saúde

Luiz Carlos Azedo: Os “dinossauros”

“Bolsonaro acha que 70% da população terão a doença de forma branda, porém, devem voltar logo ao trabalho para não perderem os empregos”

Ninguém sabe como os dinossauros foram extintos. Entre 208 e 144 milhões de anos atrás, esses animais dominavam os ambientes de terra firme: eram herbívoros, em sua maioria, mas havia algumas espécies carnívoras que se alimentavam de anfíbios, insetos e até mesmo de outros dinossauros. No final do período Cretáceo, foram extintos juntos com diversas outras espécies de animais e plantas. Uma das teorias sobre essa extinção é a de que certos movimentos sofridos pelos continentes provocaram mudanças nas correntes marítimas e também no clima do planeta. Isso teria feito a temperatura baixar, o que causou invernos mais rigorosos. Outra, de que um asteroide colidiu com a Terra e provocou uma catástrofe, com terremotos, tsunamis e incêndios gigantes, que liquidaram a cadeia alimentar. Não existe nenhuma teoria de que tenham sido extintos por uma superbactéria ou um vírus mortal.

Já foram identificadas aproximadamente 3,6 mil espécies de vírus, que podem infectar bactérias, plantas e animais, bem como se instalar e causar doenças ao homem. Gripe, catapora ou varicela, caxumba, dengue, febre amarela, hepatite, rubéola, sarampo, varíola, herpes simples e raiva são as doenças viróticas mais conhecidas. Nenhuma delas se equipara, por exemplo, ao ebola, cuja letalidade é de 90%, ou ao HIV, que já foi de 100% e hoje está sob controle. Ambas não têm vacina reconhecida.

Uma epidemia acontece quando um determinado número de pessoas fica doente e o vírus se propaga exponencialmente. Para os epidemiologistas, o número mágico é 400 para cada 100 mil indivíduos. Esse é o rubicão natural de propagação de um vírus, a partir do qual, na linguagem dos sanitaristas, a epidemia “decola”. As gripes são as epidemias mais comuns, porque seus vírus sofrem permanentes mutações, exigindo campanhas anuais de vacinação. Os antibióticos são utilizados para combater infecções causadas por bactérias, que muitas vezes se propagam em simbiose com os vírus, mas não eliminam os vírus. Por isso, deveriam ter outro nome, talvez antibacterianos, o que facilitaria a vida dos médicos com seus pacientes, que não entendem a diferença entre uma coisa e outra e ficam querendo a medicação.

Os vírus são difíceis de combater. Como os tratamentos quimioterápicos para a infecções virais são limitados, descanso, hidratação e analgésicos são as alternativas mais comuns para reduzir os incômodos das doenças virais, exceto nas infecções respiratórias graves. A cura ocorre, entretanto, porque o sistema de defesa do organismo parasitado passa a produzir anticorpos específicos que combatem o vírus invasor das células. Os vírus são formados por proteínas diferentes daquelas no organismo parasitado, que acabam neutralizadas pelos anticorpos. Assim, caso o vírus invada o organismo novamente, a memória imunológica desencadeará rapidamente uma resposta imune específica contra o vírus, e a doença não se instalará novamente. Quando isso não ocorre, aí, sim, temos um grande problema pela frente.

Imunização

Vários membros da família Coronaviridae infectam humanos e causam uma infecção respiratória discreta. Alguns membros desta família que infectam animais silvestres, quando transmitidos aos humanos, causam uma Síndrome Respiratória Aguda Severa (Sars), como é o caso do Sars-cov-1, da MERS (Síndrome Respiratória do Oriente Médio) e do Sars-cov-2, responsável pela atual pandemia denominada Covid-19. O vírus pulou dos morcegos para animais silvestres que, ao chegarem ao mercado de Wuhan, na China, infectaram os homens. As teorias de que os chineses comeram morcegos ou fabricaram o vírus para dominar o mundo são mentirosas e racistas, disseminadas com o propósito de promover uma nova “Guerra Fria” entre o Ocidente e a China.

O mundo já teve outras pandemias, como a gripe espanhola, que matou 50 milhões de pessoas, mas que nem de longe se propagou com a velocidade no novo coronavírus, devido à globalizaçao. No Brasil, estamos vivendo um momento dramático por causa disso, com o sistema de saúde pública em estresse, devido ao aumento rápido do número de casos, com mais de 200 mortes por dia. A situação é delicada: o presidente Jair Bolsonaro é contra a política de isolamento social adotada por governadores e prefeitos para reduzir a velocidade de propagação da doença e preparar o sistema de saúde para receber seu impacto. Substituiu o ministro Luiz Henrique Mandetta pelo oncologista Nelson Teich, no Ministério da Saúde, com o claro propósito de flexibilizar o regime de quarentena e retomar as atividades econômicas paralisadas em razão da epidemia. Acha que 70% da população terão a doença de forma branda, porém, porém devem voltar logo ao trabalho para não perderem os empregos. Diz o samba: “quem acha vive se perdendo.”

O risco de colapso do Sistema Único de Saúde (SUS) é real. Mesmo que ocorra a tragédia anunciada, de fato, não devemos temer o fim da espécie. A maioria das pessoas está desenvolvendo seu sistema imunológico para se defender do vírus e com ele conviver, como acontece com outras doenças. O problema é que essas pessoas transmitem o vírus para as demais, inclusive os nossos “dinossauros”, ou seja, os mais idosos, que adquirem lesão pulmonar grave devido à produção de moléculas inflamatórias (citocinas) pelo sistema imune inato e têm também problemas de coagulação, devido à reação inflamatória sistêmica (coagulação intravascular disseminada) ou à produção de anticorpos contra fosfolipídeos (síndrome antifosfolipide).

Enquanto não se tem uma vacina, esses sintomas estão sendo tratados com drogas utilizadas para combater outras doenças, como a cloroquina, usada contra a malária, e drogas anticoagulantes, em especial a heparina. Muitos, porém, não resistem. Ou seja, é melhor os “dinossauros” ficarem bem espertos, em casa.

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Luiz Carlos Azedo: Três crises em uma

“Existe um tempo futuro em relação à epidemia, no qual Bolsonaro aposta todas as suas fichas. Estima-se que o seu pico deva ocorrer nas próximas três semanas”

A substituição do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, pelo renomado médico oncologista Nelson Teich, consumada, ontem, pelo presidente Jair Bolsonaro, resolve a crise no governo — decorrente do choque de orientações entre o ministério e a presidência —, mas não as crises na saúde, com a ameaça de colapso do sistema de Saúde nas regiões mais atingidas pela epidemia; na política, devido ao choque entre governo federal e os governadores e os prefeitos; e na economia, no contexto da recessão mundial provocada pela pandemia.

Bolsonaro e Mandetta pactuaram a transição de maneira a que o novo ministro possa contar com a colaboração da atual equipe da Saúde, enquanto Teich embrulha o paraquedas. O novo ministro não é um sanitarista nem infectologista, não tem experiência de gestão no setor público nem de políticas públicas na saúde. Assume o ministério como um médico especialista conceituado e bem-sucedido na medicina privada. Não conhece a engrenagem do Sistema Unificado de Saúde (SUS), cuja complexidade é sobretudo política, porque funciona em torno de três eixos: a cooperação entre a União, estados e municípios; a coordenação entre instituições públicas de pesquisas e uma relação assimétrica com as redes hospitalares e seguros de saúde privados.

Nunca o SUS foi posto à prova com a intensidade de agora. A política de distanciamento social adotada pelo ministro Mandetta, governadores e prefeitos foi uma estratégia de resistência para barrar o avanço acelerado da epidemia, principalmente nos grandes centros urbanos, sem que o sistema de saúde estivesse preparado para lidar com a pandemia. Para ganhar tempo, os governadores e prefeitos adotaram o regime da quarentena horizontal, porque são responsáveis pelo atendimento à população mais pobre e não havia capacidade instalada para atendê-la. A União responde por apenas 5% da rede hospitalar.

Entretanto, o novo ministro da Saúde tem vantagens em relação ao seu antecessor: a doença é mais conhecida, o sistema de saúde já foi ampliado, os insumos necessários foram adquiridos, as condições de resposta à epidemia, de certa forma, melhoraram muito nos últimos dois meses, em que a progressão exponencial do coronavírus foi contida. Além disso, apesar da adesão da maior parte da população à política de isolamento social, a paralisação da atividade econômica de fato gera uma pressão de baixo para cima no sentido de flexibilização do regime de quarentena, a grande exigência de Bolsonaro, com a qual o novo ministro deixou subentendido que concorda.

Ponto futuro
A queda de Mandetta, do ponto de vista político, foi absolutamente atípica. O ministro sai do governo como herói da luta contra epidemia e a popularidade muito maior do que a do presidente da República, que fez até aqui o papel de vilão. O ex-ministro conta com amplo apoio no Congresso e no Judiciário, além da solidariedade de governadores e prefeitos, aos quais acudiu durante a epidemia. Tornou-se um ator político nacional que rivaliza com Bolsonaro; talvez seja essa a principal causa de sua demissão. O panelaço de ontem, durante a fala de Bolsonaro, ao apresentar o novo ministro, corrobora isso. Há casos de ministros demitidos por incompetência técnica ou corrupção, é a primeira vez que um ministro é demitido em caso de sucesso. Mas, como diria o maestro Tom Jobim, isso é atentado ao pudor no Brasil.

O novo ministro foi responsável, nos anos 1990, pela fundação do Centro de Oncologia Integrado (Grupo COI), onde atuou até 2018. Prestou consultoria à Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos em Saúde (SCTIE) do Ministério da Saúde, comandada por Denizar Vianna, o integrante da equipe de Mandetta com quem tem fortes relações pessoais. Formado pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro, foi residente no Instituto Nacional do Câncer, Teich estudou gestão da saúde na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), fez mestrado em oncologia na Universidade de York (Reino Unido) e prestou consultoria para o Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo. Ou seja, tem relações para estruturar sua própria equipe.

Ninguém se iluda, a epidemia tem prazo de validade. Entre os especialistas, há um debate sobre a natureza do novo coronavírus, no qual há muito mais dúvidas do que certezas. Se não trombar com Bolsonaro, que já precificou a letalidade da Covid-19, Teich sobreviverá ao coronavírus. Existe um tempo futuro em relação à epidemia, no qual Bolsonaro aposta todas as suas fichas. Primeiro, estima-se que o pico da epidemia deva ocorrer nas próximas três semanas; se o sistema de saúde suportar essa travessia, acredita-se que o pior terá passado. Segundo, avançam estudos sobre o tratamento da doença e a cloroquina já está sendo largamente utilizada pelos médicos para mitigar seus efeitos, principalmente na rede privada. Terceiro, cresce entre os epidemiologistas e sanitaristas o debate sobre o tema da autoimunização da população pela doença. A longo prazo, a subnotificação reforça a narrativa de Bolsonaro de que a epidemia é mais branda no Brasil, ao mesmo tempo em que as comorbidades legitimam o discurso darwinista de que os mais idosos morrerão mesmo, por causa de outras doenças.

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Luiz Carlos Azedo: A troca do virabrequim

“A decisão de afastar Mandetta já está tomada, o problema de Bolsonaro é montar uma nova equipe para tocar o Ministério da Saúde sem paralisá-lo”

É jogo jogado: o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, será demitido pelo presidente Jair Bolsonaro tão logo tenha quem o substitua. Político hábil, ontem, o ministro assumiu as divergências com o presidente da República e disse que está pronto para passar o cargo, quando seu substituto for anunciado, sem prejuízo para o funcionamento do SUS durante a troca de equipe. Jogou água na “fritura” a que vinha sendo submetido no Palácio do Planalto e pôs uma saia justa em Bolsonaro, que será responsabilizado por tudo o que der errado se a política de isolamento social for abandonada pelo governo.

A decisão de afastar Mandetta já está tomada, o problema de Bolsonaro é montar uma nova equipe para tocar o Ministério da Saúde. Alguns nomes já foram sondados e não aceitaram o cargo. Chegou-se a especular com a possibilidade de o secretário-executivo da pasta, João Gabbardo, assumir o comando da Saúde, mas essa hipótese foi rechaçada por ele próprio. Gabbardo anunciou que sairá junto com Mandetta, pois não pretende “jogar no lixo” 40 anos de trabalho como funcionário do Ministério da Saúde. Gaúcho, Gabbardo foi secretário de Saúde de Osmar Terra na Prefeitura de Santa Rosa (RS), são amigos de longa data.

Quem quase deixou a equipe foi o secretário de Vigilância em Saúde, Wanderson de Oliveira, que chegou a pedir demissão do cargo, mas foi demovido por Mandetta. A crise na equipe se instalou depois da entrevista de terça-feira, quando o ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, fez um discurso duro, sinalizando alinhamento absoluto da equipe ministerial com a decisão do presidente Jair Bolsonaro de flexibilizar o distanciamento social e focar a atenção do governo na retomada da economia.

Mandetta não confrontou Onyx, o que foi interpretado como um recuo por sua equipe, principalmente Wanderson, que é o principal estrategista do combate à epidemia. Também houve muito assédio ao secretário-executivo. Gabbardo é uma espécie de “virabrequim” da engrenagem do Sistema Unificado de Saúde. No motor de um automóvel, o virabrequim é responsável por receber as forças dos pistões e transformá-las em torque. Por ser muito exigido e estar em contato com partes muito quentes do veículo, ele precisa ser forte e robusto. Se não estiver em bom estado, o carro enguiça.

Substituir Gabbardo sem paralisar o ministério é como trocar o virabrequim com o carro em movimento. Ele centraliza todas as operações do ministério e faz a ponte com o comitê de gerenciamento da epidemia coordenado pelo ministro da Casa Civil, general Braga Netto. Entretanto, Mandetta disse que todos vão colaborar com a transição e ninguém deixará o barco à deriva em meio à tempestade. A epidemia já matou 1.736 pessoas, com 28.320 casos confirmados até ontem.

Quarentena
Em meio à crise no governo, os demais poderes estão em pleno funcionamento. Por decisão unânime, o Supremo Tribunal Federal (STF), em videoconferência com nove ministros presentes, reconheceu a competência dos governos estaduais e municipais para determinar regras de isolamento, quarentena e restrição de transporte e trânsito em rodovias em razão da Covid-19. Por maioria, também entendeu que governadores e prefeitos têm legitimidade para definir quais são as chamadas atividades essenciais, aquelas que não ficam paralisadas durante a epidemia do coronavírus.

Os ministros julgaram uma ação do PDT contra medida provisória editada pelo presidente Jair Bolsonaro com o objetivo de concentrar no governo federal o poder de editar uma norma geral sobre os temas. A MP alterou uma lei de fevereiro, que previa quais ações poderiam ser tomadas durante a crise gerada pela pandemia. O ministro Marco Aurélio Mello, relator do caso, havia concedido liminar (decisão provisória) em março para reforçar que tanto União quanto estados e municípios têm competência para legislar sobre medidas de saúde.

Também por videoconferência, o Senado aprovou em primeiro turno, por 58 votos a 21, a proposta de emenda à Constituição (PEC) que cria o chamado Orçamento de Guerra, destinado, exclusivamente, a ações de combate à Covid-19. Entretanto, o texto retornará à Câmara, porque o relator no Senado, Antonio Anastasia (PSD-MG), modificou alguns pontos da matéria aprovada pelos deputados. O objetivo da PEC é separar do Orçamento-Geral da União os gastos emergenciais para conter os danos causados pelo coronavírus no Brasil, para não gerar impacto fiscal em um momento de desaceleração da economia.

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Luiz Carlos Azedo: Uma crise instalada

”A queda na arrecadação é tratada por Bolsonaro como uma espécie de castigo aos governadores que estão defendendo o isolamento social”

O choque entre o presidente Jair Bolsonaro e seu ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, é a face mais visível de uma crise de maiores proporções entre a União e os estados, numa recidiva da velha contradição centralização versus descentralização. A epidemia de coronavírus e a recessão mundial dela decorrente exacerbaram o conflito, que se manifesta na discussão sobre aprovação do chamado Plano Mansueto, ou seja, a ajuda a estados e municípios. Bolsonaro está em litígio aberto com os governadores e prefeitos que estão na linha de frente do combate à epidemia de coronavírus e não esconde o incômodo com o alinhamento entre eles e o ministro Mandetta.

Uma decisão de Bolsonaro é emblemática quanto às dificuldades que cria para os governadores na implementação da estratégia de distanciamento social adotada pelo Ministério da Saúde para conter a velocidade da epidemia. No fim de março, as operadoras de telecomunicações ofereceram ao Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) um mapa de calor para mostrar a geolocalização da população. O intuito era identificar aglomerações e situações de risco de contaminação do novo coronavírus. Bolsonaro vetou o uso das informações, que seria mais uma arma no combate à Covid-19, pois o georreferenciamento permite a pronta atuação das autoridades locais para reduzir essas aglomerações.

O ministro Marcos Pontes chegou a gravar um vídeo anunciando a implantação do sistema nesta semana. No sábado, porém, Bolsonaro ligou para Pontes e suspendeu tudo. Alegou que há riscos para a privacidade do cidadão e que a Presidência precisa estudar melhor o tema, apesar de um parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) aprovar o uso da ferramenta proposta pelas teles, uma solução semelhante à que foi adotada pela Coreia do Sul, um dos países com menores taxas de mortalidade pela Covid-19.

A decisão de Bolsonaro tem endereço certo: o governador tucano João Doria, que está controlando o nível de isolamento social no estado de São Paulo pelo monitoramento dos celulares. Para se ter uma ideia de como isso é útil, a diferença de 50% para 70% da população em regime de distanciamento social, para efeito da propagação da epidemia por pessoa, salta de uma média de dois para quatro novos contaminados, ou seja, um crescimento exponencial.

Nada disso importa. A tese que empolga Bolsonaro é a do ex-ministro da Cidadania Osmar Terra, para quem a epidemia já atingiu o seu pico e entrará em declínio, acabando em maio, o que não bate com os modelos matemáticos da equipe do Ministério da Saúde. Segundo Terra, que é médico, o isolamento social não tem eficácia e apenas aprofunda a recessão, além de retardar a autoimunização da maioria da população. A tese também está sendo endossada pelo líder do governo na Câmara, deputado Victor Hugo (PSL-GO), que vem defendendo abertamente a saída de Mandetta do governo. Ontem, Mandetta não falou com a imprensa. Sua permanência no governo é incerta.

Ajudas
A estrela da entrevista de ontem no Palácio do Planalto foi a ministra dos Direitos Humanos, Damares Alves, que anunciou medidas destinadas a proteger grupos de risco, como indígenas, quilombolas, ciganos, moradores de rua e idosos em asilos. Damares também contrariou a orientação do Ministério da Saúde e defendeu o chamado isolamento vertical, ou seletivo, focado nesses grupos. Na ocasião, anunciou a distribuição de cestas básicas e o confinamento de tribos indígenas, quilombolas e acampamentos ciganos, além de uma rede de proteção aos moradores de rua e outras populações de risco, formada por instituições filantrópicas e religiosas.

Mas o maior conflito é mesmo a negociação do Plano Mansueto. O ministro da Economia, Paulo Guedes, convenceu Bolsonaro a não ceder a governadores e prefeitos, que pedem socorro financeiro em razão da queda da arrecadação. Eles são responsabilizados pela recessão e o desemprego. A queda na arrecadação é tratada por Bolsonaro como uma espécie de castigo aos governadores que estão defendendo o isolamento social.

As negociações entre o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e os líderes partidários com o governo, nos últimos dias, foram muito tensas. Guedes foi duro: “O desenho deste projeto é muito perigoso, é um cheque em branco para governadores e prefeitos fazerem uma gestão descuidada, levando todo ônus para o contribuinte, justamente no momento em que mais precisamos da boa gestão para proteger os mais vulneráveis”, declarou.

Rodrigo Maia, entretanto, articulou mudanças no projeto para garantir a aprovação da nova versão do chamado Plano Mansueto, que foi limitada à instituição de um seguro-garantia de arrecadação para estados e municípios, com impacto estimado de R$ 80 bilhões. “A posição que ouvi majoritária entre os líderes é que nós façamos como se fosse um seguro. Se arrecadação era 100 e caiu pra 70, o governo recompõe 30. Se daqui a quatro meses a arrecadação era 100 e foi 100 (novamente), o governo não precisa dar um real”, afirmou Maia.

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Luiz Carlos Azedo: O bêbado e a borboleta

“Desafiar o novo coronavírus se tornou uma espécie de obsessão para o presidente da República, que se comporta como quem adquiriu imunidade contra a doença”

No livro O revólver que sempre dispara (Casa Amarela), Emanuel Ferraz Vespucci analisa as causas, os comportamentos e as consequências para a saúde de diversas dependências químicas, inclusive o alcoolismo e o tabagismo. É um livro despido de preconceito e, do ponto de vista clínico, como não poderia deixar de ser, serve de referência para os que lidam com o problema: usuários em busca de tratamento, seus familiares e terapeutas. O livro explica de maneira clara como as diversas drogas causam dependência física e psicológica, os problemas que acarretam e as maneiras de enfrentá-los, sem moralismo. A perda de controle sobre o álcool, a cocaína, o crack, a maconha, morfina, calmantes, inibidores de apetite e outros psicotrópicos é um problema muito mais amplo do que se imagina.

A dependência funciona como uma roleta russa. Em algum momento a bala que está no cilindro do rerólver será disparada, na medida em que o sujeito arrisca mais uma vez. Ou seja, o acaso tem um limite, quanto maior a frequência, maior a probalidade de ocorrência. Por causa da dependência, algo grave acontecerá na vida da pessoa, pode ser um acidente de carro, a perda do emprego, um surto psicótico, um infarto.

O que interessa aqui é a analogia da roleta-russa, ou seja, do revólver que sempre dispara. Durante a pandemia de Covid-19, por causa do risco de contaminação, sair de casa é uma espécie de roleta russa, mesmo que a pessoa utilize máscaras e luvas. Acontece que o presidente da República — com o objetivo declarado de desmoralizar a política de distanciamento social preconizada pelas autoridades médicas, inclusive seu ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e responsabilizar governadores e prefeitos pela recessão econômica — resolveu sair às ruas com frequência e, nesses passeios, visitar o comércio local para estimular proprietários e consumidores a manterem uma vida normal. Bolsonaro ignora uma epidemia que está matando mais de 100 pessoas por dia no Brasil, o equivalente a um desastre de grandes proporções.

Desafiar o novo coronavírus se tornou uma espécie de obsessão para o presidente, que se comporta como quem adquiriu imunidade contra a doença, como acontece com aqueles que já foram contaminados, se recuperaram e adquiriram anticorpos ou que, por qualquer outra razão, têm uma sistema imunológico mais robusto, geralmente mais jovens. Não se sabe se o presidente está imunizado; ele se recusa a revelar os resultados dos exames que fez. Bolsonaro age como um jogador compulsivo, o que não deixa de ser uma dependência, sem levar em conta que a maioria das pessoas não está preparada para lidar com o aleatório.

Teoria do caos

É aí que chegamos a O andar do bêbado (Zahar), o instigante livro do físico Leonard Mlodinow, do Instituto de Tecnologia da Califórnia, sobre o acaso na vida das pessoas, ou melhor, sobre como funciona a aleatoriedade. O novo coronavírus se multiplica como um “Efeito Borboleta”, descoberto em 1960, pelo matemático Edward Lorenz, base para a Teoria do Caos. Mostra como pequenas alterações nas condições iniciais de grandes sistemas podem gerar transformações drásticas e significativas.

Lorenz, que também era meteorologista, realizava cálculos relacionado a padrões climáticos num computador. Em vez de colocar 0,000001, conforme fez na primeira vez, ele colocou 0,0001, alterando completamente o resultado da simulação, como se o bater de asas de uma borboleta na Austrália provocasse um furacão no Caribe. Foi o que aconteceu com o coronavírus na Alemanha e na Coreia do Sul, países que mais bem monitoraram a epidemia e conseguiram mantê-la sobre controle, com testes em massa e hospitalização dos contaminados. No primeiro caso, bastou que uma pessoa contaminada usasse o saleiro num almoço de família para a epidemia se propagar; no segundo, um único paciente, de 30 casos confirmados, escapou do isolamento e disseminou a doença.

Na Sexta-feira da Paixão contabilizamos 1.056 mortes e 19.638 casos confirmados, 44 dias após o primeiro caso registrado no país e 24 dias depois do registro da primeira morte. São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco, Ceará e Amazonas estão em risco de colapso do sistema de saúde pública. Numa hora em que o país precisa de coesão social e alinhamento das políticas de combate ao novo coronavírus, para evitar o colapso do sistema de saúde, Bolsonaro aposta na autoimunizaçao pelo contagio e num medicamento de eficácia limitada nos tratamentos, a hidroxicloroquina, para evitar as mortes, e prega a retomada imediata das atividades econômicas, com adoção do chamado isolamento seletivo ou vertical. Essas apostas foram feitas em outros países, como os Estados Unidos, Inglaterra e Japão, e fracassaram.

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Luiz Carlos Azedo: Uma homenagem póstuma

“Bolsonaro enquadrou Mandetta e responsabiliza governadores e prefeitos pelo desemprego, embora tenham a dura tarefa de conter a epidemia na ponta”

Escrevo antes do pronunciamento de Bolsonaro de ontem à noite, em cadeia de tevê. Pela live que compartilhou no Twitter, a conversa que teve com Luiz Henrique Mandetta obrigou o ministro da Saúde a flexibilizar geograficamente a política de distanciamento social, levando em conta a progressão da doença nos estados. É um perigo, mas Mandetta hasteou a bandeira branca e bateu continência para o presidente da República. Na entrevista coletiva que deu à tarde, deixou isso claro: “Quem comanda este time aqui é o presidente Jair Messias Bolsonaro”, disse. “Tivemos nossas dificuldades internas, isso é público, mas estamos prontos, cada um ciente de seu papel nesta história.”

Não sei qual o acordo que fizeram, mas essa é a ordem natural das coisas num sistema de poder no qual o vértice é o presidente da República. A propósito, Norberto Bobbio, após o assassinato do primeiro-ministro Aldo Moro pelas Brigadas Vermelhas, escreveu uma série de artigos sobre a crise italiana, reunidos numa coletânea publicada no Brasil, intitulada As ideologias e o poder em crise, em tradução de Marco Aurélio Nogueira. Destaco dois deles: a política não pode absolver o crime, no capítulo sobre Os fins e os meios, e Quem governa?, em O mau governo.

A referência a Bobbio veio ao caso devido a uma passagem da entrevista do ministro Mandetta. Em certo momento, no chamamento que fez à união de todos contra a epidemia, disse que as autoridades médicas precisam da ajuda de todos, inclusive das milícias e dos traficantes. O ministro não é nenhum ingênuo, deve ter algum motivo para ter falado isso, mesmo sabendo que seria duramente criticado por essa referência ao crime organizado. A grande dúvida é se fez um apelo dramático por puro desespero, pois estamos num momento crucial do crescimento exponencial da epidemia, ou se realmente houve um pacto do governo Bolsonaro com as milícias e os traficantes.

Não seria a primeira que vez que isso aconteceria, com consequências desastrosas, porque favorece a expansão do crime organizado na sociedade e sua infiltração na política. Por outro lado, é muito fácil fazê-lo, pela via das relações perigosas nos sistemas de segurança pública e penitenciário. Ministro-chefe da Casa Civil, o general Braga Netto, ex-interventor no Rio de Janeiro, conhece bem essas conexões. Qual é a lógica perversa por trás desse raciocínio? Todos sabemos que a epidemia ainda não chegou ao povão, está na classe média alta, e só agora registra os primeiros casos de mortes nas favelas e periferias das grandes cidades e regiões metropolitanas conurbadas, principalmente em São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza e Manaus. Na prática, isso significa toque de recolher e dura punição nas favelas e nas periferias, numa hora em que o presidente da República pressiona pela flexibilização da política de isolamento social.

Quem governa?
Governos monolíticos nas democracias não existem, ainda mais num sistema federativo e de equilíbrio entre os poderes. Bolsonaro enquadrou Mandetta e responsabiliza governadores e prefeitos pelo distanciamento social e o desemprego. Mas sabe também que os governadores e prefeitos, que têm a dura tarefa de conter a epidemia na ponta, contam com o apoio do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF) para agir com autonomia, na esfera de suas competências. Por mais que queira, não existe correlação de forças para Bolsonaro intervir nos estados. É assim que funciona na democracia.

O Estado brasileiro é ampliado, cada ministério é um subgoverno que se relaciona com os demais poderes e esferas de poder com relativa autonomia, além de terem imbricações com agências privadas e grandes setores empresariais. Mas é daí que veio a reação para garantir o funcionamento do sistema de saúde, com produção de suprimentos de proteção individual, equipamentos e aparelhos de saúde para ampliar a capacidade de absorção de pacientes pelos hospitais. Existe um grande business na área da saúde, cujas políticas públicas foram capturadas por grande fornecedores, muitos dos quais importadores, e também algumas máfias, que desviaram recursos ao longo dos anos. Agora, chegou a hora de verdade: os profissionais de saúde estão no comando, o governo está sendo obrigado a inventar um novo orçamento da Saúde e a recriar a indústria do setor.

Nesse aspecto, foi patética a constatação de que os hospitais federais do Rio de Janeiro não têm profissionais para atuar contra a epidemia, assim como os hospitais universitários. O governo federal é responsável por 5% da capacidade hospitalar do país, porém, deveria entrar com mais força, principalmente na montagem de hospitais de campanha e na contratação de profissionais para atuar junto às comunidades de periferia e regiões remotas da Amazônia e nos sertões do Nordeste, resgatando o Programa Mais Médicos.

Finalmente, uma homenagem póstuma ao sanitarista Sérgio Arouca, grande idealizador do SUS, que liderou milhares de profissionais de saúde que hoje estão na linha de frente do combate à epidemia. Lembro-me de duas conversas com ele: na primeira, me disse que a emergência era o ponto mais fraco do sistema, subestimada pela cultura dos sanitaristas; na segunda, lamentou não ter conseguido levar adiante seu programa de agentes comunitários de saúde no Rio de Janeiro, sem os quais seria impossível erradicar a dengue e conter epidemias mais graves nas comunidades pobres.

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Leandro Colon: Se Mandetta cair?

Queda de Mandetta pode piorar vida de Bolsonaro, mas ameaça a dos brasileiros

A demissão de Luiz Henrique Mandetta do Ministério da Saúde seria um bom caminho para quem torce por uma rápida derrocada de Jair Bolsonaro.

Ao ameaçar a atual política de combate ao coronavírus, a queda do ministro provocaria reação política de altas proporções dos outros Poderes.

Isolaria mais o presidente dentro sua equipe ministerial, que tem apoiado Mandetta frente à pandemia.

A pequeneza do presidente em relação ao ministro pode arriscar o futuro do governo no longo prazo e, no curto, ameaçar a vida dos governados por ele. Se você é dos que não suportam mais a gestão Bolsonaro e quer seu fim, só que está preocupado com a escalada imediata do vírus, então é melhor torcer para que ele e Mandetta se entendam.

O sonho do presidente é nomear alguém alinhado aos seus delírios científicos. Que abrace fórmulas baseadas na metáfora bolsonariana de que o vírus é como uma chuva em que 70% dos brasileiros vão se molhar e apenas os idosos serão os mais afetados (ignorando, por exemplo, o impacto da doença sobre jovens).

Para o lugar de Mandetta, fala-se muito do presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres, e do ex-ministro Osmar Terra, entusiastas de restrições menos severas à população.

Hoje, o chefe da Saúde conta com o respaldo dos presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). O presidente do STF, Dias Toffoli, e seus colegas não escondem o respeito pelo trabalho conduzido por ele.

Congresso, Supremo e ministros de peso, como Sergio Moro (Justiça) e Paulo Guedes (Economia), compartilham da defesa do isolamento social como ferramenta para brecar a velocidade do coronavírus.

Maia afirmou na sexta-feira (3) que Bolsonaro não tem coragem de demitir Mandetta nem mudar a política de combate ao coronavírus.

Quem torce pela vida espera que Bolsonaro continue sem coragem de mexer nas diretrizes atuais do ministério e, claro, que também erre em suas previsões de chuva.


Dorrit Harazim: Saindo dos trilhos

Mandetta e Fauci conquistaram o respeito e a confiança de quem os ouve pela abordagem científica e realista

Dias atrás, um engenheiro da malha ferroviária do porto de Los Angeles, na Califórnia, pirou. Eduardo Moreno, de 44 anos, convencera-se de que a missão oficial do navio-hospital USNS Mercy,enviado pela Marinha para aliviar a profusão de infectados na Costa Leste, era mera operação de fachada. A embarcação seria, na verdade, parte de um golpe de Estado em curso. Por isso, ele resolveu agir: manteve um trem não tripulado da zona portuária em velocidade máxima, para muito além do final dos trilhos, e causou um estrondo/estrago monumental — a composição destruiu primeiro uma barreira de concreto, atropelou uma proteção de aço, e prosseguiu por vasta área de cascalho até parar. À polícia o autor justificou assim o rompante que pode lhe valer uma pena de até 20 anos: “Era a chance que eu tinha para chamar a atenção das pessoas sobre o que está realmente acontecendo aqui”.

Não se pode atribuir a insanidade do engenheiro ao coronavírus. Mas, à medida em que a humanidade sai dos trilhos pré-Covid 19, é de se prever que o planeta se torne mais propício a insânias individuais e coletivas.

Daí a importância de se manter sob rédea curta governantes inseguros no poder, destemperados por índole e/ou despreparados para apontar o rumo em tempos de perigo e medo global. As limitações e inclinações inerentes a cada dirigente tendem a se acentuar à medida que a espiral da calamidade for adquirindo forma mais cruel. Por enquanto, em países onde essa espiral está apenas começando, a real capilaridade do vírus e seu potencial de destruição apontam em uma única direção: dias piores virão.

Nas Filipinas do presidente Rodrigo Duterte, que sofre de várias insuficiências democráticas e comanda com poder quase absoluto o país de mais de 100 milhões de habitantes, a solução para o complexo problema atual é simples: as forças policiais e militares têm ordem de atirar para matar quem descumprir a quarentena imposta. Ponto. Não tem ministro da Saúde, governadores nem imprensa em condições de lhe fazer frente.

Já Estados Unidos e Brasil têm mais sorte: por força da necessidade e do gigantismo da crise, Donald Trump e Jair Bolsonaro optaram por terceirizar o problema, que acabou em mãos de quem não comunga das crenças e disparates dos dois presidentes. Trump e Bolsonaro acreditaram poder desresponsabilizar-se da marcha da pandemia içando a primeiro plano dois personagens que não poderiam ser mais diferentes entre si — o nova-iorquino Anthony Fauci, a maior autoridade americana em infectologia, e, aqui, o deputado formado em Ortopedia Luiz Henrique Mandetta, atual ministro da Saúde. Ambos conquistaram o respeito e a confiança de quem os ouve pela abordagem científica e realista do combate ao coronavírus. Ambos, também, começam a pagar por isso.

Esta semana o franzino e bem-humorado Dr. Fauci , que já serviu a vários ocupantes da Casa Branca e chegou aos 79 anos de idade com biografia estelar, passou a precisar de proteção extra de agentes de segurança. Tem recebido ameaças de morte em demasia por parte de seguidores de Donald Trump. Em Brasília, Mandetta cometeu o pecado capital de seu Ministério da Saúde ter ultrapassado o presidente em aprovação na condução do combate ao vírus. Não só ultrapassou, esmagou: 76% a 33%, segundo o último Datafolha.

Sobreviver nessa dislexia nacional não tem sido fácil nos dois países. Em Washington, Donald Trump consegue embaralhar uma frase que começa com “Isto não é uma crise financeira, é apenas um momento temporário no tempo” com o anúncio da injeção de US$ 1 trilhão na economia do país. Em Brasília o comportamento de Jair Bolsonaro é ainda mais errático, sempre que tem um microfone pela frente. Para não concluir de forma sorumbática, vale recorrer às memórias de um generoso humanista do século 20, o escritor Paul Goodman. “Esperança é o contrapeso para o nosso enorme sentido de vulnerabilidade”, escreveu em suas memórias. “É a nossa permanente negociação entre otimismo e desesperança, a contínua negação do cinismo, ingenuidade.

Temos esperança justamente por termos consciência de que eventos tenebrosos são sempre possíveis e não raro prováveis. Mas as escolhas que fazemos podem impactar o seu desenlace”.


Luiz Carlos Azedo: A alegoria de Camus

“A epidemia de meningite só acabou após a vacinação de 80 milhões de pessoas, o que seria impossível com a manutenção da censura sobre a doença”

Publicado em 1947, A Peste, do escritor franco-argelino Albert Camus (1913-1960), é uma alegoria da ocupação nazista. Por isso, fez tanto sucesso não só na França como na Europa do pós-guerra e também na América Latina, inclusive no Brasil, nas décadas de 1960 e 1970. Camus foi um militante da Resistência, mas teve uma posição muito moderada em relação aos que colaboraram com os invasores alemães durante a II Grande Guerra, condenando os “justiçamentos”. Já era um escritor consagrado, com duas obras elogiadíssimas pela crítica: O estrangeiro e O mito de Sísifo.

Albert Camus nasceu em 7 de novembro de 1913 na Argélia, à época uma colônia francesa, cenário de seu romance, que conta a história de uma epidemia na cidade de Oran, no norte daquele país. Em 1940, um médico encontrou um rato morto ao deixar seu consultório. Comunicou o fato ao responsável pela limpeza do prédio. No dia seguinte, outro rato foi encontrado morto no mesmo lugar. A esposa do médico tinha tuberculose e foi levada para um sanatório. A quantidade de ratos aumentou exponencialmente. Em um único dia, oito mil ratos foram coletados e encaminhados para cremação.

Em pânico, a cidade declarou estado de calamidade, as pessoas tinham febre e morriam em massa. Os muros foram fechados, em quarentena, ninguém entrava ou saía; os doentes foram isolados, as famílias, separadas. Enquanto o padre apregoava que tudo aquilo era um castigo divino, prisioneiros eram mobilizados para enterrar os cadáveres, que empilhavam nas ruas: velhos, mulheres e crianças morriam. O livro é uma alegoria da condição de vida regulada pela morte, fez muito sucesso porque era uma crítica ao fascismo e relatava as diferenças de comportamento diante de situações-limite. Fora escrito durante a ocupação militar alemã. Camus foi editor do jornal clandestino Combat, porta-voz dos partisans.

Em 1951, Camus lançou o livro O homem revoltado, no qual condenava a pena de morte e criticava duramente o comunismo e o marxismo, o que provocou uma ruptura com seu amigo e filósofo Jean-Paul Sartre, que liderou seu linchamento moral por parte da intelectualidade francesa. Mesmo depois do Prêmio Nobel de Literatura, em 1957, continuou sendo um renegado para a esquerda. Seu discurso na premiação foi profético. Permanece atual nestes tempos de epidemia de coronavírus.

“Cada geração se sente, sem dúvida, condenada a reformar o mundo. No entanto, a minha sabe que não o reformará. Mas a sua tarefa é talvez ainda maior. Ela consiste em impedir que o mundo se desfaça. Herdeira de uma história corrupta onde se mesclam revoluções decaídas, tecnologias enlouquecidas, deuses mortos e ideologias esgotadas, onde poderes medíocres podem hoje a tudo destruir, mas não sabem mais convencer, onde a inteligência se rebaixou para servir ao ódio e à opressão, esta geração tem o débito, com ela mesma e com as gerações próximas, de restabelecer, a partir de suas próprias negações, um pouco daquilo que faz a dignidade de viver e de morrer”, disse Camus.

Epidemia
Em comemoração aos 60 anos de sua morte, divulgou-se na França um de seus textos da época da resistência, cujo original foi encontrado nos arquivos do general De Gaulle, o presidente francês que liderara a Resistência do exílio. O documento era destinado às forças que combatiam o marechal Pétain e trata de dois sentimentos presentes no contexto da ocupação: ansiedade e incerteza. A ansiedade “em uma luta contra o relógio” para reconstruir o país; a incerteza, em razão do fato de que, “se a guerra mata homens, também pode matar suas ideias”.

A alegoria de A Peste também serve de advertência diante de certas manifestações de apoio ao regime militar implantado após o golpe de 1964, cujo aniversário foi comemorado ontem. Em 1974, o Brasil enfrentou a pior epidemia contra a meningite de sua história. Para evitar o contágio, o governo decretou a suspensão das aulas e cancelou os Jogos Pan-Americanos de 1975, que foram transferidos de São Paulo para o México. A epidemia começou em 1971, no distrito de Santo Amaro, na Zona Sul de São Paulo. Com dor de cabeça, febre alta e rigidez na nuca, muitos morreram sem diagnóstico ou tratamento.

Em setembro de 1974, a epidemia atingiu seu ápice. A proporção era de 200 casos por 100 mil habitantes, como no “Cinturão Africano da Meningite”, que hoje compreende 26 países e se estende do Senegal até a Etiópia. O Instituto de Infectologia Emílio Ribas, com apenas 300 leitos disponíveis, chegou a internar 1,2 mil pacientes. Na época, eu era um jovem repórter do jornal O Fluminense, de Niterói (RJ). Com a cumplicidade de um acadêmico de medicina, conseguimos fotografar pela janela uma enfermaria lotada de crianças com meningite, no Hospital Universitário Antônio Pedro (UFF). A foto foi publicada com a matéria, mas gerou a maior crise política para a direção do jornal, porque a meningite era um assunto censurado pelos militares. A epidemia só acabou no ano seguinte, após a vacinação de 80 milhões de pessoas, que seria impossível com a manutenção da censura sobre a meningite pelo governo do general Ernesto Geisel.

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Luiz Carlos Azedo: Corpo fechado

“Há muita agitação contra a política de distanciamento social. Os aliados de Bolsonaro partiram para cima de prefeitos e governadores”

Os Estados Unidos se tornaram, ontem, o país com mais casos confirmados da Covid-19 no mundo, superando a Itália e a China, com 82 mil registros. O presidente Donald Trump minimizou o fato, com o argumento de que o aumento dos casos se deve à ampliação dos exames. “No fundo, não sabemos quais são os números reais da doença, mas nós testamos um grande número de pessoas e, a cada dia, vemos que nosso sistema funciona”, disse. Trump está preocupado com a economia norte-americana, que corre risco de entrar em profunda recessão. Negociou com o Congresso um pacote de US$ 2 trilhões, que serão injetados na economia e já estão repercutindo positivamente no mercado financeiro mundial.

No Brasil, ontem, o presidente Jair Bolsonaro insistiu na linha de minimizar a doença, a ponto de tripudiar da política de distanciamento social do Ministério da Saúde, que vem sendo seguida por governadores e prefeitos. “Eu acho que não vai chegar a esse ponto”, disse, se referindo aos Estados Unidos. “Até porque, o brasileiro tem que ser estudado. Ele não pega nada. Você vê o cara pulando em esgoto ali, sai, mergulha, tá certo? E não acontece nada com ele. Eu acho até que muita gente já foi infectada no Brasil, há poucas semanas ou meses, e ele já tem anticorpos que ajuda a não proliferar isso daí”, disse.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), nos últimos dois dias, o mundo registrou mais de 100 mil novos casos de coronavírus. Ao todo, já são mais de meio milhão de pessoas infectadas. A OMS explicou que os primeiros 100 mil casos da Covid-19 foram registrados em 67 dias, mas foram necessários apenas mais 11 dias para dobrar e atingir 200 mil casos, e outros quatro dias para chegar a 300 mil. Agora, levou dois dias para somar mais 100 mil novos casos ao balanço.

Para reagir à inevitável recessão que a economia mundial sofrerá, o G-20, grupo dos 20 países mais ricos do mundo, do qual o Brasil faz parte, reuniu-se ontem por teleconferência, encontro do qual Bolsonaro tomou parte. A injeção de recursos na economia já programada por esses países deve chegar a R$ 5 trilhões, o que jogou o dólar para baixo de R$ 5 aqui no Brasil, e fez a Bovespa subir 3,67%, chegando a 77,709 pontos.

Desobediência civil
Nas redes sociais, há muita agitação contra a política de distanciamento social adotada pelas autoridades de saúde. Os aliados de Bolsonaro partiram para cima de prefeitos e governadores, estimulando a desobediência civil, o que se traduziu em mobilização de comerciantes, empreendedores e trabalhadores informais nas redes sociais. Com a virada do mês, a falta de dinheiro por causa dos negócios parados aumentou a tensão social, que pode transbordar do ambiente virtual para as ruas. Será muito difícil manter a quarentena a partir deste fim de semana, com o clã Bolsonaro comandando a mobilização contrária. Se isso ocorrer, será uma tragédia.

A posição de Bolsonaro sobre a epidemia contraria a política da Organização Mundial de Saúde (OMS), que recomenda que as pessoas não saiam de casa, a fim de conter a velocidade de propagação da epidemia. Bolsonaro defende uma espécie de salve-se quem puder: “A quarentena vertical tem que começar pela própria família. O brasileiro tem que aprender a cuidar dele mesmo, pô”, disse. É mais ou menos como fez o coronel Pedro Nunes Batista Ferreira Tamarindo (1837-1897) na Guerra de Canudos. Os habitantes do arraial, comandados pelo líder religioso Antônio Conselheiro, já haviam rechaçado duas expedições do Exército, entre outubro de 1896 e janeiro de 1897. Mas a derrota da terceira expedição, uma força de 1.300 homens comandada por um dos heróis da Guerra do Paraguai, o coronel Moreira César, o Corta-Cabeças, foi um espanto.

Moreira César era um militar que se esvaía “na barbaridade revoltante”, segundo Euclides da Cunha em Os Sertões. Quando foi capitão, participou do linchamento de um jornalista, Apulcro de Castro. Encarregado de reprimir duas rebeliões contra o governo Floriano Peixoto (a Revolta da Armada, no Rio de Janeiro, e a Revolução Federalista, em Santa Catarina), executou prisioneiros indefesos. Entrou em batalha de salto alto: “Vamos almoçar em Canudos”, anunciou antes de invadir o arraial. O coronel Tamarindo, que assumiu o comando da terceira expedição após a morte de Moreira César, entrou para a história ao comandar a debandada: “É tempo de murici, cada um cuide de si…”. Como Moreira Cezar, foi esquartejado pelos jagunços.

Ontem, a Câmara aprovou um auxílio mensal de R$ 600 a ser pagos aos trabalhadores autônomos, informais e sem renda fixa durante a crise gerada pela pandemia. O valor inicial proposto pela equipe econômica era de R$ 200, mas o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), propôs aumentar para R$ 500, com o argumento de que a proposta do governo era “muito pequena”. Ao saber disso, Bolsonaro não quis ficar para trás: “Está em R$ 500, pode subir para R$ 600. Vê lá com o Guedes”, disse. O ministro da Economia, Paulo Guedes, por enquanto, é o grande mudo nas polêmicas sobre a mudança na política econômica.

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Luiz Carlos Azedo: O soldado mais lento

“Enquanto governadores e prefeitos mantêm a política de distanciamento social da Saúde, o ministro Mandetta manobra para não entrar em rota de colisão com Bolsonaro”

Reza a cartilha da infantaria que o ritmo da coluna depende do soldado mais lento, o comandante apenas orienta o rumo da marcha, pois, se acelerar demais, a tropa se dispersa pelo caminho. Formado numa unidade de elite — a Brigada de Paraquedista —, o presidente Jair Bolsonaro conhece os manuais, mas foi treinado para lutar na retaguarda do inimigo, sem front de batalha definido, improvisando muito para chegar aos objetivos. É mais ou menos o que está fazendo na crise do coronavírus, depois de se dar conta de que estava sendo o soldado mais lento, em vez de comandar a coluna.

O bate-boca com o governador de São Paulo, João Doria, que está no epicentro da epidemia, ontem, desnudou as preocupações de Bolsonaro no surpreendente pronunciamento de terça-feira à noite, no qual atacou governadores, prefeitos e a imprensa e criticou a política de distanciamento social: as eleições de 2022. O presidente da República viu na atuação de Doria uma ameaça ao seu projeto de reeleição, porque se deu conta de que a recessão é inevitável, não somente por causa da política de isolamento social: o Brasil já vinha num voo de galinha, frustrando as expectativas geradas pela sua própria eleição, em 2018.

Bolsonaro resolveu mirar a retaguarda dos governadores e prefeitos: os 40 milhões de pessoas ameaçadas de ficarem desempregadas, falidas ou sem nenhuma outra atividade, em razão da crise. A recessão, que está vindo a galope, chegaria de qualquer maneira, porque estamos diante do que pode ser a maior crise da economia mundial desde a Grande Depressão. Se não descobrirem logo uma remédio eficaz para os contaminados e uma vacina que imunize os demais, será inevitável, a não ser que haja uma ação coordenada dos governos das principais economias para mitigar os efeitos da retração global.

Seu discurso teve muita repercussão nas redes sociais e atingiu plenamente o alvo: jogou a culpa da recessão futura nos governadores e prefeitos. Bolsonaro lida com a morte como uma contingência inevitável. Prefere um ciclo breve de epidemia, com uma taxa de letalidade em torno de 3% a 5%, do que uma recessão dessa mesma ordem. Bolsonaro não é médico, que também lida racionalmente com a morte, mas com uma visão humanista, como o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), um aliado de primeira hora, que, ontem, rompeu com o presidente da República e questionou a autoridade de Bolsonaro para tomar decisões de ordem sanitária.

Entretanto, Bolsonaro faz política pelas redes sociais, que reagiram sob seu comando. Os partidários do presidente ganharam uma nova narrativa, saíram da defensiva e partiram para cima dos governadores e prefeitos, melhorando muito o nível de aprovação de Bolsonaro, que havia despencado nesse ambiente das redes sociais. A aposta no confronto aberto, porém, politizou a epidemia e manteve o clima de polarização eleitoral na sociedade, ainda que de forma completamente extemporânea.

Economia
Enquanto governadores e prefeitos mantêm a política de distanciamento social recomendada pelo Ministério da Saúde, o ministro Luiz Henrique Mandetta manobra para não entrar em rota de colisão com Bolsonaro e acabar moído no confronto. Outros atores também se movimentam. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), negocia a aprovação de cortes de despesas nos três Poderes, inclusive redução temporária de salários de servidores, para destinar mais recursos para a saúde. Esse pacote está sendo elaborado pelo secretário do Tesouro, Mansueto de Almeida. O ministro da Economia, Paulo Guedes, mergulhou. Está sendo eclipsado também pelo presidente do Banco Central (BC), Campos Neto, e pelo presidente da Caixa Econômica Federal, Pedro Guimarães, que já estão sendo cotados para substituí-lo. Guedes é um ultraliberal, dificilmente aceitará uma guinada keynesiano na economia que contrarie frontalmente seus princípios.

Outro personagem importante se movimentou na crise, o vice-presidente Hamilton Mourão, que defendeu o isolamento social como uma política de governo, ao contrário de Bolsonaro. Nos bastidores, comenta-se que seu pronunciamento havia sido combinado com os generais que hoje compõem o Estado-maior do Palácio do Planalto. Na véspera, o comandante do Exército, Leal Pujol, fez um pronunciamento que gerou muitas especulações: “O braço forte atuará se for necessário. E a mão amiga estará mais estendida do que nunca aos nossos irmãos brasileiros”, disse. Trocando em miúdos, reafirmou que a Força é uma instituição do Estado e está em condições operacionais para promover a ajuda humanitária e conter distúrbios sociais, além de evitar que a epidemia chegue aos quartéis e às famílias dos militares.

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Luiz Carlos Azedo: Reflexões sobre a epidemia

“Na cabeça do presidente, não existe guerra sem defuntos: as taxas de letalidade da epidemia são baixas demais para justificar uma recessão econômica”

Quando as ideias liberais clássicas de Adam Smith pareciam consagradas no Ocidente, em meio à corrida mundial para reinventar o Estado, a epidemia de coronavírus virou tudo de pernas para o ar. O revisionismo reformista de Lord John Maynard Keynes parece renascer das cinzas, com sua Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro. Para conter a epidemia, o mundo está mergulhando numa recessão geral, fruto da globalização tanto quanto a propagação do novo coronavírus, que começou na China, tomou de assalto a Europa, se instala nos Estados Unidos e se expande na periferia, na qual países como a Índia e o Brasil se preparam para a uma tragédia anunciada.

Para o keynesianismo, os níveis de consumo, de investimentos público e privados e aplicações dos cidadãos são determinantes da política econômica. Quando eles se retraem, a crise vem a galope. A velha fórmula de Keynes para enfrentar essa situação está sendo exumada por ninguém menos do que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que pretende injetar mais de US$ 1 trilhão na economia norte-americana para aliviar o sufoco gerado pela paralisação da economia. A Casa Branca foi o centro da resistência à política de distanciamento social preconizada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), mas capitulou, diante da tomada de Nova York pela epidemia. Da cidade mais rica do mundo, a epidemia se espalha por todos os estados da União.

Como na Grande Depressão de 1929, só o Estado pode conter o atual desequilíbrio da economia. Aquela crise teve outras causas: foi consequência da grande expansão de crédito por meio de oferta monetária (emissão de dinheiro e títulos), que precisou ser freada. O governo parou, começou a enxugar o mercado e a operar uma política de restrição de empréstimos. Temendo a desvalorização da moeda, muitas pessoas e empresas retiraram suas reservas dos bancos, dando início a um processo de recessão.

A solução para esse problema seria controlar a recessão, permitindo a liberdade de preços e salários, até que o mercado se adequasse à nova situação. No entanto, ao contrário disso, o governo passou a exercer arrochado controle sobre os preços e os salários, além de promover aumento de impostos. Isso agravou a recessão e, em cinco dias, a Bolsa quebrou, levando à falência empresas e bancos e, ao desemprego, 12 milhões de pessoas nos Estados Unidos, uma recessão que se alastrou por todo o mundo.

A fórmula de Keynes era os governos aplicarem grandes remessas de capital na realização de investimentos que aquecessem a economia de modo geral, além de linhas de crédito a baixo custo para garantir a realização de investimentos do setor privado e a elevação dos níveis de emprego. Mas isso era uma ofensa ao “livre mercado”. Coube ao presidente Franklin Delano Roosevelt, um homem paraplégico por causa da poliomielite, enfrentar a recessão.

Governador de Nova York desde 1928, disputou e ganhou a Presidência dos Estados Unidos em 1932, prometendo um novo e ousado plano de ação para resgatar a nação dos efeitos da grande depressão. Convenceu os americanos de que não havia mais nada a temer. Empossado em março de 1933, em apenas 100 dias, Roosevelt conseguiu aprovar no Congresso seu plano baseado nas ideias keynesianas. O New Deal (Nova Ordem) garantiu US$ 3,3 bilhões para investir na criação de empregos e na recuperação industrial. Nascia o Estado de bem-estar social.

Errático
Roosevelt propôs programas inovadores, que geraram milhões de empregos, e criou a Lei de Seguridade Social, um plano de aposentadoria com abrangência nacional, a grande herança de seu governo. Reeleito três vezes (1936, 1940 e 1944), morreu pouco antes do fim da II Guerra Mundial, na qual foi um dos Três Grandes, ao lado de Winston Churchill, o primeiro-ministro britânico, e Youssef Stálin, o líder da antiga União Soviética, que comandaram as forças aliadas contra o nazifascismo.

Aqui no Brasil, diante da epidemia de coronavírus, a política econômica ultraliberal do ministro da Economia, Paulo Guedes, entrou em colapso. Tornou-se insustentável diante da redução da atividade econômica. Na verdade, seus resultados já eram pífios antes da epidemia.. Economistas como Armínio Fraga, Monica de Bolle e André Lara Rezende já vinham questionando o ministro. O mercado já está com saudades do ex-ministro Henrique Meirelles, hoje secretário da Fazenda de São Paulo.

É esse debate que está por trás do embate entre o presidente Jair Bolsonaro e os governadores em relação às medidas de quarentena adotadas nos estados e municípios. Na cabeça do presidente, não existe guerra sem defuntos: as taxas de letalidade da epidemia são baixas demais para justificar uma recessão econômica. O remédio é deixar morrer. Ontem, foi à tevê, em cadeia nacional, para atacar a imprensa, os governadores e os prefeitos e criticar as medidas de distanciamento social adotadas para conter a epidemia, que continua chamando de gripezinha. Quando parecia ter entrado em entendimento com os demais governantes, recrudesceu. Temos um presidente errático em relação à crise que o país enfrenta.

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