segurança
Luiz Carlos Azedo: Execução foi recado
O assassinato da vereadora Marielle Franco (PSol) na noite de quarta-feira, crime que comoveu o país e mobilizou milhares de pessoas no Rio de Janeiro e outras cidades do país, entre as quais Brasília, desafia a intervenção federal no Rio de Janeiro. Não fosse o mandato popular e sua importância na luta contra a violência e em defesa dos direitos humanos, teria a mesma importância dada a outros assassinatos, assim como o de seu motorista Anderson Gomes, também executado. Ou seja, seria apenas um número a mais nas estatísticas de assassinatos não esclarecidos no Rio de Janeiro, estado no qual apenas 11% dos suspeitos de homicídio são denunciados à Justiça.
Marielle e Anderson foram mortos dentro de um carro na Rua Joaquim Palhares, por volta das 21h30 de quarta-feira. Segundo a polícia, bandidos emparelharam ao lado do veículo onde estava a vereadora e dispararam. Marielle foi atingida por quatro tiros na cabeça. A perícia encontrou nove cápsulas de balas no local. Não foi latrocínio, foi execução: os criminosos fugiram sem levar nada. O carro onde estava teria sido perseguido por cerca de quatro quilômetros.
“É triste, muito triste, mas essa condição da morte da Marielle não é uma novidade. Basta ver o que aconteceu com a juíza Patrícia Acióli, assassinada em Niterói por combater PMs corruptos. No Brasil é assim: qualquer um que lute contra a corrupção e defenda os direitos humanos está em risco. E as forças de segurança, é claro, não fazem nada”, disse o deputado federal Chico Alencar (PSol-RJ) no velório da vereadora.
As autoridades evitam declarações sobre as razões do crime, mas o assassinato abriu uma disputa política pela agenda da violência, que vinha sendo um monopólio do governo federal desde a decretação da intervenção. Marielle era contra a medida. O ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, assumiu a responsabilidade de acompanhar pessoalmente as investigações.
Banda podre
A investigação está a cargo da Delegacia de Homicídios da Polícia Civil. Não será surpresa se surgir uma versão de que a vereadora foi executada por traficantes. Nos bastidores da intervenção federal, porém, já havia a preocupação com uma possível retaliação da chamada “banda podre” das polícias Civil e Militar. O caso da juíza Patrícia Acióli citado pelo deputado Chico Alencar é exemplar. O assassinato da vereadora, porém, tem todas as características de retaliação política não somente às atividades desenvolvidas por ela contra as milícias e a violência policial. Os mandantes do crime têm plena consciência de que haveria repercussão política nacional e internacional, com poder de desmoralizar o interventor federal, general Braga Neto, e o recém-nomeado Jungmann.
Os dois estão na berlinda, depois de um mês de intervenção federal, com assassinatos diários de inocentes em assaltos, confrontos entre traficantes ou destes com a polícia. As operações diárias do Exército na Vila Kennedy, por exemplo, para retirada de obstáculos instalados nas ruas, e que são recolocados durante a noite, já estavam começando a ser ridicularizadas. Foram compensadas pela prisão de um delegado corrupto e a vistoria do Exército num quartel da Polícia Militar. As autoridades federais estão desafiadas a identificar os criminosos e puni-los exemplarmente.
Numa entrevista, o traficante Antônio Bonfim Neto, de 41 anos, o Nem da Rocinha, que está preso na penitenciária federal de Porto Velho, em Rondônia, ao jornal espanhol El Pais, pôs o dedo na ferida ao apontar associação entre o tráfico de drogas e a banda podre da polícia fluminense. Há um “cluster” de negócios nas favelas do Rio de Janeiro, do qual fazem parte as bocas de fumo, os gatos elétricos, as TVs piratas, a distribuição de gás e o achaque aos comerciantes e empreendedores a título de proteção. No Rio de Janeiro, as agências de coerção do Estado foram capturadas pelo crime organizado a partir do seu vértice, num pacto corrupto e perverso entre os donos do poder e o crime organizado. Será duro desalojá-los.
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Luiz Carlos Azedo: Justiça seja feita
A taxa de resolução dos casos de homicídio é baixíssima; começa na hora de preencher o atestado de óbito e fazer a autópsia, sem os quais não existe sequer investigação
Uma das dificuldades para compreender o fenômeno da violência nas cidades brasileiras decorre da inversão do senso de Justiça. A noção positiva, do ponto de vista do cotidiano dos moradores das favelas e periferias urbanas, é o senso de “injustiça”, porque a Justiça passa ao largo de suas vidas, serve para proteger os interesses das camadas mais favorecidas e criminaliza transgressões que poderiam ser tratadas de outra maneira, como, por exemplo, a produção, comercialização e consumo de maconha ou aborto de adolescentes nos casos de gravidez involuntária ou indesejável, para entrar em temas muito polêmicos, que deveriam estar sendo discutidos e varridos para debaixo da tapete.
É daí que nasce a ética popular na hora de “julgar” as ações da polícia, das milícias e dos traficantes. Por exemplo, na “lei do morro”, quando um traficante corta o dedo de um assaltante que roubou alguém da própria comunidade, fez-se “justiça”; quando a polícia faz um “baculejo” num cidadão que ganha a vida honestamente, há humilhação e “injustiça”. As milícias transitam entre a “injustiça” e a “justiça”, respectivamente, quando arrocham comerciantes ou expulsam os traficantes de seus territórios.
Essas ética e moral próprias não são características apenas das comunidades pobres, porque há outras manifestações do gênero nas camadas mais favorecidas, nas quais o jeitinho, a propina, os privilégios e a busca de favores são parte do dia a dia. O mesmo sujeito que apoia a pena de morte contra os traficantes não hesita em subornar um servidor público para se livrar das multas de trânsito. A mesma família de classe média que defende a eliminação dos traficantes tolera que seus jovens fumem maconha e não vacila em providenciar um aborto seguro para a filha que engravidou por descuido. Muitos não veem problema na falsificação da carteira de estudante pelos filhos, para que frequentem ambientes de risco nos quais é proibida a entrada de menores.
É nessa fronteira que transita a discussão provocada pelo novo ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, ao criticar os que “durante o dia, clamam contra a violência e, à noite, financiam esse mesmo crime por causa do consumo de drogas”. O ministro acerta ao criticar a hipocrisia, mas peca pelo reducionismo ao tratar da questão. Na guerra das drogas, a criminalização generalizada e o endurecimento das penas estão mais ou menos como as tropas norte-americanas no Vietnã. Não têm a menor chance de vencê-la. Essa estratégia está sendo derrotada; é comprovado pela ampliação do tráfico. Em todo o mundo, o que tem provocado é o aumento da população carcerária e o fortalecimento do lobby da bala.
Dever de casa
Em contrapartida, estatisticamente falando, em Nova York, a legalização do aborto teve muito mais impacto na redução dos indicadores de violência do que a política de tolerância zero. Simplesmente porque reduziu a população de risco, possibilitando às famílias de baixa renda evitar que suas adolescentes fossem incorporadas à cadeia da violência pela desestruturação familiar. Mas há alternativas menos polêmicas para reduzir a população de risco, como a massificação de atividades esportivas entre os jovens, com melhor aproveitamento de espaços urbanos degradados, como praças e viadutos ocupados por consumidores de drogas, principalmente em horários noturnos, nos quais a iluminação é a chave para aumentar a sensação de segurança. O esporte é uma atividade estruturante do caráter e do espírito, de baixo custo e alto impacto, com efeitos imediatos para a saúde e o desempenho escolar. O problema da “territorialidade” não se resolve apenas com a presença coercitiva do Estado, indispensável neste momento, mas com a ocupação dos espaços públicos pelas famílias.
Mas há que se destacar: o dever de casa do sistema de segurança pública está ao largo da discussão. O principal indicador da violência são as mortes por causas externas, principalmente os homicídios. Esses são o tipo de crime mais cruel a ser combatido, é nele que a impunidade revela sua face mais perversa. A taxa de resolução dos casos de homicídio é baixíssima; começa na hora de preencher o atestado de óbito e fazer a autópsia, sem os quais não existe sequer investigação. Na economia informal das favelas e periferias, não existe título protestado em cartório. A cobrança é feita à bala, tanto pelos traficantes como pelas milícias. Não pagou, vai para o “micro-ondas”. A fronteira sinuosa entre o tráfico de drogas e o comércio das milícias é demarcada por esse ajuste de contas, que quase sempre envolve a banda podre da polícia.
Luiz Carlos Azedo: Mera coincidência
No livro O 18 Brumário de Luís Bonaparte, já citado aqui a propósito da conjuntura eleitoral que vivemos, Marx se inspira no golpe de estado de Napoleão Bonaparte, em 9 de novembro de 1799, para descrever o golpe de seu sobrinho Luís Napoleão, 50 anos depois. Presidente em final de mandato, em 2 de dezembro de 1851 dissolveu a Assembleia e convocou um plebiscito que restituiu o Império; um ano depois se proclamou Napoleão III. O livro foi escrito entre dezembro de 1851 a março de 1852, em Londres, com o propósito de mostrar as circunstâncias nas quais “Napoleão, o pequeno”, como Victor Hugo o chamava, pôde desempenhar o papel de herói e tomar o poder.
Luís Bonaparte foi um reformador, admirador da modernidade britânica, e promoveu considerável desenvolvimento industrial, econômico e financeiro, mas seu maior legado foi a reforma urbana de Paris, sob comando do prefeito Georges-Eugene Hausmann, um dos símbolos da modernidade. Somente deixou o poder em setembro de 1870, quando surgiu a Terceira República, após a derrota francesa na batalha de Sedan, na Guerra Franco Prussiana. Depois de deposto, exilou-se na Inglaterra, onde morreu em 1873.
Uma das melhores reportagens políticas já escritas, nela Marx descreve o surgimento do partido social-democrata (Montanha): “Quebrou-se o aspecto revolucionário das reivindicações sociais do proletariado e deu-se a elas uma feição democrática; despiu-se a firma puramente política das reivindicações democráticas da pequena burguesia e ressaltou-se seu aspecto socialista. Assim surgiu a social-democracia”. E mostra também que legitimistas e orleanistas, frações monárquicas do Partido da Ordem, se uniram no regime parlamentar republicano porque cada uma dessas correntes considerava a república uma solução mais aceitável do que a opção monárquica preferida pela outra, uma espécie de jogo de perde-perde da aristocracia restauradora francesa.
Mas um pedido de impeachment de Luis Bonaparte, apresentado por uma ala radical da Montanha, pôs a república a perder. Derrotados no parlamento, os radicais resolveram abandoná-lo e ameaçaram recorrer às armas, o que não passou de um blefe. Não houve apelo às armas da parte da Montanha, ao contrário do que o partido dava a entender pouco antes de sair do parlamento. A passeata da Guarda Nacional, que estava desarmada, se dispersou ao se deparar com as tropas do exército, convocadas pela Assembleia Francesa, composta majoritariamente pelo Partido da Ordem. Foi nesse contexto que Luís Bonaparte deu o golpe e assumiu o poder. Uniu o Partido da Ordem ao se colocar acima de suas correntes.
Bandeira
Não se deve subestimar a bandeira da ordem, que sempre foi eficiente para soluções autoritárias, como no golpe militar de 1964. É graças a ela que o deputado Jair Bolsonaro (PSC) desponta como forte candidato a presidente da República, com índices de intenção de votos que muitos analistas consideram já consolidados. Acontece que o presidente Michel Temer resolveu tomar-lhe a bandeira das mãos, com a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro, a cargo do comandante militar do Leste, general Braga Neto, logo após o carnaval. A cartada decisiva, porém, é a criação do Ministério da Segurança Pública, para o qual foi deslocado o ministro Raul Jungman, da Defesa.
O general Joaquim Silva e Luna, atual secretário-executivo, deve assumir interinamente o comando do Ministério da Defesa. A ida de Jungman para a nova pasta é uma solução natural, tipo “prata da casa”, por estar envolvido diretamente no assunto, desde o agravamento da crise de segurança pública no país, devido a diversas operações de Garantia da Lei e da Ordem já realizadas pelas Forças Armadas. Entretanto, não é natural um general como ministro da Defesa, a pasta foi criada para afirmar o poder civil. Não há a menor semelhança da nossa conjuntura com a restauração de Luís Bonaparte, mas isso não significa que Temer e Bolsonaro não possam se unir nas eleições.
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Que Segurança Pública queremos para assegurar um amanhã mais promissor?
Que Segurança Pública queremos para assegurar um amanhã mais promissor? O #ProgramaDiferente exibe a íntegra do evento que busca uma resposta para essa reflexão, com abertura de Luiz Alberto Oliveira, curador do Museu do Amanhã, e de Ilona Szabó, cientista política e diretora executiva do Instituto Igarapé. A mesa de debates é composta por Maria Laura Canineu, diretora-geral do Human Rights Watch; Paula Mascarenhas, prefeita de Pelotas (RS); Fernando Veloso, ex-chefe de Polícia Civil; e por MV Bill, escritor e ativista. A moderação é do jornalista da TV Globo, Caco Barcellos.
Míriam Leitão: Os dois atos
A criação do Ministério da Segurança não representa coisa alguma, a não ser a transferência de órgãos de um lado para outro da Esplanada, já muito abarrotada de ministérios, e mais cargos para nomeação. Dependendo de quem for escolhido para comandá-lo, pode ser ainda pior do que já está. Por que a Polícia Federal ou a Polícia Rodoviária Federal ficariam melhores saindo da Justiça?
Ao anunciar ontem que vai criar o novo órgão, o presidente Temer reduz a força de sua própria decisão de sexta-feira de decretar a intervenção na segurança do Rio. No primeiro ato, é a tentativa de encontrar uma saída para problema agudo. O segundo é inútil e demonstra falta de foco. A ameaça principal vem do narcotráfico. Ele ficou muito poderoso nos últimos anos. Antes o país tinha uma soma de facções locais, agora mudou. “O crime organizado virou um empreendimento multinacional”, diz uma autoridade. Contra ele, os braços do Estado precisam se unir, com soma de esforços e troca de informações.
A intervenção só terá resultados se houver muito planejamento, inteligência e uso intensivo da tecnologia. Nunca funcionou, e não funcionará agora, o “prender e arrebentar”, apesar de ainda hoje existir quem defenda esse caminho, com aplausos de plateias desavisadas. O crime sofisticou-se e há a complicação territorial. Os moradores das favelas são seus escudos e primeiras vítimas. Uma das muitas dificuldades do novo comando da segurança será saber com que parte da Polícia pode contar e que parte já trabalha para o narcotráfico.
Não há uma crise de segurança exclusiva do Rio. Há uma crise de segurança. Ela atinge vários estados, e o Rio é apenas a ponta mais visível desse iceberg. O combate ao crime exige todos os recursos que o Estado puder mobilizar. Para que funcione, é preciso apostar no que há de mais moderno em tecnologia de vigilância e controle.
Antes de mergulhar na atual confusão, a partir das suas declarações sobre o processo do presidente Temer, o diretor-geral da Polícia Federal, Fernando Segóvia, foi em visita oficial às agências de segurança dos Estados Unidos. FBI, INL (departamento de combate ao narcotráfico), DSS (setor de segurança do Departamento de Estado), ICE (segurança de imigração). Ouviu propostas de cooperação e ofertas de compartilhamento de tecnologias com a Polícia Federal. Independentemente da crise interna no órgão, essa é uma agenda importante que tem que continuar tendo desdobramentos.
O Brasil carrega ainda a cicatriz do velho trauma do autoritarismo. Por fundadas razões. Por isso, teme a vigilância e o controle como se fossem sinônimos de cerceamento de direitos. Mas nenhum país constrói hoje um bom sistema de combate ao crime organizado sem o uso intensivo de tecnologia. O problema no país é que até o aparato das Forças Armadas lembra outros modos e períodos. O general Sérgio Etchegoyen, respondendo a um jornalista, na sexta-feira, disse que “As Forças Armadas jamais foram ameaça à democracia..." Até esse ponto a frase espantou porque parecia a negação da História, mas ele completou: “desde a redemocratização.” O ministro Raul Jungmann reforçou a ideia, lembrando que as Forças Armadas estão obedecendo a comandos constitucionais. A necessidade de fazer esse esclarecimento mostra como o Brasil ainda tem velhos medos. A intervenção federal com o uso das Forças Armadas foi entendida, por alguns, como intervenção militar, o que evidentemente não foi o que aconteceu.
Agora o país vive outra história, e as Forças Armadas reclamam internamente do uso excessivo de suas tropas em ações para as quais não foram treinadas nem destinadas. Reclamam, mas cumprem as ordens. Nada há de errado em usar as Forças Armadas sob o comando constitucional.
Há muito a aprender com o que deu certo no passado. Na Operação Suporte, da Polícia Federal, na época sob o comando do diretor Paulo Lacerda, foi construída a tecnologia de cruzamento de dados e informações que levou à criação futura das UPPs. Nessa operação trabalhava José Mariano Beltrame, que depois assumiu a secretaria de Segurança do Rio. Existem experiências que podem ser estudadas. A luta não é perdida, mas é muito difícil. O trabalho será demorado e intenso, mas desistir dele seria desistir do país.
O Globo: Medida impede votação da Previdência mas cria 'nova agenda'
Constituição veta aprovação de PEC durante intervenção. Mais popular, Segurança Pública ganha espaço nas prioridades de Temer
Por Flávia Barbosa, de O Globo
RIO - Com a decisão do presidente Michel Temer de decretar uma intervenção na segurança pública do Rio de Janeiro, a reforma da Previdência, cuja apreciação em plenário estava prevista para começar na próxima terça-feira, não poderá ser votada pelo Congresso Nacional. Isso sugere que o cálculo político do Palácio do Planalto pode ter mudado, de uma agenda impopular e que não consegue apoio parlamentar para um tema que mobiliza a população brasileira.
Caso os parlamentares aprovem a intervenção, o Congresso fica impedido, pela Constituição Federal, de aprovar quaisquer propostas de emendas constitucionais (PEC) enquanto a medida excepcional vigorar. A reforma da Previdência é uma PEC.
A única saída jurídica para votar a reforma, segundo comenta-se nos bastidores do governo, seria suspender a vigência do decreto por breve período de tempo, apreciar a matéria na Câmara e no Senado, e então editar novo decreto e submetê-lo ao Congresso novamente, renovando o mandato de comando federal sobre as polícias civil e militar e o Corpo de Bombeiros.
Não está clara qual a estratégia que o governo adotará, muito menos se abandonou a reforma. Os ministros da Fazenda, Henrique Meirelles, e do Planejamento, Dyogo Oliveira, vinham negociando modificações no texto para tentar aprovar a PEC mesmo que desidratada. Ambos foram chamados ontem à noite ao Palácio do Jaburu para serem comunicados da decisão de Temer de ceder ao apelo de Pezão pela intervenção.
Segundo reportagem publicada nesta sexta-feita pelo GLOBO, estava decidido, até então, que o governo aceitaria uma emenda ao texto da reforma para criar uma regra de transição mais generosa para os servidores que ingressaram na administração federal antes de 2003 e a possibilidade de acumulação de benefícios (pensão e aposentadoria) até o teto do INSS (R$ 5.645).
A mexida na Previdência é o ponto central da agenda de reformas apresentada pelo governo Temer e cobrada pelos agentes econômicos. Ela é considerada essencial para reequilibrar as contas públicas do país e mobiliza a atenção de investidores, empresários e agências de classificação de risco. Na avaliação de especialistas, sem a reforma previdenciária o déficit público explodirá e o Brasil caminhará para uma espiral de endividamento e insolvência.
No entanto, a medida é altamente impopular, e os parlamentares resistem a abraçá-la. Por isso, mesmo concessão após concessão, o Planalto não consegue avançar no mapa de apoio e conta hoje com cerca de 270 dos 308 votos necessários para aprovar uma PEC.
A avaliação do governo, desta forma, pode ter mudado. A segurança pública, ao contrário da mudança nas aposentadorias e pensões, está no topo das preocupações dos brasileiros. Agir sobre ela pode valer pontos preciosos para um presidente da República altamente impopular mas ainda com pretensões eleitorais em outubro deste ano.
A carnificina nos presídios de Goiás, a greve de PMs no Rio Grande Norte, a crise dos refugiados venezuelanos em Roraima e a escalada de criminalidade do Rio neste início de 2018 ofereceram oportunidades importantes para que o Planalto tentasse assumir o protagonismo na segurança pública -- uma atribuição constitucional de estados, em grande maioria hoje falidos ou próximos do colapso fiscal.
O uso da força nacional e do Exército este ano nas ruas e a liberação de verba emergencial para os governos goiano e de Roraima foram um aperitivo. Na quarta-feira de Cinzas, já estava cristalizada a criação do Ministério da Segurança Pública, ideia acalentada há um ano mas que vinha sendo postergada. O grande passo, porém, veio na noite de quinta-feira com a decisão de intervir no Rio. É um pacote a ser vendido.
Agora, é preciso ver se o governo federal resistirá à pressão dos agentes econômicos ao adiar a votação da Previdência. Porém, se decidir seguir este caminho, e conseguir que o Congresso dê aval à intervenção no Rio, começará outra empreitada. Temer terá de provar que a medida não será rasa; terá de apresentar em curto período de tempo resultados que os 4 planos de segurança pública com digital do governo federal lançados desde 2001 nunca conseguiram alcançar.
Míriam Leitão: Intervenção na segurança do Rio tem validade imediata e durará até o fim do ano
O senador Eunício Oliveira terá 24 horas para convocar sessão conjunta do Congresso para em dez dias aprovar a intervenção na área de segurança do Rio, mas ela terá validade imediatamente. O decreto deve ser publicado até o meio dia de hoje. A área de segurança do Rio ficará sob intervenção até dezembro de 2018.
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Com o decreto, haverá uma espécie de governador para a área de segurança do Rio. O general Braga Netto, nascido em BH e morador do Rio, é chefe do Comando Militar do Leste e vai assumir a área, passando a ter poderes de comando sobre toda o setor de segurança, inclusive Bombeiros, sistema prisional e Secretaria de Segurança.
A decisão de decretar a intervenção no Rio foi tomada depois de uma série de reuniões com o governador Pezão, com os comandantes militares. Inicialmente os comandantes relutaram, mas entenderam como missão.
Quando for o momento de votar a reforma da Previdência, a intervenção será suspensa por 24 horas. Votando-se, o resultado que for, ela voltará a ter seus efeitos. Pela Constituição quando há uma intervenção não pode haver votação de emendas constitucionais. O problema será resolvido desta forma.
Essa medida é inteiramente nova e está baseada no artigo 34 da Constituição. Chegou a ser pensada também uma intervenção na área de Finanças e Planejamento, mas depois foi descartado.
Nas discussões, também foram ouvidos os ministros da Fazenda, Henrique Meirelles, e o Planejamento, Dyogo Oliveira.
Raul Jungmann: Vigilância continental
Na reunião dos governadores e ministros em Rio Branco, no Acre, dia 27 de outubro último, o ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes, deu voz a uma proposta coletiva da área de Defesa, Justiça e Inteligência: uma Iniciativa Sul-Americana para a Segurança. O crime organizado não somente cresce com velocidade em escala nacional, expandindo-se dos grandes centros urbanos para regiões do interior, como se transnacionaliza, corrompendo instituições e ampliando seus laços com quadrilhas de outras regiões e países, numa rede poderosa, regional e global.
Como é de conhecimento geral, a América do Sul é uma das regiões mais violentas do mundo. Além disso, é uma das maiores produtoras de drogas ilícitas, sendo o Brasil o segundo maior consumidor de cocaína do planeta.
O recrudescimento do crime no Brasil transcende à esfera da violência e pode passar a constituir uma ameaça à democracia e ao estado de direito, capturando instituições e criando, em alguns locais, um estado paralelo autoritário, no qual não há lei, liberdade nem direitos. Os últimos índices são alarmantes: mais de 60 mil mortes violentas por ano no país, dezenas de vezes maior do que guerras em qualquer área do mundo.
O crescimento da violência criminosa em nossas cidades e presídios está intimamente ligada ao crime transfronteiriço. Sendo assim, é cristalino que o combate ao crime organizado transnacional já não se pode dar exclusivamente nos espaços nacionais ou pelos organismos policiais internacionais existentes.
É necessário mais esforços para enfrentá-lo. A cooperação organizada estatal já existente deve ser consolidada com uma Iniciativa Sul-Americana na área de segurança pública, reunindo autoridades de segurança e defesa para o compartilhamento de informações e programas de reconhecido êxito, como o Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (Sisfron), e a criação de programas efetivos e contundentes contra a criminalidade.
O Brasil pode e deve propor e coliderar essa iniciativa regional, tanto por suas dimensões continentais, pelo peso de sua economia e demografia, pela extensão de suas fronteiras, quanto por representar população das que mais sofrem com o contrabando de armas pesadas, o crescimento dos homicídios e roubos.
A Iniciativa tem como antecedente o plano regional estratégico de combate ao crime organizado transnacional lançado em 2012 pela Unasul. Em novembro de 2016, o presidente Michel Temer propôs o plano estratégico de fronteiras, por ocasião da reunião ministerial do Cone Sul, realizada em Brasília.
Nesse contexto, os ministérios da Defesa, Justiça, Relações Exteriores e o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) organizaram reuniões bilaterais com países do “Arco Norte” — Colômbia, Peru e Bolívia — e também com os do Cone Sul para ampliar as medidas de segurança nas áreas de fronteira.
Se aceita, a Iniciativa poderia evoluir do atual nível de encontros técnicos para a conformação de uma Autoridade Sul-Americana de Segurança, a exemplo do Conselho de Defesa Sul-Americano.
* Raul Jungmann é ministro da Defesa
Míriam Leitão: Os custos da violência
Nesta semana blindados das Forças Armadas voltaram a circular pela cidade e houve novos tiroteios na Rocinha. O custo da violência para o Rio e o país é incalculável, mas o economista Daniel Cerqueira, do Ipea, avalia que nacionalmente se perde pelo menos R$ 362 bilhões ao ano. A economista Joana Monteiro, presidente do ISP do Rio, lembra que o “Brasil vive uma tragédia do ponto de vista dos jovens".
Há prejuízos que se pode calcular, há outros que se pode apenas imaginar. Há custos econômicos e há perda para as famílias que ficam além de qualquer conta. A tragédia maior, diz Joana, é a dos jovens negros e pobres.
— Grande parte dos custos da violência está sobre as comunidades pobres e os que vivem nas áreas que são disputadas pelas facções. O Rio sofre com isso desde meados dos anos 1980, foi muito forte nos anos 1990. Houve esperança de melhora no final dos anos 2000, agora estamos de novo nesse cenário. A sociedade não tem muito claro o custo da violência — diz Joana.
Mesmo assim, os dois especialistas admitem que é preciso contabilizar, calcular os prejuízos tangíveis, porque a violência afeta a atividade econômica de diversas formas, na redução do turismo, produção, consumo. E, principalmente, nas mortes.
— O investimento feito em educação se perde se os jovens morrem. Tem o custo da despesa financeira do Estado, seja para manter o sistema de segurança, seja para manter o sistema prisional, seja para atender as vítimas da violência no sistema de saúde. A economia é atingida de diversas formas, porque as pessoas deixam de consumir produtos mais caros pelo medo de serem roubadas. No estudo que fizemos, a estimativa que chegamos, conservadora, é de que o custo da violência a cada ano é de 6% do PIB, algo em torno de R$ 362 bilhões em 2016. Claro que a tragédia é imensurável — diz Daniel Cerqueira, autor de um livro exatamente sobre o custo da violência.
O que explica o Rio, segundo Joana Monteiro, é que a cidade sempre esteve sob o controle de três facções criminosas que lutam entre si. Recentemente tudo isso piorou como reflexo do colapso financeiro estadual. Daniel acha que não houve trabalho de inteligência prévio à ação das Forças Armadas e das forças de segurança.
— Tudo que está sendo feito é uma reação midiática. Teria que ter um trabalho de inteligência para identificar os paióis de armas para ter efetividade. O que a gente viu foi o Exército fazendo perímetro, a PM entrou, mas o efeito não foi duradouro.
Joana acha que é muito forte afirmar que não houve trabalho de inteligência.
— Foi muito questionado por que não se agiu antes, por que não houve intervenção. Havia indicação de que haveria ocupação. É muito difícil, do ponto de vista operacional, ter certeza de quando vai acontecer um conflito. Até porque a Rocinha não é a única favela do Rio, e há vários indicativos disso em vários pontos da cidade.
A conversa com os dois especialistas com os quais gravei o programa dessa semana na GloboNews mostra o quanto é complexa a crise de segurança no Brasil e no Rio. A política das polícias pacificadoras deixou lições porque deu certo por algum tempo e é preciso refletir sobre o que levou a esse sucesso momentâneo para se construir uma proposta permanente.
— Não existe saída para a violência do Rio enquanto a gente tiver áreas conflagradas, com domínio de grupos criminosos armados. A nossa cidade nunca deixará de ser partida enquanto houver territórios que o Estado não controla, não detém o monopólio da força — diz Joana.
A economista acha fundamental entender as políticas, avaliar o que foi feito e voltar atrás quando for o caso. Para ela, além das UPPs, foi fundamental para o sucesso que houve tempos atrás o sistema integrado de metas. A informação e as metas são essenciais, diz ela.
Daniel lembra que as estatísticas mostram a queda de homicídios em alguns estados nos últimos anos: no Rio antes da última piora, em São Paulo e em Pernambuco no meio de um Nordeste em que as mortes aumentaram muito. É preciso avaliar o que deu certo e os erros, olhar dados, compartilhar números, ter metas. Pode ser o começo do avanço nessa área onde tudo, às vezes, parece perdido.
Luiz Carlos Azedo: O cerco à Rocinha
Os traficantes cariocas dispõem de uma topografia favorável, enraizamento social e fonte permanente de financiamento: a venda de drogas
Quem leu Os Sertões (1902), de Euclides da Cunha, e Abusado (2003), de Caco Barcellos, traça um inevitável paralelo entre a iniquidade social que deu origem ao povoado de Canudos, no sertão baiano, e a do Morro Dona Marta, na encosta de Botafogo, no Rio de Janeiro. Os Sertões conta a história de Antônio Conselheiro, um líder messiânico; Abusado, a de Marcinho VP, um traficante carioca. O soldado do tráfico é um jagunço urbano. Euclides de Cunha fez a cobertura da quarta campanha de Canudos (1896-1897) para o jornal O Estado de São Paulo. Seu livro, porém, escandalizou a opinião pública. Além de revelar a miséria e o abandono dos habitantes do interior do país, desnudou o despreparo do Exército para lidar com a situação.
Na terceira campanha contra Canudos, o coronel Moreira César, que havia reprimido a Revolução Federalista (1893-1895) e fora enviado pelo presidente Prudente de Moraes para acabar com a rebelião, liderou um desastre. Com canhões Krupp e armas de repetição, seus 1.300 soldados invadiram o arraial de 5 mil casebres com facilidade. Os jagunços não ofereceram resistência, bateram em retirada para os arredores, na caatinga, de onde fustigaram as tropas federais durante a noite. Moreira César foi morto por uma bala traiçoeira e a tropa se desorientou, perdida entre palhoças incendiadas. O tenente-coronel Tamarindo, que assumira o comando, ordenou a retirada: “É tempo de murici; cada um cuide de si!”. A fuga virou carnificina:
“Concluídas as pesquisas nos arredores, e recolhidas as armas e munições de guerra, os jagunços reuniram os cadáveres que jaziam esparsos em vários pontos. Decapitaram-nos. Queimaram os corpos. Alinharam depois, nas duas bordas da estrada, as cabeças, regularmente espaçadas, fronteando-se, faces volvidas para o caminho. Por cima, nos arbustos marginais mais altos, dependuraram os restos de fardas, calças e dólmãs multicores, selins, cinturões, quepes de listras rubras, capotes, mantas, cantis e mochilas…(…) Um pormenor doloroso completou essa encenação cruel: a uma banda avultava, empalado, erguido num galho seco, de angico, o corpo do tenente-coronel Tamarindo.
Era assombroso… Como um manequim terrivelmente lúgubre, o cadáver desaprumado, braços e pernas pendidos, oscilando à feição do vento no galho flexível e vergado, aparecia nos ermos feito uma visão demoníaca.”
O massacre
Em resposta, o ministro da Guerra, marechal Carlos Machado Bittencourt, mandou para Canudos duas colunas com mais de 4 mil homens. De janeiro a setembro, o Exército penou. O próprio Bittencourt foi para a região organizar as linhas de suprimento e o cerco a Canudos. A morte de Antônio Conselheiro, possivelmente por disenteria, facilitou a vitória do Exército, que prometeu liberdade aos que se entregassem, mas bombardeou o arraial impiedosamente. Homens, mulheres e crianças foram degolados, a “gravata vermelha”. O corpo de Antônio Conselheiro foi exumado, decapitado e queimado. Mais de 12 mil soldados de 17 regiões do Brasil participaram do massacre de 25 mil pessoas. Mais tarde, as revelações de Euclides da Cunha levaram a jovem oficialidade a engrossar o Movimento Tenentista.
As Forças Armadas cercaram a Rocinha na sexta-feira. Têm homens treinados e equipados no Haiti para esse tipo de operação, mas enfrentam uma realidade diferente da caribenha, principalmente porque não estão numa ilha nem dispõem do mesmo amparo legal para intervir. Os traficantes cariocas dispõem de uma topografia favorável, enraizamento social e fonte permanente de financiamento: a venda de drogas. Estão em situação muito melhor do que os jagunços na caatinga. Um confronto aberto resultaria numa tragédia. O cerco à Rocinha é uma missão difícil, de resultados até agora pífios. Parece até ironia, mas as favelas do Rio receberam esse nome por causa dos casebres dos soldados que lutaram em Canudos e foram morar no Morro de Providência.
Na TV Brasil, Jungmann fala sobre defesa nas fronteiras e atuação das tropas no Haiti
O ministro da Defesa, Raul Jungmann, foi entrevistado nesta segunda-feira (4) no programa “Conversa com Roseann Kennedy”, da TV Brasil. Durante a conversa, ele fala sobre os desafios de sua pasta, entre eles a necessidade de reajuste dos salários dos militares, a defesa das fronteiras do País e a atuação das tropas brasileiras nos 13 anos em que integraram a missão de paz da ONU (Organização das Nações Unidas ) no Haiti. Cita também o Plano Nacional de Segurança e as ações integradas entre a polícia e as Forças Armadas. Para o ministro, não há mágica no combate ao crime organizado no Rio de Janeiro.
Sobre o trabalho das Forças Armadas no Haiti, Jungmann fez questão de lembrar que dos mais de 37 mil brasileiros que passaram pelo país, 25 não voltaram para casa e que 18 morreram no terremoto de 2010. Disse que não se pode esquecer a memória dessas pessoas e que avalia o trabalho das tropas brasileiras como positivo.
Em relação aos novos pedidos de envio de tropas para missões de paz, o ministro informou que há hoje dez solicitações, feitas por meio da ONU, que estão sendo analisados. Acrescentou que, entre eles, o que tem maior possibilidade de ser atendido é o de uma missão de paz do Brasil na República Centro-Africana.
Ao comparar a situação no Haiti com a violência no Rio de Janeiro, o ministro lembra o poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade: “Do mesmo engano, outro retrato” . Diz que as duas situações envolvem a busca de paz e defesa da vida. “Hoje, no Rio de Janeiro, aproximadamente 800 comunidades não têm direitos constitucionais porque estão submetidas ao crime organizado. Então, é uma situação de exceção que essas pessoas vivem. Não têm segurança, não têm liberdade, não têm, muitas vezes, o direito de ir e vir”.
Segurança pública
Sobre os resultados das varreduras que o Exército vem fazendo nos presídios do País, o ministro informou que já foram presos mais de 60 criminosos e desarticulada grande parte do roubo de cargas, que chegou a cair 37% no Rio de Janeiro. Ao analisar a integração das forças policiais com a Defesa, o ministro disse que não espera resultados espetaculares em curto prazo. “Vamos fazer um trabalho duro, não há mágica. O Rio de Janeiro levou décadas para chegar a essa situação, mas eu acredito que cada vez mais vão surgir resultados melhores. E nós vamos chegar sim aos arsenais do crime organizado no Rio”.
Jungmann considera graves as situações de conflitos nos presídios que, muitas vezes, resultam em violência e chacinas. E diz ser inaceitável que ainda existam presos armados dentro das próprias prisões. “Para se ter uma ideia, quando nós estávamos aí pela décima quarta, décima quinta varredura, e a população somada dessas unidades chegava a 12 mil presidiários, nós encontramos mais de 4 mil armas brancas. Isso quer dizer que em cada três presidiários, um está armado”.
“Em alguns estados, há um acordo entre o sistema penitenciário e o crime organizado, do tipo: “Não mexe comigo, que eu não crio problemas pra você”, completou Jungmann.
O ministro é enfático ao defender que as penitenciárias não sejam utilizadas pelo crime como home office (escritório em casa) dos prisioneiros. “É preciso cortar a comunicação entre o comando do crime que está preso e os criminosos que estão nas ruas”.
https://youtu.be/_fTpgsPe5Sk
Luiz Carlos Azedo: Violência e desemprego
Grosso modo, os indicadores de violência estão associados ao desemprego e à educação. Por isso, a política de segurança pública não dá conta do problema sozinha
O referendo sobre a proibição do comércio de armas de fogo e munição no Brasil, rejeitada por quase dois terços dos eleitores, em 23 de outubro de 2005, é um dos fenômenos mal estudados da política nacional. A derrota da proibição do comércio de armas e munições foi resultado de uma reviravolta na opinião pública, ocorrida num prazo de 20 dias. No começo, 80% dos cidadãos apoiavam a proibição; quando foram apurados os votos, 63% (59,1 milhões de eleitores) votaram não; 36,6% (33 milhões de eleitores), sim. A frente parlamentar vitoriosa foi coordenada pelo ex-governador de São Paulo Luiz Antônio Fleury (PTB), um político em decadência, e pelo polêmico deputado Alberto Fraga (então PFL-DF), coronel reformado da Polícia Militar.
A chamada “bancada da bala” derrotou toda a elite política do país, ou seja, os líderes do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, o alto clero e os mais importantes representantes da sociedade civil, como a OAB, por exemplo, sem falar nos artistas e intelectuais que aderiram à campanha. O “não” venceu em todos os estados, com destaque para Rio Grande do Sul, Acre e Roraima, onde a opção recebeu cerca de 87% dos votos. O melhor desempenho do “sim” foi em Pernambuco e no Ceará, com pouco mais de 45% dos votos.
De acordo com o TSE, a abstenção foi de pouco mais de 21% dos 123 milhões de eleitores registrados. Os números se mostraram semelhantes ao resultado do segundo turno das eleições presidenciais de 2002, quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, um dos derrotados na consulta popular, se elegeu pela primeira vez. Somente 20,45% dos eleitores deixaram de votar. O direito à autodefesa e a fragilidade da segurança pública fizeram a cabeça dos cidadãos, num país em que eram assassinadas a tiros 108 pessoas por dia.
Na verdade, o cotidiano violento da população falou mais alto, num país no qual se estimava a existência de 17 milhões de armas em poder de civis. Estatísticas do governo de São Paulo, no ano anterior, revelaram que 5% das vítimas de homicídios ocorridos no estado foram casos de latrocínio (morte seguida de roubo); os demais, execuções. Uma década depois do plebiscito, a violência aumentou: o Brasil atingiu a marca recorde de 59.627 homicídios em 2014, uma alta de 21,9% em comparação aos 48.909 óbitos registrados em 2003.
A média de 29,1 para cada grupo de 100 mil habitantes também é das maiores já registradas na história do país, e representava uma alta de 10% em comparação à média de 26,5 de 2004. Os números são do Atlas da Violência 2016, estudo desenvolvido pelo Instituto de Pesquisa Econômica aplicada (Ipea) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FPSP). A pesquisa confirmou que jovens negros e com baixa escolaridade são as principais vítimas. Os homicídios representam cerca de 10% de todas as mortes no mundo, e, em números absolutos, o Brasil lidera a lista desse tipo de crime, mesmo considerando países em guerra civil, como Afeganistão, Iraque e Síria.
Humores
Grosso modo, os indicadores de violência estão associados ao desemprego e à educação. Por isso, a política de segurança pública não dá conta do problema sozinha, embora seja fundamental para reduzir os indicadores de violência, haja vista, por exemplo, a situação da crise de segurança no Rio de Janeiro, onde os indicadores vinham melhorando (redução de 33,3% de mortes por homicídio, de 48,1 para 32,1 por mil habitantes), até que o governo fluminense entrou em colapso.
O país tem 13,3 milhões de desempregados, segundo a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua, divulgada ontem pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). A redução foi de 0,8 ponto percentual em comparação ao trimestre de fevereiro a abril (13,6%), mas é irrisória, diante do fato de que a melhora foi proporcionada pela informalidade e não pela criação de vagas de carteira assinada, como era esperado. Ao comparar com o mesmo trimestre de 2016, 1,5 milhão de trabalhadores ficaram desempregados.O número de trabalhadores com carteira assinada manteve-se estável em 33,3 milhões frente ao trimestre anterior. Na comparação com o mesmo trimestre de 2016, a queda foi de 1 milhão de pessoas (2,9%).
O volume de empregados na informalidade, ou seja, sem carteira assinada, cresceu 4,6%, para 10,7 milhões de pessoas. Isso significa que 468 mil pessoas ingressaram no mercado de trabalho na informalidade (em um ano, a alta ficou em 5,6%, com 566 mil pessoas inseridas). O contingente de trabalhadores por conta própria aumentou em 351 mil, para 22,6 milhões de pessoas (1,6%), na comparação trimestral.
Há uma correlação entre os índices de desemprego e os indicadores de violência, embora não seja a única. Há que se considerar, por exemplo, o fator educação; sem falar na questão da legalização do aborto, cujo impacto nos indicadores de violência são comprovados. Desemprego e violência mexem com os humores do eleitor. Nesse aspecto, é bom lembrar o que houve no referendo das armas.