Senado Federal
Revista online | A Câmara dos Deputados nas eleições de 2022
Arlindo Fernandes de Oliveira*, especial para a revista Política Democrática online (46ª edição: agosto/2022)
As eleições de 2022 compreendem, no plano nacional, além do pleito presidencial e das disputas pelos governos dos estados e do Distrito Federal, a renovação de um terço do Senado Federal e da totalidade da Câmara dos Deputados. Interessa-nos aqui as eleições para a Câmara, porque é nelas que serão aplicadas regras eleitorais novas.
A proibição de coligações é o maior exemplo: pela primeira vez será aplicada ao processo de escolha de deputado federal, embora não seja uma inovação absoluta, porque aplicada ao pleito de 2020 nas eleições municipais, para o cargo de vereador.
A segunda inovação legislativa, esta de fato inaugural em 2022, consiste na permissão para o estabelecimento de federações entre partidos políticos, uma articulação entre essas formações que substitui, em outros termos, a nosso ver mais avançados, as antigas coligações, não mais admitidas nas eleições para os cargos proporcionais.
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Sistema Eleitoral e suas mudanças
Temos, claro, ao lado disso, o tradicional sistema eleitoral proporcional de listas abertas, utilizado no Brasil desde o fim da Segunda Guerra, com pequenas alterações pontuais, em alguns pleitos. Esse sistema eleitoral compreende o voto uninominal (vota-se em uma pessoa, não em um partido, como em outros países) e a definição dos candidatos eleitos a partir de dois cálculos, o quociente eleitoral e o quociente partidário.
O quociente eleitoral define o número de votos necessários para eleger um deputado, e o quociente partidário, quantos deputados cada formação, partido ou federação elegerá. Depois disso, se sobrarem vagas, faz-se um novo cálculo, que define os últimos eleitos pelo chamado critério das maiores médias.
Nesse segundo momento, o do cálculo das sobras, o Código Eleitoral sofreu outra alteração, que será aplicada em 2022 pela primeira vez. Somente participam do rateio das vagas remanescentes, as ditas sobras, os partidos que alcançarem 80% do quociente eleitoral. No pleito passado, de 2020, para vereador, todos os partidos puderam participar do chamado rateio das sobras, solução legislativa que melhor aplica o princípio da verdade eleitoral, ou seja, que o resultado da eleição revele e expresse melhor a vontade do eleitor.
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O quociente eleitoral individual
Exige-se também, neste pleito, tal como no anterior, o que se chama de quociente eleitoral individual, à falta de melhor definição. Por ele, o candidato para ser eleito deputado federal deve receber votação equivalente a 10% do quociente eleitoral. Essa medida foi adotada para limitar o efeito de um candidato com muitos votos “puxar” a eleições de outros de seu partido, mesmo com votação pouco expressiva, fenômeno conhecido como Efeito Enéas.
Para que se tenha uma ideia do impacto dessa regra, tomemos como exemplo o Estado de São Paulo, onde o quociente eleitoral na eleição de 2018 ficou em 300 mil votos. Nesse caso, somente pôde ser beneficiado pela votação de candidatos “puxadores” o candidato que obteve ao menos 30 mil votos.
Nessa matéria, foi incorporada no Código Eleitoral uma segunda inovação, que reputamos desprovida de qualquer sentido. O candidato do partido que não alcançou o quociente eleitoral, ao contrário de todos os demais concorrentes, deve obter 20% do quociente eleitoral, e não apenas 10%, para obter uma das cadeiras em jogo. Essa regra legal, ao exigir que um candidato tenha o dobro dos votos de outro para alcançar a mesma cadeira, contém flagrante violação ao princípio constitucional da isonomia, além violar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Mas isso talvez somente seja visualizado por partidos e candidatos quando os resultados das eleições estiverem em mãos, no dia 2 de outubro.
A cláusula de barreira
Neste certame de 2022, exige-se de cada partido, para alcançar o direito de funcionar plenamente na Câmara dos Deputados, bem como ter acesso aos recursos do Fundo Partidário e à propaganda partidária na TV, que obtenha 2% dos votos válidos nas eleições para a Câmara federal. Não é pouca coisa porque, como temos 156 milhões de eleitores, a abstenção oscila em torno de 20% e os votos brancos e nulos atingem cerca de 10% do total, teríamos um desempenho mínimo partidário para superar a cláusula de barreira ou de desempenho em torno dos 2 milhões de votos. O caminho alternativo, mais difícil, é eleger 11 deputados federais em 9 estados diferentes.
Votos “desperdiçados”
Diz-se “desperdiçado”, nessa acepção, não o voto dado a um mau candidato, mas aquele que, além de não eleger o seu candidato, não ajuda a outro candidato do mesmo partido ou federação a se eleger. Dada a vedação às coligações, o número de partidos ou federações que não alcançarão o quociente eleitoral deve aumentar, caso em que os votos dados aos seus candidatos não elegem nem ajudam a eleger. Em que formações partidárias devem se concentrar os votos “desperdiçados”? A resposta a essa questão pode ser decisiva para a futura composição da Câmara dos Deputados.
E os resultados?
Adotadas essas regras, que Câmara dos Deputados teremos para a nova legislatura, entre 2023 e 2026? É muito difícil avaliar. Entretanto, conhecendo os resultados de eleições anteriores, a história do desempenho das coligações em face dos partidos isolados e considerando a federação partidária como uma modalidade de coligação, é possível estimar que os partidos reunidos em federação poderão ter alguma vantagem em face dos isolados na definição dos candidatos eleitos. A extensão desse efeito somente os eleitores de outubro poderão dizer.
Sobre o autor
*Arlindo Fernandes de Oliveira é consultor legislativo do Senado Federal e especialista em direito constitucional e eleitoral.
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de agosto de 2022 (46ª edição), editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não refletem, necessariamente, as opiniões da publicação.
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Concurso público: Biblioteca Salomão Malina oferece espaço para estudos
João Vítor*, sob supervisão da Coordenação de Publicações da FAP
Concurseiros têm mais uma opção de ambiente de estudo na região central de Brasília. A Biblioteca Salomão Malina, mantida pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP) no Conic, tem se tornado referência como lugar de concentração para quem que se prepara para maratona de provas Brasil afora. A entrada é gratuita.
Na corrida pela aprovação em um concurso público, a solução para driblar as distrações de casa, para o engenheiro civil Rafael de Castro Ballarin, de 30 anos, foi ir à biblioteca, próximo à Rodoviária do Plano Piloto. No local, ele passa cada detalhe de conteúdo a limpo.
“É bem melhor do que [estudar] em casa. Tenho gatos, então, eles ficam querendo brincar o tempo todo. No meu computador, tem jogos, e eu me vejo tentado a jogar”, explica Ballarin, que escolheu estudar para concursos em busca de estabilidade financeira.
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Pesquisa mais recente do Atlas das Juventudes mostra que 32% dos jovens do Brasil têm de lidar com a falta de um ambiente tranquilo para estudar em casa. A maioria deles precisa encontrar na própria garra para encontrar forçar, enfrentar a realidade do dia a dia e manter o foco.
Ballarin se prepara para o concurso do Senado Federal, que será organizado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Ele foi aprovado, em 2018, no concurso da Companhia de Desenvolvimento Habitacional do Distrito Federal (Codhab), mas não foi nomeado.
O engenheiro diz ter conhecido a Biblioteca Salomão Malina ao caminhar pelo Conic. “Achei ela [biblioteca] por acaso. Uso só para estudos. Fica perto da rodoviária, o que facilita para mim”, afirma.
Nascido em Brasília, Ballarin chegou a trabalhar na área da engenharia civil. No entanto, ele afirma ter se “desagrado” com a profissão. “Me desiludi muito com a engenharia”, diz. Ele é graduado pela Universidade de Brasília (UnB).
O técnico de contabilidade Luiz Henrique Souto Ribeiro, de 34, diz que o espaço da biblioteca foi fundamental para que ele acertasse metade da prova do concurso do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT).
“Tenho uma rotina muito apertada para horários de estudos. Então para mim, ela [biblioteca] é muito importante. É o melhor lugar para estudar”, afirma o técnico.
Ribeiro é de Brasília, mas mora no Entorno e diz que, apesar de não ter distrações em casa, ele prefere ir à biblioteca. O espaço, conforme acrescenta, serve, também, para “arejar a cabeça''. “É um lugar para eu me isolar dos problemas. Um refúgio interno”, explica.
O técnico de contabilidade afirma que conheceu a Biblioteca Salomão Malina ao caminhar pelo Conic na hora do almoço. “Eu entrei ainda um pouco acanhado porque não conhecia e não sabia se tinha alguma exigência para entrar”, diz, ressaltando que foi bem atendido no local.
Ao menos 115 concursos públicos estão com inscrições abertas no Brasil. Juntos, totalizam mais de 6,4 mil vagas em cargos de todos os níveis de escolaridade.
Serviço
Biblioteca Salomão Malina
Endereço: SDS, Bloco P, ED. Venâncio III, Conic, loja 52, Brasília (DF). CEP: 70393-902
Funcionamento de Segunda à Sexta das 9h às 18h.
WhatsApp: (61) 98401-5561. (Clique no número para abrir o WhatsApp Web)
*Integrante do programa de estágio da FAP, sob supervisão da Coordenação de Publicações da FAP
*Título editado
Nas entrelinhas: Dobradinha de mulheres na terceira via
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
A chapa Simone Tebet, candidata do MDB à Presidência da República, com Mara Gabrilli (PSDB-SP) como sua vice, é alvissareira. Abre espaço para mais mulheres na política, agora com possibilidades financeiras, porque 30% do fundo eleitoral serão destinados a candidaturas de mulheres pelos partidos, que podem ser punidos se não o fizerem. Entretanto, Simone nem de longe tem as mesmas condições oferecidas à ex-presidente Dilma Rousseff, que se elegeu com apoio do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2010, no auge de sua popularidade, e se reelegeu em 2014, embora com dificuldades e uma oposição que viria apeá-la do poder, com o impeachment.
Mesmo assim, a sobrevivência da candidatura de Simone Tebet no MDB, um partido dominado por velhos caciques políticos regionais, e a indicação de Gabrilli para vice, pelo PSDB, uma senadora de grande prestígio em São Paulo, são obras de grande engenharia política. Nessa construção, destacaram-se a própria candidata, que não esmoreceu diante dos desafios; o presidente do MDB, deputado Baleia Rossi, que bancou sua candidatura até o fim; o presidente do PSDB, Bruno Araújo, que retirou do caminho o ex-governador de São Paulo João Doria, abdicando da candidatura própria; e o presidente do Cidadania, o veterano Roberto Freire, que apostou na aliança MDB-PSDB-Cidadania, inclusive removendo a candidatura própria do senador Alessandro Vieira (SE), então no Cidadania, quando a aliança com o MDB parecia impensável.
A escolha do nome de Mara Gabrilli para vice foi uma decisão estratégica. O PSDB de São Paulo não estava nem aí para Simone Tebet, mais empenhado na reeleição do governador Rodrigo Garcia, que enfrenta dois adversários poderosos: o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT) e o ex-ministro de Infraestrutura Tarcísio de Freitas (Republicanos). A decisão foi tomada na cúpula da aliança, num encontro das duas senadoras com Baleia, Araújo e Freire. Segundo Tebet, a conversa entre as duas colegas de Senado foi decisiva:
“Eu tinha dúvida, Mara, se uma chapa 100% feminina seria aceita. Que bom que as [pesquisas] qualitativas mostraram que homens e mulheres estão prontos para votar nessa chapa. E quando fiz o convite para você, esperando que você fosse dizer ‘vou pensar um pouquinho, eu tenho algumas limitações’, Mara disse, na sua generosidade, ‘Simone, que honra. Como vai ser bom falar para o Brasil da nossa causa e da nossa luta'”, relata Tebet.
São Paulo
Psicóloga e publicitária de formação, Mara Gabrilli é tetraplégica. Como mulher, é um exemplo de superação, com atuação política muito focada na inclusão social, em especial dos deficientes físicos. Destacou-se muito como parlamentar combativa e competente, inicialmente na Câmara, onde enfrentou adversários poderosos, como o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (MDB-RJ), cuja saída do comando da Casa defendeu em plenário.
A escolha de Gabrilli agrega força à candidatura de Simone Tebet em São Paulo, o maior colégio eleitoral do Brasil, o que dificulta a sua cristianização pelo PSDB paulista e pelo prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB). Gabrilli já foi testada em disputa majoritária, em 2018, nadando contra a maré. O governador Rodrigo Garcia, do PSDB, e o prefeito da capital eram vices. A consolidação da candidatura de Simone, porém, enfrenta o desafio de uma eleição muito polarizada, na qual a narrativa do “voto útil” ganha muita força. O fato novo da escolha é a possibilidade de a chapa sair do ponto de inércia em que se encontra nas pesquisas e ganhar mais fôlego com apoio entre as mulheres e no eleitorado paulista. A conferir.
Casa de louças
Em ofício classificado como “urgentíssimo”, o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, pediu ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) acesso ao código-fonte das urnas eletrônicas até 12 de agosto, em caráter de “urgência, urgentíssima”. O ofício é mais uma forma de pressão sobre o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), passa a impressão de que a Corte nega acesso aos técnicos das Forças Armadas ao sistema de segurança das urnas eletrônicas, o que não é verdade.
O código-fonte das urnas eletrônicas está à disposição do Ministério da Defesa há um ano. Nesse período, a Controladoria Geral da União (CGU), o Ministério Público Federal (MPF), o Senado e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) já tiveram acesso ao mesmo. O PTB, de Roberto Jefferson, o está inspecionando nesta semana. Ainda neste mês está prevista a inspeção da Polícia Federal. A Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) também estão credenciadas para fazê-lo. PL e PV também.
MDB rachado e presidenciável com pouco voto: uma história recorrente
Glauco Faria*, Brasil de Fato
Caso não haja nenhuma surpresa, o MDB deve confirmar hoje a candidatura à Presidência da República da senadora do Mato Grosso do Sul Simone Tebet. Mas, de saída, a legenda já sai rachada. Líderes emedebistas de onze estados manifestaram apoio à candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e, embora o presidente nacional da sigla, Baleia Rossi, tenha declarado que a candidatura da parlamentar tem o apoio de 19 diretórios estaduais, a divisão já é evidente.
Não que isso seja novidade na história da legenda. Partido que antagonizava com a Arena no período da ditadura civil-militar, o PMDB da pós-democratização chegou a eleger todos os governadores do país, exceção ao de Sergipe, em 1986, fazendo ainda 38 dos 49 senadores e 261 dos 487 deputados federais naquele ano. Mesmo com tamanho poderio, não chegou forte e tampouco unido nas primeiras eleições presidenciais diretas após o fim do regime autoritário, em 1989.
Àquela altura, o "Senhor Diretas", presidente da Assembleia Constituinte e figura histórica da luta contra a ditadura, Ulysses Guimarães, foi o candidato de uma legenda castigada pela impopularidade do governo Sarney e pelo papel dúbio que exercia frente à opinião pública. No ano da eleição, a sigla havia se retirado do governo, mas mantinha alguns ministérios e cargos importantes.
E se Ulysses seria o nome certo da legenda em uma eventual eleição direta em 1985, a história foi bem diferente em 1989. Em 29 de abril daquele ano, o PMDB realizou sua convenção nacional com quatro candidatos. No primeiro turno da escolha, Ulysses Guimarães foi o mais votado com 302 votos, seguido pelo então governador da Bahia Waldyr Pires, com 272, vindo em seguida Iris Rezende (251) e Álvaro Dias (72). Para evitar um segundo turno, Ulysses e Waldir formaram uma chapa única, que na prática não representou a unidade esperada, ainda mais por conta de uma parte significativa da sigla sonhar com a candidatura do governador paulista Orestes Quércia.
O presidenciável peemedebista foi "cristianizado" e viu muitos daqueles que deveriam ser seus correligionários aderirem a outras candidaturas, em especial a de Fernando Collor (PRN). Ao fim, terminou a eleição com parcos 4,6%, ficando em sétimo lugar. Ao menos o jingle de sua campanha, "Bote fé no velhinho", entrou para a história como um dos mais bem marcantes das campanhas eleitorais.
Em 1994, um novo revés do PMDB
Se Ulysses seria um nome natural para uma eleição direta que não aconteceu em 1985, a candidatura mais forte da legenda em 1989 talvez fosse a de Orestes Quércia. Mas quando ele se tornou de fato presidenciável em 1994, seu tempo tinha passado. Àquela altura já havia sofrido com inúmeras denúncias de irregularidades que abalaram sua popularidade, tendo ainda problemas internos em São Paulo e desavenças com seu ex-afilhado político, o então governador Luiz Antônio Fleury.
Disputou a prévia com o ex-governador do Paraná Roberto Requião e saiu vitorioso. A declaração de seu rival após o resultado já dava o tom que iria imperar nas hostes da sigla dali em diante. "Com Quércia concorrendo à Presidência, o PMDB mostra sua face horrível e corrupta", disse Requião.
O CPDOC da Fundação Getulio Vargas relembra a divisão naquele momento, apontando o alto índice de abstenção daquela prévia, sobretudo no Rio Grande do Sul, foco da dissidência comandada por Antônio Brito e Pedro Simon, e no Maranhão, reduto do ex-presidente José Sarney. "O senador José Fogaça, dissidente da bancada gaúcha, lamentou que o ex-presidente do PMDB não tivesse compreendido, antes da convenção, o 'desajuste' provocado por sua candidatura e afirmou que Quércia era 'sinônimo de inadequação ao pensamento político do partido, uma dificuldade de contexto'."
Seu último comício, na Praça da Sé, em São Paulo, marcou o fim de uma campanha melancólica em 30 de setembro. Na ocasião, atacou o candidato tucano Fernando Henrique Cardoso afirmando que "o PSDB é um partido fraco, sem tradição, sem estrutura. Com Fernando Henrique, quem vai comandar? O governo vai ser como um monstro, com várias cabeças e vários braços". E não poupou seu colega de legenda José Sarney, que apoiava FHC, chamando-o de "canalha".
Quércia terminou a eleição com 4,38%, atrás de Enéas Carneiro, do Prona. Talvez um dos fatos mais lembrados daquela disputa presidencial tenha sido seu embate com o jornalista Rui Xavier no programa Roda Viva, da TV Cultura, com um desfile de xingamentos, ofensas e ameaças nada usual na grade televisiva.
Sem candidatos do PMDB
A candidatura presidencial de Quércia foi a última do PMDB durante um bom período. Em 1998, a base da legenda aliada a FHC conseguiu barrar a candidatura própria na convenção realizada em março daquele ano. O placar de 389 contrários com 303 a favor já deixava à vista o diagnóstico recorrente de desunião. "Houve uma descortesia. Humilharam o Itamar Franco. Vai ser difícil reconstruir a unidade do partido", disse o senador Ronaldo Cunha Lima, defensor da candidatura própria, em referência ao ex-presidente que acabou candidato vitorioso ao governo de Minas Gerais. O partido não fechou apoio formal à reeleição do tucano, mas a maioria seguiu esse caminho.
Já em 2002, com a implosão da aliança dentre o então PFL, hoje DEM, e o PSDB, os peemedebistas indicaram a deputada federal capixaba Rita Camata como vice na chapa de José Serra. Mais uma vez a tese da candidatura própria foi vencida, assim como a pretensão renovada de Itamar Franco de ser o candidato peemedebista. Em 2002, nova derrota para os defensores de um presidenciável da sigla: a disputa teve a ala governista (agora pró-Lula) com 351 votos contra 303, mas não houve a formalização da aliança.
Em 2010, a vitória dos governistas foi expressiva, com 560 dos 660 votos apurados na convenção nacional optando pela coalizão com o PT e a indicação de Michel Temer para vice de Dilma Rousseff. O ex-governador do Paraná, Roberto Requião, e Antônio Pedreira, do PMDB do Distrito Federal, que buscavam a vaga para disputar a Presidência, conseguiram 95 e 4 votos, respectivamente. Em junho de 2014 a manutenção da aliança foi aprovada com 69,7% dos votos dos convencionais. Ali, Temer fez um discurso profético por vias tortas ao seus correligionários pedindo unidade (que efetivamente não ocorreu).
"Uma maior presença do PMDB na área social, assim como teve no passado. São ações relativas à saúde, à educação, à integração nacional, entre outras”, prometeu o vice.
A falta de um projeto nacional
"O atual MDB já há algumas eleições tem mostrado que não tem um projeto nacional. Ou ele embarca numa candidatura a vice ou em uma candidatura como a do Henrique Meirelles que não chegava a ser sequer uma aventura, com números insignificantes para um partido que ainda tem uma bancada de senadores e deputados federais expressiva", explica a cientista política e professora da PUC-SP Rosemary Segurado, em entrevista ao Jornal Brasil Atual. "Fica sempre numa negociação ou de uma candidatura à vice-presidência ou numa composição governamental em que possa ter alguns ministérios. Parece que isso lhe é suficiente. Um partido que tem uma história importante, desde antes da democratização."
Rosemary faz referência à candidatura do ex-ministro do impopular governo Temer às eleições de 2018, que cumpriu o rito de candidatos pouco expressivos ao Planalto por parte da sigla, marcando então o pior desempenho de um presidenciável do partido. Henrique Meirelles, mesmo tendo investido R$ 54 milhões em sua própria campanha, teve somente 1,2% dos votos válidos, finalizando sua participação atrás do Cabo Daciolo (Patriotas).
Henrique Meirelles investiu pesado, mas ganhou poucos votos em 2018 / Antonio Cruz/Agência Brasil
Com a candidatura de Simone Tebet, o desempenho deve ser pouco melhor que o da última eleição, mas nada que inspire possibilidade de vitória. "Uma das perguntas é como o MDB vai fazer para manter essa candidatura, até porque tem questões relacionadas ao recebimento do fundo eleitoral, que são importantes para o partido, mas certamente esse desembarque da candidatura da Simone Tebet é anterior ao embarque porque parte expressiva do MDB atual não vê essa candidatura com nenhuma possibilidade de representar o partido nacionalmente", aponta Segurado, destacando que a política local também se torna determinante para o apoio ou não a um presidenciável.
"O que um candidato do MDB em determinado estado olha: quem vai alavancar minha candidatura? É Simone Tebet ou o ex-presidente Lula? E as pesquisas estão mostrando que a influência de Lula em algumas regiões pode ser decisiva para os candidatos a governador. Obviamente aquele candidato do MDB e aqueles acordos locais estão olhando para sua própria sobrevivência", pontua.
A questão local é vital para a sobrevivência não apenas de políticos em determinadas regiões, mas do próprio poderio da legenda. O partido continua sendo o líder no ranking de prefeituras comandadas no Brasil, mas viveu um recuo expressivo em 2020, passando de 1044 em 2016 para 784. Isso pode ser um indicativo de redução de bancadas, com a perda de espaço para outras agremiações, em especial do chamado Centrão. No Senado, os emedebistas ainda são a maior sigla com 12 parlamentares, mas na Câmara ocupam um hoje modesto sétimo lugar, com 37 deputados.
O que pode ser dado como certo, independentemente dos resultados de 2022, é que parte do MDB deve buscar compor com um novo governo. Como lembra o professor de História do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa) Cássio Augusto Guilherme, sem contar a gestão de Fernando Collor e o período inicial do primeiro governo Lula, até 2017 o PMDB permaneceu por 28 anos em coalizões governistas. Nisso, a história também pode se repetir.
*Texto publicado originalmente no Brasil de Fato. Título editado
Revista online | Simone Tebet: “Precisamos pacificar o Brasil”
Por Caetano Araújo, Arlindo Fernandes, Eumano Silva, Luiz Sérgio Henriques e João Rodrigues, especial para a revista Política Democrática online (45ª edição: julho/2022)
A senadora Simone Tebet (MDB-MS), pré-candidata à presidência da República pelo MDB, PSDB e Cidadania, criticou o orçamento secreto e classificou as emendas de relator-geral do Orçamento (RP-9) como “o maior escândalo de corrupção da história da República”, cobrando investigação intensa dos órgãos de controle sobre esse esquema bilionário que garante apoio ao governo federal no Congresso Nacional. Professora, escritora e advogada, Simone Tebet é a entrevistada especial da 45ª edição da revista Política Democrática online (julho/2022).
Os principais pontos de seu programa de governo, baseado no combate à pobreza e na economia verde, estão entre os temas da entrevista. O fim da reeleição, os riscos de um golpe de Estado em meio à tensão eleitoral e a importância do investimento em educação pela União são outros assuntos abordados pela entrevistada.
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A necessidade de pacificação do país é mais um tema tratado com profundidade por Simone Tebet. “Se quisermos falar em pacificar o Brasil, temos que apostar nessa candidatura de centro. Não há outra forma”, analisa a senadora. “Chega de ameaça à democracia brasileira, às instituições democráticas. É necessário focar na erradicação da miséria. Fazer o Brasil voltar a crescer”, complementa.
Antes de ser eleita senadora pelo Mato Grosso do Sul, em 2014, Tebet foi deputada estadual, duas vezes prefeita de Três Lagoas (MS), sua cidade natal, e vice-governadora do estado. Confira, a seguir, os principais trechos da conversa com a senadora Simone Tebet.
Revista Política Democrática Online (RPD): Temos vivido momentos de tensão, com uma escalada da intolerância e da violência política. As instituições democráticas estão em risco pelas palavras e pelos atos do presidente Jair Bolsonaro (PL), candidato à reeleição. O que as forças democráticas devem fazer para combater essa situação e prevenir essas ameaças?
Simone Tebet (ST): Nunca vi uma escalada tão rápida e tão profunda contra o Estado Democrático de Direito. O presidente da República tem um viés autoritário e autocrata, mas, em função da sua própria incompetência, acaba ficando isolado. A democracia persistirá porque as instituições são fortes. Estamos diante de uma situação de desarmonia entre os poderes. Mas de alguma forma eles resistem, no que se refere à defesa das instituições, dos valores democráticos. Diferentemente do passado, não temos nenhum sinal de possibilidade de ruptura, pelo menos na direção do que chamamos de ditadura nos moldes clássicos. O presidente da República não tem apoio popular, não tem apoio internacional, não tem apoio de 99% dos órgãos da imprensa. Entretanto, essa questão nos preocupa muito. Afinal, as instituições de alguma forma estão abaladas. O presidente teve a capacidade de mudar parte da mentalidade de um segmento da população brasileira especialmente devido às fake news disseminadas por sua equipe de redes sociais. Contudo, esse discurso de nós contra eles não começou de agora. Sabemos que vem do passado, juntamente com esse processo de polarização que só atinge e beneficia os dois lados da oposição. Nesse processo, criam-se inimigos e não adversários políticos. A criação de crises artificiais, as tentativas de deturpar a realidade e o enfraquecimento da imprensa livre são nocivos para a democracia. Isso faz com que todos nós, democratas e partidos democratas, estejamos imbuídos do propósito maior de romper essa polarização. Com isso, vamos garantir ao país, a partir do ano que vem, acima de tudo, um governo democrático. Um governo que honre o Estado Democrático de Direito, capaz de enfrentar os reais problemas do Brasil, que são a desigualdade social, a erradicação da miséria, a diminuição da pobreza. Precisamos fazer o Brasil voltar a crescer, gerar empregos e renda para a população. Nossa força está na nossa união; com ela estamos prontos para resistir e persistir. Nesse movimento se encontram os verdadeiros democratas que estão presentes no PSDB, no Cidadania e no MDB. No entanto, como diz um provérbio popular, “não podemos dormir de touca”. Mas não vejo risco de uma ruptura, embora não seja possível desconsiderar a necessidade de reconstruir o Brasil. As instituições democráticas estão enfraquecidas perante a opinião pública e nós teremos que reconstruir o Brasil. Reerguer os pilares dos valores democráticos que foram enfraquecidos por essa fábrica de fake news em operação e pela ação de um governo que, por meio do incentivo à polarização e da criação de crises artificiais, sempre investe contra a democracia.
Veja, a seguir, galeria de fotos da entrevistada:
RPD: O Brasil vive desde 1988 sua mais importante experiência democrática. Experiências anteriores, como de 1946 a 1964, foram mais breves e aparentemente menos profundas. Entretanto, nós cometemos falhas e terminamos por aceitar distorções desse importante ambiente democrático. Quais teriam sido os erros que permitiram que ascendesse ao poder o projeto político autoritário que temos hoje no governo?
ST: Nós nos assemelhamos ao que aconteceu no mundo na segunda metade do século passado. O liberalismo econômico operou com eficácia depois da segunda guerra mundial até os anos 1990 promovendo o crescimento da economia. Tivemos aumento continuado da qualidade de vida, mas de repente veio a crise. Houve queda desse dinamismo econômico, perda de investimentos na área social, além de diminuição dos gastos públicos naqueles pontos capazes de resolver efetivamente os problemas que afligem a população brasileira. Há culpa, sim, da política tradicional. Trouxeram para nós uma crise sem precedentes, acima, talvez, do observado na média de muitos países considerados democráticos. O Brasil teve queda de investimentos na área social, ampliação do gasto público, e um aumento também daquela sensação, nos meios populares, de “a minha vida não melhora”, e “por que tantos privilégios?". Esquemas de corrupção foram desvendados. O mensalão, algo na ordem de R$ 160 milhões, que acabou ficando pequeno em termos percentuais perto da crescente corrupção, aparente nos escândalos posteriores. Afinal, o petrolão atingiu a ordem de R$ 2 bilhões, considerando apenas o que foi investigado de repasse das empreiteiras para os partidos políticos. E agora chegamos a um orçamento secreto por meio do qual foram pagos R$ 28 bilhões em emendas nos últimos três anos. Paralelo a isso, a sensação de uma população mais envelhecida e empobrecida, o aumento da desigualdade social, além de uma série de outros fatores, como a criminalização da política. Temos que reconhecer: a corrupção tornou-se sistêmica no Brasil, mas houve também, simultaneamente, a criminalização exacerbada da política. Com isso, proliferaram esses partidos populistas, e dentro deles surgiram candidatos outsiders. A política tradicional não percebeu isso, pois uma parte dela estava mancomunada com esse sistema de corrupção. Então, não interessava perceber. Tivemos uma fatalidade no Brasil: elegemos um presidente da República que não participou de debates. A população sequer o conhecia; votou no escuro, muito em função lamentavelmente do atentado que sofreu. O conjunto desses fatores, promoveu, infelizmente, uma tempestade perfeita. O bolsonarismo vai permanecer, independentemente de o presidente sair vitorioso ou derrotado do pleito de outubro. Temos que enfrentar essa situação reconsiderando a questão do fim da reeleição e o retorno à situação anterior. Eu que já fui favorável à reeleição no passado, hoje a questiono. Entra governo, sai governo – e isso vale para os governos de todos os matizes ideológicos –, no último ano do seu mandato o Chefe do Poder Executivo faz graça com o dinheiro público, violando os limites da Lei de Responsabilidade Fiscal, criando situações que levam a privilégios e corrupção. Tudo isso pensando apenas em reeleição. Vamos ter que enfrentar essa questão. A democracia brasileira e a classe política não convivem bem com a reeleição.
RPD: Quais ideias novas e papel positivo a sua candidatura pode representar nesse conturbado momento político do país?
ST: Precisamos trazer de volta para o Brasil o centro democrático. As democracias mais maduras do mundo, especialmente as europeias, mostram que quando o grande partido de centro sai de cena você dá sorte para esse tipo de situação que vemos hoje no Brasil. No Congresso Nacional, por exemplo, um Centrão, composto por parlamentares de diversos partidos, fisiológicos, pensando apenas em si mesmo, nos seus próprios interesses. Desculpem fazer uma deferência ao meu partido, mas o MDB sempre foi o maior partido do Brasil, o mais expressivo partido do centro político. Foi muito criticado porque integrava todos os governos. Da minha parte, sempre fiz essa crítica à parte fisiológica do partido, a parte do toma-lá-dá-cá. Mas não fiz essa crítica na figura essencial do maior partido do parlamento, peça necessária na base de sustentação ao governo, em projetos que são essenciais para a população. Quando o MDB se tornou um partido mediano no Congresso Nacional, balzaquiano, de 30 e poucos parlamentares, surgiu um modo ainda mais nefasto de apoio parlamentar. Trata-se desse escândalo do orçamento secreto. Então, a nossa pré-candidatura, o retorno do centro democrático, é um verdadeiro impacto a favor do Brasil, de convergência, união, diálogo. Nosso objetivo é a defesa dos valores democráticos. Precisamos defender a democracia no Brasil.
São tantos os retrocessos promovidos por esse governo autoritário que nós estamos articulando uma frente democrática entre MDB, Cidadania, PMDB e outros partidos que ainda virão, para garantir a democracia por meio de um grande pacto a favor do Brasil, pela defesa dos valores democráticos. Por outro lado, a nossa pré-candidatura garante ao Brasil o verdadeiro combate ao discurso de nós contra eles, ao radicalismo intolerante. A nossa pré-candidatura tem condições de pacificar o Brasil, em termos de pacificação política, pacificação social, equilíbrio entre os poderes, estabilidade, segurança, institucional e política. Garantir essa paz por que a população tanto clama. Sem pacificação não vai haver crescimento e o Brasil precisa voltar a crescer para gerar emprego e renda, erradicar a miséria, diminuir a pobreza. Sem pacificação não haverá confiança entre os cidadãos, tampouco em relação ao futuro do país. Esse é o verdadeiro foco. Nosso objetivo principal é erradicar a miséria e diminuir a pobreza e vamos conseguir isso por meio da geração de emprego. Eu tenho conversado com setores produtivos do agronegócio, da agroindústria, do setor de bens e serviços e da indústria brasileira. Todos reclamam um primeiro ponto: a garantia da segurança jurídica. Querem saber se os contratos vão ser honrados, se não vai haver mudança da legislação a cada ano, a cada seis meses. Para tudo isso, temos que voltar naquilo que jamais imaginaríamos ter que estar defendendo novamente, uma frente democrática pela democracia, capaz de garantir essa pacificação política. Mas o objetivo principal da nossa pré-candidatura é, sem dúvida nenhuma, o combate à miséria, à fome, de modo a gerar emprego e renda para a população brasileira.
Fomos muito criticados inclusive porque votamos favoravelmente à PEC Kamikaze. Não era uma escolha de Sofia, quando tantas Sofias estão dormindo hoje com fome. Fomos apanhados em uma armadilha e não havia saída. Tanto que a aprovação foi praticamente por unanimidade no Senado. É importante que essa transferência de renda seja em caráter permanente, não como política de governo, mas como política de Estado. Esse Auxílio Brasil, que eu voltaria a chamar de Bolsa Família ampliado e melhorado, com regras muito claras, precisa ter, sim, um valor diferenciado a partir da escala de pobreza e de miséria de cada um, da quantidade de filhos, do perfil socioeconômico. Mas sempre com uma porta de saída, apesar de não gostar de usar esse termo. Eu modificaria a política, com novos condicionantes para essas famílias, não só a carteira de vacinação, e permitindo inclusive ter uma visão do quadro familiar, como, por exemplo, se há ou não indício de violência contra a mulher. É preciso também garantir junto à iniciativa privada cursos profissionalizantes para a mãe, para o jovem, para o trabalhador. Com isso, em médio prazo, os beneficiários poderão deixar o programa com dignidade.
Paralelo a isso, como professora que sou, digo sempre que precisamos falar de educação. Infelizmente, a gente está falando tanto em defesa da democracia que deixamos de falar daquilo que realmente vai resolver o problema do Brasil, para que daqui a 20 anos não estejamos discutindo ainda políticas de transferência de renda. A União precisa encampar e trazer para si a responsabilidade pela educação no Brasil. O governo federal tem que parar com esse empurra-empurra, dizer que a responsabilidade pelo ensino fundamental, ensino infantil é do município e pelo ensino médio é do governo estadual. Foi isso que o próprio governo do PT fez, foi seu maior equívoco, ficou 15 anos, 16 anos e não cuidou verdadeiramente da educação no Brasil. Cuidou de forma equivocada do ensino fundamental sem rever o sistema pedagógico, verificar como os nossos professores estão sendo formados. A União vai ter que ser a grande propulsora desse pacto também pela educação, coordenando um trabalho com os municípios na educação infantil e com os estados no ensino médio. No ensino fundamental, graças ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), acho que os municípios estão conseguindo aumentar seus índices de desempenho. Porém, no ensino infantil todas as crianças precisam estar na creche, bem alimentadas e bem assistidas. É lá onde se forma o intelecto. Todos os jovens têm que ter um atrativo para ingressar e permanecer no ensino médio. Temos que colocar de forma efetiva para valer, regulamentando, colocando para funcionar a nova reforma do ensino médio que garante que a União passe R$ 2 mil por aluno para as escolas que consigam garantir carga integral para os nossos jovens. Garantir sempre conectividade, boa internet, para que eles possam ter duas portas de saídas: ensino técnico ou o banco da universidade. A União precisa assumir mais responsabilidade com a educação brasileira.
RPD: Na hipótese da sua eleição para a Presidência da República, como a senhora pretende lidar com o orçamento secreto?
ST: Com uma canetada. A primeira coisa é a transparência absoluta em relação a esse orçamento secreto. Precisamos mostrar para a maioria do Congresso Nacional que eles também não estão sendo tratados de forma igual. Eu conheço esse modus operandi. Não é de agora. Como você cala a oposição? Você traz para o seu lado. Então você faz com que ela fique também contaminada, oferecendo as mesmas benesses. É um cala-boca dentro do Congresso Nacional. Desde 2019 eu acompanho essa questão do orçamento secreto. Foi oferecido para todo mundo, foi oferecido para comprar a eleição das Mesas da Câmara e do Senado. Eu era candidata e comecei com 30 e poucos votos na minha cadernetinha e fui perdendo ao longo do tempo. Não convém aqui mencionar e nem me delongar em relação a esse assunto, mas é mais do que isso. Mesmo para aqueles 21 que votaram em mim, depois foi oferecido esse orçamento secreto no final do ano. Eles verificavam principalmente a situação na área da saúde, que os municípios de determinado Estado do senador tinham teto para receber dinheiro do Sistema Único de Saúde (SUS), do Fundo Nacional de Saúde. Então, ofereciam. Foi assim também com o tratoraço, entre outros escândalos. Alguns podem ter caído de gaiato nessa história, mas muitos ficaram com a digital nesse processo. Ou seja: foi uma mordaça. No fundo é isso. Colocaram um esparadrapo na boca de cada um. Muitos senadores não caíram. Mas poucos conseguem denunciar.
Mas precisamos dar total transparência a esse tema. Mostrar que dos R$ 16 bilhões anuais apenas cerca de R$ 2 bilhões são distribuídos para a maioria. O restante fica com meia dúzia. Nós estamos diante do maior escândalo de corrupção da história da República. Não é só da redemocratização. É o maior escândalo de corrupção em mais de cem anos de República. Nem o mensalão, o petrolão ou qualquer outro escândalo é maior que o orçamento secreto em termos de volume de recursos. Precisamos dar transparência a isso. Colocar a Controladoria Geral da União (CGU) à disposição, o Ministério Público e outros órgãos de fiscalização. Eu não sou contra as emendas parlamentares. Porém, é necessário agir de forma transparente. Falamos em qualitativo e em números percentuais, mas vamos falar do modus operandi que também é importante. O mensalão era para comprar votos. O petrolão era para comprar no combo partidos, que direcionavam a votação. Também era uma forma dos próprios partidos terem caixa para eleger seus parlamentares. Agora é mais do que isso. O orçamento secreto é um tipo de corrupção que contamina toda a cadeia. Inclusive os prefeitos. Não é só para todos se reelegeram. É para haver um enriquecimento pessoal ilícito mesmo. Da minha parte, darei transparência absoluta, com a ajuda dos órgãos de fiscalização e controle. É a única forma de rever ou cancelar esse orçamento secreto.
RPD: Um tema bastante específico do Brasil e pouco comentado nessa eleição é o desmonte do Estado. Em especial de algumas agências que têm atribuições específicas, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) e a Fundação Nacional do Índio (Funai). De que maneira a senhora analisa esse assunto e como faria para reconstruir essas agências?
ST: Eu fui a relatora do novo marco das agências reguladoras. A gente procurou dar autonomia, tirar um pouco a interferência política de dentro dessas agências. Elas precisam ter o mínimo de independência administrativa e de gestão. As agências reguladoras de um modo geral têm que ser fortalecidas. A partir do momento em que deixamos de ter um Estado máximo para ter um Estado necessário é preciso dispor de agências que tenham independência para verificar nas duas pontas. Não só a iniciativa privada, mas também os serviços públicos. Nosso programa de governo, que tem sido elaborado com a participação do Cidadania e do PSDB, tem um tripé muito claro: social, economia verde e governo parceiro de todos, inclusive da iniciativa privada. Um dos ministérios mais importantes do próximo governo será o das Relações Exteriores. Precisamos esclarecer para o mundo que nós não somos esse pária internacional que as políticas vigentes apontam, que não pensamos como pensa o atual presidente. Que nossa economia é verde. Para isso, temos que fortalecer os órgãos de fiscalização e controle. O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), a Funai, e todos os órgãos que protegem a questão ambiental serão importantíssimos para isso. Vamos mostrar que há uma diferença entre a Amazônia e o setor produtivo fora da Amazônia. Existem, sim, grileiros, mineradores ilegais, invasores de área pública. São bandidos, não fazem parte do agronegócio brasileiro. Vamos proteger a Amazônia. A meta deve ser desmatamento ilegal zero. Nenhuma árvore pode ser derrubada sem licenciamento, sem estar dentro dos rigores da lei. As portas do mercado asiático e do mercado europeu já estão sendo fechadas para nós, com exceção de algumas de nossas commodities. Esse governo teve a capacidade de desmontar os órgãos de fiscalização e controle de uma maneira jamais vista no Brasil. Os nossos povos originários estão sendo dizimados. Muitas vezes entram nessas aldeias oferecendo produtos com base no escambo para poder extrair toda a riqueza. A economia verde e o combate ao desmatamento ilegal são agendas prioritárias para nossa candidatura.
RPD: Senadora, o anticomunismo é um dos temas mais explorados pelo atual presidente para manter sua base fiel de seguidores. Inclusive, este ano o Partido Comunista Brasileiro, que teve entre os seus fundadores Astrojildo Pereira, completa 100 anos. Qual a sua opinião sobre a exploração do anticomunismo pelo presidente Bolsonaro?
ST: Ele se alimenta desse discurso de polarização. Cria crises artificiais e inimigos imaginários. Eu sempre defendo que o Estado não deve ser mínimo, nem máximo: deve ser um Estado necessário, com uma responsabilidade social com o Brasil. O presidente da República se alimenta desse discurso de ódio. Precisa criar inimigos imaginários para criar um clima de nós contra eles. Ele quer se perpetuar no poder. Por isso, vende a sua própria pauta armamentista, que não é a boa do povo brasileiro. Nosso povo é pacífico. Não é a pauta da mulher brasileira, que repudia veementemente essa política armamentista. A bancada feminina é brilhante dentro do Congresso Nacional. Aliás, fomos nós que combatemos e conseguimos derrotar o presidente Bolsonaro nessa pauta de armar a população brasileira ainda de forma mais ampla. Mas estamos diante de um cenário nebuloso. A primeira pergunta que vocês me fizeram foi em relação a um perigo de golpe. Nós não temos essa preocupação, mas temos a preocupação de que um lobo solitário possa criar algum tumulto no período eleitoral. Isso pode fazer com que o presidente – que alimentou todo esse discurso anticomunista, de inimigos da nação e tudo o mais – baixe uma GLO (Garantia da Lei e da Ordem) e tente colocar as Forças Armadas nas ruas. Isso é o modus operandi dele. Nós repudiamos tudo isso, uma vez que nossa luta é no sentido oposto. Essa é uma das razões de contarmos com uma frente democrática com uma candidatura própria, com equilíbrio, moderação e diálogo. Não se pode negar o fato de que quando ele, presidente, estimula essa posição, vem a reação do outro lado. Não estamos colocando os dois polos no mesmo prato. Estamos falando de um candidato, apenas um, que não é democrata. Os outros são, temos que reconhecer esse fato. Mas que a polarização alimenta essa crise sem precedentes no Brasil, eu não tenho dúvida.
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RPD: O MDB hoje é um partido fragmentado. Diversas diretórios regionais já declararam voto no Lula no primeiro turno. Como a senhora encara o papel do PT em um contexto de frente democrática?
ST: Se quisermos falar em pacificar o Brasil, temos que apostar nessa candidatura de centro. Não há outra forma. E não sou eu que estou comparando algo que é incomparável. Só temos um lado que não é democrático, ponto. Não é uma questão de escolha de Sofia. Isso para mim está muito claro. O problema é que a volta do PT hoje não garante a pacificação do Brasil. Precisamos virar essa página de discussão. Chega de ameaça à democracia brasileira, às instituições democráticas. É necessário focar na erradicação da miséria. Fazer o Brasil voltar a crescer. Mas entendo também que um governo que ficou por quatro mandatos no poder e não garantiu a autonomia e cidadania para o povo brasileiro, tendo inclusive denúncias gravíssimas de esquemas de corrupção, não merece voltar ao poder. A volta do PT levará a continuidade da disputa política acirrada, do discurso de ódio, da polarização, do apelo irresponsável às armas. Isso não convém ao Brasil. É este o pensamento que a maior parte do MDB entende. A princípio, sete estados brasileiros estariam com o presidente Lula já no primeiro turno. Não vamos esquecer que na verdade se trata de lideranças que nunca deixaram de estar com ele. Lideranças, inclusive, que eu particularmente sempre combati. As pessoas sempre fazem essa pergunta: "por que você nasceu no MDB e continua no partido tendo o MDB feito parte desse esquema de corrupção como, por exemplo, o petrolão?". Primeiro, porque a história do MDB não é essa. Nós temos que combater aqueles que destroem a história do partido. A mesma coisa da política. Perguntam: “o que você faz dentro da política se ela é tão suja?”. Não é a política que é suja. Vamos parar de criminalizar a política. São alguns políticos que mancham a história da política brasileira. Eu pertenço ao MDB de Ulysses Guimarães, de Tancredo Neves, de Mário Covas, do meu pai (Ramez Tebet). Daqueles que lutaram pela redemocratização, que não abrem mão das liberdades públicas, da defesa dos direitos das minorias, do fortalecimento do Estado. Daqueles que não se utilizam do dinheiro público. No Ceará, o ex-presidente do Congresso Nacional Eunício Oliveira sempre foi aliado do ex-presidente Lula. Da mesma forma em Alagoas o senador Renan Calheiros. Hoje, se deixássemos o partido solto, 70% do MDB lamentavelmente estariam mais propensos a apoiar Bolsonaro. Isso é o que mostra o mapa partidário do MDB. Atualmente, o partido é muito mais presente no Sul e Sudeste. Consequentemente, são estados muito mais propensos a estar com Bolsonaro do que com Lula. Essa é uma das razões porque o presidente Baleia Rossi e nós estamos nessa luta. E devo dizer que estou extremamente otimista. Tenho andado e visto que aproximadamente um terço da população brasileira está cansada dessa polarização, quer olhar para a frente, quer um porto seguro e políticas públicas efetivas para melhorar a sua vida. A população brasileira está cansada. Hoje as pesquisas mostram que a mulher é quem mais rejeita Bolsonaro. E, em menor parte, também o Lula. A mulher brasileira quer uma alternativa de poder que seja essa da moderação, do diálogo, do equilíbrio. Que faça os governantes voltarem os olhos para resolver o problema do desenvolvimento sustentável do Brasil.
RPD: Senadora, qual mensagem a senhora deixaria para as pessoas que ainda acreditam em um futuro melhor para o Brasil?
ST: Minha mensagem final é de otimismo. É um prazer estar com uma missão tão importante nessa frente democrática. É muito bom apresentar uma proposta para o futuro do Brasil. E isso passa indubitavelmente por proteger as pessoas mais carentes, que mais precisam dos serviços públicos, sobretudo, nesse momento de fome e miséria. Precisamos garantir políticas públicas eficientes. Não só de saúde e de segurança, mas especialmente por meio da universalização de uma educação de qualidade. Com isso, conseguiremos um futuro digno para todos. Encerro, com uma homenagem ao Cidadania, citando uma das falas mais brilhantes de Ulysses Guimarães. “Só é cidadão quem come, só é cidadão quem mora, só é cidadão quem sabe o ABC, quem ganha salário digno, quem tem lazer aos finais de semana.” É em nome dessa cidadania que nós do MDB, do PSDB e do Cidadania nos somamos. A nossa obrigação é servir as pessoas. Garantir dignidade, felicidade, educação de qualidade, saúde, segurança pública, lazer, salário digno. Em resumo, cidadania.
Sobre a entrevistada
*Simone Tebet é advogada, professora, escritora e política brasileira, filiada ao Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Atualmente, ocupa o cargo de senadora da República pelo estado de Mato Grosso do Sul e é pré-candidata à Presidência da República.
** O artigo foi produzido para publicação na revista Política Democrática online de maio de 2022 (45ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da publicação.
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Nas entrelinhas: Centrão de olho no circuito Elizabeth Arden
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
Florence Nightingale Graham nasceu no último dia de 1881, em Woodbridge, no Canadá, sendo criada pelo pai e pelos irmãos após a morte da mãe, quando tinha 6 anos. Enfermeira de formação, começou a produzir cremes para tratamento de queimaduras e logo transformou sua cozinha num laboratório, onde passou a criar hidratantes e cremes nutritivos, em busca da pele perfeita. Mudou-se aos 30 anos para Nova York, casou-se com um químico e, em 1910, abriu sua primeira loja na Quinta Avenida. Dez anos depois, produzia uma linha de mais de 100 produtos, mudou seu nome para Elizabeth Arden, inspirada num poema de Alfred Tennyson, e se tornou a maior produtora de cosméticos do mundo.
No Rio de Janeiro, o Palácio do Itamaraty, sede do Ministério das Relações Exteriores de 1999 a 1970, graças ao Barão do Rio Branco, mais ou menos nesse período, já abrigava um corpo diplomático respeitado internacionalmente, cuja formação começou no Império e que fora educado para defender os interesses do Estado brasileiro. Após a Segunda Guerra Mundial, com a criação da Organização das Nações Unidas, as embaixadas de Nova York, Londres e Paris passaram a ser os postos diplomáticos mais cobiçados.
Nas rodas de conversa do velho Itamaraty da Rua Larga, essas embaixadas ganharam o apelido de Circuito Elizabeth Arden, porque as sacolas e embalagens dos produtos da marca famosa vinham sempre com os nomes dessas três cidades. A propósito, Florence também foi hábil diplomata, tendo recebido a Legião de Honra do Governo da França. Na Segunda Guerra Mundial, criou o batom vermelho Montezuma Red, para dar mais feminilidade aos uniformes das mulheres que haviam se incorporado às forças armadas dos Aliados.
A turma do Centrão sempre gostou de comprar produtos de grife, durante as missões parlamentares no exterior, mas agora está de olho mesmo não é nos produtos de beleza, lenços e gravatas, mas no Circuito Elizabeth Arden, que não se restringe mais às três cidades famosas. Washington, Buenos Aires, Roma, Lisboa, Berlim, Genebra, Moscou, Tóquio e Pequim, entre outras embaixadas, são os postos mais importantes para a política externa brasileira.
Nesta semana, por muito pouco, o ex-presidente do Senado Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) não aprovou uma emenda constitucional para que senadores e deputados pudessem ocupar o posto de embaixador sem ter de abrir mão do mandato. A Constituição permite que o presidente da República nomeie para o cargo de embaixador qualquer cidadão de reputação ilibada, não precisa ser um diplomata, mas impede que os políticos se licenciem do cargo para ocupar esses postos sem perder o mandato.
Alcolumbre não conseguiu seu objetivo porque houve forte reação dos senadores mais experientes da Casa e do corpo diplomático, principalmente dos embaixadores. O chanceler Carlos França, porém, reagiu de forma tímida. Depois de muita pressão, emitiu uma nota na qual o Ministério das Relações Exteriores afirma que a emenda viola cláusula pétrea da separação de Poderes e a competência privativa do presidente da República: “Todo embaixador deve obediência ao presidente da República, por intermédio de seu principal assessor de política externa, o ministro das Relações Exteriores. Há exemplos de eminentes ex-parlamentares, indicados pelo presidente e aprovados pelo Senado, que desempenharam com brilho a responsabilidade de embaixador. Nesse caso, o ex-parlamentar é servidor do Poder Executivo Federal, subordinado ao Presidente da República”.
Fronteiras
Diante das pressões, o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP-PI), operou para adiar a votação e emitiu uma nota endossando a posição do Itamaraty. A Constituição já permite que parlamentares assumam cargos de ministro de Estado ou secretários estaduais sem perder o mandato, mas chefias de uma missão diplomática somente no caso das temporárias. Alcolumbre quer ampliar a regra para que parlamentares também assumam uma embaixada de forma permanente, sem perda do mandato.
A proposta abre uma porta giratória para o entra e sai de políticos nas embaixadas, além de criar um tremendo constrangimento para os diplomatas nas sabatinas do Senado. O que está por trás dessa ideia pode ser muito tenebroso. Primeiro, atrair mais interesse dos suplentes de senadores que são financiadores de campanha. Nesse caso, as embaixadas virariam moeda de troca para acordos fisiológicos.
Segundo a consultoria do Senado, em questionamento feito pelo senador Esperidião Amin (PP-SC), que se opôs à medida, aproximadamente 200 cargos do Itamaraty no exterior estariam disponíveis para tais acordos. O Brasil não vive seu melhor momento em termos de política externa, mas o profissionalismo dos nossos diplomatas é reconhecido. Um bom exemplo é a atuação do embaixador Ronaldo Costa Filho no Conselho de Segurança da ONU, cuja presidência rotativa ocupa neste momento.
Alcolumbre tem interesses específicos nas relações diplomáticas com Venezuela, Panamá e países árabes, principalmente a Arábia Saudita. A mudança na legislação, para permitir a ocupação desses cargos diplomáticos por políticos, abre uma porteira que vai muito além do circuito Elizabeth Arden. Por exemplo, os interesses das igrejas evangélicas nos países da África; e até mesmo coisa muito pior, nos estados que fazem fronteiras com os países vizinhos.
Míriam Leitão: O irreconhecível ministro novo
Míriam Leitão / O Globo
André Mendonça estava irreconhecível na sabatina e não apenas pelo novo penteado. Escolhido por ser evangélico e tendo prometido ao presidente orar no início das sessões, defendeu, com argumento até religioso, o Estado laico. Autor de ações contra jornalistas, com base na Lei de Segurança Nacional, garantiu não ter perseguido a imprensa. Tendo chamado de “profeta” um adorador de ditaduras, fez profissão de fé na democracia, como primeira de todas as conquistas. Assim, dissimulando, apresentou-se o candidato a ministro, que, aprovado no fim do dia, ficará por 27 anos no Supremo Tribunal Federal.
Em alguns momentos preferiu uma estratégia cômoda. Sobre a liberação de armas, que tem sido uma obsessão no governo Bolsonaro, disse que pode vir a julgar o tema no Supremo, por isso não adiantaria o que pensa. Usou o mesmo truque, quando a relatora Eliziane Gama (Cidadania-MA) perguntou sobre o marco temporal. Alegou que sempre defendeu os indígenas, o que ninguém no governo Bolsonaro fez até o momento. Nem ele, nem seu sucessor. Tampouco seu antecessor Sergio Moro. O Ministério da Justiça nesta administração não fez um único gesto por demarcação de terra indígena e mantém uma Funai aparelhada com bolsonaristas, que teve, inclusive, um missionário no departamento de índios isolados.
Em abril, ao defender a abertura dos templos, o então advogado-geral da União fez uma defesa baseada no texto bíblico e usando argumentos religiosos. Disse que os fiéis estavam dispostos a morrer pela “liberdade de culto”. Não se tratava, claro, de ameaça à liberdade de culto, mas de medida protetiva da saúde coletiva. Na sustentação, tropeçou curiosamente na própria Bíblia, ao citar um versículo de Mateus. “Onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, aí estarei eu no meio deles”. Ora, isso ilumina a ideia de que não é preciso estar na Igreja, muito menos aglomerado. Bastam “dois ou três”. E a fé.
A questão religiosa se coloca não por ser ele evangélico, mas porque Bolsonaro o escolheu por essa razão e usou isso politicamente. Em agosto, o presidente, falando numa convenção da Assembleia de Deus, disse o seguinte: “Tenho conversado muito com o pastor Mendonça, porque a vida dele vai mudar. Fiz um pedido a ele, ou melhor, dei uma missão a ele. E ele se comprometeu a cumprir. Toda a primeira sessão da semana no STF ele pedirá a palavra e iniciará os trabalhos após uma oração.” Bolsonaro fala isso para manipular a fé das pessoas.
Na Comissão de Constituição e Justiça, o novo ministro negou que vá julgar conforme a sua visão religiosa. Disse que é presbiteriano, igreja que nasceu na Reforma Protestante, que tem um dos seus pilares na separação entre Estado e Igreja. O Estado laico é também um comando constitucional. Se ele agir no STF como agiu na AGU estará rasgando a Constituição.
Seu divórcio com o que defendera no passado continuou durante toda a sessão, na qual ele foi aprovado. Por pressão do senador Fabiano Contarato (Rede-ES), Mendonça voltou atrás na defesa que fizera, como AGU, de que homofobia não é crime. Contarato conseguiu que ele corrigisse até o que dissera na própria sabatina. Mendonça fizera uma falsificação histórica ao dizer que a democracia não havia custado vidas. Negou a repressão. Perguntado pelo senador capixaba, ele disse que na verdade se referia a outros momentos da História em que não houve derramamento de sangue e deu o exemplo da República e da Independência. Mendonça precisa urgentemente informar-se com os historiadores porque, pelo visto, acredita em mitos.
Ele negou que tivesse perseguido jornalistas, mas os perseguiu. Foram muitos. O grande escritor Ruy Castro é apenas um exemplo. Deu uma alegação curiosa para os seus atos. Disse que estaria prevaricando se não iniciasse processos contra os jornalistas, já que a Lei de Segurança Nacional estava em vigor tipificando o crime de ataque à honra do presidente da República, que, na opinião dele, esses jornalistas haviam cometido. Ora, outros presidentes antes dele foram criticados com a caduca LSN ainda em vigor. E não houve essa reação.
Mendonça pôde desfazer os seus feitos e desdizer os seus ditos impunemente, porque passou com facilidade pela CCJ e no fim do dia foi aprovado no plenário. Seguiu com suas contradições para suas quase três décadas de decisões supremas.
Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/miriam-leitao/post/o-irreconhecivel-ministro-novo.html
O plano B de Alcolumbre para barrar a indicação de André Mendonça ao STF
Grupo de Davi agora articula uma estratégia para esvaziar o plenário no dia da votação
Mariana Carneiro / Coluna Malu Gaspar / O Globo
Davi Alcolumbre teve que ceder à pressão e marcar para a próxima semana a sabatina de André Mendonça para a vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal, mas seu grupo já trabalha num plano B para tentar derrubar a indicação de Jair Bolsonaro.
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Independentemente do que ocorrer na Comissão de Constituição e Justiça, primeira etapa do processo, o grupo de Davi agora articula uma estratégia para esvaziar o plenário no dia da votação. Dessa forma, precisariam de menos votos para derrubar a candidatura do ex-advogado-geral da União.
Como para ser aprovado o candidato precisa de votos de 41 de um total de 81 senadores, supõe-se que retirando parlamentares da sala será mais fácil derrotá-lo.
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A conta feita atualmente leva em conta a última votação do mesmo tipo, que aprovou a indicação de Augusto Aras para a Procuradoria-Geral da República. Na ocasião, compareceram à votação no plenário 66 senadores, dos quais 55 votaram em Aras. O Procurador-Geral da República, aliás, é o preferido desse grupo para a vaga aberta no STF com a aposentadoria de Marco Aurélio Mello.
Se conseguirem que os senadores que estão em dúvida ou têm medo de votar contra uma indicação do governo faltem, dando quórum parecido com o da sessão que aprovou Aras, vão precisar convencer menos colegas a apertarem o não na hora da votação (que é secreta, mas sempre há quem tema ser cobrado pela derrota de um candidato do governo).
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A conta que os opositores de Mendonça fazem é que, se conseguirem repetir o quórum de Aras, seriam necessários só 25 votos contra - apenas o necessário para impedir que o candidato de Bolsonaro consiga atingir o mínimo de 41 votos a favor.
O fato de Alcolumbre estar apelando a esse plano B mostra o quanto a disputa está apertada. As contas mais realistas indicam que, hoje, seriam 50% dos votos a favor de Mendonça e 50% contra – o que daria cerca de 40 votos para cada lado.
Mas, dos dois lados, há até quem garanta ter 50 votos, tanto do lado de Mendonça como de Alcolumbre. Como existem 81 senadores, ou estão todos blefando, ou tem senador prometendo votos aos dois lados.
Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/malu-gaspar/post/o-plano-b-de-davi-alcolumbre-para-barrar-indicacao-de-andre-mendonca-para-o-supremo.html
Reforma do IR pode custar quase R$ 30 bi no próximo ano, diz IFI
IFI alerta que o impacto fiscal negativo da reforma no IR pode exceder o volume total de investimentos do Poder Executivo previsto na LOA, que é de R$ 24,1 bi
Pillar Pedreira/Agência Senado
A reforma do Imposto de Renda pode custar R$ 28,9 bilhões aos cofres públicos em perda de arrecadação tributária já em 2022. Essa é a avaliação da Instituição Fiscal Independente (IFI) em nota técnica publicada nesta sexta-feira (3), um dia depois da aprovação do projeto pela Câmara dos Deputados (PL 2.337/2021). O texto agora será analisado pelo Senado.
“A não neutralidade da proposta, sob o aspecto fiscal, é preocupante, notadamente em um contexto de fragilidade das contas públicas, com deficit primário ainda elevado e dívida pública bastante superior à média dos países comparáveis”, conclui a IFI.
Apesar de a proposta trazer medidas com potencial arrecadatório, como a revisão de benefícios tributários e a criação do imposto sobre lucros e dividendos, o saldo final permanece no vermelho. Para efeito de comparação, o impacto fiscal negativo excede o volume total de investimentos do Poder Executivo previsto na Lei Orçamentária Anual (LOA) para 2022, que é de R$ 24,1 bilhões.
O custo poderá ser maior caso as previsões do governo para a reversão dos gastos tributários (que é a revogação de benefícios) não se confirmem. Essa reoneração é projetada como o principal ganho arrecadatório da reforma. A sua frustração poderia, em último caso, agravar ainda mais o resultado já em 2023.
“Os gastos tributários são calculados sob metodologia que pode superestimar os valores informados. A reversão de certos benefícios poderá não produzir, automaticamente, um aumento de arrecadação nas proporções indicadas. Sem contabilizar a reversão do gasto tributário, o efeito da proposta em 2023 poderia chegar a R$ 33,3 bilhões”, alerta a nota técnica.
A reforma mexe em impostos que representaram, em 2020, cerca de 36% de toda a arrecadação federal. O projeto atualiza a tabela do imposto de renda da pessoa física (IRPF), aumentando a faixa de isenção e expandindo a declaração simplificada (que possibilita descontos), e reduz as alíquotas do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).
Segundo os cálculos da IFI, que simulam as novas regras sobre números colhidos em nove bases de dados federais, essas medidas teriam um custo de R$ 87,5 bilhões em 2022. Esse custo se aproximaria de R$ 100 bilhões já em 2024.
Entre as medidas compensatórias do projeto estão a tributação da distribuição de lucros e dividendos, o fim da dedutibilidade de juros sobre capital próprio (que são uma forma de distribuição de rendimentos antes da aferição do lucro) no IRPJ e a revisão de benefícios tributários. Também está previsto um aumento na alíquota da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (Cfem).
A revogação de benefícios envolve os setores de gás natural canalizado, carvão mineral, produtos químicos, farmacêuticos e hospitalares. Ela é a medida mais significativa, com uma expectativa arrecadatória superior a R$ 20 bilhões. No entanto, os números reais são de difícil estimativa.
A cobrança sobre lucros e dividendos também pode gerar valores expressivos para os cofres públicos, segundo a IFI, mas apenas a partir de 2023, segundo a IFI. Essa modalidade de tributação é sujeita a práticas de elisão fiscal, que é o uso de manobras legais ou de brechas da lei para reduzir o imposto devido.
“É razoável supor que se o projeto de lei for aprovado em 2021, as empresas adaptarão seu comportamento. A resposta provável será distribuir o máximo possível de resultados ainda em 2021, sem o alcance da nova tributação”.
Fonte: Agência Senado
https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/09/03/reforma-do-ir-pode-custar-quase-r-30-bi-no-proximo-ano-diz-ifi
Congresso ameaça avanços da representação feminina na política
Propostas em debate no Congresso alteram pilares importantes do atual sistema eleitoral e ameaçam a representatividade feminina
Debates simultâneos que ocorrem no Congresso Nacional, sem a devida transparência e maturação necessárias, modificam pilares importantes do atual sistema eleitoral brasileiro e podem comprometer seriamente o futuro da representação feminina na política do país – num momento em que boa parte do mundo discute medidas para a paridade de gênero.
Alguns detalhes de propostas de emenda constitucional (PECs) que tramitam na Câmara e no Senado – em paralelo a um projeto de lei complementar denso, de 905 artigos, que estabelece um novo Código Eleitoral – apresentam regras divergentes e podem ameaçar a eficácia da política de cotas, com obrigatoriedade para que no mínimo 30% das candidaturas sejam de mulheres.
Especialistas em direito eleitoral consultados pela DW Brasil apontam preocupação com a redação de artigos dessas propostas em tramitação e criticam a falta de transparência dos debates, levantando dúvidas sobre o açodamento com o qual o Congresso quer aprovar novas regras, antes de outubro deste ano, para que possam vigorar já no pleito de 2022.
"Estamos todos muito preocupados com esse fluxo legislativo, com tantas mudanças ao mesmo tempo. Em primeiro lugar, porque essas proposições não conversam entre si. Elas divergem entre si. E temos um Código Eleitoral vigente de 1965. Por que em 2021 de repente querem mudar tudo? Qual é a urgência disso?", questiona Ana Claudia Santano, coordenadora geral da Transparência Eleitoral Brasil e professora de direito eleitoral e constitucional. "Esse código não é apenas uma consolidação de regras. Ele muda muitas coisas", alerta.
Risco de retrocesso
Um dos problemas apontados por mulheres que defendem a ampliação do espaço feminino nos poderes Legislativo e Executivo é que os textos, pelo menos a PEC 18/2021 aprovada no Senado em 14 de julho, recolocam na mesa antigos problemas. A despeito da boa intenção dos parlamentares e da atuação da própria bancada feminina no Senado, a redação da PEC embute retrocessos.
O texto "fixa novas regras para a destinação de recursos em campanhas eleitorais, determinando que cada partido deverá reservar o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas proporcionais de cada sexo". Eis aí o problema: a expressão "deverá reservar". Essa expressão já causou problemas no passado, pois os partidos brasileiros, todos ancorados numa visão patriarcal, não são obrigados, com essa redação, a apresentar as candidaturas femininas. Reservar não significa preencher.
Em 2009, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) entendeu que a expressão precisava ser modificada e estabeleceu que os partidos têm que preencher as candidaturas com pelo menos 30% de mulheres.
Foi esse entendimento da "obrigatoriedade" que abriu espaço para, anos depois, assegurar que também o financiamento fosse proporcional ao número de candidatos, ou seja, 30% dos recursos dos fundos eleitoral e partidário devem se destinar a candidaturas de mulheres, observando-se, obviamente, a proporcionalidade: se houver 40% de mulheres candidatas, elas recebem 40% de recursos financeiros, por exemplo.
Essa regra amparou também a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), em 2020, para assegurar financiamento proporcional não apenas às candidaturas de mulheres, mas também aos candidatos negros, dos ambos os gêneros.
"O texto do Senado retoma uma fórmula antiga, que não funcionou, que é dizer aos partidos que simplesmente reservem as vagas. Reservar é muito diferente de preencher. É deixar a cota facultativa", critica a coordenadora da Transparência Eleitoral Brasil.
"No Brasil, a política de cotas demorou muito a ter resultados. Evoluímos pouco de 1995 para cá e chegamos na última eleição com 15% das cadeiras para mulheres na Câmara, o ápice desde a redemocratização. Por isso, qualquer medida que retire a política de cotas é ruim. As cotas existem para tentar mudar uma realidade. Já vimos que o aumento de recursos [para candidaturas femininas] teve impacto no aumento de eleitas, ainda que não seja uma relação causal", pontua a professora Luciana Oliveira Ramos, integrante do Grupo de Estudos em Direito, Gênero e Identidade da Escola de Direito de São Paulo (FGV Direito SP).
Reserva de assentos é tímida e deve coexistir com as cotas
A professora da FGV reconhece que a intenção do Senado de manter a política de cotas e, ao mesmo tempo, definir uma reserva mínima de assentos para mulheres no Legislativo é positiva, mas faz ressalvas. O texto do Senado estabeleceu uma reserva de assentos gradual, começando em 18% das cadeiras nas próximas eleições e chegando a 30% em 2038.
Uma das ressalvas diz respeito aos percentuais de reserva. "Destinar 18% das cadeiras pode parecer imediatamente bom, mas se formos pensar no tempo e no escalonamento, de chegar a 30% em 2038, ou seja, daqui quase duas décadas, isso é muito pouco. A média de representação feminina das Américas é de 32% hoje. Somente daqui a duas décadas estaremos chegando nesta média. A média mundial atualmente é de 25%", afirma Ramos. Ela destaca, ainda, que as Nações Unidas, na Agenda 5050, preveem a paridade de gênero já em 2030.
"Essa meta de 30% em 2038 vai refletir um enorme atraso da sociedade brasileira. A gente deveria estar almejando mais, 50% de representação de mulheres, e de diversos perfis, negras, indígenas. Vai ficar muito aquém do que se espera e do que é o debate hoje no mundo, que é paridade de gênero. Isso está escrito nos objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU", diz a professora da FGV.
De acordo com Ramos, é preciso, ainda, que essas propostas em tramitação no Congresso não substituam a política de cotas pela reserva de vagas. As duas iniciativas, salienta, devem coexistir.
"Porque só a reserva de assentos não é suficiente para ampliar a representação feminina na política. Apenas reservando assentos a gente perde todo o processo de amadurecimento das instituições, dos atores e atrizes envolvidos no jogo político eleitoral como, por exemplo, a sensibilização de partidos políticos para que de fato lancem candidaturas de mulheres que sejam viáveis e que tenham efetivas chances de se eleger."
A professora enfatiza, ainda, que outra política importante diz respeito ao financiamento e destinação de recursos públicos para candidatas mulheres e negras. "Não basta só colocar o nome dessas pessoas na lista, o importante é fortalecer essas candidaturas de fato."
"Não há risco algum", diz relatora do Código Eleitoral
Para a deputada Margarete Coelho (PP-PI), relatora do Código Eleitoral, "o texto consolida os avanços conquistados pela bancada feminina tanto na Câmara quanto no Senado, como a cota de candidaturas e de financiamento para mulheres, entre outras questões novas. Nossas conquistas estão garantidas e estamos propondo novos avanços, para que tenhamos cada vez mais mulheres na política", disse ela, em mensagem enviada à DW Brasil.
A manutenção das cotas de candidaturas femininas é defendida pela parlamentar. "As cotas de candidaturas são conquistas ainda essenciais, embora não sejam suficientes. É preciso que os partidos estimulem a formação de novas lideranças femininas, sobretudo financeiramente. O fim das cotas viria acompanhado do fim do financiamento mínimo de candidaturas femininas, o que nenhuma parlamentar aceitará. Qualquer proposta nesse sentido é um retrocesso inaceitável", afirmou.
No entanto, outra proposta em tramitação, a PEC da Reforma Política, já aprovada em dois turnos na Câmara e aguardando a votação no Senado, especifica percentuais distintos de reserva de vagas para mulheres, eliminando as cotas.
O texto aprovado prevê a contagem em dobro dos votos dados a candidatas e a negros, a partir das eleições de 2022. Essa regra seria usada para calcular a fatia de recursos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanhas (Fundo Eleitoral) para essas candidaturas.
Para as professoras de direito, o texto da PEC da Reforma Política foi aprovado às pressas, com inúmeras mudanças, sem debate e pode, sim, revogar por completo a política de cotas, o que seria um risco. Seria mais razoável, reconhece a deputada Margarete Coelho, manter a política de cotas combinada com a reserva de assentos. Segundo ela, a proposta do Senado, neste sentido, parece mais avançada.
"Enquanto a paridade não vem, temos que construir um degrau após o outro da escada que nos levará a um parlamento mais inclusivo. A reserva de cadeiras é um passo essencial para a garantia de uma representação mínima, o que, ao lado da manutenção da cota de candidaturas, permitirá que mais mulheres sejam alçadas à condição de protagonismo político."
Fonte: DW Brasil
https://www.dw.com/pt-br/congresso-amea%C3%A7a-avan%C3%A7os-da-representa%C3%A7%C3%A3o-feminina-na-pol%C3%ADtica/a-59072160
Rosângela Bittar: Angústia
Convém deixar que Bolsonaro se enrole na sua própria teia e consuma seu próprio veneno
Rosângela Bittar / O Estado de S. Paulo
O clima de Brasília está irrespirável. O ambiente funde o medo da morte, impregnado na nova expansão da pandemia descontrolada, com o desvario constante do homem que domina os palácios da capital. A cidade se transformou, desde o início, em campo de provas da negação da ciência, da vida e do bom senso. Um novo apocalipse.
Falsidades e mentiras são multiplicadas a cada dia da gestão Jair Bolsonaro. O presidente insiste em atacar, violentar, agredir, instituições e pessoas. Convém deixar que se enrole na sua própria teia e consuma seu próprio veneno. O que importa verdadeiramente é a sobrevivência dos cidadãos.
Pode-se listar as manobras rocambolescas de Bolsonaro:
1 - O pedido de impeachment dos ministros do Supremo não se deve a uma solidariedade fraternal ao ex-deputado preso Roberto Jefferson. Afinal, até o presidente sabe que não foi mera liberdade de expressão o que ele cometeu. A série de fotos e desaforos do ex-deputado, armado até os dentes, ameaçando autoridades, pelas redes sociais, não deixa dúvidas. Os provocadores, porém, aos ouvidos de Bolsonaro, o lembraram que, depois de Jefferson, o próximo alvo seria Carlos Bolsonaro.
2 - Ao reagir furioso ao encontro do ministro Luís Roberto Barroso com o vice-presidente Hamilton Mourão, Bolsonaro deu curso a seu traço marcante, de aplicar a tudo a teoria da conspiração. Avaliou que tal reunião se destinava a tramar sua derrubada da Presidência, deixando o poder com o vice. Foi do que se queixou, sem meias-palavras, a membros do Judiciário.
3 - A insistência com que repete que não haverá eleição no ano que vem, ameaça respaldada pelo general-ministro da Defesa, não define como e com quem dará o golpe. Um novo AI-5? Como ficariam os mandatos dos deputados e senadores? Os governadores terão seu tempo prorrogado? O Centrão, que se alimenta de eleições, concordará em extingui-las?
Com estas e muitas outras imprecisões e omissões, Bolsonaro conseguiu desviar a atenção do desastre do seu governo. Em todas as áreas, mas, em especial, na gestão da pandemia, que não acabou. Embora tenha se tornado tão incômoda aos seus planos eleitorais que o presidente nem sequer menciona mais a sua querida cloroquina.
A mobilização da sociedade está sendo insuficiente para conter as sucessivas ondas de insegurança geradas em cada palavra, gesto ou movimento do presidente.
Assim, o País precisa voltar ao que interessa, ao foco do qual o presidente quer desviar a atenção do eleitorado.
A constante morte de famosos lembra que a pandemia persiste e exige novas ações de combate. Outros países mais bem posicionados que o Brasil no enfrentamento da crise já estão retomando mecanismos extremos, como o lockdown. A pandemia se mostra viva e mutante. Até tirou a máscara do quarto ministro da Saúde do governo Bolsonaro, Marcelo Queiroga.
Posando de bom moço que nada devia à sociedade pelos malfeitos de seus antecessores, Queiroga entrou firme na campanha eleitoral da reeleição. Até transgrediu o plano nacional de imunização, reduzindo as doses de vacina devidas proporcionalmente a São Paulo. Mesquinharia incompatível com a gravidade da situação e mais uma questão para a Justiça arbitrar.
Ocupado apenas com seu destino e seu previsível fim, Bolsonaro inventa um enredo em que ele mesmo é o mocinho, o bandido, o padre, o pastor, o médico, o juiz de paz, o prefeito, o governador e a tropa de ataque à cidadela sitiada.
O que é mais mortal? Este Bolsonaro ou o coronavírus? A doença, é verdade, aproveita-se das populações mal governadas e abandonadas à própria sorte. Mas as instituições também precisam ampliar o seu papel de resistência. As convulsões diárias do faroeste bolsonarista não merecem tanta atenção.
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,angustia,70003813898
Pacheco, Lira e Nogueira dizem a Bolsonaro o que ele não quer ouvir
O presidente do Senado é o único que poderá largar Bolsonaro de mão. Os outros querem um pouco de paz para tocar seus negócios
Blog do Noblat / Metrópoles
Rodrigo Pacheco (DEM-MG), presidente do Senado, Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos Deputados e Ciro Nogueira (PP-PI), chefe da Casa Civil da presidência da República, disseram a Jair Bolsonaro nas últimas 48 horas que sua situação está ficando cada vez mais difícil dentro e fora do Congresso.
E que a continuar assim ou até piorar, ficará complicado para eles ajudar o governo como gostariam e se dispuseram a fazer até agora. Um deles citou a mais recente pesquisa de opinião XP-Ipespe divulgada ontem. Ela mostra que Bolsonaro seria derrotado no segundo turno por qualquer um dos nomes testados.
Perderia não só para Lula (PT) como também para Ciro Gomes (PDT), Sérgio Moro, Luiz Henrique Mandetta (DEM), João Doria (PSDB) e até Eduardo Leite (PSDB), governador do Rio Grande do Sul, um ilustre desconhecido fora do seu Estado. 61% dos brasileiros dizem que jamais votariam em Bolsonaro.
A pesquisa trouxe outros dados que deveriam preocupar Bolsonaro como preocupam seus aliados. A avaliação positiva do seu governo segue em queda. A vacinação em massa aumentou a avaliação positiva dos governadores (de 36% para 43%) e dos prefeitos (de 45% para 55%), mas diminuiu a dele (de 22% para 21%).
Em julho, 59% dos brasileiros diziam que a economia estava no rumo errado, contra 29% que diziam que estava no rumo certo. Agora, 63% disseram que está no rumo errado, contra 27% que a julgam no rumo certo. 57% estão convencidos de que o governo se envolveu com corrupção. 67% acompanham a CPI da Covid.
Não se sabe o que Bolsonaro respondeu aos três suplicantes que bateram à sua porta com ar grave. Mas o que lhes disse não importa. Quantas vezes ele já não deu o dito pelo não dito, recuou mais tarde para novamente avançar. Quem o contraria não é ouvido com atenção e arrisca-se a deixar de ser ouvido.
Quando cobrado por decisões erradas do seu pai ou declarações estapafúrdias, o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) costuma responder:
– Fui voto vencido.
Os suplicantes podem suplicar à vontade – Bolsonaro sabe que eles não o abandonarão para não perder o poder que têm. Lira é dono de um pedaço do Orçamento da União para administrar como quiser. Nogueira ocupa o segundo cargo mais importante do governo e livrou-se de ter que disputar o governo do Piauí.
Quanto a Pacheco… Confessa a amigos que está achando “danado de bom esse trem” de ser aspirante a candidato a presidente da República ano que vem pelo PSD de Gilberto Kassab. Dos três, é o único que de fato poderá chutar a bunda de Bolsonaro.
Ministro da Defesa chama de “regime de força” o que foi ditadura
General Braga Neto, um dos mais fiéis servidores de Bolsonaro que nega a Ciência, faz questão de negar a História
Se a Procuradoria-Geral da República considera o presidente Jair Bolsonaro um fora da lei ou acima dela, por que seus ministros, pelo menos os mais importantes deles, não estariam liberados para mentir, distorcer a verdade ou simplesmente dizer qualquer coisa em nome da liberdade de expressão?
O ministro da Defesa, general Braga Netto, não precisou de licença para mentir na Câmara dos Deputados ao dizer que não houve ditadura militar entre 1964 e 1985 no Brasil. “Se houvesse, talvez muitas pessoas não estariam aqui. Ditadura, como foi dito por outro deputado, é em outros países”, afirmou.
Stop! Rebobine o filme. Entre 1964 e 1985, no mínimo 434 pessoas foram mortas ou desapareceram por ação direta de cinco governos militares que cassaram mandatos de parlamentares e de ministros de tribunais superiores, fecharam o Congresso, suspenderam o direito ao habeas corpus e censuraram a imprensa.
A ordem jurídica foi para o brejo. A tortura de presos políticos foi adotada como política de Estado e autorizada por generais no exercício da presidência da República. Guerrilheiros que se entregaram vivos ao Exército foram fuzilados. E tudo em nome da defesa da democracia supostamente ameaçada pelo comunismo.
Os militares deram a ditadura como terminada quando perderam totalmente o apoio para mantê-la. Voltaram aos quartéis como derrotados. Mas lá passaram a ensinar aos que o sucederam que a ditadura, que preferem chamar de regime de força, ou de movimento militar, foi uma imposição do tempo em que viveram.
Continuam negando a História até hoje. A propósito da passagem de mais um aniversário, este ano, do golpe de 1964, nota oficial do Ministério da Defesa afirmou que a data deveria ser celebrada e que “o movimento permitiu pacificar o país”. Braga Neto, outro dia, disse que sem voto impresso a eleição de 2022 seria cancelada.
Repetiu o que Bolsonaro já disse mais uma vez. Para a maioria dos generais, a Constituição deve ser revista porque é de esquerda, e o Supremo Tribunal Federal expurgado de ministros “comunistas”. Bolsonaro remeterá ao Senado o pedido de impeachment dos ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso.
“Houve um regime forte, isso eu concordo”, declarou Braga Neto. “Cometeram excessos dois lados, mas isso tem que ser analisado na época da história, de Guerra Fria e tudo mais, não pegar uma coisa do passado e trazer para o dia de hoje”. Quem tenta ressuscitar o passado é gente como ele e Bolsonaro.
Fonte: Metrópoles
https://www.metropoles.com/blog-do-noblat/ricardo-noblat/pacheco-lira-e-nogueira-dizem-a-bolsonaro-o-que-ele-nao-quer-ouvir