há nisso ameaça. Há um justo alerta à testemunha. Cabe ao senhor presidente determinar se é o caso de prisão em flagrante por mentir à CPI. Essa decisão será constante. É impressionante vir aqui e agir com essa desfaçatez.

Wajngarten negou que tivesse dito à “Veja” que foi incompetência do Ministério da Saúde. A “Veja” postou o áudio em que ele dizia “incompetência, incompetência”. A senadora Leila o colocou para ser ouvido. Ele disse que fez 11 campanhas vinculadas à pandemia. O senador Humberto Costa mostrou que algumas eram para estimular as pessoas a saírem para as ruas. O senador Tasso Jereissati perguntou sobre a campanha “O Brasil não pode parar”. Ele alegou desconhecimento, dizendo que em março do ano passado estava em casa com covid. Na época, deu entrevista a Eduardo Bolsonaro dizendo que de casa continuava trabalhando e aprovando campanhas.

“Eu sou uma prova viva de que mesmo testado positivo, a vida segue normal, tenho feito calls com ministros, com a Secom, tenho aprovado campanha, tenho conversado com os criativos das agências. Então a vida segue”, disse ele ao filho do presidente. Terminou dizendo que a pandemia não era essa “agonia que uma parte da mídia anda veiculando”.

Wajngarten entrou em contradição até com o que disse durante o depoimento. Afirmou que não negociara com a Pfizer. Repetiu várias vezes para o senador Renan Calheiros que apenas fizera três contatos, para ajudar o Brasil a ter “a melhor vacina do mundo”. Depois, relatou diálogos próprios de negociação. Disse, por exemplo, que em determinado momento eles ofereceram apenas 500 mil doses:

— Eu disse a eles que isso é menos do que um bloco da Avenida Paulista e que a conversa não continuaria se eles não mudassem de postura. Vi que havia um espaço para negociação.

Ao falar das cláusulas “leoninas” do contrato da Pfizer que justificariam o que ele mesmo denunciara como incompetência, ou seja, o atraso no acordo com a farmacêutica, ele disse que consultara o jurista Ives Gandra, pai, para saber o que era o contrato de adesão. E que Gandra dissera que isso jogaria toda a responsabilidade sobre o governo brasileiro, por eventuais efeitos adversos. Ao senador Alessandro Vieira, ele contou que falou sim com Ives Gandra, mas apenas “ontem” (terça-feira).

— Então, o senhor apontou que esse foi o motivo para não comprar a vacina, mas só ontem o senhor ficou sabendo disso com o Gandra? — perguntou Vieira.

— Eu não o conhecia.

O que houve foi o seguinte. Numa briga interna do governo, Wajngarte desentendeu-se com o marqueteiro do general Pazuello, conhecido como Markinhos Show. Pazuello, ao sair, insinuou que houve gente querendo “pixulé” na compra de vacinas. Wajngarten então deu a entrevista à “Veja” atacando o Ministério da Saúde. Chamado à CPI, foi com a missão de blindar o presidente e sem compromisso de dizer a verdade, apesar da obrigação legal de fazê-lo. Que ele mentiria ficou claro logo no início, quando o senador Renan Calheiros perguntou que impacto tinha, na opinião pública, aquela sucessão de falas “estapafúrdias” do presidente contra a vacina e a favor de aglomeração. Wajngarten, que se apresentara como especialista em análise de dados na área da comunicação, soltou a frase: “Não sei qual o alcance de uma fala presidencial.” Era mentira, evidentemente. O que seria um dia a favor do governo acabou virando contra pelo volume das falsidades. Por isso o senador Flávio Bolsonaro desembarcou na comissão. Para criar conflito. Foi quando chamou Renan de “vagabundo”. O depoimento foi enviado ao Ministério Público.

Fonte:

O Globo

https://blogs.oglobo.globo.com/miriam-leitao/post/o-falso-testemunho.html


Malu Gaspar: Então fica combinado assim. Está liberado mentir na CPI

Então fica combinado assim: de agora em diante, está liberado mentir em sessão de Comissão Parlamentar de Inquérito. Também não tem problema chamar o colega parlamentar de “vagabundo” para melar um depoimento. E tudo bem escancarar ao distinto público a constatação de que, afinal, a apuração das responsabilidades pelo descaso no combate à pandemia da Covid-19 só não é mais importante que uma ampla gama de conveniências políticas.

Qualquer brasileiro medianamente informado sabe que o destino mais provável de uma CPI é terminar em pizza. Mas as cenas exibidas ao vivo e em cores durante o depoimento do ex-secretário de Comunicação do governo federal Fabio Wajngarten, na CPI da Covid, elevaram a expressão popular a um novo patamar.

Primeiro por causa da insistência do ex-secretário em desdizer tudo o que havia afirmado à revista “Veja” em abril, numa entrevista cheia de recados subliminares ao presidente da República e ao ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello.

Em seis horas de exposição, Wajngarten recusou-se a repetir que o governo poderia ter comprado vacinas meses antes do que de fato ocorreu, negou ter afirmado que houve “dolo, incompetência ou as duas coisas” na ação do ex-ministro da Saúde e, mais de uma vez, tentou sepultar a versão de que Bolsonaro o havia autorizado a negociar a aquisição dos imunizantes, passando por cima do colega de Esplanada Pazuello.

Recorrendo à desculpa de que estava doente, negou também ter aprovado a campanha publicitária que se opunha ao isolamento social, mesmo depois que vídeos daqueles dias o mostraram dizendo que continuava trabalhando normalmente, de casa.

Mas o recuo mais importante talvez tenha sido o menos notado pelos senadores: depois de afirmar à “Veja” ter guardado e-mails, registros telefônicos e até cópias de minutas contratuais para comprovar que trabalhou pela compra das vacinas da Pfizer, Wajngarten sustentou na CPI que não dissera nada daquilo e que não tinha nada.

Não é possível garantir que a nova postura tenha a ver com as mensagens que o ex-secretário recebeu nos últimos dias de emissários de Bolsonaro, mas é altamente provável que tenha sido essa última declaração a senha que acionou o resgate providenciado pelo filho Zero Um do presidente.

O senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) chegou a tempo de ver o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), recusar-se a prender Wajngarten, delegando ao relator, Renan Calheiros (MDB-AL), a iniciativa de fazê-lo. Renan, que até então insistia na prisão, recuou de repente com um “não vou fazer, em respeito a Vossa Excelência”. Assim, abriu o flanco para Flávio chamá-lo de “vagabundo” e dar a deixa para Aziz decretar o final da sessão.

Findo o espetáculo, não faltou quem justificasse a atitude de Aziz como um movimento estratégico para não desmoralizar a CPI e deixar aberta a possibilidade de prender Pazuello mais adiante.

Considerando que a Advocacia-Geral da União está trabalhando para conseguir um habeas corpus que garanta ao ex-ministro da Saúde o direito de ficar calado — expediente bastante comum em CPIs —, dificilmente Pazuello terá chance de mentir como fez Wajngarten.

É claro que a investigação continua, a política é um jogo de estratégia, e a realidade brasileira não autoriza ninguém a alimentar ilusões quanto à pureza d’alma dos nossos parlamentares. Seria ingênuo imaginar que os veteranos da CPI não se guiem por uma teia de interesses que extrapolam a preocupação com a saúde dos brasileiros. Entram no cálculo desde a compra de tratores com dinheiro do Orçamento até o posicionamento mais conveniente aos diferentes partidos na disputa presidencial de 2022.

Mas a política também é feita de símbolos, e, nesse particular, a mensagem de ontem é inequívoca. Desde que tenha uma tropa de choque a seu favor, qualquer futuro depoente da CPI da Covid pode ficar à vontade para mentir quanto quiser sem ser incomodado.

Fica difícil imaginar desmoralização maior para uma Comissão Parlamentar de Inquérito que se propõe a apurar responsabilidades e a revelar a verdade, mas se acovarda diante de transgressões tão toscas e evidentes.

Fonte:

O Globo

https://blogs.oglobo.globo.com/malu-gaspar/post/entao-fica-combinado-assim-esta-liberado-mentir-na-cpi.html

 


Merval Pereira: Mentiras perigosas

Que o ex-secretário de Comunicação de Bolsonaro Fabio Wajngarten mentiu na CPI da Covid, disso não há dúvida. A partir daí, é possível detectar como os senadores estão despreparados para os interrogatórios e prospectar um resultado muito mais político do que real, se não mudarem de postura. Um resultado político pode ser sem grande valia, pois a própria característica da decisão poderá dar ao presidente Bolsonaro uma escapatória, atribuindo às acusações da CPI um teor eleitoral.

Poucos foram como o senador Tasso Jereissati, que citou uma campanha de volta ao trabalho — “O Brasil não pode parar”—, claramente negacionista, feita pela Secom, em contraposição ao depoimento do ex-secretário, que se apresentou como um seguidor da ciência e favorável às medidas de prevenção, como o distanciamento social.

Frequentemente as perguntas dos senadores eram confusas, inclusive as do relator Renan Calheiros, que, por precipitação, perdeu um grande momento quando pediu ao depoente que enviasse à CPI os e-mails que ele dissera à revista “Veja” ter “guardado”. A primeira reação de Wajngarten foi concordar, com um gesto de cabeça, para logo em seguida se aproveitar da confusão reinante para dizer que os tinha guardado no computador da Secom.

Mandar prender um depoente, mesmo que ele seja um mentiroso evidente como Fabio Wajngarten, não resolveria a situação da CPI, mas criaria um fato político que poderia reverter até mesmo em favor do governo Bolsonaro. Mesmo que a lei permita que se dê voz de prisão durante o depoimento, as mentiras de Wajngarten foram tantas e tão evidentes que dispensam essa medida extrema.

Chega a ser patética a falha do ex-secretário de Comunicação ao garantir que nunca discutiu nenhuma campanha com o presidente Bolsonaro. Deu-se um poder que nenhum secretário de Comunicação tem, nem mesmo no menor município do país. Uma secretaria de Comunicação existe para explicar aos cidadãos a política do presidente da República, que guia as ações de um governo. Nem Goebbels, na loucura do nazismo, teve tanto poder quanto Wajngarten atribuiu-se ridiculamente.

Foram demitidos sumariamente os que tentaram sair da linha de orientação de Bolsonaro, um governante que sabidamente não admite contestações. Mesmo em governos democráticos, e não é o caso deste de Bolsonaro, ministros discordam entre si, mas a última palavra é do presidente.

Tomada uma decisão, o ministro que publicamente a criticar estará fora. Disputas entre ministros e ministérios são comuns, e muitos saem ao perder a capacidade política de defender internamente suas ideias. Foi o caso de Wajngarten, que tinha muito poder até a chegada ao governo do ministro da Comunicação, Fábio Faria, que o dispensou depois de muitos atritos entre os dois.

Mesmo a carta da farmacêutica Pfizer que ele entregou à CPI, considerada por seu presidente, senador Omar Aziz, o grande achado do dia, já era de conhecimento de todos, e provavelmente o diretor da Pfizer no Brasil, Carlos Murillo, que deporá hoje, daria conhecimento dela à CPI.

No início do interrogatório, ninguém tinha a íntegra da revista “Veja” para confrontá-la com o depoimento de Wajngarten. Parece que os senadores estavam certos de que o depoimento seria uma confirmação da entrevista à revista e não se prepararam para uma reviravolta.

Em beneficio dos senadores, é raro que uma pessoa dê uma entrevista tão explícita quanto a que Wajngarten deu à “Veja” e depois tente tirar dela o teor explosivo que contém. Quando, já ao final da sessão, o senador do Cidadania Alessandro Vieira leu integralmente as respostas do depoente, é que ele foi obrigado a admitir algumas críticas.

O final da sessão deu-se em clima de baixaria, com o bate-boca em que ambos, os senadores Flávio Bolsonaro e o relator Renan Calheiros, se xingaram de “vagabundo”, sem que houvesse condições de definir quem tinha razão. Ou se os dois estavam certos.

Fonte:

O Globo

https://blogs.oglobo.globo.com/merval-pereira/post/mentiras-perigosas.html

 


Felipe Salto: Um Brasil lascado

O bordão do economista Gilberto Nogueira, do BBB21, caiu na boca do povo: “O Brasil tá lascado”. É a síntese deste tempo. Como ter esperança diante do caos econômico e social? O Orçamento de 2021 não reflete a dura realidade da crise e a necessidade de forjar a reconstrução da economia. Pior, um novo mecanismo parece ter tornado viável espécie de barganha assimétrica entre Executivo e Legislativo. Tudo passando ao largo do fundamental: preservar vidas e desenhar um novo futuro.

A gestão mal-ajambrada da crise da covid-19, a demora em tomar decisões essenciais e a ausência de planejamento ajudam a explicar esse quadro. O governo não está conseguindo vacinar a população no ritmo necessário e guarnecer as famílias mais pobres. Falta tudo.

Os que podem trabalhar de casa estão em situação melhor. Mas os mais pobres seguem desempregados ou na luta diária arriscando-se no transporte público. Dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) mostram que a morte atingiu em cheio os trabalhadores diretamente expostos ao vírus. No topo dessa lista macabra (de abril de 2020 a março de 2021), motoristas de ônibus, cobradores, vigias, porteiros e zeladores. É cruel.

Vai ser difícil reconstruir o País depois do desmonte. O capítulo mais recente foi revelado pelo repórter do Estado Breno Pires (9 de maio): R$ 3 bilhões do Orçamento da União de 2021 teriam sido utilizados pelo governo como moeda de barganha junto ao Congresso. O processo orçamentário já estava maculado pelo risco de paralisação da máquina pública. Agora, desvendam-se novos contornos.

As chamadas emendas de relator-geral (classificadas como “RP 9” no Orçamento) foram ampliadas a partir de cortes nas previsões de despesas da Previdência, do abono salarial e do seguro-desemprego. A especificação do direcionamento desses recursos – uma atribuição do Executivo –, no entanto, teria sido parcialmente transferida para parlamentares, sem previsão expressa na Lei de Diretrizes Orçamentárias. Como revelou o Estado, parte dos recursos se destinaria à compra de tratores a preços acima dos do mercado. Invertem-se prioridades, métodos e processos, para dizer o mínimo.

Ao contrário das emendas tradicionais – impositivas e divididas igualmente entre os parlamentares –, esse “novo jeito” de alocar recursos públicos revela que o Executivo teria escolhido quem atender e quem ignorar. Peça de ficção é pouco para classificar o episódio.

O pano de fundo é a economia estagnada e sem perspectiva de melhora efetiva. O crescimento esperado para 2021 deve-se majoritariamente ao carregamento estatístico, isto é, à base deprimida de 2020, ano de recessão. De 1930 a 1980, o produto interno bruto (PIB) per capita brasileiro crescia a 3,8% ao ano acima da inflação; de 1981 a 2020, apenas 0,6%; e de 2011 a 2020, queda anual de 0,6%. Perdeu-se o bônus demográfico, quando a população em idade de trabalhar aumentava mais, o que facilitava a tarefa de crescer.

A produtividade da economia não reagirá na ausência de melhores investimentos e de um ambiente de negócios favorável à atividade econômica. O relatório Doing Business, do Banco Mundial, mostra que o Brasil ocupa a 184.ª posição (de 190 países) no quesito pagamento de impostos. As empresas brasileiras gastam, em média, 1.500 horas ao ano para atender ao fisco.

Nas políticas sociais, Bráulio Borges mostrou que o chamado índice de Gini – indicador da desigualdade de renda – melhora muito pouco quando se computam as transferências, os incentivos e benefícios fiscais de toda sorte.

As renúncias tributárias, por exemplo, correspondem a cerca de 4% do PIB e, em geral, não beneficiam os mais pobres. É claro que não se deve jogar o bebê junto com a água suja do banho. Isto é, as políticas de incentivo e de subsídio podem ser feitas de outra forma: na base da transparência e da avaliação. Sem isso, é jogar dinheiro pela janela.

Na infraestrutura, Igor Rocha reuniu dados impressionantes: o investimento brasileiro nessa área passou de 5,4% do PIB nos anos 1970 para 1,7% do PIB em 2016. O Chile e a Colômbia investem três vezes esse montante, a Índia gasta mais de duas vezes e a China, mais de seis vezes. O economista estima que em 2020 o investimento em infraestrutura no Brasil deve ter ficado em R$ 123 bilhões, o mesmo patamar de 2016 em porcentual do PIB.

Não há saudosismo em relação às décadas de 1930 a 1970. Nesse período a desigualdade aumentou, apesar do crescimento. Também a hiperinflação foi sendo gestada até atingir o ápice no período pré-Plano Real. A verdade é que, depois da conquista da estabilização da moeda com aquele plano, remanesce o objetivo de crescer sem inflação e reduzindo a pobreza extrema e a desigualdade de renda e riqueza.

O Brasil está mesmo lascado, Gil. Cabe à nossa geração o desafio de pensar e agir “com vigor”. É difícil ter esperança em meio a tanta tristeza. Mas é necessário, apesar do pessimismo no diagnóstico, ter otimismo na ação!

*Diretor Executivo da IFI.

Fonte:

O Estado de S. Paulo

https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,um-brasil-lascado,70003710529


Nota da FAP manifesta apoio à senadora Eliziane Gama na CPI da Covid-19

Parlamentar é conhecida por sua participação atuante na comissão e de enfrentamento a direito de fala das mulheres

Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP

Após assumir o protagonismo nas principais discussões da CPI da Covid-19 e defender o direito de fala para se expressar como mulher na comissão, a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) recebeu, nesta terça-feira (11/5), manifestação de apoio em nota púbica do Conselho Curador da Fundação Astrojildo Pereira (FAP), vinculada ao partido. Ela diz que “o governo pode ter grande parcela de culpa” com relação às mais de 420 mil mortes na pandemia no país.

Formalmente, a parlamentar não integra a CPI, mas esteve presente em debates quentes no início dos trabalhos da comissão. Nesta terça, na sexta reunião da comissão, o presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)Antônio Barra Torres, confirmou à CPI que houve uma reunião no Palácio do Planalto, em 2020, para discutir a mudança na bula da cloroquina.

Eliziane é cada vez mais conhecida pela sua postura crítica relacionada ao governo de Jair Bolsonaro (sem partido) e defesa intransigente da democracia. Na avaliação da senadora, os depoimentos colhidos pela CPI até o momento mostram que Bolsonaro colocou “as questões ideológicas e políticas acima das científicas e técnicas” no enfrentamento à pandemia, o que, segunda ela, é o mais grave. “Isso significa vidas perdidas”, disse a parlamentar.

A nota da FAP lembra que, no dia 5 de maio, durante uma reunião da CPI, “algumas senadoras fizeram história”. “Eliziane Gama enfrentou a velha e reacionária oligarquia dos partidos políticos. lutou por um princípio básico na democracia: o direito da fala, o direito de se expressar como mulher e senadora. Não deixou se intimidar, não deixou se sobrepor por gritos e discursos agressivos”, diz o texto.

Reação contra machismo

Naquele dia, Eliziane rebateu o senador Ciro Nogueira (PP-PI), que interrompeu a fala dela para criticar a participação da bancada feminina na comissão, apesar de nenhuma parlamentar ter sido indicada pelos seus partidos. “Só não entendo o porquê de tanto medo das vozes femininas”, disse ela.

Eliziane também ganhou ainda mais destaque depois de reagir à declaração do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) classificada por ela como “machista”. O filho do presidente disse que “as mulheres já foram mais respeitadas e mais indignadas. Estão fora da CPI, não fazem questão de estar nela e se conformam em acompanhar o trabalho a distância”.

Logo em seguida, a parlamentar reagiu. “Além de participar das demais ações, vamos participar também dessa CPI. Quero dizer que eu, Eliziane Gama, e essas senadoras não vamos admitir ironia machista em relação às mulheres. Estamos aqui, vamos participar ativamente e teremos nosso protagonismo”, afirmou a senadora.

De acordo com a nota, a postura da senadora “é motivo de orgulho para as mulheres e homens da Nação”. “Enquanto houver lideranças como Eliziane poderemos sonhar e lutar pela democracia”, destaca um trecho.

A seguir, confira a manifestação de representantes da FAP, na íntegra.

Na manhã de 5 de maio, durante a CPI sobre a Covid 19, no Senado da República, algumas Senadoras fizeram história.

A Senadora Eliziane Gama, do Partido Cidadania, do Estado do Maranhão, enfrentou a velha e reacionária oligarquia dos partidos políticos.

Eliziane Gama lutou por um princípio básico na democracia: o direito da fala, o direito de se expressar como mulher e Senadora.

Não deixou se intimidar, não deixou se sobrepor por gritos e discursos agressivos.

A postura assumida hoje por uma mulher brasileira como a Senadora Eliziane Gama é motivo de orgulho para as mulheres e homens da Nação.

Enquanto houver lideranças como Eliziane poderemos sonhar e lutar pela democracia.

O Conselho de Curadores da FAP presta uma homenagem e júbilo à atuação corajosa da Senadora Eliziane Gama, por sua liderança e digna atitude na defesa da democracia.

CAETANO ERNESTO PEREIRA DE ARAÚJO
Diretor Geral
Fundação Astrojildo Pereira

LUCIANO SANTOS REZENDE
Presidente do Conselho Curador
Fundação Astrojildo Pereira

Fonte:


Rosângela Bittar: ‘Tratoraço’ é um clássico da corrupção com recursos do Orçamento

Verbas secretas, superfaturamento, direcionamento de valores acima da referência para aquisição de determinados itens do cancioneiro parlamentar, como tratores e retroescavadeiras. Esta equação, apontada em ampla e minuciosa reportagem de Breno Pires, do Estadão, na edição deste domingo, é um clássico da corrupção com recursos do Orçamento Federal. Detalhada em valores, responsáveis e beneficiários, a matéria desfaz um sofisma insistentemente repetido pelos apoiadores do presidente Jair Bolsonaro.

Impressiona a forma veemente como os fanáticos do presidente enfatizam, ao aceitar piedosamente críticas aos erros e omissões da sua administração, o fato de não haver, no governo Bolsonaro, denúncias ou escândalos de corrupção. Para muitos indícios puderam fechar os olhos, não para este.

Aí está um, gritante, apontado de maneira cristalina. Exemplar daquela modalidade que envolve parlamentares governistas da base aliada, o Ministério de Desenvolvimento Regional e sua audiência municipal, além do coordenador deste tipo de esquema, o ministro da articulação política com gabinete no Palácio do Planalto.

Uma vez foram caminhões; outra, ambulâncias; desta modalidade, das mais antigas, que virou anedota, o fura-poço; agora, tratores e retroescavadeiras. Inovou-se, porém, em um quesito: para burlar tudo – cotas, tipos de emendas, sazonalidade, destinações, teto e todos os demais limites do orçamento de 2021, uma peça ainda sob choque e vetos presidenciais – a dinheirama em questão recebeu a tarja de verba secreta. Um expediente recorrente.

Fonte:

O Estado de S. Paulo

https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,tratoraco-e-um-classico-da-corrupcao-com-recursos-do-orcamento,70003709581

 


Ricardo Noblat: Escândalo do orçamento secreto atinge em cheio governo Bolsonaro

Uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) é pouca coisa para investigar o governo do presidente Jair Bolsonaro, que se apresenta como inatacável e sujeito apenas a erros comuns.

Outra CPI, em breve, será proposta para investigar um orçamento secreto de R$ 3 bilhões, boa parte dele destinado à compra de tratores e equipamentos agrícolas a preços superfaturados.

É nitroglicerina pura o que descobriu o jornal O Estado de S. Paulo. A origem do orçamento secreto está no discurso de Bolsonaro de não lotear cargos no primeiro escalão do governo.

De um jeito ou de outro, a moeda de troca se deu por meio da transferência do controle de bilhões de reais do orçamento ao Congresso, tudo longe do olhar dos eleitores, segundo o jornal.

O Estadão teve acesso a 101 ofícios enviados por deputados federais e senadores ao Ministério do Desenvolvimento Regional para indicar como eles preferiam usar esses recursos.

Por “contrariar o interesse público”, Bolsonaro havia vetado a tentativa do Congresso de impor o destino de um novo tipo de emenda ao orçamento chamada RP9.

Tão logo se viu em apuros, porém, com medo da abertura de um processo de impeachment contra ele, Bolsonaro ignorou o próprio veto para atrair o apoio dos partidos do Centrão.

O que ele permitiu atropelou as leis orçamentárias, pois são os ministros de Estado que deveriam definir em que obras aplicar os recursos destinados ao pagamento de emendas parlamentares.

Os acordos para direcionar o dinheiro não são públicos, e a distribuição dos valores não é equânime entre os congressistas, atendendo a critérios eleitorais. Só ganha quem apoia o governo.

Davi Alcolumbre (DEM-AP), por exemplo, ex-presidente do Senado, determinou a aplicação de R$ 277 milhões de verbas públicas só do Ministério do Desenvolvimento Regional.

Ele precisaria de 34 anos no Senado para conseguir indicar esse montante por meio da tradicional emenda parlamentar individual, que garante ao congressista direcionar R$ 8 milhões ao ano.

Um caso exemplar é o do deputado Lúcio Mosquini (MDB-RO). O governo aceitou pagar R$ 359 mil num trator que, pelas regras normais, somente custaria R$ 100 mil aos cofres públicos.

“Recursos a mim reservados” foi a expressão usada em ofício pela deputada Flávia Arruda (PL-DF) para dirigir-se à Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf).

Atual ministra da Secretaria do Governo, Flávia definiu o destino de R$ 5 milhões do orçamento secreto. “Não me lembro. Codevasf?”, ela perguntou ao jornal. E depois justificou:

– É tanta coisa que a gente faz que não sei exatamente do que se trata.

O escândalo da hora privilegiou a compra de tratores. No passado, escândalos do mesmo gênero contemplaram a distribuição pelo governo federal de caminhões e ambulâncias a prefeituras.

À sua época de deputado federal, Bolsonaro manifestou indignação com tantos escândalos desse tipo. Agora, ele protagoniza um depois de proclamar que seu governo é imune à corrupção.

Fonte:

Metrópoles

https://www.metropoles.com/blog-do-noblat/ricardo-noblat/escandalo-do-orcamento-secreto-atinge-em-cheio-governo-bolsonaro


Fernando Gabeira: Morrendo pela boca

Pode ser que eu esteja maluco. Morreu há muitos anos o amigo Chico Nélson, que me socorria nesses momentos de dúvida e dizia: “Tranquilo, você está lúcido”.

Nada me impressiona mais na sequência de bobagens diárias de Bolsonaro do que esta pergunta: “Será que não estamos enfrentando uma nova guerra?”.

O presidente da República é, pela Constituição, o comandante das Forças Armadas. Se ele se volta para nós e pergunta se estamos enfrentando uma guerra, deixa-nos tão inseguros quanto os passageiros de um avião questionados por um piloto ao aterrissar: “Será que estamos com o trem de pouso acionado?”.

O contexto da pergunta é claro: o presidente duvida da origem do coronavírus. Essa é uma dúvida que circulou no ano passado, com inúmeras reportagens investigativas sobre o laboratório de Wuhan de onde o vírus poderia ter escapado.

Nenhuma delas foi convincente. A Austrália duvidou do papel da China e pediu oficialmente uma investigação. Você pode ou não concordar com a medida, mas é muito mais sério do que ficar reclamando pelos cantos, como faz a família Bolsonaro.

A OMS constatou em Wuhan que a hipótese de o vírus ter escapado do laboratório é improvável, fortalecendo a ideia de uma transmissão por animais.

A China é um país com grande crescimento material e uma visão estratégica de longo alcance. É um absurdo imaginar que disseminaria um vírus em sua própria população, correndo um risco gigantesco, apenas para atingir os outros.

Essa é uma tese de gente que acha que o Partido Democrata americano é composto de pedófilos que se reúnem no porão de uma pizzaria.

Apesar de admirar a riqueza e a cultura tradicional da China, não creio que possa ser qualificado de um maldito comunista. Pelo contrário. Quando deputado, participei de uma coalizão internacional pelo Tibete livre. Convidei o Dalai Lama para falar no Congresso brasileiro, briguei com o Itamaraty quando, sob pressão da China, hesitou em conceder o visto de entrada ao líder religioso.

É possível e necessário discordar da política de grandes potências, EUA ou China, desde que se parta de convicção profunda, assumindo as consequências dessa discordância.

É inadmissível um presidente da República difundir fake news e teorias da conspiração contra a China, sem nem assumir que está falando do país.

É possível que a Austrália sofra alguma retaliação comercial por se opor à China abertamente. No caso brasileiro, o elemento covardia talvez seja uma agravante porque Bolsonaro fala de um vírus, fala de um país que cresceu após a pandemia, mas não assume que se referia à China.

No momento em que está acossado pela CPI, essas referências ao coronavírus como se fosse um ato de guerra dos chineses mostram como Bolsonaro realiza profundamente aquilo que denuncia em seus opositores: a politização da pandemia.

É um movimento patético, porque Bolsonaro é acusado de um negacionismo que contribuiu com a morte de muita gente. Nesse caso, rigorosamente não importa se o vírus foi ou não difundido pelos chineses nessa fantástica guerra; o que importa é se ele mata ou não.

A ideia de ignorar o vírus e tocar a economia como se nada estivesse acontecendo é uma leitura bárbara da teoria de imunidade de rebanho. É um tipo de estratégia a ser realizada pela vacinação e por outras medidas de segurança, jamais pela exposição à morte de milhares de pessoas.

A política internacional tornou-se mais complexa com a ascensão da China e o relativo declínio dos Estados Unidos. Nossa vida cotidiana foi atropelada pela pandemia.

Nunca foi necessária tanta habilidade de um estadista para posicionar o Brasil no mundo e, simultaneamente, conduzir uma política interna de proteção da vida.

Bolsonaro jamais se interessou pela política internacional, jamais se interessou por salvar vidas, mas apenas por tocar a economia e salvar seu mandato.

Homem errado no lugar errado é a grande causa de nosso sofrimento.

Fonte:

O Globo

https://blogs.oglobo.globo.com/opiniao/post/morrendo-pela-boca.html