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A política da destruição

Merval Pereira / O Globo
Foto: Isac Nóbrega/PR

Ao admitir que sempre fez parte do Centrão nos seus anos de Congresso, o presidente Bolsonaro desnuda mais uma das  muitas manobras políticas que engabelaram boa parte de seus eleitores em 2018, em busca de um salvador contra a corrupção dos hábitos políticos. Muitos outros votaram nele sabendo exatamente de quem se tratava, mas interesses pessoais de toda sorte levaram a que aderissem a uma candidatura que só poderia dar no que deu, um governo disfuncional e absolutamente sem rumo. Que tem o único objetivo de destruir o que foi construído desde a redemocratização do país, transformando-o em uma arena  regressiva guiada pela incitação ao ódio.

Acontece que Bolsonaro não tem outra escolha, a não ser se entregar ao Centrão, e a partir daí, corre o risco de perder boa parte do eleitorado. Ele joga com a possibilidade de que o candidato adversário seja o ex-presidente Lula, que não será o escolhido pelo eleitor arrependido ou decepcionado, e nesse ponto tem razão. Vejo aí um caminho aberto para a terceira via, um candidato que não seja do Centrão, nem um governante que desista de combater a corrupção por causa dos apoios eleitorais e da família.

Bolsonaro pode ganhar apoio no Legislativo, mas não entre os eleitores. É verdade que os políticos do Centrão são profissionais, sabem espalhar prefeitos e vereadores pelo país, fazem uma política eficiente de clientelismo à qual Bolsonaro vai aderir, aumentando a abrangência do Bolsa Família, por exemplo. Temos que ver como o eleitorado irá se comportar diante das outras opções. Acossado pela realidade, pode ser que algum dos candidatos já apresentados, ou um nome que surja no decorrer deste ano, se transforme numa saída de emergência para esse eleitorado que está decepcionado com Bolsonaro, e não quer a volta de Lula.
O fato é que o governo Bolsonaro vem se mostrando tão profundamente regressivo, tem feito com que o país retroceda tanto em termos civilizacionais, que se mostrou mais danoso do que qualquer outra experiência na democracia brasileira. Nascido da democracia, o bolsonarismo representa a destruição da própria democracia, e a aula inaugural do Instituto de Pesquisa de Planejamento Urbano e Regional da UFRJ (IPPUR), com um ensaio sobre a destruição na era bolsonarista, pelo cientista político Renato Lessa, se debruçou sobre esse fenômeno.

No campo da língua, ele cunha o conceito “palavra podre” para definir a linguagem como espaço de intervenção política. O indizível da véspera “passa a ser a dicção regular e quase obrigatória”. Exemplo execrável dessa intervenção destruidora na língua é a definição de uma bolsonarista nas redes sociais: “Nós não conhecemos limites”. Não é uma frase ofensiva, mas destrói uma premissa fundamental que nos conecta na sociedade. A palavra podre, define Lessa, infecta o espaço semântico, e a República passa a usar essa linguagem. A palavra, lembra Lessa, é premissa do ato.

Daí a destruição dos espaços culturais, do arcabouço da educação brasileira. Segundo Hobbes, citado por Renato Lessa, o reconhecimento da centralidade da vida é a justificativa para a existência do Estado, a vida passa a ser uma figura de direito público. “Mortes violentas e precoces são evitáveis”. O que o leva a falar da performance do governo Bolsonaro no combate à pandemia da COVID-19.

A ideia de que o indivíduo tem o direito de não usar máscara, de contaminar os outros, de se contaminar, é uma ressignificação da ideia de liberdade, denotando a impossibilidade de ver a liberdade como um direito público. “Análogo ao direito de desmatar, de expulsar as populações originárias, de tratar homossexuais, mulheres e negros da maneira “como sempre foram tratados”, naturalmente. Seria a “expressão da alma brasileira expontânea”. A mesma lógica, segundo Renato Lessa, se aplica sobre o direito de território, a possibilidade de lidar com a terra fora do direito público, o desmonte dos regramentos legais existentes. Por último, Renato Lessa destaca como um aspecto grave a desfiguração da democracia na desconstituição dos direitos básicos ao trabalho, à educação e à cultura.


Fonte:

O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/merval-pereira/


Protestos resgatam bandeira e camisa da seleção, símbolos bolsonaristas

Em SP, no sábado (24), integrantes do grupo chamado Bloco Democrático foram orientados a usar o verde-amarelo com o intuito de ofuscar a prevalência vermelha, cor ligada à esquerda

Roberto de Oliveira, da Folha de S. Paulo

Antes predominantemente vermelha, a quarta rodada de manifestações contra o governo de Jair Bolsonaro ganhou novas cores na tarde de sábado (24), na avenida Paulista. Faixas, bandeiras do Brasil e camisas da seleção, espécie de uniforme bolsonarista, foram resgatadas pelos participantes.

Com duas faixas verdes nas laterais e uma amarela no centro, uma bandeira ocupava meio quarteirão da avenida, via que vem concentrando os atos pró-impeachment.


PROTESTOS CONTRA BOLSONARO EM BRASÍLIA


Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
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Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
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Ela foi estendida logo atrás de um caminhão, estacionado em frente ao Shopping Center 3, que reuniu integrantes de um grupo que se apresenta como Bloco Democrático.

Participam desse grupo representantes de partidos como PSDB, PC do B, Cidadania, PSB, PDT, Rede e Solidariedade, além de organizações estudantis e sindicais assim como movimentos liderados pelo Acredito e pelo Agora!.

Estiveram por lá o deputado federal Orlando Silva (PC do B-SP) e Bruna Brelaz, primeira presidente negra eleita da UNE (União Nacional dos Estudantes), entre outros.

Vice-presidente municipal do PSB, Helvio Moisés, 66, explica que o uso do verde-amarelo foi uma estratégia para contrapor à predominância vermelha nas manifestações.

“Quem subtraiu a bandeira para si foi a direita durante as manifestações pró-impeachment da ex-presidente Dilma [que ocorreram em 2016]. Nós precisamos retomá-la já.”

Vestindo a camisa da seleção, Rodrigo Marques, 40, do diretório municipal do PSDB, afirmou que a camisa é do povo brasileiro. “Nem a bandeira nem a camisa da seleção pertencem ao bolsonarismo. Essa manifestação é prova disso. Todos aqui somos contra Bolsonaro, em defesa da vacinação e da vida”, disse ele.

Tanto manifestantes ligados a partidos de centro quanto de esquerda ostentavam a bandeira brasileira. Vale registrar, todavia, que a presença da camisa da seleção era mais vista entre integrantes do centro no chamado Bloco Democrático.

“A pauta é a mesma”, disse o analista de sistemas Adriano da Silva, 35. “Não importa a bandeira partidária, mas, sim, a do Brasil”, afirmou.


PROTESTO CONTRA BOLSONARO NA AVENIDA PAULISTA (SÃO PAULO)


Protestos contra Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo (24/07/2021). Foto: Alexandre Linares/Fotos Públicas
Protestos contra Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo (24/07/2021). Foto: Alexandre Linares/Fotos Públicas
Protestos contra Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo (24/07/2021). Foto: Alexandre Linares/Fotos Públicas
Protestos contra Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo (24/07/2021). Foto: Alexandre Linares/Fotos Públicas
Protestos contra Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo (24/07/2021). Foto: Alexandre Linares/Fotos Públicas
Protestos contra Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo (24/07/2021). Foto: Alexandre Linares/Fotos Públicas
Protestos contra Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo (24/07/2021). Foto: Alexandre Linares/Fotos Públicas
Protestos contra Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo (24/07/2021). Foto: Roberto Parizotti
Protestos contra Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo (24/07/2021). Foto: Roberto Parizotti
Protestos contra Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo (24/07/2021). Foto: Roberto Parizotti
Protestos contra Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo (24/07/2021). Foto: Roberto Parizotti
Protestos contra Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo (24/07/2021). Foto: Roberto Parizotti
Protestos contra Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo (24/07/2021). Foto: Roberto Parizotti
Protestos contra Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo (24/07/2021). Foto: Roberto Parizotti
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Protestos contra Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo (24/07/2021). Foto: Alexandre Linares/Fotos Públicas
Protestos contra Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo (24/07/2021). Foto: Alexandre Linares/Fotos Públicas
Protestos contra Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo (24/07/2021). Foto: Alexandre Linares/Fotos Públicas
Protestos contra Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo (24/07/2021). Foto: Alexandre Linares/Fotos Públicas
Protestos contra Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo (24/07/2021). Foto: Alexandre Linares/Fotos Públicas
Protestos contra Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo (24/07/2021). Foto: Alexandre Linares/Fotos Públicas
Protestos contra Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo (24/07/2021). Foto: Alexandre Linares/Fotos Públicas
Protestos contra Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo (24/07/2021). Foto: Roberto Parizotti
Protestos contra Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo (24/07/2021). Foto: Roberto Parizotti
Protestos contra Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo (24/07/2021). Foto: Roberto Parizotti
Protestos contra Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo (24/07/2021). Foto: Roberto Parizotti
Protestos contra Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo (24/07/2021). Foto: Roberto Parizotti
Protestos contra Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo (24/07/2021). Foto: Roberto Parizotti
Protestos contra Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo (24/07/2021). Foto: Roberto Parizotti
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Filiado ao PT, Silva disse que era a primeira vez que participava de um ato em defesa do impeachment de Bolsonaro. Ele acompanhou o caminhão do Bloco Democrático. “Mesmo porque com ele tem muitos partidos de esquerda.”

Com a bandeira brasileira nas costas, Ana Maria Rodrigues, 74, diretora da CMB (Confederação das Mulheres do Brasil), apostou no uso da peça com o propósito de agregar “uma ampla frente para derrotar Bolsonaro”.

“O uso da bandeira é um resgate dos símbolos nacionais. Precisamos dialogar com todos os setores da sociedade. A bandeira e a camisa podem somar. A luta é uma só: derrubar Bolsonoro e salvar a democracia.”

De camiseta, máscara e bandeira vermelha do CMP (Central de Movimentos Populares), Genilce Gomes, 50, ainda encontrou espaço para encaixar a bandeira brasileira no topo do mastro que carregava.

“A bandeira, a camisa da seleção e o hino são símbolos nacionais que foram sequestrados pela direita radical”, disse.

Simpatizante do PT, Genilce falou que é hora de recuperar esses símbolos, “sequestrados pelo bolsonarismo”, por meio de um gesto democrático “contra a barbárie”.

Mesmo se dizendo “vermelha de corpo e alma”, ela defende a presença da bandeira brasileira em manifestações contra o governo Bolsonaro para “fortalecer outras colorações”.

“Nossa bandeira representa a população. Sua exibição em atos democráticos tem como principal intuito resgatar o país como uma só nação.”

Para Claudia Rodrigues, 49, presidente da UBM (União Brasileira de Mulheres), movimento, segundo ela, apartidário, emancipacionista e não sexista, a esquerda teve papel muito importante nas primeiras manifestações —e segue tendo.

Mas os protestos precisam conquistar “a mente e o coração dos trabalhadores”. Na visão dela, o uso do verde-amarelo pode fortalecer o que ela chama de “alianças táticas.”


FONTE:

Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/07/ato-contra-o-presidente-resgata-bandeira-brasileira-e-camisa-da-selecao-simbolos-bolsonaristas.shtml


Quem tem medo do impeachment?

Engrossa a adesão de centro-esquerda e centro-direita à tese do afastamento de Bolsonaro, mas, em contrapartida, cresce a resistência da esquerda tradicional 

Luiz Carlos Azedo / Nas entrelinhas
Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Existe uma explicação para a surpreendente troca de ministros na Casa Civil, com a entrada do senador Ciro Nogueira (PI), presidente do PP, no lugar do general Luiz Ramos, transferido para a Secretaria-Geral da Presidência: Bolsonaro está com medo do impeachment, já não confia na liderança e na capacidade política do grupo de generais que o cerca e teme a deriva das Forças Armadas em apoio ao vice, Hamilton Mourão, um general de quatro estrelas escanteado pelo presidente da República. Entregar o coração do governo ao Partido Progressista — herdeiro da antiga Arena e do PDS, partidos que apoiaram o regime militar — foi a maneira que encontrou para evitar que a legenda governista embarque no impeachment, diante do desgaste de Bolsonaro e da pressão das ruas a favor do afastamento.

Os generais palacianos que mandavam e desmandavam no Palácio do Planalto levaram um baile dos políticos do Centrão, que se aproveitam do enfraquecimento do governo para abocanhar fatias maiores de poder e do Orçamento da União. O último lance dessa disputa de bastidor foi o vazamento da suposta ameaça feita pelo ministro da Defesa, Braga Netto, de que não haveria eleição sem voto impresso. O novo ministro da Casa Civil teria sido o portador do recado ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que vazaria a informação para as jornalistas Vera Rosa e Andreza Matais, do jornal O Estado de S. Paulo.

A dúvida é se o vazamento foi combinado entre os dois políticos ou não. Resultado: o general acabou na berlinda, mesmo tendo desmentido a informação, porque insistiu em defender a tese de que as urnas eletrônicas não são seguras, o que é uma forma de tumultuar o processo eleitoral, além de uma atitude inadequada para quem ocupa o cargo de ministro da Defesa. Nos bastidores da política de Brasília, todos sabem que Braga Netto põe pilha na radicalização de Bolsonaro e, para agradá-lo, constrange os comandantes militares, com exceção do ministro da Aeronáutica, brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior, bolsonarista convicto. A disputa entre os militares e os políticos do Centrão pelo controle político dos ministérios será a grande contradição interna do governo até as eleições.

A mudança coincide com o crescimento das manifestações de protesto contra o governo em todo o país, em parte, porque o avanço da vacinação permite que as pessoas se sintam mais seguras nas ruas, mas principalmente por causa dos quase 550 mil mortos por covid- 19 e do desmonte das políticas públicas. Esses protestos passaram por três estágios: no primeiro momento, foram manifestações convocadas pela esquerda mais radical e alguns sindicatos; depois, entraram em cena os partidos de esquerda tradicional e as centrais sindicais; agora, está se ampliando, com maior participação dos partidos de centro-esquerda, como PSDB e Cidadania, e os movimentos cívicos Vem Pra Rua, MBL, Agora,Acontece, Livres etc. Mas há contradições também na oposição.

Polarização eleitoral
O que une os protestos de rua é o “Fora Bolsonaro”, ou seja, a oposição ao governo; o impeachment de Bolsonaro empolga o senso comum oposicionista, mas não é unanimidade. Há setores que não concordam com a tese, porque afastar Bolsonaro significa entregar o governo ao general Hamilton Mourão, vice-presidente da República, e abrir espaço para a consolidação da hegemonia militar, além de facilitar o surgimento de uma candidatura conservadora competitiva, que pode ser a dele próprio e/ou de outro candidato. Esse posicionamento parte sobretudo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que lidera as pesquisas de opinião sobre as eleições de 2022.

Esse favoritismo do petista engrossa a adesão de setores de centro-esquerda e centro-direita à tese do impeachment, mas, em contrapartida, aumenta a resistência da esquerda tradicional ao afastamento, pois prefere um embate eleitoral com Bolsonaro. Há uma espécie de “me engana que eu gosto”. Uns fingem que querem o impeachment e só jogam para a arquibancada; outros dizem que são contra, mas, se houver necessidade de se livrar de Bolsonaro para permanecer no poder, não hesitarão em entrar na conspiração no Congresso, como já aconteceu antes com os presidentes Collor de Mello e Dilma Rousseff.

No terceiro ano de mandato, o governo Bolsonaro fracassa em três frentes: a econômica, a social e a sanitária. Até agora, não tem volume de entregas administrativas para garantir a própria reeleição. Bolsonaro confia o governo aos aliados do Centrão para sobreviver e chegar às eleições como alternativa de poder, na polarização com Lula. Para isso, precisa evitar o surgimento de um candidato competitivo de centro. Isso coincide com os interesses eleitorais de Lula, que também não quer uma “terceira via” que possa ameaçá-lo no segundo turno. Na velha dialética, essa é a lei da “unidade dos contrários”.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-quem-tem-medo-do-impeachment/

Vitórias parciais e novos desafios ao sistema político

Paulo Fábio Dantas Neto / Democracia Política e novo Reformismo
Foto: Marcelo Casal Jr/Agência Brasil

Prossigo, como fiz na semana passada, batendo na tecla de que, ao reverso do que ocorreu em 2018, dessa vez a caravana da política precisa passar. A defesa do sistema político que temos é das mais elementares condições para que se produza um desfecho democrático da crise de múltiplas faces que a política brasileira vem enfrentando há quase uma década e se exorcize os fantasmas de metástase que passaram a ameaçar nossa república, desde que, naquele ano, um autocrata extremado chegou, pelas urnas, à sua presidência.

Essa reflexão é institucional e, também, política. O sistema de governo, o sistema eleitoral e o sistema partidário são partes solidárias de um todo que, bem além de reproduzir um modelo formal de democracia representativa tendente à tolerância e à produção de consensos, pelos freios e contrapesos de poder que o constituem, tem sido, de fato, um ambiente interativo de negociação política refratário às intenções do autocrata de forjar sua autocracia, por meio de uma polarização radical. Nossa ordem política funda-se em boa doutrina e num saldo positivo quanto aos resultados políticos de suas virtudes e mazelas. As primeiras facilitam que, ao lado desse sistema, atue, com razoável autonomia, uma sociedade civil cada vez mais vigilante. Soma-se, então, aos próprios freios e contrapesos formais do sistema, uma opinião pública nada indulgente com as segundas.

Em artigo atual (“Dribles na tirania” – Revista Veja, edição em circulação), a jornalista Dora Kramer apresentou evidências recentes da dinâmica política que produz o saldo positivo. Elas revelam um padrão de conduta, do Congresso e de partidos em geral, em que, ao lado do sempre lembrado “toma-lá-dá-cá”, vigora um geralmente subestimado “chega pra lá”. Desenham-se, assim - lembra Kramer –, a frustração da manobra golpista da exumação do voto impresso para deslegitimar as eleições, bem como contenções legais , tardias e bem vindas, à militarização desmedida do Poder Executivo e da administração pública e ao uso autoritário da LSN, em si mesma entulho autocrático cujos dias parecem estar contados.

Por outro lado, é por esse mesmo Congresso – mais exatamente pela Câmara dos Deputados – que tem encontrado passagem uma boiada reacionária, subversiva de direitos, que emana da agenda do governo. A operação passa graças a espaços pródigos abertos a partidos e parlamentares fisiológicos na composição ministerial, sendo dessa mesma natureza a mudança em curso, nessa composição, cujo sentido é fazer prevalecer, no Senado Federal, a mesma atitude de prevaricação política. Que é do jogo, não se pode negar. Mas não se pode deixar de apontar que, nesses casos, os efeitos são nefastos.

O reconhecimento concomitante das virtudes e das mazelas é indispensável para se avaliar com realismo e a devida ponderação a presente conduta de diferentes facções da elite política no âmbito dos partidos e dos poderes Executivo e Legislativo. Os limites que a política real tem mostrado, no enfrentamento das ameaças à democracia, por omissão ou por ações na contramão da república, precisam ser investigados e iluminados, assim como é necessário considerar como ameaças poderiam ter sucesso se estivesse ausente o muro de contenção que, com seu barro impuro, a política institucional tem erguido à barbárie.  

Essa complexidade exige condução cuidadosa. Daí precisar ser tratada de modo sério e responsável por quem faz e por quem toca a agenda de partidos e de poderes da República. É mesmo uma orientação, digamos, metodológica inescapável da ordem do dia de atores institucionalmente poderosos. Frequentemente a afinação dos instrumentos da orquestra sistêmica soa mal aos ouvidos de uma sociedade que não tem gosto pela partitura da política. Gera-se um contencioso entre estado e sociedade que, se não se contiver em limites razoáveis, por ambas as partes, compromete pacto e consensos que são necessários, entre elas, para defender a república e a democracia dos inimigos comuns.

Veja-se, por exemplo, a questão do fundo financiador da atividade eleitoral dos partidos.   Essa questão é mais complexa e delicada do que parece. A opinião pública reage a todo dispêndio público com partidos e eleições. Mas não podemos esquecer que desde 2018 proibiu-se o financiamento empresarial e por demais pessoas jurídicas, por conta do clima de escândalo reinante sob a operação Lava-Jato. De fato, o financiamento empresarial gerava custos de campanha absurdos e elitizavam a representação. Era preciso conter a farra, parteira de uma promiscuidade entre setor público e empresas privadas. Mas se o STF foi aplaudido quando resolveu dar freio radical naquilo (poderia ter havido fixação de limites, mas sob pressão do clima de faxina, optou-se pela proibição) de algum lugar haverá de sair o dinheiro. Para haver competição democrática não apenas é necessário, mas também desejável, que advenha de recursos públicos. Senão, será candidato com chance real de competir apenas quem tiver recursos próprios para financiar sua campanha, ou – ao se vedar também, ou limitar fortemente, o uso desse tipo de recurso - quem possa dispor de apoiadores individuais abastados, ou quem já tenha mandato e, através dele, acesso privilegiado a meios de comunicação. Seria uma oligarquização ainda maior do que aquela, propiciada pelo financiamento empresarial.   Portanto, é preciso ter como premissa que o fundo público para financiar eleições via partidos não tem nada de espúrio. É legitimo, necessário, democrático, o que se pode e deve discutir é seu montante.

Chega-se aí a outro ponto: é intuitivo e, também, induzido pela experiência da sociedade brasileira em lidar com a ambição e ousadia de interesses corporativos (inclusive, mas não apenas, de agentes estatais e da elite política), que o montante previsto é exagerado. Isso tem de ser avaliado e comprovado com critérios objetivos e comparativos com a eleição de 2018, que foi a mais recente eleição do porte da próxima, que envolverá Presidência da República, Senado, Câmara dos Deputados, governos estaduais e assembleias legislativas. É razoável tomar aquela eleição como parâmetro e fazer naquele valor correções mínimas, tendo em conta o contexto crítico que se atravessa. Mas não é razoável dizer que o fundo é ilegítimo, nem que deva ser depreciado, pois é do financiamento da democracia que se trata. De uma democracia ameaçada, sob fogo cerrado. Se a sociedade não quiser financiar eleições e o setor privado está proibido de fazê-lo legalmente, o dinheiro virá de alguma fonte do submundo. O preço a pagar será maior.

Em resumo: democracia não sai grátis, nem barato. Ela é vital para tudo o mais e o discurso de opor gastos com eleições a, por exemplo, com o auxílio emergencial é de um populismo politicamente esperto, porém, raso e vizinho da demagogia. As duas coisas são essenciais nesse momento. O que falta para o auxílio emergencial e outras políticas sociais inadiáveis precisa ser buscado em rubricas que alimentam posições plutocráticas e não nas que financiam a democracia, desde que estejam razoavelmente dimensionadas.

Enquanto os olhares da sociedade são desfocados para uma cruzada contra o fundo de financiamento das eleições, nova boiada – essa sim, espúria - está prestes a passar no Congresso sem que até mesmo os canais de comunicação estejam lhe dando o merecido destaque. Políticos individuais (negam-se como elite política pela simples razão de que operam para destruí-la) sem outro mister senão a contemplação grosseira e politicamente malsã do auto-interesse, organizam-se para liquidar, de um só golpe, o sistema eleitoral e o sistema partidário, através de o chamado “distritão”, pelo qual se consagra o candidato de si mesmo, mandando às favas o sentido institucional da política.

Os pormenores desse projeto e seus previsíveis efeitos requerem nova coluna.  Mas o mais evidente deles será imediato (os de longo prazo ainda são incomensuráveis) Anulará, na prática, os efeitos do fim das coligações partidárias em eleições proporcionais (para deputados e vereadores), a melhor medida de reforma política que o Congresso anterior aprovou, em 2017. Em vez de fortalecer os partidos e dar consistência maior ao sistema partidário – possibilidades que não são quimeras, como mostraram os resultados eleitorais de 2020, já sob efeito da reforma anterior - a destruição institucional de agora, autonomeada de reforma, pode converter os partidos em entidades fantasma e revogar qualquer traço de sistema partidário digno desse nome, no Brasil.

A aprovação dessa matéria, tida como provável, dá uma medida das sequelas da eleição de 2018, do retrocesso político que o seu resultado causou, ao alterar de modo radical a composição das Casas legislativas entronizando ali contingentes expressivos de pregadores e praticantes de antipolítica. Convém recordar que o Congresso anterior recebeu as críticas moralistas de sempre, de ter aprovado a reforma de 2017 exclusivamente movido pelo interesse de reeleição dos então parlamentares. Essa obviedade foi guindada à condição de descoberta e assim denunciada, sem se considerar que, naquele momento, auto-interesse e aperfeiçoamento do sistema estavam sendo, simultaneamente, contemplados.

Mas havia uma cobrança de dimensão eleitoralmente relevante por parte de um sentimento público, alimentado por uma direita voluntarista, que clamava por "renovação", eufemismo que traduzia o desejo de exterminar a classe política, suposta responsável pelas mazelas da hora e pelas de sempre. A força desse senso comum de inspiração demagógica cegava a maioria das análises para os fatores institucionais e a isso se somava o ressentimento da esquerda para com o então Congresso, que havia votado o impeachment de Dilma Rousseff.  Então, tome pedras, vindas de todos os lados. Mas, na verdade, aquela reforma preservava e aperfeiçoava o sistema no mérito e no modo incremental que, há anos, vinham sendo cobrados pelas mesmas consciências críticas que seguiam, naquele contexto perigoso, apontando o dedo acusador para o "corporativismo" de uma elite parlamentar que apenas lutava para não ser varrida do mapa, a jatos de demagogia. Aí está agora, para que comparemos com a reforma de 2017, essa mixórdia do distritão, que reforçará, exponencialmente, tudo contra o que se batia a lógica da faxina.  Se passar, será a mais nova cria com digitais e DNA da "nova política" vencedora em 2018.

O sistema político brasileiro - em sua ambiguidade tradutora da ambiguidade da própria política que processa - tem diante de si duas possibilidades de afirmação permitidas pela pauta atual do Congresso. A de revisar, sem capitular, os termos em que está posto o fundo eleitoral e a de se recusar a cometer, com o distritão, um haraquiri político num instante em que a democracia da Carta de 88 precisa que seu hardware político sobreviva íntegro a essa crise, para retomar, com reformulações incrementais típicas de democracia em modo gerúndio, a trajetória ascendente e socialmente inclusiva de suas duas primeiras décadas.

*Cientista político e professor da UFBa.


Fonte:
Democracia Política e novo Reformismo

https://gilvanmelo.blogspot.com/2021/07/paulo-fabio-dantas-neto-vitorias.html


Luiz Carlos Azedo: O general linha-dura

Braga Netto assumiu a Defesa para pressionar os demais Poderes e resgatar a tutela militar sobre as instituições. O que consegue, porém, é desgastar as Forças Armadas

Desde que assumiu o Ministério da Defesa, o general Braga Netto tem atuado para alinhar as Forças Armadas aos objetivos políticos do presidente Jair Bolsonaro. Extrapola, porém, as atribuições do cargo, ao se pronunciar sobre temas políticos que não dizem respeito nem demandam o posicionamento do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. Como na desequilibrada nota contra a CPI da Covid, que foi emitida em nome dos comandantes militares, sem que saio menos um deles, com certeza, tenha sido consultado. Mesmo quando nega ter pressionado o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a aprovar a proposta de voto impresso, sob risco de as eleições não serem realizadas, Braga Netto se manifesta sobre o assunto de forma inapropriada, pois é prerrogativa do Congresso decidir a questão sem se submeter a chantagens. Na prática, a nota reverbera de forma ambígua as suspeitas e ameaças do presidente Jair Bolsonaro ao pleito.

Pode ser que Braga Netto esteja confundindo os papéis de antigo ministro da Casa Civil, no qual desempenhava importantes missões políticas, e de ministro da Defesa, que não deve se imiscuir nas relações entre os Poderes. Em vez de se espelhar no figurino dos ex-ministros da Defesa Joaquim Silva e Luna, o primeiro militar a ocupar um cargo criado para ser exercido por civis, e de seu antecessor Fernando Azevedo e Silva, que se recusou a desempenhar esse papel, Braga Netto vestiu a fantasia dos generais linha-dura que pontificaram durante o regime militar — até o presidente Ernesto Geisel demitir o general Sílvio Frota, seu ministro do Exército.

Apesar dos desmentidos à matéria publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, de autoria das jornalistas Vera Rosa e Andreza Matais, houve a conversa do interlocutor de Braga Netto com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que não desmentiu a informação, tergiversou. Nos bastidores do Congresso, comenta-se que o portador do recado fora ninguém menos do que o senador Ciro Nogueira (PP-PI), que assumirá a Casa Civil no lugar do general Luiz Ramos. Mente-se muito na política, embora a mentira acabe quase sempre desnudada. Mente-se muito mais nos jogos de guerra. Os militares chamam isso de contrainformação, cujo objetivo é impedir ou dificultar o acesso à informação verdadeira, mediante, principalmente, a divulgação de informações diversionistas. O Palácio do Planalto trabalha nessa linha, não preza a transparência nem a informação de interesse público.

Por exemplo, o YouTube acaba de retirar do ar 15 lives do presidente Jair Bolsonaro sobre a pandemia da covid-19, por conterem informações falsas. O general Braga Netto, como chefe da Casa Civil e coordenador do governo no combate à pandemia, foi um dos construtores da narrativa negacionista e das desastradas ações do Executivo que defendiam o uso maciço da cloroquina e outros medicamentos ineficazes no combate ao coronavírus. Essa narrativa, até hoje, está presente nas redes sociais e somente fracassou porque o Brasil já registra 546 mil mortes pela doença. Mais cedo ou mais tarde, Braga Netto será chamado a depor na CPI do Senado, que investiga a atuação do Ministério da Saúde na pandemia, por sua atuação na Casa Civil.

Melar as eleições
A polêmica sobre o voto impresso é um case de contrainformação. A narrativa de Bolsonaro falseia a realidade com objetivo de melar as eleições de 2022, caso seja derrotado, como tentou o ex- presidente dos Estados Unidos Donald Trump, em quem se espelhou, ano ser derrotado pelo presidente Joe Biden. Quanto maior o favoritismo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas pesquisas de opinião e a desaprovação do governo, mais recrudescem os ataques de Bolsonaro à urna eletrônica, em que pese nunca ter apresentado provas de fraude na apuração das eleições de 2018, que afirma, fantasiosamente, ter ganhado no primeiro turno.

Braga Netto substituiu o general Fernando Azevedo para pressionar os demais Poderes e resgatar a tutela militar sobre as instituições republicanas. O que vem conseguindo, porém, é desgastar as Forças Armadas, como no episódio da não-punição do exministro da Saúde Eduardo Pazuello por ter participado e se manifestando no desfile de motociclistas bolsonaristas no Rio de Janeiro, mesmo estando na ativa. A politização das Forças Armadas e seu envolvimento na política em si é uma ameaça à democracia. O presidente Bolsonaro tenta cooptar militares da ativa para seu projeto autoritário ao requisitá-los para exercer funções civis no governo; de igual maneira, ao estimular pronunciamentos como o do ministro da Aeronáutica, brigadeiro Carlos de Almeida Baptista.

Entretanto, não existe um ambiente favorável a um golpe de Estado no país, muito pelo contrário, cresce a campanha pelo impeachment. Por isso, a retórica do presidente da República contra a segurança da urna eletrônica e as pressões de Braga Netto para aprovação do voto impresso soam como uma espécie de déjà-vu político. Esse morde-assopra é uma tática conhecida de contrainformação, que os militares utilizam em tempos de guerra, para testar suas cadeias de comando e a capacidade de resistência do inimigo. Por essa razão, tanto o Judiciário quanto Congresso precisam exercer com firmeza suas prerrogativas constitucionais, entre as quais, decidir sobre o sistema de votação e limitar a presença de militares da ativa em cargos civis.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-o-general-linha-dura/

Janio de Freitas: Fuga do general Eduardo Pazuello é covardia

Se a balbúrdia na CPI da Covid continuar como nas primeiras sessões de interrogatórios e proposições, pode-se esperar que traga contribuição importante, apesar de não se pressentir qual seja. O tumulto dá a medida da fragilidade e do medo bolsonaristas diante da cobrança por sua associação à voracidade letal da pandemia.

Mas a clarinada do “não me toques”, protetora de militares acusados ou suspeitos de qualquer impropriedade, não resolverá o caso Pazuello. Militares valendo-se do Exército para fugir da responsabilidade por seus atos, convenhamos, até parece parte da concepção de ética militar. Os generais que mantiveram a ditadura de Getúlio, os do golpe de 64, do golpe de 68, os oficiais da tortura e dos assassinatos, os do Riocentro, esses e muitos outros construíram a praxe.

Nisso há distinção. Os escapismos que recaem na reputação do Exército cabem, antes de tudo, à corporação, à oficialidade, não à instituição. É a deseducação cívica em atos. A fuga de Eduardo Pazuello vai além: não vem da arrogância infundada, ou de uso do Exército para se imaginar acobertado por conveniência da instituição. É covardia, a mesma covardia que o impediu de repelir ordens contrárias ao bom senso, ao dever do cargo e à vida de milhares.

novo comandante do Exército, Paulo Sérgio de Oliveira, mostrou-se preocupado com reflexos, sobre o Exército, do que haja no depoimento de Pazuello à CPI. Esse problema é de Pazuello e de Bolsonaro. Não é assunto militar, logo, o Exército não tem de se envolver. Se o fizer, aí sim, merecerá arcar com todos os reflexos dos crimes contra a humanidade presentes em grande parte do morticínio de mais de 400 mil brasileiros.

A ROTINA

O massacre do Carandiru pela polícia de São Paulo, o maior da história com o extermínio de 111 presos encurralados, motivou incontáveis protestos sob formas variadas. Com efeito que não foi além dos próprios assassinatos. Na Amazônia, massacres policiais ocorrem em sequência só igualada pela inconsequência punitiva. No Rio, os 28 mortos da favela do Jacarezinho compõem o maior massacre policial na cidade e motivam protestos incontáveis. Três exemplos da rotina sinistra que todo o Brasil mantém, com diferenças apenas aritméticas.

Nem a rotina, nem os protestos, nem a insegurança —nada interfere na correnteza desumana. A mais recente solução prometida para o Rio foi protagonizado pelo hoje ministro da Defesa, general Braga Netto. Chefe da intervenção federal na Segurança do estado, feita por Michel Temer, chegou proclamando a “limpeza da polícia” como prioridade e eixo da solução. Com um bilhão para tal. De notável, comprou enorme frota de carros, armas e equipamentos de comunicação. No mais, a tal limpeza talvez tenha ficado nos muros de quartéis, onde vigora a obsessão por pintura de paredes e postes. Os métodos ficaram intocados.

O armamento dado como apreendido no Jacarezinho é espantoso. Pela quantidade e, ainda mais, pela qualidade: todo moderno e novo, incluindo duas submetralhadoras. É sempre arriscado aceitar essas apreensões como verdadeiras, mas não há dúvida de que armas continuam entrando a granel no Brasil. Por ora, para uso bandido. E ainda imaginam que o perigo de conflito está na Amazônia, com estrangeiros.

Todo o problema policial foi construído na ditadura, com as PMs postas sob comando de militares do Exército e métodos norte-americanos. E com os seus esquadrões da morte, “homens de ouro” e impunidade. Todo plano de solução é ineficaz se não busca eliminar esse legado.

RIQUEZA FÁCIL

A juíza Mara Elisa Andrade determinou a devolução da madeira ilegal, objeto da maior apreensão já feita, que causou o incidente entre o delegado Alexandre Saraiva e, defensores dos madeireiros, o ministro Ricardo Salles e o senador Telmário Mota. A juíza considerou faltarem, no inquérito, as datas de corte das árvores, o período em que a estrada clandestina foi aberta e se o uso dela é exclusivo.

É assim, com esses desvios, que nunca prendem nem prenderão os grandes e enriquecidos desmatadores-contrabandistas. E Mara Elisa é juíza, não por acaso, na 7ª Vara Federal Ambiental e Agrária do Amazonas.

Fonte:

Folha de S. Paulo

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/janiodefreitas/2021/05/fuga-do-general-eduardo-pazuello-e-covardia.shtml

 


El País: Bolsonaro tem alta na popularidade e só Lula o venceria no 2º turno em 2022, mostra pesquisa Atlas

Flávia Marreiros, El País

O presidente Jair Bolsonaro obteve uma melhora em seu nível de popularidade neste mês de maio em relação a março, revela pesquisa Atlas divulgada nesta segunda-feira. De acordo com os números, 40% da população aprova o desempenho do ultradireitista, contra 35% em março. A desaprovação também teve leve queda e foi de 60%, há dois meses, para 57% agora. A margem de erro da pesquisa é de dois pontos percentuais para mais ou para menos.

Para Andrei Roman, CEO do Atlas, a melhora de Bolsonaro tem relação direta com a volta do pagamento do auxílio emergencial, a partir de abril, apesar de ter valores mais baixos do que os do benefício pago em 2020. Na visão de Roman, há ainda “um alívio relativo em relação a situação da pandemia no país”, destaca. “A pesquisa anterior, de março, foi feita no ponto de maior estresse”, pondera ele. Março e abril foram os meses mais letais da pandemia até agora no Brasil. A média de mortes caiu nas últimas semanas, mas especialistas apontam que ainda é cedo para qualquer comemoração e alertam para risco de uma nova onda de contágios com os encontros do Dia das Mães neste fim de semana. Como esperado, os índices de avaliação do Governo Bolsonaro também exibiram melhora: 31% (contra 25% em março) consideram a gestão ótima e boa, contra 53% que a consideram ruim ou péssima (eram 57% em março).

Lula também tem melhora e 2022

A pesquisa Atlas também mostra que a melhora da popularidade de Bolsonaro se refletiu em uma melhor performance nas simulações eleitorais para a corrida pela sucessão presidencial em 2022. O presidente lidera numericamente a corrida no primeiro turno, quer com a presença do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ou não. Com Lula, aparece em empate técnico. Tanto o mandatário como o petista tiveram melhor desempenho em maio em relação a março. Bolsonaro foi de 32,7% de intenção de votos há dois meses para 37%. O petista, que conseguiu reaver seus direitos políticos após decisões do Supremo Tribunal Federal que eliminaram o veto da Lei da Ficha Limpa, também surfou na nova conjuntura. No período, o ex-presidente foi de 27,4% em março para 33,2% em maio na simulação de intenções de voto no primeiro turno.

Lula, inclusive, é o único que continua vencendo o atual ocupante do Planalto em 2022 em um eventual segundo turno, fora da margem de erro da pesquisa. O ex-presidente aparece com 45,7% contra 41% de Jair Bolsonaro, uma diferença de quase cinco pontos percentuais, quando a margem de erro da pesquisa é de dois pontos. Ciro Gomes (PDT) e o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta (DEM) aparecem numericamente à frente de Bolsonaro, mas em ambos os casos estão tecnicamente empatados.

Para Andrei Roman, Bolsonaro se beneficia da fraqueza cada vez maior de seus antigos rivais diretos no espectro de direita e centro-direita, com a redução da figura o ex-juiz Sergio Moro (aparece com 4,9% quando tinha 9,7% em março). “Há ainda a canibalização deste espaço com a entrada do Danilo Gentili”, aponta. O humorista e apresentador de TV vem sendo ventilado como um candidato da direita ―pelo mundo, vários comediantes já tentaram a sorte nas urnas como nomes antissistema, alguns com sucesso. Na pesquisa, Gentili aparece com 2%. Veja os demais nomes na simulação de primeiro turno.O levantamento também mediu a imagem positiva e negativa dos líderes. Nesse quesito, Lula e Bolsonaro aparecem quase numericamente empatados em termos de rejeição.PUBLICIDADE

A pesquisa Atlas foi realizada com 3.828 entrevistas entre os dias 6 e 9 de maio, todas feitas por meio de questionários aleatórios via internet. As respostas são calibradas por um algoritmo de acordo com as características da população brasileira.

 

Fonte:

El País

https://brasil.elpais.com/brasil/2021-05-10/bolsonaro-tem-alta-na-popularidade-e-so-lula-o-venceria-no-2-turno-em-2022-mostra-pesquisa-atlas.html

 

 


Andrea Jubé: Mandetta quer ser o “radical de centro”

Um político experiente que opera no circuito Brasília-São Paulo vê a corrida presidencial de 2022 como uma prova de resistência, e não de velocidade. Nesse quesito, o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, presidenciável do DEM, estaria com fôlego de atleta.

Depois de suportar as nove horas de depoimento aos senadores da CPI da Pandemia na semana passada, Mandetta submeteu-se ontem ao escrutínio de um público igualmente severo e influente nas eleições. O ex-ministro foi ouvido durante quase três horas pelos membros da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), que reúne parte importante do empresariado paulista.

A coluna procurou representantes da entidade que assistiram à conferência do pré-candidato, que não foi aberta à imprensa ou ao público em geral. Ouviu que Mandetta surpreendeu positivamente ao não restringir sua fala ao cenário pessimista sobre a pandemia, e revelar-se apto ao debate de outros temas candentes, como a defesa da democracia, reforma tributária, educação, segurança pública e combate à desigualdade.

Segundo relatos, Mandetta colocou-se como pré-candidato, mas, também, como cabo eleitoral influente. Pesquisa divulgada ontem pelo Instituto Atlas mostrou Mandetta empatado com o presidente Jair Bolsonaro no segundo turno, e numericamente à frente de Ciro Gomes (PDT).

“Estou aqui para ajudar”, ofereceu-se na conversa com os empresários. Adiantou que, se for para contribuir, retira o nome da disputa. “A não candidatura também é um ato político de união para esse país”.

Idealizador do manifesto pela consciência democrática, que reuniu os seis pré-candidatos à Presidência, Mandetta fez um novo alerta ao tensionamento das instituições, disse que é preciso garantir a realização das eleições no ano que vem com lisura, e que não se tem dado atenção devida ao questionamento que vem sendo feito à integridade das urnas eletrônicas.

Segundo uma fonte que assistiu à palestra, sem citar Bolsonaro, Mandetta disse que a exigência do voto impresso tem sido feita “quase como uma ameaça” de não se aceitar o resultado, e completou que este pode mesmo não ser o que os governistas esperam.

Sobre a reforma tributária, Mandetta disse que se não houver uma liderança com capacidade de negociação e diálogo para evitar a ampliação da carga tributária, e em contraponto, assegurar leveza e simplicidade aos negócios, nada acontecerá.

Ele advertiu aos empresários que a tributação dos serviços é um alvo, e seria uma saída “perversa”, diante da desindustrialização do país, e já que o agronegócio tem uma blindagem política eficiente.

O ex-ministro também alertou que está muito próxima a solução árida de novo ciclo de aumento de taxa de juros, cenário adverso para os empresários que lidam com crédito. Recomendou a aprovação do projeto de valorização do bom pagador.

A coluna apurou que diretores da entidade reclamaram de não serem ouvidos na discussão da reforma, e da iniciativa do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), de fatiar a proposta.

Convidado para o evento, o cientista político Antonio Lavareda exortou Mandetta a participar de um debate público com os demais presidenciáveis do centro político para explicitar não a concordância entre eles, que é a defesa da democracia, mas para explicitar as diferenças, o que ajudaria a afunilar a disputa.

Mandetta mostrou-se disposto ao embate público, mas aproveitou para rechaçar a crença generalizada de que o centro é “amorfo”, sem luz própria. “Eu quero ser um radical de centro, um radical de bom senso, radical de coisas bem feitas, um radical de Brazilzão”, declarou, segundo relato de dois espectadores.

Mandetta acrescentou que tem “pressa”, mas ponderou que o tempo da política difere para cada um. Na presença do secretário especial do governo de São Paulo em Brasília, Antonio Imbassahy, aguerrido aliado de João Doria, lembrou que há no PSDB quem queira adiar as prévias do partido para março.

Completou que a persistir a fragmentação do centro, o eleitor votará no pleito de 2022 em quem odiar menos, e observou que não se pode construir um país baseado no ódio.

No fim de abril, o Valor publicou uma pesquisa exclusiva, encomendada ao Instituto Travessia, sobre as chances de sucesso de uma candidatura de centro. Na pesquisa estimulada, 35% aderem a nomes desse espectro. Nesse conjunto, Mandetta arrebata 2% dos votos.

Na qualitativa, Mandetta se sobressaiu ao empatar com Luciano Huck: ambos são considerados os mais simpáticos. Ao lado de Doria, desponta como o mais trabalhador, e é o mais qualificado no debate da saúde.

Nas qualitativas do DEM, é lembrado como homem de família (é casado há 32 anos), de valores conservadores, com interlocução com o agronegócio, e com profissionais da saúde. É considerado “mais brasileiro” do que o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), porque o gaúcho “não expressa o sentimento de alguém do Centro-Oeste”, disse à coluna um integrante da Executiva do DEM.

Mas o DEM que fique atento, porque Mandetta está no radar de outros partidos. Um cacique do MDB disse à coluna que o ex-ministro é um “belo quadro, com enredo que, se bem construído, pode ter um diálogo bacana com a classe média”.

Quando ainda havia a hipótese do ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (RJ), de saída do DEM, filiar-se ao MDB, lideranças emedebistas cogitaram o convite para que Mandetta acompanhasse o aliado. O ex-ministro ouve críticas de que não pode se apresentar como adversário de Bolsonaro em uma legenda que tem dois quadros no governo: os ministros Onyx Lorenzoni e Tereza Cristina.

No fim da palestra, Mandetta propôs uma chapa: disse ao presidente da ACSP, Alfredo Cotait Neto, presidente do PSD paulista, que a senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP) seria uma “vice tão boa, embaixadora internacional do Brasil”. Cotait é ex-senador e suplente de Gabrilli. Em tom gaiato, sugeriu a Imbassahy que consultasse o alto tucanato sobre a chapa.Postado por Gilvan Cavalcanti de Melo às 07:54:00 

Fonte:

Valor Econômico

https://valor.globo.com/politica/coluna/mandetta-quer-ser-o-radical-de-centro.ghtml


Vinicius Torres Freire: Mortos de fome, de Covid, a bala, muitos pobres não largam Bolsonaro

Pouco antes do segundo turno de 2018, o Datafolha perguntou qual era o candidato a presidente que mais defendia os ricos. Deu Jair Bolsonaro com 55% e Fernando Haddad (PT) com 22%.

Quem mais defendia os pobres? Haddad, 54%, Bolsonaro, 31%. Os mais pobres, com renda familiar de menos de dois salários mínimos, eram algo mais estritos na definição de classe: Bolsonaro defendia os mais ricos para 59%, Haddad defendia os mais pobres para 60%.

“Tudo bandido”, disse Hamilton Mourão sobre os mortos do bairro pobríssimo e apartado do Jacarezinho (“apartado” também no sentido de “apartheid”).

No que interessa aqui, tanto faz qual era a situação jurídica das vítimas do massacre: tanto fazia para Mourão. No universo mental bolsonariano atira-se primeiro, esquece-se depois. Os pobres e apartados em geral são “tudo bandido”, filho de porteiro que tira zero, empregada que viaja para fora, filho desajustado de mãe solteira, quilombola gordo imprestável etc. Tudo isso é mui sabido, inclusive o autoritarismo da turma: naquele Datafolha, Bolsonaro era o mais autoritário para 75%.

Nem o insulto bolsonarista nem a injúria da vida dura bastam para fazer com que os pobres larguem de vez Bolsonaro. É ingenuidade citar estatísticas socioeconômicas para explicar bolsonarices, mas convém lembrar delas.

Foram os pobres que mais perderam emprego e renda na epidemia, bidu, os que mais ficaram sem escola ou mesmo merenda. Segundo os estudos disponíveis (com dados do ano passado), são os que mais adoecem e morrem de Covid-19.

Nos últimos 12 meses, a inflação média para pessoas de renda muito baixa foi de 7,2%; para as de renda alta, 4,7% (dados da Carta de Conjuntura do Ipea). Desde que Bolsonaro assumiu, a inflação média (IPCA) acumulada foi de 11,2% —o salário médio subiu menos do que isso, o dos mais pobres, informais, menos ainda, isso quando têm renda de trabalho. A inflação média da comida foi de 28,9%.

Apenas entre os mais pobres Haddad deve ter vencido a eleição, segundo o Datafolha da véspera da votação de 2018. No Datafolha mais recente, de março, 30% do eleitorado dá “ótimo/bom” a Bolsonaro, com diferenças estatisticamente irrelevantes entre as classes de renda. Mas a taxa de decepção com Bolsonaro é muito maior entre os mais ricos (medida pela diferença entre a parcela dos que dão nota “ótimo/bom” agora e a votação em 2018).

Os pobres das grandes cidades vivem sob ocupação de milícias e facções, que são também polícia do Estado de terror. A milícia é um modo alternativo de ascensão social, por assim dizer, de ex-militares de baixa patente e agregados, a mobilidade de parte do precariado. Já tem vínculos firmes com a política municipal de regiões metropolitanas, avança nas Assembleias e pôs um pé no Congresso e no poder federal, vide os Bolsonaro.

A ocupação dos bairros pobres assim se institucionaliza, também no sentido de ter apoio estatal permanente. Em um movimento de pinça, os Bolsonaro apoiam tanto matanças policiais como milícias nos bairros pobres. Apresentadores de TV sanguinários fazem a propaganda do bolsonarismo político e militar-miliciano.

É fácil perceber que diagnósticos socioeconômicos não ajudam a explicar a persistência do bolsonarismo popular, como não explicavam parte da política, digamos, normal. Mas cabe a pergunta, que não é acadêmica: por que não explicam?

É assunto para outro dia, mas bolsonarismo tem a ver com machice, ressentimentos e medos reativos vários, religião e autoritarismo “raiz”. Mas também é revolta contra o “sistema” que larga os pobres à própria sorte, revolta que pode ter essa ou aquela conformação, autoritária ou outra, a depender da conjuntura e da política, de esquerda em particular.

Quem é que vai “lá” falar com os pobres?

Fonte:

Folha de S. Paulo

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/viniciustorres/2021/05/mortos-de-fome-de-covid-a-bala-muitos-pobres-nao-largam-bolsonaro.shtml


Rolf Kuntz: Desemprego, inflação e mais de 400 mil mortos

Combinar desemprego e inflação foi a maior façanha econômica do presidente Jair Bolsonaro, em quase dois anos e meio de mandato. Bolsos vazios dificilmente convivem com preços em alta, mas esse raro conúbio foi promovido pelo atual desgoverno. Multidões em busca de vagas formaram filas no começo do ano e continuam formando. Os desocupados eram 14,4 milhões no trimestre móvel encerrado em fevereiro – o maior número da série iniciada em 2012. Projeção do Banco Central (BC) aponta inflação de 5,1% no fim de 2021, quase estourando o teto da meta, fixado em 5,25%. Em 12 meses os preços ao consumidor já subiram 6,17%, segundo a prévia da inflação de abril, o IPCA-15. O alerta é claro, mas o risco permanece, enquanto a equipe econômica se perde em confusões e o presidente fala mal da China e ameaça editar decretos autoritários. As incertezas criadas pelo presidente favorecem a alta do dólar, um dos fatores inflacionários.

O Brasil continua estagnado, enquanto outros países voltam a crescer e a criar empregos. Também sofrem com novas ondas de covid, mas avançam na vacinação e seguem rumos bem definidos. No Brasil, a imunização, já atrasada, tem sido interrompida por escassez de vacinas. Nos negócios, a retomada é lenta e insegura. No primeiro trimestre a indústria produziu 1% menos que nos três meses finais de 2020. A comparação dos volumes produzidos em 12 meses mostra um recuo de 3,1%.

Com desemprego elevado, orçamento curto, preços em alta e muita insegurança, mesmo os consumidores ainda ocupados têm contido os gastos. As famílias em pior situação, sem ninguém ocupado ou com renda perto de zero, precisaram de ajuda para matar a fome. Dependiam do auxílio emergencial, deixaram de recebê-lo em janeiro e só em abril foram de novo socorridas com recursos públicos.

Campanhas de solidariedade atenuaram o problema, levando comida a favelas e a às áreas mais pobres. Grupos informais, organizações civis e governos locais e estaduais atuaram de diversas formas e depois houve adesão de grandes empresas. O governo federal, o último a se mexer, finalmente restabeleceu algum apoio, muito modesto, às famílias necessitadas.

Não está claro se o ministro da Economia e sua equipe olharam para outro lado, sem se importar com a situação de dezenas de milhões de pessoas, ou se apenas deixaram de perceber o problema. Não se pode menosprezar a segunda hipótese. O ministro parece acordar, de vez em quando, para a economia real, mas só de vez em quando. Ele age e se manifesta, na maior parte do tempo, como se mal percebesse o dia a dia da produção, das vendas, do consumo, do emprego, das condições de vida dos trabalhadores e de suas ambições. Talvez pareça estranho, mas essas ambições incluem visitar a Disney e mandar filhos a universidades. Os dois assuntos já foram comentados pelo ministro e isso remete à primeira hipótese.

Quem pouco se ocupa do mundo quotidiano pode pelo menos olhar os números oficiais. Dados do comércio varejista mostram um pouco da história das famílias e de seus apertos. Em março, as vendas no varejo do dia a dia foram 0,6% menores que em fevereiro. Foi o quarto resultado negativo nos cinco meses a partir de novembro.

Os últimos dados mensais mostraram queda em sete dos oito ramos pesquisados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Só cresceram (3,3%) as vendas de hipermercados, supermercados e outras lojas de alimentos e bebidas.

O auxílio emergencial foi retomado por quatro meses. Medidas adicionais de apoio às empresas e ao emprego também foram anunciadas, mas nenhuma iniciativa ambiciosa de estímulo ao crescimento foi anunciada. A mediana das projeções do mercado aponta expansão econômica próxima de 3% em 2021 e pouco superior a 2% em 2022.

Em março, a produção industrial ficou 16,5% abaixo do pico da série histórica, registrado em maio de 2011. Um plano de reindustrialização poderia fazer sentido, mas planejar é atividade estranha à atual gestão econômica. No mercado, assim como em Brasília, fala-se, de forma imprópria, de uma pauta de reformas.

A chamada reforma administrativa é uma proposta de mudança de regras de RH. Pode ser uma iniciativa útil, mas administração é muito mais que isso. Para os tributos, a equipe econômica propôs somente a fusão do PIS e da Cofins. O relator da reforma tributária, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), apresentou um projeto mais amplo, baseado principalmente na PEC 45. Mas o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), defende um processo fatiado, a partir da pífia proposta do governo.

Em 2019 Bolsonaro conseguiu fazer a economia crescer apenas 1,4% – menos que em 2018. O governo deu algum sinal de vida em 2020, como dezenas de outros em todo o mundo. Mas em 2021 os demais governos continuaram avançando, enquanto o brasileiro chegou a abril sem dispor sequer de um Orçamento, com a economia emperrada e péssimo desempenho no combate à pandemia, com 400 mil mortos pela covid. Quantas vidas teriam sido salvas por uma política mais competente e mais decente?

*Jornalista

Fonte:

O Estado de S. Paulo

https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,desemprego-inflacao-e-mais-de-400-mil-mortos,70003708634

 


Rolf Kuntz: Desemprego, inflação e mais de 400 mil mortos

Combinar desemprego e inflação foi a maior façanha econômica do presidente Jair Bolsonaro, em quase dois anos e meio de mandato. Bolsos vazios dificilmente convivem com preços em alta, mas esse raro conúbio foi promovido pelo atual desgoverno. Multidões em busca de vagas formaram filas no começo do ano e continuam formando. Os desocupados eram 14,4 milhões no trimestre móvel encerrado em fevereiro – o maior número da série iniciada em 2012. Projeção do Banco Central (BC) aponta inflação de 5,1% no fim de 2021, quase estourando o teto da meta, fixado em 5,25%. Em 12 meses os preços ao consumidor já subiram 6,17%, segundo a prévia da inflação de abril, o IPCA-15. O alerta é claro, mas o risco permanece, enquanto a equipe econômica se perde em confusões e o presidente fala mal da China e ameaça editar decretos autoritários. As incertezas criadas pelo presidente favorecem a alta do dólar, um dos fatores inflacionários.

O Brasil continua estagnado, enquanto outros países voltam a crescer e a criar empregos. Também sofrem com novas ondas de covid, mas avançam na vacinação e seguem rumos bem definidos. No Brasil, a imunização, já atrasada, tem sido interrompida por escassez de vacinas. Nos negócios, a retomada é lenta e insegura. No primeiro trimestre a indústria produziu 1% menos que nos três meses finais de 2020. A comparação dos volumes produzidos em 12 meses mostra um recuo de 3,1%.

Com desemprego elevado, orçamento curto, preços em alta e muita insegurança, mesmo os consumidores ainda ocupados têm contido os gastos. As famílias em pior situação, sem ninguém ocupado ou com renda perto de zero, precisaram de ajuda para matar a fome. Dependiam do auxílio emergencial, deixaram de recebê-lo em janeiro e só em abril foram de novo socorridas com recursos públicos.

Campanhas de solidariedade atenuaram o problema, levando comida a favelas e a às áreas mais pobres. Grupos informais, organizações civis e governos locais e estaduais atuaram de diversas formas e depois houve adesão de grandes empresas. O governo federal, o último a se mexer, finalmente restabeleceu algum apoio, muito modesto, às famílias necessitadas.

Não está claro se o ministro da Economia e sua equipe olharam para outro lado, sem se importar com a situação de dezenas de milhões de pessoas, ou se apenas deixaram de perceber o problema. Não se pode menosprezar a segunda hipótese. O ministro parece acordar, de vez em quando, para a economia real, mas só de vez em quando. Ele age e se manifesta, na maior parte do tempo, como se mal percebesse o dia a dia da produção, das vendas, do consumo, do emprego, das condições de vida dos trabalhadores e de suas ambições. Talvez pareça estranho, mas essas ambições incluem visitar a Disney e mandar filhos a universidades. Os dois assuntos já foram comentados pelo ministro e isso remete à primeira hipótese.

Quem pouco se ocupa do mundo quotidiano pode pelo menos olhar os números oficiais. Dados do comércio varejista mostram um pouco da história das famílias e de seus apertos. Em março, as vendas no varejo do dia a dia foram 0,6% menores que em fevereiro. Foi o quarto resultado negativo nos cinco meses a partir de novembro.

Os últimos dados mensais mostraram queda em sete dos oito ramos pesquisados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Só cresceram (3,3%) as vendas de hipermercados, supermercados e outras lojas de alimentos e bebidas.

O auxílio emergencial foi retomado por quatro meses. Medidas adicionais de apoio às empresas e ao emprego também foram anunciadas, mas nenhuma iniciativa ambiciosa de estímulo ao crescimento foi anunciada. A mediana das projeções do mercado aponta expansão econômica próxima de 3% em 2021 e pouco superior a 2% em 2022.

Em março, a produção industrial ficou 16,5% abaixo do pico da série histórica, registrado em maio de 2011. Um plano de reindustrialização poderia fazer sentido, mas planejar é atividade estranha à atual gestão econômica. No mercado, assim como em Brasília, fala-se, de forma imprópria, de uma pauta de reformas.

A chamada reforma administrativa é uma proposta de mudança de regras de RH. Pode ser uma iniciativa útil, mas administração é muito mais que isso. Para os tributos, a equipe econômica propôs somente a fusão do PIS e da Cofins. O relator da reforma tributária, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), apresentou um projeto mais amplo, baseado principalmente na PEC 45. Mas o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), defende um processo fatiado, a partir da pífia proposta do governo.

Em 2019 Bolsonaro conseguiu fazer a economia crescer apenas 1,4% – menos que em 2018. O governo deu algum sinal de vida em 2020, como dezenas de outros em todo o mundo. Mas em 2021 os demais governos continuaram avançando, enquanto o brasileiro chegou a abril sem dispor sequer de um Orçamento, com a economia emperrada e péssimo desempenho no combate à pandemia, com 400 mil mortos pela covid. Quantas vidas teriam sido salvas por uma política mais competente e mais decente?

*Jornalista

Fonte:

O Estado de S. Paulo

https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,desemprego-inflacao-e-mais-de-400-mil-mortos,70003708634


Luiz Carlos Azedo: A CPI da necropolítica

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid no Senado começa suas oitivas hoje, com os depoimentos dos ex-ministros da Saúde Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich. O primeiro foi defenestrado pelo presidente Jair Bolsonaro, que ficou enciumado da popularidade do médico ao liderar o Sistema Único de Saúde (SUS) na pandemia. O segundo pediu demissão rapidinho e se recusou a endossar as teses negacionistas do presidente da República. O cenário de atuação da pandemia é emoldurado por 400 mil cruzes, que podem chegar a 500 mil, antes de a comissão concluir seu trabalho, no prazo de 90 dias.

Mais de 300 requerimentos de informações já foram aprovados na CPI, mas esses dois depoimentos têm o poder de dar o rumo de suas investigações. Os dois ex-ministros são médicos e têm plena dimensão das razões que nos levaram à tragédia sanitária atual. Os passos seguintes serão ouvir o general Eduardo Pazuello, amanhã, e o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, na quinta-feira. Ambos terão que dar respostas convincentes aos integrantes da CPI.

Pazuello é um caso perdido, coleciona decisões e atitudes equivocadas. Se mantiver a costumeira soberba, estará no sal. Queiroga é médico, porém, ainda está enrolando o paraquedas. Manteve a maioria dos militares que assessoravam Pazuello. Sem confrontar o negacionismo do general, está se atrapalhando com a campanha de vacinação, sobretudo devido aos erros do antecessor. Pode complicar a vida de Pazuello ou se complicar, se fizer o contrário.

Ontem, Queiroga anabolizou o número de vacinados no Brasil, durante encontro na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp): “Hoje já temos imunizados com as duas doses cerca de 18% da população brasileira. Isso é um dado importante, e vamos avançar mais”. Mais fake news, impossível: a segunda dose foi aplicada em 15.869.985 pessoas, ou seja, 7,49% da população do país. Com a primeira dose, são 31.875.681 de imunizados, o que equivale a 15% da população.

Criar falsas expectativas é uma especialidade do Ministério da Saúde, que corre atrás dos atrasos na vacinação desde o início do ano. Nesta semana, oito capitais interromperam a imunização por falta de vacinas: Aracaju, Belo Horizonte, Belém, Campo Grande, Porto Alegre, Porto Velho e Recife. Entretanto, apesar do ritmo lento, a vacinação vem reduzindo o número de mortos na população de risco. As medidas de distanciamento social nos estados e municípios contribuíram para reduzir a taxa de transmissão do vírus para menos de 1, o que está se refletindo na queda do número de casos e de mortos.

Tragédia social
O problema é que o patamar ainda está muito alto: o país registrou 1.210 mortes pela doença nas últimas 24 horas e totalizou 407.775 óbitos desde o início da pandemia. Com isso, a média móvel de mortes nos últimos sete dias chegou a 2.407. Em comparação à média de 14 dias atrás, a variação foi de -16%, confirmando a tendência de queda. Se Bolsonaro tivesse bom senso, estimularia a adoção de duas ou três semanas de lockdown nos municípios mais importantes do país e jogaria o índice de contaminação no chão.

O que acontece é o contrário, o presidente Bolsonaro estimula aglomerações, como as que ocorreram no domingo, e se recusa a tomar a vacina, bem como a usar máscaras. Sabota sistematicamente os esforços das autoridades de saúde para conter a pandemia. Do ponto de vista estratégico, essa atitude foi um erro que pode lhe ser fatal nas eleições de 2022. Num país continental como o Brasil, uma crise sanitária dessa envergadura desorganiza a economia e destrói atividades produtivas, deixando ao relento e com fome milhões de pessoas. São os frutos envenenados da “necropolítica”. Esse conceito do filósofo negro e historiador camaronense Achille Mbembe define a política de governo que escolhe quem deve viver e quem deve morrer. Infelizmente, traduz a situação em que vivemos.

Até breve. Em férias, deixarei de assinar a coluna por quatro semanas.

Blog do Azedo / Correio Braziliense
https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/a-cpi-da-necropolitica/