semipresidencialismo
Vale trocar o certo pelo duvidoso?
Os potenciais ganhos do semipresidencialismo apresentam custos não triviais
Carlos Pereira / O Estado de S. Paulo
Qualquer sistema político possui um arcabouço institucional multifacetado e complexo de várias dimensões tais como regras eleitorais, sistema de governo, estrutura federativa ou unitária, número de câmaras legislativas, poderes constitucionais do Executivo, nível de independência das organizações de controle etc., que devem estar em relativo equilíbrio para dar funcionalidade ao sistema.
Muitos têm argumentado que o sistema político brasileiro, por ser “hiperpresidencialista”, isto é, com concentração excessiva de poderes no Executivo, tem sido fonte incessante de crises. Reformas de toda sorte têm sido propostas de tempos em tempos como “soluções milagrosas” para gerar a tão sonhada eficiência que o presidencialismo multipartidário supostamente não teria condições de ofertar.
A “bola da vez” parece ser o semipresidencialismo, regime no qual um presidente, eleito pelo voto popular, exerceria funções de chefe Estado, e um primeiro-ministro, escolhido pela maioria do Parlamento, exerceria funções de chefe de governo.
A grande promessa do semipresidencialismo seria uma maior flexibilidade de substituir governos que perdem maioria parlamentar, sem abalar o mandato presidencial. Essas mudanças ocorreriam, supostamente, sem grandes traumas ou conflitos tão característicos da rigidez de presidencialismos puros, que requerem processos de impeachment muitas vezes traumáticos e polarizados para se livrar de presidentes durante seus mandatos.
Mas o semipresidencialismo também apresentaria desvantagens, especialmente quando implementado em um sistema político com características marcadamente consensualistas, como o brasileiro, pois a entrada de um primeiro-ministro representaria um ponto de veto adicional num sistema que já possui inúmeros, tais como representação proporcional, federalismo, bicameralismo, fragmentação partidária, Judiciário independente etc.
Portanto, a suposta eficiência de uma maior flexibilidade de mudanças de governos teria que ser confrontada com a potencial perda de eficiência governativa gerada pela entrada de mais um ponto de veto no jogo. Além do mais, regimes semipresidencialistas, que conferem substanciais poderes legislativos ao presidente, tendem a aumentar conflitos com o primeiro-ministro, o que pode acarretar maiores instabilidades ao governo, especialmente se esses atores pertencerem a partidos políticos ideologicamente opostos.
Em estudo que analisa 72 democracias no mundo, que acaba de ser aceito para publicação na revista Government & Opposition, os colegas André Borges e Pedro Ribeiro mostram que enquanto os poderes legislativos do presidente em regimes presidencialistas puros, como o brasileiro, estimulam a coordenação por meio do aumento da coesão e da disciplina partidária, em regimes semipresidencialistas teriam o efeito inverso. Ou seja, diminuiriam a coesão e disciplina enfraquecendo assim os partidos.
A almejada eficiência do semipresidencialismo é, portanto, condicionada à existência de presidentes fracos, sem poderes legislativos formais e sem condições de desafiar políticas consideradas indesejáveis que o primeiro-ministro queira implementar. Só nestas condições é que presidentes teriam incentivos para cooperar com o primeiro-ministro e, como consequência, níveis mais elevados de unidade e disciplina partidária poderiam ser observados.
Ainda que de forma não linear, tem sido por via do presidencialismo multipartidário que o Brasil tem vivido em relativa estabilidade macroeconômica, responsabilidade fiscal, inclusão social e racial, diminuição de pobreza e desigualdade, combate à corrupção etc.
Considerando que todo sistema político tem ganhos e perdas e que o modelo atual tem gerado estabilidade democrática de forma sustentável e a custos relativamente baixos quando bem gerido, a pergunta que fica é se vale a pena correr os riscos das incertezas do regime semipresidencialista.
*Cientista político e professor titular da escola brasileira de administração pública e de empresas (FGV EBAPE)
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,vale-trocar-o-certo-pelo-duvidoso,70003804621
O poder, os tiranos e os piores. Não há quem escape de seu fascínio
O poderoso tirânico cerca-se de cópias de si mesmo, incompetentes, ignorantes, vulgares
Seja no Estado, no mercado ou na sociedade civil, o poder arrebata. Ele oferece vantagens e recompensas, mesmo que também traga sacrifício e sobrecarga.
São as recompensas que seduzem. Ver-se obedecido, admirado e elogiado faz brilhar os olhos de muita gente. É o que leva a que se cometam excessos e estripulias, cresçam as ilusões e os autoenganos. O poderoso nunca está sozinho. Seu círculo mais próximo é fonte permanente de intrigas, inveja e cobiça, o que provoca atritos e colisões. O poder não pode tudo. Numa democracia, tem de se haver com o povo livre, a sociedade civil, o sistema de controles, os demais poderes.
O poder fascina anjos e demônios, pessoas com vocação para o bem público e pessoas mesquinhas, agarradas aos próprios interesses. Quando um anjo se deixa seduzir pelo poder, ele perde integridade e pujança reformadora. Seus planos e projetos deixam de ser factíveis e se tornam dependentes de acordos espúrios, batendo às portas da corrupção. Quando um demônio chega ao poder, ele se realiza como excrescência perversa. Exala maldade por todos os poros e trafega pelos becos escuros da sociedade, onde vicejam a boçalidade, a ignorância, a violência, o desregramento. Alia-se a quadrilhas e redes corruptas, na ilusão de conseguir com elas uma base sólida de apoio e financiamento. Apela para manobras populistas para chegar ao povo, mas o seu é um populismo regressista, malévolo, mais nefasto que qualquer outro.
O poderoso tirânico acredita que ser autoritário e impositivo é a principal ferramenta para intimidar subalternos e aliados. É por isso que ele se cerca de cópias de si próprio, pessoas incompetentes, ignorantes e vulgares, dispostas a todo tipo de serviços. A “kakistocracia”, o governo dos piores, é seu modelo de atuação. Ele o faz valer destruindo a política, os partidos, as instituições. Abre os portões para que a mediocridade se imponha em todos os lugares.
A poliarquia confunde e desafia o poderoso. Faz que fique acuado e enverede pelas trilhas obtusas do destempero e da agressão verbal. Quanto mais tosco o poderoso, mais a tirania o atrai, pois não sabe conviver com a diferença, com quem o contrasta e desafia.
Nenhum tirano é democrata. Sempre tende a fugir da realidade. Parafraseando Macbeth, sua desgraça são as loucuras paranoicas da imaginação, mais que os temores do presente. Num Estado democrático, o tirano se dissimula. Diz que segue as regras constitucionais, mas age sistematicamente para burlá-las. Aceita eleições desde que sejam moldadas para referendá-lo. Quando não consegue, passa a atacá-las e ameaça suspendê-las. Boicota o controle entre os Poderes, procura interferir em todos eles. Invade o Congresso e as Cortes judiciárias com atos bombásticos e tropas de ataque. Enxerta amigos nos espaços institucionais para impedi-los de funcionar com independência. Deseja-se absoluto. Seu orgasmo é o exercício coreográfico do poder.
Como em seus antepassados, o poder do tirano moderno pede exibição, na glória e na dor. Ele necessita expor, calculadamente, até mesmo suas entranhas. Mostra-se em trajes de gala ou escrachado, forte e saudável ou estropiado numa maca hospitalar. Tudo para ele é produção de imagem, com a qual pretende chamar a atenção para sua condição de escolhido, vítima, sobrevivente, mito. O objetivo é enfeitiçar os que o seguem. Quer que seu corpo seja visto como imune aos males que afetam as pessoas comuns. Ele é atlético e dinâmico mesmo quando mostra apatia e fragilidade.
Tiranos discretos não são usuais. A marca distintiva deles – sobretudo em nossos tempos de redes hiperativas, identitarismo exacerbado, velocidade tecnológica e informacional – é a estridência, a conduta espalhafatosa: discursos inflamados, frases grosseiras, atos espetaculosos, ameaças. Sua meta é controlar as fontes de informação, calar a imprensa, espalhar boatos. O fermento que os move é o ódio e o ressentimento. Eles adulam os poderosos da economia para alcançarem o poder ideológico.
O poder constrói, mas também destrói. Quando compartilhado democraticamente, é uma alavanca em prol do progresso econômico e social. Mas seu uso abusivo e torpe violenta populações inteiras, desativa direitos adquiridos, amplia a desigualdade e degrada arranjos institucionais consolidados.
Para ser construtivo o poder precisa ser controlado. A democracia representativa madura é a principal invenção para conter o poder, regulá-lo, impedi-lo de transgredir e violentar. O tirano só a aceita quando consegue parceiros que concordem em fazer seu jogo. Ele é inimigo da educação e da escola, pois sabe que cidadãos educados ajudam a que a democracia funcione de modo pleno.
Épocas de política titubeante, de partidos flácidos e sem coerência, de crise permanente, são um convite para que o poder político fique ao alcance não somente dos piores, mas de candidatos a tiranos. Quanto antes acordarmos para isso, melhor.
*Professor titular de teoria política da Unesp
Seria o semipresidencialismo uma boa alternativa?
O Brasil é um país jovem. Em 2022, comemoraremos 200 anos da nossa Independência, após três séculos marcados pelo escravismo colonial. A República fará 133 anos de existência. Até 1930, tivemos um período dominado pelas oligarquias regionais, onde analfabetos e mulheres não tinham direito a voto e as eleições eram visivelmente manipuladas. Mesmo a Revolução de 30 foi liderada por elites excluídas do pacto do poder. Logo à frente, Vargas decretaria o Estado Novo, iniciando seu período ditatorial.
Períodos democráticos foram poucos. De 1945 a 1964, tivemos a primeira experiência democrática. Ainda assim, os analfabetos não votavam, o Partido Comunista foi colocado na ilegalidade, tivemos o traumático suicídio de Getúlio Vargas, sucessivas tentativas de derrubar JK, a renúncia de Jânio Quadros, o arranjo parlamentarista de 1962 e a queda de João Goulart. Experimentamos 21 anos de governos autoritários.
Derivado da histórica campanha das Diretas-Já, assistimos o reestabelecimento da democracia com a vitória de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral, em 1985, e a nova Constituição democrática de 1988. Esse ciclo sobrevive até hoje, representando os 36 anos mais livres e democráticos de nossa história. Ainda assim, tivemos diversas crises econômicas desestabilizadoras e dois impeachments, com o afastamento de Collor e Dilma. Agora, novamente o Congresso analisa a possibilidade de um processo de impeachment.
Até quando viveremos uma verdadeira montanha russa política entre golpes e impeachments? O parlamentarismo, vigente na maioria dos países de democracia avançada, foi derrotado nos plebiscitos de 1963 e 1993. A cultura política predominante no Brasil é personalista, caudilhesca, centrada em personagens e não em partidos políticos e programas.
Recentemente, instalou-se a discussão sobre o semipresidencialismo correlato às exitosas experiências da França e Portugal. Diferente dos parlamentarismos da Espanha, Itália, Inglaterra, Alemanha, entre outros, onde a dinâmica política é dada pelo Parlamento, o semipresidencialismo reserva ao Presidente da República um forte papel, com o comando das Forças Armadas e da política externa, capacidade de vetar e propor iniciativas legais, indicar o primeiro-ministro, decidir por eleições ou por um novo primeiro ministro no caso de queda do gabinete. O primeiro-ministro e a maioria parlamentar seriam responsáveis pela gestão das políticas públicas de governo.
Obviamente, se adotado, só poderá sê-lo em 2027. Serão mais 4 anos de emoções fortes. As eleições de 2022 já seriam realizadas sob as novas regras. Há méritos na proposta. Delinearia claramente situação e oposição no Congresso, responsabilizaria o Parlamento em relação à condução do país e evitaria as sucessivas crises turbulentas dos impeachments.
Mas para isso algumas pré-condições são necessárias: i. existência de um quadro partidário mais nítido e sólido; ii. fortalecimento da burocracia estatal, no sentido weberiano, para assegurar a continuidade das políticas públicas; e, mudança do sistema eleitoral na direção da lista partidária ou do voto distrital, para permitir eleições rápidas em caso de queda do gabinete sem formação de nova maioria congressual.
Sou parlamentarista de carteirinha. Mas, certamente, o semipresidencialismo proposto seria um enorme avanço.
*Marcus Pestana, ex-deputado federal (PSDB-MG)
Merval Pereira: Restrições à reeleição
A proposta de emenda constitucional (PEC) que institui o semipresidencialismo no Brasil tem uma novidade fundamental para a política brasileira: o artigo 82, que prevê que o mandato presidencial será de quatro anos, determina que (...) “Ninguém poderá exercer mais do que dois mandatos presidenciais, consecutivos ou não”. Quer dizer que um presidente da República reeleito não poderá nunca mais se candidatar ao mesmo cargo. Ou que um presidente que não se reeleja poderá disputar mais uma vez o mandato, mas, eleito, não poderá tentar a reeleição.
Lula é o único ex-presidente até o momento que tenta voltar ao poder, e se esse projeto de semipresidencialismo for aprovado no ano que vem, mesmo que não valha para as eleições presidenciais de 2018, impedirá que, eleito, tente a reeleição quatro anos depois. É claro que um presidente eleito terá condições de aprovar na Câmara uma mudança dessa regra, mas a intenção da ressalva é óbvia.
O cientista político Octavio Amorim Neto, professor Associado da Ebape/FGV-Rio, que estuda esse sistema de governo há 20 anos, especialmente o utilizado em Portugal, onde atualmente é investigador visitante do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, na análise que fez da PEC a meu pedido, não entra nesse mérito político, mas considera correto proibir que alguém exerça mais de dois mandatos presidenciais, “justamente para evitar o triste espetáculo que se observa na América Latina, com ex-presidentes que se recusam a se aposentar e impedem a renovação política”.
Octavio Amorim Neto sugere ainda que cinco anos seria uma duração de mandato mais adequada, sobretudo porque descasaria a eleição do presidente das eleições parlamentares. “O descasamento seria importante para que o eleitorado pudesse se concentrar em cada tipo de eleição, permitindo que os cidadãos se informassem bem sobre o novo e crucial papel que o Parlamento passará a ter sob o regime semipresidencial, já que a investidura e a sobrevivência dos governos dependerão da confiança dos legisladores”, pondera.
Na sua avaliação, “eleições solteiras para presidente ofereceriam uma oportunidade para que os eleitores escolhessem um chefe de Estado com inclinações políticas distintas das da maioria parlamentar. As diferenças políticas entre o chefe de Estado e a maioria parlamentar ativariam o papel de poder moderador a ser exercido pelo presidente”. O único senão seria que eleições descasadas estimulam mais ainda a fragmentação partidária.
Octavio Amorim Neto discorda ainda do artigo 86-D, que trata do impeachment do primeiroministro. “Isso é desnecessário porque há o voto de desconfiança. Qual é o sentido de se realizar um lento processo de impeachment se há o mecanismo da moção de censura?”, pergunta ele, para quem uma das vantagens do semipresidencialismo é justamente evitar momentos de incerteza política na substituição do governo.
O quarto parágrafo do artigo 86 da PEC determina que “a moção de censura deverá ser acompanhada de proposta de formação de governo, e se realiza mediante à eleição de um novo primeiro-ministro, cujo nome é então encaminhado ao presidente da República”, regra que ele considera “corretíssima”, mecanismo conhecido como “voto de desconfiança construtivo”, que já estava presente na proposta da Frente Parlamentarista Ulysses Guimarães, objeto do plebiscito de abril de 1993.
O voto de desconfiança construtivo, inspirado na Constituição alemã de 1949, tem como objetivo impedir a formação de irresponsáveis coalizões de veto, preocupadas apenas em derrubar o governo, e não em construir alternativas governativas viáveis. “Tal regra é absolutamente fundamental em parlamentos fragmentados e polarizados, como o Brasil tem tido e que são o ambiente perfeito para a constituição de coalizões de veto”, lembra o cientista político da FGV-Rio.
O Artigo 84 estabelece que o presidente da República tem o poder de dissolver a Câmara dos Deputados “[...] na hipótese de grave crise política e institucional, ouvido o Conselho da República [...]”, mas determina que o poder de dissolução do presidente não pode ser exercido no primeiro ano do mandato da Câmara. Octavio Amorim Neto considera essa cláusula “muito restritiva”, e deveria abranger apenas os primeiros seis meses.
Em compensação, ele sugere que se poderia estipular também que o poder de dissolução não pudesse ser exercido nos últimos seis meses do mandato do presidente, tal qual em Portugal. Para Octavio Amorim Neto, “essa é uma regra sábia, pois impede que o chefe de Estado tome uma decisão de monta quando já não tem mais fortes incentivos para pensar detidamente nas consequências de longo prazo dos seus atos”.
Merval Pereira: O semipresidencialismo
A proposta do semipresidencialismo em análise. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que estabelece o semipresidencialismo como forma de governo no país atribui ao presidente da República, que seria eleito pelo voto direto, um papel mais amplo do que o de árbitro de decisões do governo. O Artigo 61 confere ao presidente a competência de propor leis ordinárias e complementares. Por sua vez, o Artigo 84 permite ao chefe de Estado vetar total e parcialmente projetos de lei.
Ele está sendo debatido pelo presidente Michel Temer com o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, que acumula a presidência do Tribunal Superior Eleitoral, e os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Eunício de Oliveira, além de lideranças políticas, e pode ser apresentado ainda neste governo, mas não poderia entrar em vigor em 2018, pois já temos menos de um ano para as eleições.
Além do mais, o tema é controverso, pois a mudança do presidencialismo para o parlamentarismo já foi derrotada duas vezes em plebiscito, e o Supremo ainda julgará se é possível fazer tal mudança apenas por emenda constitucional, sem novo plebiscito. Octavio Amorim Neto, professor associado da EBAPE/FGV-Rio e atualmente investigador visitante do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa no período 20172018, um especialista nesse tipo de sistema de governo, principalmente no sistema português, que estuda há 20 anos, fez, a meu pedido, uma análise da PEC, baseando seus comentários nos trabalhos dos politólogos Robert Elgie, Matthew Shugart e John Carey.
O semipresidencialismo é um sistema de governo cuja constituição estabelece um chefe de Estado diretamente eleito pelo povo e um primeiro-ministro e um gabinete dependentes da confiança parlamentar. Há duas formas de semipresidencialismo: o chamado regime premierpresidencial, em que o primeiro-ministro e o gabinete são coletivamente responsáveis apenas perante o Parlamento — Portugal desde 1983 e a Vª República Francesa são exemplos desse subtipo. Há também o regime presidencial-parlamentar: trata-se de uma forma de semipresidencialismo em que o primeiro-ministro e o gabinete são coletivamente responsáveis perante tanto ao Parlamento, quanto ao presidente. A Rússia de hoje em dia e a República de Weimar são exemplos bem conhecidos.
Segundo Octavio Amorim Neto, a literatura acadêmica é praticamente unânime na constatação de que o regime premier-presidencial, em que é baseada a proposta em discussão, é superior ao presidencial-parlamentar no que diz respeito tanto ao desempenho governamental quanto à qualidade da democracia. Ele suspeita que uma das razões para a retenção daquelas duas atribuições presidenciais — a de propor leis e de vetar propostas — diga respeito à batalha que ainda está por ser travada no Supremo Tribunal Federal (STF).
Na sua avaliação, os advogados do projeto poderão arguir que, com os poderes que o presidente ainda terá sob o semipresidencialismo, o novo sistema de governo estará bem mais próximo do polo presidencialista do que do parlamentarista, permitindo que o atual presidencialismo puro seja alterado apenas por emenda à Constituição, e não por plebiscito.
Paradoxalmente, analisa, o veto parcial é mais poderoso do que o total, uma vez que, por meio daquele, o presidente poderá tentar eliminar apenas trechos de uma lei que desagradem a um setor da maioria parlamentar, jogando-o contra o setor ao qual os trechos são desejáveis. Já o uso do veto total força o presidente a confrontar abertamente a maioria parlamentar que aprovou o projeto em questão. “O veto parcial propiciará ao chefe de Estado táticas do tipo ‘divide et impera’ face à maioria parlamentar, maximizando o poder presidencial. Além disso, a capacidade de propor leis ordinárias e complementares poderá criar o risco de que o presidente venha a competir com o primeiro-ministro pelo controle da agenda legislativa do Congresso”, analisa Neto.
Para evitar conflitos entre poderes, ele acha que seria importante eliminar a capacidade de propor leis e o poder de veto parcial, mantendo-se o veto total, e deixar bem claro o papel fundamental de árbitro do governo a ser exercido pelo presidente. A arbitragem presidencial se ampararia, diz Octavio Amorim Neto, nas atribuições privativas de indicar, nomear e exonerar o primeiro-ministro, de dissolver a Câmara dos Deputados e de convocar novas eleições (Artigo 84). “Porém, não sei se o STF aceitaria que tal redução dos poderes do presidente da República às condições de chefe de Estado, comandante supremo das Forças Armadas e árbitro do governo fosse efetuada apenas por meio de uma emenda constitucional. (Nas próximas colunas abordarei outros aspectos da proposta, baseado nos comentários de Neto).