SEGUNDO SEMESTRE
O que esperar da segunda metade do ano
Brasil também sofreu com a mesma surpresa que atingiu outros bancos centrais e hoje vive um choque inflacionário bastante sério
Luiz Carlos Mendonça de Barros / Valor Econômico
Entramos no 2º semestre de 2021 com muitas incertezas dominando as previsões dos analistas de mercado sobre a economia brasileira. Para que possa mostrar com clareza minha posição preciso separar - como fui treinado a fazer ao longo do meu aprendizado profissional - o futuro em dois momentos distintos: o ciclo econômico que vivemos após a crise recessiva de 2020 e uma visão de mais longo prazo olhando os próximos anos. Hoje trato dos próximos dois anos.
Esta separação sempre esteve presente no exercício de previsões de uma economia de mercado. Mas no contexto do mundo globalizado de hoje ela ganha contornos mais complexos com a integração digital e logística dos últimos anos. Os acontecimentos imprevisíveis - Blacks Swans - em algum dos maiores países no primeiro mundo acabam tendo - por conta desta integração - efeitos sistêmicos em quase todas as nações. Foi assim com a crise do mercado imobiliário norte americano em 2008 e repetiu-se agora com a pandemia da covid-19.
Ao longo dos anos seguimos uma contínua evolução no protocolo de políticas fiscais e monetárias para enfrentar as consequências dos desequilíbrios graves criados pelos Black Swans. Ele estabelece que fica para um segundo momento, quando o pior da crise tiver passado, as medidas complementares para estabilizar o ciclo econômico e o funcionamento normal dos mercados financeiros. Mas no caso da crise gerada pela pandemia da covid, ainda que o protocolo de ações no auge da crise seja conhecido, a terapia posterior para administrar a volta à normalidade ainda é uma incógnita, como estamos vendo na maioria das economias de porte, inclusive no Brasil.
Agora, em meados de 2020, no enfrentamento da recessão criada pelo vírus e o afastamento social que se seguiu, a utilização da política de juros zero e déficits de fiscais superiores a 10% do PIB foi rápida e exitosa. O bate cabeça mundial desta vez ficou por conta da demora do enfrentamento da pandemia, o que acabou projetando no tempo os efeitos das políticas expansionistas colocadas em vigor por vários governos. Como resultado a recuperação das economias no terceiro trimestre de 2020 foi incrível, com a recuperação quase total das perdas do trimestre anterior.
Mas este bate e volta na economia real e, principalmente, a segunda onda do vírus na virada de 2021, acabaram por mascarar a recuperação da demanda em vários mercados no momento em que a maioria das empresas iniciava uma redução agressiva da oferta de alguns bens e serviços em escala mundial. A mudança rápida de consumidores e empresas para o protocolo digital da Internet certamente explica boa parte desta recuperação inesperada nos mercados. Mas de longe, a maior causa para que isto tenha ocorrido veio da China, que teve apenas um soluço em sua atividade econômica e voltou a operar acima do teto de 6% de seu ciclo econômico histórico, sustentando a demanda mundial por matérias primas.
Posteriormente, em meados de 2021, o sucesso da vacinação nas maiores economias do mundo consolidou a rápida volta do ciclo econômico acelerando a inflação de modo não esperado pela maioria dos Bancos Centrais e agentes do mercado. Com isto, vivemos o conflito das autoridades monetárias mais importantes surpreendidas por uma inflação de demanda muito forte no momento em que seguiam uma política monetária de combate a uma recessão que não mais existia.
O caso norte americano é Paramount pela intensidade da recuperação do emprego e de seu déficit comercial com o exterior e que levou a um aumento de mais de 100% no preço do frete marítimo. Ao nível mundial existem também desajustes de demanda em vários mercados de matéria prima e componentes industriais, mas a expectativa do Fed e do BCE é que estes desequilíbrios são passageiros e que devem se acomodar com o tempo. Esta tese tem sido comprada pelos investidores internacionais como mostram os níveis recordes dos principais índices ações nos mercados mais importantes.
O Brasil também sofreu com a mesma surpresa que atingiu outros bancos centrais e hoje vive um choque inflacionário bastante sério. A inflação no Brasil sofreu também a influência de uma recuperação parcial mais rápida da economia como mostram alguns indicadores recentes:
A evolução do emprego formal que chegou a mais de três milhões de novos postos de trabalho nos 12 meses terminados em junho.
O índice antecedente do emprego, medido pela FGV/Ibre, que antecipa os rumos do mercado de trabalho no Brasil, com alta de 1,6 ponto em julho, a 89,2 pontos, máxima desde fevereiro de 2020 (92,0).
A arrecadação de tributos federais que tem surpreendido os analistas
A demanda por automóveis com os estoques das indústrias produtoras em níveis mais baixos nos últimos 20 anos conforme informou o Valor.
Na mesma linha, a imprensa informou que o preço dos automóveis usados subiu mais de 40% no mercado nas últimas semanas por falta dos produtos novos mais vendidos.
Mas a crise de confiança com a nossa moeda e que levou a uma desvalorização cambial adicionou um componente inflacionário mais potente via mercado de alimentos e combustíveis, tornando o controle da inflação pelo Bacen ainda mais complexo. Isto vai obrigar o BC a implementar uma política de juros agressiva em um momento em que a recuperação cíclica da economia ainda não está consolidada e que certamente vai pesar no final de 2021 e, com maior certeza em 2022.
*Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é presidente do Conselho da Foton Brasil. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.
Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/opiniao/coluna/o-que-esperar-da-segunda-metade-do-ano.ghtml