saúde

Merval Pereira: O lado certo

Em meio à confusão promovida pelo seu governo no início atrasado da vacinação nacional contra a Covid-19, o presidente Bolsonaro achou tempo para fazer o que mais gosta: ameaçar o país com uma intervenção militar.

Na sua visão distorcida sobre a democracia, o presidente anunciou, e não pela primeira vez, que viver sob uma democracia ou uma ditadura é decisão das Forças Armadas. Seria uma ofensa às próprias FFAA, pois elas existem justamente para defender a democracia, e não para acabar com ela.

Sempre ciosos de suas funções, os militares deveriam dar uma nota oficial tirando dos ombros da instituição tal decisão, pois, a ser verdade o raciocínio de Bolsonaro, implantar uma ditadura militar no Brasil é apenas questão de gosto.

O uso dos militares para se defender quando sua atuação está sendo posta em dúvida é recorrente em Bolsonaro, e deveria ser rechaçado oficialmente. Bolsonaro não é mais um capitão do Exército, e sim um manipulador que se utiliza das FFAA com fins políticos.

Quando um General da Ativa como Pazuello concorda em defender tratamento precoce com cloroquina, ou mente ao dizer que nunca fez isso quando documentos do seu ministério mostram o contrário, é o Exército que ele está maculando, induzido por Bolsonaro.

Criticar Bolsonaro, pedir seu impeachment, são atitudes políticas que não deveriam atingir os militares como instituição, mas àqueles que se dispõem a acompanhar as ordens absurdas do chefe momentâneo. Se alguns deles são da ativa, a coisa muda de figura.

O debate sobre a politização da campanha de vacinação nacional contra a Covid-19 incorre em um erro fundamental, a comparação da atitude do presidente Bolsonaro com a do governador de São Paulo João Dória em face à pandemia e as maneiras de combatê-la.

Dória sempre esteve no lado certo, a favor do distanciamento social, do uso de máscara, e trabalhou corretamente para ter condições de fazer a imunização, mesmo que em alguns momentos tenha abusado do marketing político em favor de sua candidatura à presidência da República em 2022.

Mesmo que fosse tudo política, nesse caso o lado certo da política é forçar o começo da vacinação o mais rápido possível. E ele conseguiu fazer o governo Bolsonaro se mexer. Graças à sua iniciativa de fazer acordo com a farmacêutica Sinovac da China, deu condições ao Instituto Butantan de produzir a vacina CoronaVac, contra todas as ações políticas que o presidente da República engendrou para desqualifica-la e incutir no brasileiro desconfiança sobre a “a vacina chinesa do Dória”.

Bolsonaro comemorou quando a eficácia global da CoronaVac de 50,4% foi anunciada, dando ares de verdade à percepção popular de que uma vacina que tem 70% de eficácia global é melhor do que a de pouco mais de 50%, o que, para uma campanha maciça de vacinação para conter uma pandemia, é irrelevante.

Os técnicos do Butantan ajudaram essa percepção negativa ao anunciarem com fanfarras os índices vistosos de 70% para casos leves e 100% para os graves, antes do dado global. O governador Dória, evitando anunciar a notícia, ajudou, dando a sensação de que só vai “na boa”, deixando para seus subordinados as notícias ruins, o que não era absolutamente o caso.

Mas a irresponsabilidade de Bolsonaro, ao desdenhar da única vacina que os brasileiros tinham à mão para iniciar a vacinação, depois de mais de 50 países do mundo, sempre com fins políticos de combater um potencial adversário em 2022, é incomparável.

Bolsonaro foi o único presidente da República ou Primeiro-Ministro do mundo a fazer campanha contra a vacinação. Ontem mesmo Freud pegou-o num ato falho que revela sua decepção pelo sucesso do início da vacinação em São Paulo. Começou uma frase, depois de ter ficado em um silêncio inusitado durante quase um dia, assim: “Apesar da vacina…”

Um verdadeiro líder político deveria ter comemorado o início da vacinação, em vez de tentar confiscar as doses do Estado que se preparou com a antecedência devida para produzir vacinas contra a Covid-19, para impedir que seu adversário político se sobressaísse.

O destino reservou a Bolsonaro derrotas políticas variadas e em sequência: o ditador Maduro, na Venezuela, se prontificou a ajudar o Amazonas com cilindros de oxigênio, e a vacina CoronaVac, da chinesa Sinovac, foi a única que restou para nossa vacinação. Só faltou mesmo um enfermeiro cubano para completar a série de infortúnios de um presidente que coloca a ideologia acima das necessidades do povo que preside.


Luiz Carlos Azedo: Como perder a guerra

Tanto a produção da vacina do Butantan quanto a da Fiocruz precisam de insumos importados da China, dos quais somos tão dependentes como os chineses da nossa soja

Há derrotas por antecipação. Geralmente, como já disse, ocorrem quando se comete um erro de conceito estratégico. A partir daí, os planejamentos tático e operacional são desastres sucessivos. Em tese, oficiais superiores são treinados para serem bons estrategistas. O marechal Castelo Branco, por exemplo, conquistou essa fama nos campos da Itália, na II Guerra Mundial, ao elaborar o bem-sucedido plano da tomada de Monte Castelo, que veio a ser uma das glórias de nossos pracinhas da Força Expedicionária Brasileira (FEB). Não é o caso do general Eduardo Pazuello, ministro da Saúde, apesar da fama de craque em logística.

O primeiro erro de conceito de Pazuello é considerar a pandemia uma guerra. Como figura de linguagem, ainda se pode dar um desconto; como conceito de política sanitária, porém, leva a conclusões equivocadas. Logo no começo da pandemia, o sanitarista Luiz Antônio Santini, médico e ex-diretor do Inca, publicou um artigo no site do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz chamando atenção para isso: “A metáfora da guerra, embora frequente, não é adequada para abordar os desafios da saúde, até porque, por definição, uma guerra visa derrotar um inimigo e, para isso, vai requerer a mobilização de recursos das mais variadas naturezas que, em geral, levam a uma brutal desorganização econômica e social do país. Essa visão belicosa, no caso de uma pandemia, além de limitar, é seguramente ineficiente”.

Segundo o sanitarista, uma pandemia não representa um ataque inesperado de um agente inimigo da humanidade, como a tese da guerra sugere. “O processo de mutação dos vírus é uma atividade constante na natureza e o que faz com que esse vírus mutante alcance a população, sem proteção imunológica, são, além das mudanças na biologia do vírus, mudanças ambientais, no modo de vida das populações humanas, nas condições econômicas e sociais. Muito além, portanto, de um ataque insidioso provocado por um agente do mal a ser eliminado.” Muito provavelmente, o que está acontecendo em Manaus, e pode se repetir em outras cidades, é consequência de uma mutação genética do vírus da covid-19, que fez com que a doença se propagasse mais rapidamente e a subestimação da importância do distanciamento social e outros cuidados, como uso de máscaras.

A pandemia não é culpa de Pazuello, mas um fenômeno da natureza. Entretanto, deveria ter sido mitigada pelo Ministério da Saúde, enquanto a ciência busca respostas com vacinas, medicamentos, mais conhecimentos e tecnologias. O problema é que Pazuello não foi nomeado para o cargo de ministro da Saúde por seus conhecimentos em saúde pública, mas porque obedece cegamente ao presidente Jair Bolsonaro, um capitão que pauta sua atuação na Presidência pelo improviso e, no caso da pandemia, pelo negacionismo.

Aposta errada

Por ordem de Bolsonaro, Pazuello apostou no “tratamento precoce” à base de um coquetel cuja eficiência é contestada pelos epidemiologistas. No caso de Manaus, segundo depoimentos de intensivistas, a maioria dos mortos havia tomado hidroxicloroquina, azitromicina, zinco e vitamina D, além da ivermectina. O general foi a Manaus recomendar esse tratamento alternativo em massa, na expectativa de que isso contivesse a pandemia, em vez de dar a devida importância à escalada da doença, que provocou o colapso dos hospitais, a começar pela falta de oxigênio. Pesaram na sua avaliação a sua autossuficiência e ignorância em matéria de saúde pública.

A mentalidade bélica também cobra um preço na questão das vacinas. O tempo todo o governador de São Paulo, João Doria, foi tratado como inimigo por Bolsonaro, que demitiu Henrique Mandetta por ciúmes. O ex-ministro havia alcançado grande popularidade, ao liderar a luta contra a pandemia, e havia se encontrado com o governador paulista para discutir a colaboração entre os governos federal e estadual no enfrentamento da crise sanitária. À época, Bolsonaro considerava a covid-19 uma “gripezinha”, sabotava o distanciamento social e desacreditava a vacina, que ainda se recusa a tomar, com argumento de que foi imunizado pela doença, embora os casos de reinfecção estejam aumentando.

O resultado todo mundo sabe. A vacina do Butantan (CoronaVac) é a única disponível até agora. O governador João Doria começou a campanha de vacinação no domingo. Pazuello corre contra o prejuízo. As vacinas disponíveis — 6 milhões de doses, equivalentes à vacinação de 3 milhões de pessoas, a maioria profissionais de saúde — são insuficientes para imunizar a população. Além disso, tanto a produção da vacina do Butantan quanto a da Fiocruz precisam de insumos importados da China, dos quais somos tão dependentes como os chineses da nossa soja. Outro erro estratégico de Bolsonaro, nesta pandemia, foi falar mal da China. Pode nos custar muito mais caro do que se imagina.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-como-perder-a-guerra-2/

Bruno Carazza: Vacina contra a incompetência

Estamos condenados a conviver com a covid e a escassez

A aprovação da Anvisa para o uso emergencial das vacinas produzidas pelo Butantan e pela Fiocruz e a aplicação das primeiras doses na população trazem esperança e alívio, mas estão longe de colocar um fim à tragédia que já levou à morte quase 210 mil brasileiros.

A saga da vacinação contra a covid-19 é mais um reflexo do problema de coordenação gerado deliberadamente por Bolsonaro desde o início da pandemia por motivos políticos e ideológicos. Sem uma gestão unificada para o enfrentamento da crise e a busca de soluções, os governos federal, estaduais e municipais lançaram-se numa corrida na qual toda a população saiu perdedora.

Ao contrário de outras nações, que desde o princípio negociaram com diversos fornecedores para minimizar o risco, o Brasil errou na sua estratégia de apostar todas as fichas em apenas dois laboratórios. As 160 milhões de doses contratadas junto à AstraZeneca e à Sinovac não serão suficientes para atender, em duas rodadas, um país com 210 milhões de habitantes - mesmo que a Fiocruz alcance o objetivo de produzir outras 110 milhões de unidades entre agosto e dezembro.

Segundo o Plano Nacional de Vacinação, haveria ainda a intenção de adquirir 108 milhões de ampolas da Pfizer/BioNTech e da Janssen, mas os contratos sequer foram assinados, e há a promessa de receber outras 42,5 milhões do consórcio Covax Facility, mas sem um cronograma de entrega definido.

É verdade que poderíamos recorrer aos países que pecaram pelo excesso e contrataram além do que precisavam, mas isso seria um feito surpreendente para um corpo diplomático cuja cúpula se especializou em destruir pontes nos últimos dois anos.

Enfim, mesmo no melhor dos cenários, em função do tempo necessário para a entrega, distribuição e aplicação em duas etapas, é fato que teremos que conviver com uma oferta limitada de vacinas por um bom tempo.

‘Contágio’, filme de 2011 dirigido por Steven Soderbergh, tornou-se um caso raro de sucesso tardio de audiência. Ao imaginar uma pandemia que se dissemina rapidamente pelo mundo a partir de uma contaminação em um mercado de alimentos silvestres na China, a ficção fez sucesso no ano passado tamanhas eram as semelhanças com o momento em que vivemos.

Na obra, a tão esperada proteção foi decidida por sorteio, de acordo com a data de aniversário dos indivíduos. Mas a vida, principalmente por aqui, é muito mais complexa do que a arte.

Com uma baixa disponibilidade imediata de doses e uma doença que se alastra em ritmos diferentes tanto em termos regionais quanto em relação a estratos sociais e demográficos, enfrentaremos em breve dilemas difíceis de serem equacionados - e a incapacidade governamental de lidar com eles será exposta de novo.

O plano anunciado pelo Ministério da Saúde estabelece os grupos prioritários (trabalhadores da área de saúde, idosos, aldeias indígenas, ribeirinhos, quilombolas etc); porém, não define os critérios que devem nortear sua distribuição.

Com poucas doses, como será a logística da aplicação das seringas e o seu cronograma de alocação ao longo das próximas semanas e meses? Qual será a “taxa de risco” anunciada ontem pelo ministro Pazuello para priorizar cidades em situação de colapso, como Manaus? E dentro de cada localidade, a quem caberá determinar quem recebe primeiro a imunização no âmbito de cada grupo? Como serão definidas as prioridades entre os prioritários? São respostas para as quais a equipe de Bolsonaro até agora não deu resposta.

Em países como Inglaterra e Portugal, que têm sistemas universais de saúde com prontuários unificados, foi possível organizar a oferta levando em conta as situações de cada indivíduo, de forma que as pessoas estão recebendo por correio, SMS ou email informações com local, dia e hora em que receberão as agulhadas.

Como ao longo de décadas o SUS não recebeu os investimentos necessários para ter tal grau de organização, em breve viveremos os efeitos típicos de uma escassez extrema.

O mais comum deles é a fila. Há poucos meses vimos milhões de brasileiros se aglomerando diante das agências da Caixa Econômica e da Receita Federal tentando resolver problemas relacionados ao auxílio-emergencial. Da noite para o dia “descobriram-se” 40 milhões de “invisíveis” - pessoas que não constavam nos cadastros sociais e estavam à margem do mercado formal de trabalho.

Por não conhecer a imensa maioria de seus cidadãos (onde moram, qual seu histórico de saúde, quem possui comorbidades), a desorganização se repetirá com a vacinação. Como resultado, nas próximas semanas seremos expostos a uma reprise de cenas de pessoas dormindo em filas ou se acotovelando na frente de postos de saúde em busca da imunização.

Sem critérios claros para a distribuição individual, em alguns casos prevalecerá a lei do mais forte (ou do mais próximo). Categorias começam a se articular para pressionar institucionalmente por atendimentos prioritários, como já aconteceu com membros da elite do Judiciário e do Ministério Público. Quando as doses forem entregues aos municípios, é bem provável que muitos espertalhões consigam furar a fila na base de relações de parentesco, amizade ou influência junto a poderosos locais.

A falta de vacinas também gerará oportunidades de corrupção. No país da impunidade, os incentivos estão dados para quem quiser cobrar “por fora” ou condicionar agulhadas a promessas de votos.

Como sempre acontece quando o Estado falha na prestação de seus serviços, florescerá também um vantajoso mercado. Laboratórios e grandes empresas já se movimentam para obter autorização governamental. Com baixos estoques e uma longa espera na rede pública, o setor privado terá condições de discriminar a oferta para quem se dispõe a pagar o preço que for cobrado.

Millôr Fernandes dizia que “o grande erro da natureza é a incompetência não doer”. A gestão da pandemia do governo Bolsonaro comprova que ela não apenas dói, como asfixia e mata.

*Bruno Carazza é mestre em economia, doutor em direito e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro”.


Cacá Diegues: O quinto mandato

Na última pandemia, no terceiro para o quarto mandato, o presidente mandou todo mundo tomar vermífugo

Quem me lê sabe que não costumo publicar nem discutir na coluna mensagens de leitores. Prefiro fazê-lo pessoalmente, por e-mails que eles me indicam. Mas desta vez não posso deixar passar em brancas nuvens o que é dito aqui, vocês vão entender por quê. Para facilitar a leitura, fiz as devidas correções no português do texto original, que tanto podia ser arcaico quanto futurista. Como seu tema. Eis o e-mail que recebi semana passada:

“Prezado escriba. Ainda tenho comigo o jornal de ontem, onde se encontra sua coluna desta semana. Sou seu habitual leitor, mas não posso ver o Brasil maltratado sem me meter. Sou como o nosso presidente: Brasil acima de tudo (e, claro, Deus acima de todos)! O presidente é o homem mais incompreendido do planeta, e o senhor, como bom brasileiro, não devia colaborar com as injustiças de que ele é vítima.

Por exemplo, o desmatamento não é em absoluto a causa principal das queimadas na Amazônia. Quando o fogo chega lá, as árvores já estão no chão atraídas por lei natural. Essa é a narrativa do progresso: quando há um acidente, surge também uma oportunidade. Mas os índios e os caras que moram lá sabotam o progresso, não cedem um centímetro de terra para modesta mineração, nem um riozinho sem importância para uma hidrelétrica. A floresta fica interditada. Os índios, que eram uns 4 milhões quando Cabral aqui chegou, hoje são menos de 200 mil gatos-pingados. E nós é que vamos pagar pelo descaso deles com a descendência?

O governo luta pela sobrevivência do povo, senhor escriba. Na última pandemia, no terceiro para o quarto mandato, o presidente mandou todo mundo tomar vermífugo como precaução. Foi um sucesso, esgotaram-se os vidros de vermífugo nas farmácias, a indústria farmacêutica que os fabricava foi apedrejada pela população que queria mais. Graças ao tratamento precoce com vermífugo, morreram apenas cerca de 550 mil brasileiros, metade dos mortos nos Estados Unidos e na Índia no mesmo período.

Desde que a importação de armas foi liberada por decreto presidencial, a população vem se defendendo com entusiasmo de assaltos e tentativas de homicídio. A Polícia Militar se ocupa agora de tarefas mais graves, mantendo sob vigília oficiais ‘superiores’, como generais, almirantes e brigadeiros que perturbam a vida do governo. A PM foi liberada da servidão a esses oficiais e não depende mais de governadores e prefeitos, civis eleitos ninguém sabe por quem. A medida custou um pouco às finanças do Estado, já que o governo passou a arcar com o necessário desconto nas compras domésticas dos chefes policiais, descontos que foram cobertos pela UIF (ex-Coaf). Ficamos assim protegidos dos dias piores que o presidente teria que enfrentar (só Deus sabe como!), a exemplo de Donald Trump, sacrificado por causa de visita ao Capitólio norte-americano.

Outro dia fui ao cinema, num shopping na Praça Carlos Alberto Brilhante Ustra, recém-inaugurada, e vi com satisfação que não havia nenhum filme nacional programado. O governo parou de financiar esses comunistas, a Lei Olavo de Carvalho não financia mais o marxismo cultural, como fazia quando se chamava Rouanet. Agora ela apoia o apoio ao Brasil, como no caso da soja. Fizemos um trato com agricultores franceses, não perdemos mais tempo, dinheiro e terra arada com soja. Compramos da França, onde a família Le Pen controla o governo desde a sucessão de Macron e sua feia esposa. Os franceses nos vendem a soja com perfume inigualável, além de embrulho e embarque supervisionados por herdeiros de Pierre Cardin.

Nos anos 1930, Getúlio Vargas começou a modernizar o Brasil pela industrialização. Nosso presidente está levando o país de volta ao que sempre foi, uma ensolarada fazenda, onde todo mundo flana igual e ninguém tem pressa de nada. A Ford foi embora porque não se adaptou a esse novo Brasil do futuro. No dia D e na hora H, eles hão de entender que aqui um manda, e o outro obedece. O Congresso, hoje com sua maioria formada pela Aliança do Grande Centro, e o STF, fechado temporariamente para higiene interna, apoiam o presidente. Restam apenas os três meninos sumidos desde o Natal de 2020, que ainda estão escondidos por aí. O mais velho deles, Fernando Henrique, deve estar hoje com uns 25 anos de idade. Os meninos desaparecidos seguem mandando recados para suas comunidades, incentivando-as a resistir. Resistir a quê, meu Deus?!

Vou ter que parar de escrever, pois meu tempo é curto, e o seu, escasso. Preciso sair correndo para ir votar em Jair Bolsonaro, o Mito, para mais um período na Presidência, conforme a oportuna reforma constitucional de 2022, quando seu partido sugeriu ao Congresso permitir que se candidatasse a novos e seguidos mandatos de quatro anos. A pífia oposição ainda tentou argumentar que a inflação passara de 4,52% em 2020 a cerca de 452% esse ano. Mas nossos sólidos economistas argumentaram que inflação é bobagem, não serve para dizer o que acontece de fato no país. E deram como exemplo Juscelino Kubistchek, o criador de Brasília, presidente a partir de 1955, quando ainda não havia reeleição.

Depois desses 12 anos no governo, Bolsonaro vai se sacrificar mais uma vez.

Como ele tem dito a seus apoiadores, na saída do Alvorada, o Brasil ainda precisa do dobro desse tempo para se endireitar de uma vez. Até breve, meu caro escriba”.

Esse e-mail me foi enviado com a data de 10 de outubro de 2034. E agora?


Luiz Carlos Azedo: Faca manchada de sangue

Erros de conceitos, geralmente, provocam fracassos estratégicos, e transformam eventuais qualidades em grandes defeitos. O sujeito vira o “burro operante”

O colapso do sistema de saúde pública em Manaus, por falta de oxigênio, indignou a sociedade, além de traumatizar os profissionais de saúde do país inteiro, porque o episódio provocou a morte por asfixia de pacientes que estavam estabilizados e chegou a obrigar a transferência de crianças recém-nascidas para outros estados, ou seja, que não tinham nada a ver com a pandemia de covid-19. Dois dias antes do colapso, o ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, fora avisado da falta de oxigênio. Esteve em Manaus, com o propósito de convencer as autoridades locais a prescreverem em massa o “tratamento precoce” da covid-19, que vem sendo a opção preferencial dos militares à frente da pasta para combater a pandemia.

Trata-se de um coquetel utilizado em larga escala por médicos clínicos, como tratamento alternativo: hidroxicloroquina, azitromicina, zinco e vitamina D, além da ivermectina, já usada preventivamente, a cada 15 dias, de forma generalizada, por parte da população de baixa renda, como santo remédio contra o novo coronavírus. Rejeitada pelos infectologistas, por falta de comprovação científica, na surdina, essa fórmula virou o eixo da política sanitária do Ministério da Saúde. Na cabeça do presidente Jair Bolsonaro, o coquetel é mais eficiente e mais barato do que as vacinas, além de dispensar as políticas de distanciamento social, ao supostamente transformar a covid-19 numa “gripezinha”.

Apesar de criticado por infectologistas e sanitaristas, o “tratamento precoce” é uma prerrogativa da clínica médica, ao qual muitos recorreram e acham que, por isso, foram salvos da morte. Entretanto, a essência da política de saúde pública é preventiva. Por essa razão, o descaso em relação à necessidade de distanciamento social, para desacelerar a propagação da pandemia, e o atraso na vacinação em massa, para imunizar a população, mais cedo ou mais tarde, além da falta de insumos, como oxigênio, seringas e agulhas, resultarão em investigações e processos criminais na Justiça.

Vacinas

O general Pazuello está no cargo por ter fama de especialista em logística e para levar adiante o “tratamento precoce”. Mas esse é clamoroso erro de conceito, tanto assim que os dois ministros que o antecederam se recusaram a cumprir essa orientação do presidente Bolsonaro. Erros de conceitos, geralmente, provocam fracassos estratégicos, e transformam eventuais qualidades de seus executantes em grandes defeitos. O sujeito vira o “burro operante”. É o caso, por exemplo, do secretário-executivo do Ministério da Saúde, o coronel do Exército reformado Antônio Elcio Franco Filho, cuja experiência como secretário de Saúde de Roraima o guindou ao cargo operacional mais importante de todo o Sistema Único de Saúde (SUS). Nas entrevistas, exibe na lapela uma faca ensangüentada, broche de ex-integrante de equipe de operações especiais, cujo lema é “O ideal como motivação/ A abnegação como rotina/ O perigo como irmão e/ A morte como companheira”. Sem dúvida, o Brasil precisa de soldados treinados para “causar o máximo de confusão, morte e destruição na retaguarda do inimigo”, mas o lugar deles não é o Ministério da Saúde.

Na quarta-feira, em entrevista coletiva, o “faca manchada de sangue” se jactava da operação que estava sendo montada para buscar 2 milhões de doses da vacina de Oxford produzidas na Índia. O governo federal pretendia realizar uma grande jogada de marketing, iniciando a campanha nacional de imunização com a vacina que também será produzida pela Fiocruz, antes de autorizar o uso da vacina do Instituto Butantan, cuja eficácia o presidente Bolsonaro não perde uma oportunidade de colocar em dúvida. O avião da Azul adesivado para transportar as vacinas não pode decolar, porque as autoridades da Índia não haviam liberado as vacinas.

O Brasil, porém, é um grande país, mas não é para principiantes. Começamos a produzir 8 milhões de doses/mês da vacina russa Sputnik V, em Santa Maria, no Distrito Federal, e em Valparaíso de Goiás, no Entorno de Brasília. Os russos contrataram a União Química, que possui mais 7 fábricas no Brasil, para produzir a vacina desenvolvida pelo Instituto Gamaleya de Pesquisa em Epidemiologia e Microbiologia e financiada pelo Fundo de Investimentos Diretos da Rússia. Todas as doses da vacina russa produzidas no Brasil serão exportadas para países da América Latina que já registraram o imunizante, como Argentina e Bolívia, enquanto aguarda autorização da Anvisa para realização de testes clínicos no Brasil. Ou seja, em breve teremos 3 vacinas produzidas aqui: a CoronaVac, do Instituto Butantan; a Oxford, da Fiocruz; e a Sputnik V, da União Química (privada), um “business” russo. Apesar de tanta incompetência, a esperança não morreu.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/faca-manchada-de-sangue/

Hélio Schwartsman: O general Pazuello e a minha vó

No Brasil, a autoridade sanitária repete as crenças (erradas) de minha avó

Custou-me acreditar no que li. Pessoas estão morrendo asfixiadas em Manaus por falta de oxigênio nos hospitais, e o ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, atribuiu o colapso do sistema de saúde manauara ao aumento da umidade e ao fato de médicos locais não prescreverem "tratamento precoce".

O general dificilmente poderia estar mais errado. Ecoando as recomendações de minha avó, ele acha que o problema é as pessoas saírem na chuva e não tomarem cloroquina. No mundo real, é o clima seco, e não o úmido, que favorece as infecções respiratórias, e, apesar de a cloroquina já ter sido esquadrinhada por cientistas, nenhum estudo de qualidade demonstrou que ela tenha efeito importante contra a Covid-19.

A explicação científica mais geral para o caos em Manaus está na curva exponencial. Epidemias se caracterizam justamente por concentrar muitos casos num intervalo curto de tempo. Sem medidas de contenção, um vírus pode entrar em propagação exponencial e saturar rapidamente até os mais robustos sistemas de saúde.

O problema de Manaus, que não é diferente do de várias outras cidades, é que, apesar dos alertas dos especialistas, as pessoas relaxaram nas medidas de segurança. Cansaram das privações sociais, aposentaram máscaras, viajaram e celebraram a chegada do novo ano em populosas confraternizações. Em Manaus, ainda se aglomeraram para protestar contra as regras de distanciamento que o governo queria impor.

Redes de saúde pequenas como a do Amazonas e de Rondônia são as primeiras a colapsar, mas não há motivo para que grandes centros não enfrentem dificuldades parecidas, especialmente se estivermos lidando com mutações que geraram cepas virais mais infecciosas, como parece plausível.

Atentas a essa terrível possibilidade, autoridades sanitárias europeias estão endurecendo as restrições. No Brasil, a autoridade sanitária repete as crenças (erradas) de minha avó.


Cristina Serra: Bolsonaro merece um tribunal de Nuremberg

O Brasil governado por criminosos não é um perigo mortal apenas para os brasileiros

Depoimentos de médicos e enfermeiros em redes sociais, imagens de desespero nos hospitais, documentos, ordens para aplicar cloroquina ou "tratamento precoce" contra o vírus, testemunhos de parentes das vítimas. Tudo o que puder ser usado como prova de crime contra a saúde pública deve ser guardado pelos cidadãos.

Há de chegar o dia em que os responsáveis por essa tragédia brasileira irão sentar-se no banco dos réus. Se as nossas instituições parecem sedadas, quem sabe organismos multilaterais, como o Tribunal Penal Internacional (que já examina uma ação contra Bolsonaro anterior à pandemia) ou o Conselho de Direitos Humanos da ONU, atentem para a gravidade do que acontece aqui.

Bolsonaro e sua gangue precisam ser levados a um tribunal de Nuremberg da pandemia. Só uma investigação com a mesma amplitude será capaz de explicar o mal em grande escala praticado contra a população brasileira. Isso terá que ser exposto, em caráter pedagógico, para ser conhecido pelas próximas gerações e evitar que se repita. Como Nuremberg fez com os crimes de guerra dos nazistas.

Há vários níveis de responsabilidade no morticínio brasileiro. É preciso assinalar que, no caso do Amazonas, o governador Wilson Lima também terá que responder pelas mortes por falta de oxigênio em Manaus. Eleito na carona do bolsonarismo, revelou-se incompetente e covarde ao ceder às pressões contra o lock down, mesmo com inúmeros alertas de cientistas sobre uma segunda onda. No meio do ano, Lima chegou a ser alvo de buscas da PF, em investigação de desvios na compra de respiradores.

Outras cidades estão na rota do colapso. O Brasil governado por criminosos não é um perigo mortal apenas para os brasileiros. Países já nos fecham as portas. O Brasil tornou-se um pária sanitário. Quem permite que essa situação continue por tempo indefinido também tem as mãos sujas de sangue. Seremos julgados, no futuro, por nossas ações e omissões.


Míriam Leitão: Um joelho sobre o nosso pescoço

É mais do que Manaus, é o Amazonas inteiro. É mais do que o Amazonas, é o Brasil que não consegue respirar. A tragédia dos amazonenses é a de todos nós. No pescoço do país, retirando o oxigênio, há uma pandemia e o peso de um péssimo governo. O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, o submisso, na quinta-feira à noite, ao lado do presidente, disse que Manaus estava em colapso. Falou como se não fosse ele o ministro. Era o reconhecimento do seu próprio fracasso, mas ele responsabilizou a localização geográfica da cidade e a falta da cloroquina. “Outro fator é que Manaus não teve a efetiva ação no tratamento precoce”, disse, usando o novo nome do remédio ineficaz prescrito por Bolsonaro.

O promotor que entrou no hospital carregando o cilindro com ar, comprado por ele, e que chegou no momento exato em que seu filho iria parar de respirar. O choro dele dizendo que viu pessoas morrendo no caminho até salvar o filho. A cidadã que gravou um vídeo explicando o drama que a cidade vivia. A enfermeira que pediu “orem pelo Amazonas”. Estados se preparando para receber bebês prematuros. São pedaços de um filme de horror que pode se espalhar pelo país.

Agora é a hora da emergência, e tudo o que se fizer para abastecer Manaus de oxigênio será pouco, porque vidas estão sendo perdidas. Mas é preciso entender o que se passou por lá. O ministro, que esteve dias antes na cidade, tinha que ter visto os sinais da tragédia e agido para preveni-la. O que fez foi dar ordens de que usassem cloroquina, o “tratamento precoce”.

A transmissão de quinta-feira do presidente e de seu ministro, com a presença do presidente da Caixa, era o retrato do descaso com a vida humana que este governo tem exibido desde o primeiro dia desta pandemia. Pazuello leu de soslaio algo escrito por Bolsonaro num papel e elogiou como “inteligentíssima” uma pergunta que colocava em dúvida a eficácia do uso de máscaras. No mesmo dia, circulava nas redes um vídeo com parlamentares governistas e uma juíza estimulando as pessoas a tirarem as máscaras. E cantando música que invoca a “pátria amada”. Seria patético se não fosse criminoso.

Enquanto nas redações do país jornalistas processavam e buscavam imagens e relatos que dessem o tom do desespero de Manaus, Bolsonaro começou sua live dizendo que estava mandando abrir mais agências da Caixa. Empombado, o ministro da Saúde começou dando uma lição geográfica como se palestrasse para estrangeiros.

— Manaus é uma ilha no meio da floresta amazônica. Brasília é a última grande cidade ao Norte e a partir daí são três horas de voo de Brasília. Em cima da floresta. Isso é a distância e o desafio logístico — disse, e continuou com essa fala inútil, fora do tom e da hora, com platitudes sobre o ciclo chuvoso.

A única coisa decente a fazer era pedir demissão por incompetência. Logística é gestão de estoques, é estudar previamente o fluxo dos produtos e equipamentos que precisam estar no lugar certo na hora exata. Em Manaus, pessoas estavam naquele momento morrendo por colapso logístico. Ele se atrasou em tudo, apesar de alertado pelos produtores sobre a falta de oxigênio, como foi sobre a falta de seringas e agulhas, o ministro deixa tudo para depois. A sua hora H é a do atraso.

O governo federal, na federação brasileira, coordena, articula, socorre, pacifica, é o único que pode ter a informação centralizada de tudo o que ocorre neste país continental. O Brasil se organizou em federação para estar unido em suas muitas identidades e situações geográficas. O governo Bolsonaro falhou desde o primeiro momento porque sabotou seu papel. Fez isso porque o presidente da República debocha da doença e das recomendações médicas, espalha o vírus do negacionismo, milita contra medidas de proteção. Lidera um governo de invertebrados, que o seguem e não se rebelam contra os absurdos diários de Bolsonaro.

Não há um momento bom para ter um mau governo, mas há o pior momento, que é no meio de uma pandemia, quando o que mais se precisa é de um presidente que tenha compaixão e senso de urgência, que acredite na ciência e siga a orientação dos médicos. Um bom governo não nos livraria do vírus, mas protegeria vidas humanas, agiria preventivamente, uniria o país, coordenaria os esforços. Um bom governo não atormentaria o país com agressões cotidianas no meio do nosso padecimento. Manaus é uma parábola dramática do que estamos vivendo. O país não consegue respirar.


Adriana Fernandes: Por que se calam?

Na elite do nosso empresariado, não tem dia D nem hora H. É S, de silêncio

Desde o início da pandemia, o presidente Jair Bolsonaro e apoiadores, sempre quando confrontados sobre a negação da realidade da covid-19, saem com o discurso de que “economia é vida” e que o Brasil precisa voltar à normalidade mesmo diante de um cenário de contaminação e mortes.

Em maio, no pico inicial da doença, Bolsonaro atravessou a Praça dos Três Poderes na direção do Supremo Tribunal Federal acompanhado de um grupo de empresários para fazer pressão para que as medidas restritivas nos Estados fossem amenizadas.

Os empresários que estavam junto com o presidente naquele dia pregavam a volta dos negócios o mais rápido possível e a flexibilização do lockdown nas cidades porque, na visão deles, comprometia a recuperação econômica. A pandemia continuou e estímulos bilionários do governo federal garantiram os negócios (não houve, porém, a contrapartida de um planejamento sério para a boa prática de distanciamento social). A atividade econômica começou a se recuperar.

Sem um planejamento nacional para a segunda onda e a vacinação em massa, o Brasil jogou todo o esforço no lixo no “curto-prazismo”. Os brasileiros assistem assombrados o colapso do sistema de saúde de Manaus e o risco de uma crise nacional de falta de oxigênio.

Assim como a saúde está colapsando, será muito difícil a economia não escapar desse mesmo destino. O País não pode seguir também o negacionismo econômico. Muito tempo foi perdido esperando as eleições municipais. 

Já sabemos que os políticos querem esperar as eleições da Câmara e Senado e só pensam em emendas, cargos... O que farão para impedir que o colapso do Amazonas chegue às cidades dos seus Estados, enquanto negociam votos na eleição do Congresso?

Sabemos também que o governo federal quer esperar a vitória dos seus dois candidatos (deputado Arthur Lira e senador Rodrigo Pacheco) para agir com as medidas econômicas. 

Desde o dia de 15 de dezembro, quando o Estadão manchetou que a equipe econômica estudava a antecipação do 13.º para aposentados e pensionistas do INSS e do pagamento do abono salarial (uma espécie de 14.º salário a trabalhadores que ganham até dois mínimos), assistimos variações sobre os mesmos temas, além de liberação de FGTS e suspensão de impostos. Nada de concreto. 

Já as grandes lideranças empresariais, os representantes das grandes confederações, CEOs de grandes conglomerados, banqueiros se encolheram. Não há nenhuma mobilização empresarial para evitar o pior. No máximo, doações que servem para aparecer bem na fita, de preferência no Jornal Nacional

Acham mesmo que tem como dar certo para a economia continuar aguardando para ver no que dá sem uma ação rápida. A retomada não vai continuar do mesmo jeito. Depois, sem dúvida alguma, serão pródigos em bater na porta do governo para pedir subsídios, redução de impostos, Refis generosos e socorro financeiro da viúva. 

Nos mais de 20 anos de cobertura econômica em Brasília, esta colunista já viu de tudo em matéria de pressão empresarial. Na última semana, a mais sofrida da pandemia até aqui, na agenda oficial do ministro Paulo Guedes não houve sequer uma reunião com empresários. 

O que teve mesmo foi um encontro virtual realizado do outro lado da Esplanada, no Ministério da Saúde, com 28 empresários ligados à Fiesp sobre a campanha nacional de vacinação contra a covid-19. O Ministério da Economia não estava lá. Foram falar da importância da vacina para a retomada, mas não se viu nenhuma declaração contundente depois do encontro.

Reportagem do Estadão mostrou que os Ministérios da Saúde, Comunicações e Casa Civil foram taxativos: a vacinação ficará a cargo do governo, que garantiu ter imunizantes para toda a população. Ouviram, segundo relatos, que o governo já tem cerca de 500 milhões de doses contratadas. Como acreditar se nem dois milhões de vacinas da Índia estão garantidos? As poucas falas empresariais sobre o encontro foram todas de bastidores. 

Por que se calam aqueles que costumam ser tão barulhentos? Na elite do nosso empresariado, não tem dia D nem hora H. É S, de silêncio.


Marco Aurélio Nogueira: Impeachment Já

A crise está exposta, inflamada pelo Palácio do Planalto. E quanto antes ela for efetivamente enfrentada, melhor

A situação nacional chegou a tal ponto de absurdo e incompetência governamental que deveria estar pondo em alerta todas as forças responsáveis do País, dos partidos e movimentos às instituições, das Forças Armadas ao Poder Judiciário e ao Congresso. Ultrapassamos as barreiras do razoável, do suportável, e não há qualquer indício de que o atual governo vá mudar de orientação e de qualificação: continuará a agir com os olhos nos seus, de costas para a sociedade como um todo, seja ela entendida pela ótica dos interesses mais poderosos, seja a dos setores mais desfavorecidos, que formam a maioria do povo.

A opção pelo impeachment não é uma opção pelo confronto ou pela ruptura, mas pela salvação nacional, pela convergência política das maiorias, pela serenidade, pelo bom-senso. É algo para evitar que caiamos de vez no precipício. O País não aguentará mais dois anos de desgoverno. Se nada for feito, chegará ao fim de 2022 em pandarecos, perdendo quase tudo de positivo que conseguiu acumular nas últimas décadas. Falo das políticas sociais, dos direitos, da política educacional e ambiental, mas também da pujança econômica e do posicionamento no cenário internacional como potência média.

Tudo isso está sendo destroçado, dia após dia. Manaus é a ponte do iceberg. Um horror, que provoca espanto e incredulidade: como conseguimos chegar a esse ponto? Estamos nos afogando em uma chuva de lágrimas.

É impossível projetar o que acontecerá se houver uma troca de presidente. Mesmo que uma coalizão bem ajustada viabilize o impeachment, é difícil saber quanto tempo será necessário para que se recupere o País. Tudo dependerá da composição técnico-política do novo governo e da capacidade de sustentação que conseguir obter, na sociedade e no Congresso. Ele precisará contar com boa vontade e desprendimento, recursos difíceis de encontrar numa classe política viciada em cálculos eleitorais, cheia de ressentimentos e desejos de vingança.

Basta olhar o modo como estão sendo conduzidos os entendimentos em torno das presidências da Câmara e do Senado para ver incoerências e mesquinharia saltando por todos os poros. O apoio do PT e do PDT ao candidato do DEM no Senado é luminoso: partidos tidos como de esquerda renegam a combativa senadora Simone Tebet, do MDB, para ficar com a candidatura governista sem que se consiga conhecer as razões de uma opção tão estapafúrdia. Dizem que é para demarcar distância das posições pró- Lava Jato da senadora, dizem que é para não fortalecer demais o MDB. E daí que Rodrigo Pacheco é apoiado pelo bolsonarismo? Constrangedor, para dizer o mínimo.

É uma situação que indica as dificuldades que surgirão quando se pensar em articular uma candidatura competitiva para 2022.

Até por isso, a proposta de impeachment pode funcionar como um bálsamo para nossas oposições sem alma e sem direção. Pode ajudá-las a encontrar um rumo, energizá-las e reaproximá-las da população. Se não foram até agora competentes para confrontar um governo flagrantemente regressista e relapso, quem sabe não acordam?

Esse é o ponto secundário, mas não pouco importante. Chega a intrigar que ninguém tenha ameaçado iniciar um impeachment. Por muito menos Dilma e Collor receberam o impedimento. A explicação pode passar pelo “medo à crise”, pelo “foco na pandemia”, mas no fundo só se explica pela falta de coragem e maturidade democrática.

O principal argumento em favor do impeachment é mais que político: é resgatar a saúde da Nação. No sentido literal e no figurado. A pandemia aumentou e a vacinação exibe tamanha taxa de desencontros e incúria que não consegue nem sequer piscar como uma luz no fim do túnel. A Saúde Pública precisa ser salva. E o País precisa de medidas urgentes para recuperar minimamente suas forças, seu vigor e sua sanidade.

Estamos a assistir um ciclo de desmandos e incompetência jamais visto em nossa história. Não é razoável achar que isso deva prosseguir para que se evite o espocar de uma crise institucional. Quem tem olhos para ver não terá dificuldade alguma para constatar que a crise está aí, inflamada pelo Palácio do Planalto. E quanto antes ela for efetivamente enfrentada, melhor.

Para que se ponha na mesa um processo de impeachment alguém precisa colocar o guiso no gato. Começar uma campanha, cujo mote é simples: “Basta!”


O Globo: Falta de oxigênio vista em Manaus pode se alastrar pelo país, dizem especialistas

Há risco de escassez do produto se repetir na Região Norte e em outras localidades com limitações na infraestrutura de transporte. Doações crescem, mas insumo pode levar dias para chegar por barco ou avião

Bruno Rosa e Ivan Martínez-Vargas. O Globo

RIO E SÃO PAULO — A falta de oxigênio nos hospitais em Manaus com a escalada de casos de coronavírus é um alerta para o restante do país, na avaliação de especialistas. Para eles, há risco de novas falhas no abastecimento, em especial na Região Norte. O drama registrado na capital do Amazonas reflete a combinação da falta de uma ação planejada com a indústria — que agora se desdobra para elevar rapidamente a produção — e uma complexa estrutura de escoamento, que pode levar dias para entregar um produto que precisa ser reposto em caráter imediato. Industriais da região afirmam que as doações se avolumam, mas o oxigênio não chega a tempo.

Entrevista:  Manaus é um alerta do que pode acontecer com o resto do Brasil, diz infectologista da Fiocruz

Na primeira onda de Covid-19, no ano passado, o consumo de oxigênio era de 30 mil metros cúbicos em Manaus, patamar muito acima do registrado antes da pandemia. Agora, segundo a White Martins, empresa que tem a maior fatia do mercado, a demanda já chegou a 70 mil metros cúbicos diários, quase três vezes a capacidade de produção da empresa na cidade.

Leia mais:  Secretário de Saúde do Amazonas diz que sociedade 'optou pela contaminação'

A White Martins produz 25 mil metros cúbicos diários e está ampliando esse patamar para 28 mil metros cúbicos, além de deslocar oxigênio de outras sete fábricas do país. A empresa recebeu autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para reduzir temporariamente o percentual de pureza do oxigênio de 99% para 95%, o que facilitaria o aumento da produção.

Transporte e tanques

Há uma multiplicação de gargalos para fazer chegar o oxigênio de outros estados. Ele pode ser transportado nas formas líquida ou gasosa, por barco ou avião. O transporte, a pouca oferta de tanques de armazenamento para o produto na forma líquida e o impacto da crise econômica, que reduziu a produção em cerca de 30% no ano passado, segundo a consultoria R S Santos, são alguns dos entraves.

Como funciona a logística do transporte dos cilindros de oxigênio? Foto: Editoria de Arte
Foto: Editoria de Arte

O oxigênio pode ser usado tanto para a indústria quanto na medicina. Segundo o consultor Ronaldo S Santos, diante da redução no ano passado, não haveria um problema de capacidade para elevar a produção de oxigênio para os hospitais. Mas pondera que a falta de planejamento público explica o quadro atual:

— Deveria ter sido pedido um plano de ação das empresas para fornecimento ao longo do ano passado.

Entenda: O que deu errado em Manaus? Veja como a cidade sucumbiu ao coronavírus

Para o professor de Gestão de Cadeia de Suprimentos do Insper Vinícius Picanço, o que está acontecendo em Manaus, com a nova cepa, pode se repetir em outras localidades com limitações na infraestrutura de transportes, em parte do Nordeste e no interior, o que evidencia a importância do planejamento.

— Não dá para dizer que era imprevisível a escassez. Por mais que a demanda tenha um comportamento exponencial, existem modelos matemáticos para isso. A questão envolve logística e previsão de estoque — disse. — Houve teve tempo na pandemia de posicionar os estoques adequadamente, de armazenar insumos em regiões estratégicas.

Segundo Jorge Nascimento, presidente da Eletros, associação de produtos eletroeletrônicos, desde a semana passada, as grandes indústrias do estado doaram seus estoques de oxigênio para ser convertido em oxigênio medicinal, usado na rede pública de saúde, mas não foi suficiente. Ao menos 20 grandes fabricantes com operações na Zona Franca de Manaus, se dispuseram a ajudar, segundo ele.

Mas, para isso, é preciso que os cilindros voltem para a usina de oxigênio. O produto usado na área hospitalar requer percentual maior de pureza. A partir daí, foi necessário buscar fora do estado.

Segundo Nascimento, o grupo de Convergência Empresarial da Amazônia, que reúne empresários do estado, tem reunido doações:

— Demora para chegar. Uma encomenda que saiu de uma fábrica de aço do Maranhão vai demorar no mínimo cinco dias para chegar porque tem de fazer parte do trajeto de barco. A Força Aérea Brasileira (FAB) tem operado voos a partir de Guarulhos, mas há limitação de quantidade do produto para transporte por via aérea porque é carga perigosa, nem toda aeronave está adaptada — afirmou.

Santos destaca outros problemas que vão além da demora no transporte, a falta de tanques para transportar o produto no estado líquido:

— Não temos grande produção, as empresas importam da Índia e da China. E a maior parte dos hospitais recebe esse oxigênio líquido em tanques, já que os cilindros têm volume menor. Muitas empresas têm realocado os tanques da indústria, mas não é rápido.

Como são feitos o armazentamento, a produção e quais equipamentos são usados no transporte Foto: Editoria de Arte
Foto: Editoria de Arte

Para os especialistas, pode haver falha na oferta de oxigênio em outras partes do país a depender do aumento de casos, mas o tempo de reação seria menor do que em Manaus.

Segundo Jorge Mathuiy, diretor comercial da MAT, maior produtora de cilindros do Brasil, a maior preocupação é com outros estados da Região Norte, onde não há produção local de oxigênio. Ele já se prepara para demanda maior:

— Estamos aumentando a produção de 22 mil cilindros por mês para 25 mil com um novo turno. Estamos preparados para o aumento da demanda.

A White Martins tenta importar oxigênio da Venezuela. Em nota, explica que colocou à disposição o envio de 32 tanques criogênicos que estão em São Paulo aguardando para serem transportados para Manaus. Além disso, seguem rumo ao estado 23 carretas criogênicas (caminhões com megatanques na forma líquida).

A Fiam, federação das indústrias do estado, diz que o cenário é de caos e que o governo do estado fala em licitar 11 minifábricas de oxigênio para hospitais, segundo Antônio Silva, presidente da entidade. Grandes empresas do setor financeiro, consumo e aéreo estão doando equipamentos e cilindros, a maior dificuldade, porém, é fazer a ajuda chegar.


Hélio Schwartsman: O papelão do Instituto Butantan

A patacoada do instituto é um desserviço à ciência

O que a onda populista que varre o mundo ensina é que é possível sabotar o sistema sem violar formalmente nenhuma de suas regras. Hugo Chávez não cometeu crime quando reduziu limites às reeleições; Viktor Orbán seguiu os trâmites legais quando redesenhou o Judiciário húngaro para servi-lo.
O corolário disso é que, se o cidadão pode ter seu campo de ação limitado só pelas leis, figuras que desempenham papel-chave no sistema precisam cumprir as regras na forma e no espírito.

A necessidade do "fair play" não está restrita à política. Ela é ainda mais vital na ciência. Se pesquisadores fraudam ou embelezam os dados de seus trabalhos, minam a confiança na própria comunicação da ciência, que é o que a viabiliza como atividade colaborativa e cumulativa.

Se cada cientista tivesse de refazer pessoalmente todos os passos de seus antecessores, nós ainda estaríamos discutindo se a Terra é redonda, não só nas redes sociais, onde todos os delírios são permitidos, mas também na academia.

Faço essas reflexões como um lamento. Foi patética a participação do Instituto Butantan na entrevista coletiva da semana passada, em que se anunciou uma eficácia de 78% para a Coronavac. Na mais honesta entrevista desta semana, quando mais dados foram revelados, ficamos sabendo que a eficácia apurada no estudo foi de 50,4%. Os 78% representavam o recorte de casos que demandaram alguma assistência médica, não o total de sintomáticos.

Até acho que os 78% são um número mais relevante que os 50,4%, mas o "fair play" científico não tolera que se propagandeie o primeiro sem nem mencionar o segundo, como se fez na primeira coletiva. Que um político medíocre e marqueteiro como João Doria tenha aprontado essa é esperado. Que o Butantan, que conhecia os dados, tenha chancelado a patacoada é um desserviço à ciência. Penitencio-me diante do leitor por ter reproduzido os 78% sem questionamento.