saúde

Vinicius Torres Freire: Tirar de pobre ou rico para dar auxílio a paupérrimo cria crise política

Guedes quer convencer Congresso a tirar de pobre ou rico para dar paupérrimo

O “Orçamento de Guerra” de 2020 levou um mês e cinco dias para tramitar no Congresso. A proposta de emenda constitucional (PEC) foi apresentada no dia 1º de abril e promulgada em 7 de maio. Em resumo grosso, era a PEC que regulamentava os excessos e exceções de aumentos de gastos na epidemia.

Paulo Guedes diz que o novo auxílio emergencial depende juridicamente de uma nova PEC de Guerra. Além disso, quer “contrapartidas fiscais” para compensar o novo gasto extraordinário.

Não interessa, aqui e agora, discutir se o ministro da Economia tem razão, mas de observar que não se trata apenas de dois problemas complicados para a solução de uma crise social urgente.

Condicionar a tramitação da emenda constitucional de gastos emergenciais a um corte de despesas dramático seria mesmo uma guerra, conflito que poderia se arrastar por um tempo politicamente crítico, com batalhas em várias frentes.

“Contrapartida” é o eufemismo para algum corte de despesas, neste ano ou nos próximos, uma desconversa vaporosa que tem aparecido em jornais e TVs.

É bem sabido de onde podem vir os talhos relevantes de despesa. É tedioso voltar à mesma conversa, mas essa discussão pode render uma crise política considerável. No ano passado, quando se discutia o Renda Brasil, o próprio Jair Bolsonaro vetou os cortes.

O primeiro candidato ao talho é o salário dos servidores, que poderia ser congelado ou reduzido por mais de um par de anos, como previsto na PEC Emergencial de 2019. Seria inédito que uma decisão como essas descesse redondo pela goela do centrão.

Uma outra sugestão de corte que irritou Bolsonaro foi a de dar cabo do abono salarial, assim como a proposta de mexer em Benefícios de Prestação Continuada (auxílio de um salário mínimo para idosos e pessoas com deficientes muito pobres). Menos ainda passou a ideia de congelar o valor de outros benefícios do INSS ou do gasto mínimo com saúde e educação.

Pode sair algum dinheiro, “contrapartida parcial”, dos empréstimos subsidiados de bancos estatais (mexe com os produtores rurais, pequenos e grandes). Mas é possível arrumar um dinheirão reduzindo isenções e reduções de impostos. O que isso significa? Aumento de carga tributária.

Seria até uma boa ideia, mas também um tumulto político.

Trata-se, por exemplo, de cobrar mais imposto das empresas no Simples, de reduzir isenções e deduções do Imposto de Renda da Pessoa Física (rendimentos isentos e não tributáveis e deduções de gastos com saúde e educação privadas), inclusive rendimentos de aposentados maiores de 65 anos e rescisões trabalhistas. Há também isenções para produtores rurais, filantrópicas, Zona Franca de Manaus, remédios e equipamentos médicos. Etc.

Nesta discussão não se leva em conta se o gasto com o novo auxílio emergencial será “fura teto” ou dentro do teto, se a “contrapartida fiscal” será devida neste ou nos anos seguintes. Vai aqui apenas uma lista de despesas ou renúncias de receitas que podem ser recuperadas com o objetivo de conter o aumento da dívida pública.

“Contrapartida”, portanto, significa conflito na certa. Se a aprovação de uma PEC de Guerra depender da solução dessa disputa, o caldo pode engrossar. Pode não sair auxílio, com o que haverá crise com o novo comando do Congresso.

Deputados e senadores podem também atropelar o governo e aprovar a nova despesa “na marra” –assim haverá algum sururu na praça financeira, no mínimo.


Ricardo Noblat: Os fatos teimam em contrariar Bolsonaro e Pazuello

Pandemia avança apesar da brigada da cloroquina

Na Sessão Mentiras das quintas-feiras no Facebook, o presidente Jair Bolsonaro voltou a bater de frente com a verdade ao negar que o governo tivesse encomendado à Fundação Oswaldo Cruz a produção de comprimidos de cloroquina para uso contra a Covid-19. Segundo ele, a cloroquina seria empregada no tratamento de outras doenças como malária e lúpus.

Acontece que a Folha de S. Paulo e a TV Globo tiveram acesso a documentos do Ministério da Saúde, de 29 de junho e de 6 de outubro do ano passado, que mostram a encomenda de 4 milhões de comprimidos de cloroquina, e também de fosfato de oseltamivir (o Tamiflu) a serem distribuídos entre infectados pelo vírus. Não há comprovação científica de que tais remédios sejam eficazes.

“Está uma polêmica muito grande sobre hidroxicloroquina, fabricou a mais, gastou, era dinheiro do Covid, não era”, disse Bolsonaro. “Pessoal, tem a Covid, outras doenças continuam. Não é só ela. A malária continua. O lúpus continua. Nós temos aqui, em média, 200 mil casos de malária no Brasil. Muita gente na Amazônia toma”. Manobra diversionista desmentida pelos fatos.

Outro documento do Ministério da Saúde, este enviado ao Ministério Público Federal no dia 4 de fevereiro, aponta a distribuição de cloroquina produzida pela Fundação Oswaldo Cruz a pacientes com Covid-19, e não dentro do programa nacional de controle da malária, como originalmente previsto. Para sustentar uma mentira, o governo é obrigado a dizer outra, e outra, e outra…

No Facebook, Bolsonaro fica à vontade porque fala sozinho, e o que quer. Os que aparecem ao seu lado estão ali para lhe dar razão e reforçar sua palavra. Entrevistas coletivas ele só concede a grupos de jornalistas e a emissoras de rádio e de televisão que compartilham suas ideias ou que estão sempre dispostos a ajudá-los. Esse, por sinal, é o sonho de consumo de todo governante.

Infelizmente para o ministro Eduardo Pazuello, da Saúde, nem sempre ele dispõe de ambientes tão pacíficos. Como há número suficiente de assinaturas para a instalação de uma CPI no Senado sobre a pandemia, Bolsonaro mandou que ele fosse até lá se explicar. O general foi e pouco ou nada convenceu. Se não houver CPI, Bolsonaro deverá mais um favor ao Centrão.

A certa altura da sua exposição sobre os acertos do governo no combate à pandemia, Pazuello foi aparteado pelo senador Eduardo Braga (MDB-AM) que reagiu sem disfarçar sua indignação:

– Senhor ministro, não está tudo bem, não está tudo certo e não foi feito tudo que poderia ser feito. Lá no início de dezembro, eu já dizia a vossa excelência que nós iríamos enfrentar uma onda no Amazonas muito grave. Lhe sugeri, inclusive, que assumisse uma unidade hospitalar no Amazonas diante da comprovação da ineficiência do governo do meu Estado quando da primeira onda.

Covardia de Bolsonaro expor seu ministro dessa maneira. Pazuello é especialista em logística militar. Teve a humildade de confessar que só soube o que é o Sistema Único de Saúde (SUS) depois de ter sentado na cadeira de ministro. E, uma vez ali, por melhores que sejam suas intenções, ele se ressente da falta de conhecimentos médicos e administrativos, e sua autonomia é quase nenhuma.

Fala o que os outros o orientam a falar – e, muitos dos que o orientam, são militares como ele, recém-chegados ao Ministério da Saúde. Profissionais da área técnica do ministério, os mais antigos e experientes, estão no freezer. Não são ouvidos pelo ministro e sua turma. E se tentam ser, acabam afastados ou simplesmente calados. Enquanto isso, a pandemia segue em frente.

Dos 5.570 municípios brasileiros, só 135 têm uma população maior do que o número de vidas perdidas para a Covid até agora, segundo a edição de ontem do Jornal Nacional. De quarta-feira dia 10 para a quinta-feira dia 11, foram registradas 1.452 mortes por Covid, o maior número desde 29 de julho. O Brasil tem 236.397 vítimas da Covid e quase 10 milhões de casos confirmados.


César Felício: As buscas por uma nova narrativa

Uma história que pare em pé é o que o mercado quer ouvir

As eleições de Arthur Lira e Rodrigo Pacheco desviaram os olhos dos protagonistas do mercado para o lado direito da Praça dos Três Poderes: é sobre o presidente Jair Bolsonaro que recaem todas as atenções e é dele que se espera palavras e atitudes que mantenham o país dentro da canaleta cavada pela praça financeira.

Ou o ímpeto de agradar o mercado partirá de Bolsonaro, ou não haverá nada. É dura a vida: fica agora uma missão difícil para o Bolsonaro e o mercado. O primeiro terá a tarefa de ser um guardião da racionalidade econômica e o segundo precisará acreditar nisso.

Para gente que opera forte na Faria Lima, Lira e Pacheco só representam ganho em relação a Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre por serem menos conflitivos em relação ao presidente. Deixam, portanto, a pista livre para que Bolsonaro demonstre se tem algum compromisso com a agenda liberal e de reformas ou não. No tempo de Maia era admissível pensar em uma pauta reformista com o presidente jogando contra ou até atrapalhando, e a votação da emenda da Previdência mostrou isso. Com Lira essa hipótese é inconcebível.

O presidente ganhou pontos com a banca no fim do ano passado, quando deixou o auxílio morrer. Outros eram os tempos, porém. A popularidade de Bolsonaro estava em alta, a segunda onda da covid-19 ainda não tinha começado e a eleição das Mesas não estava definida.

É com o dedo no gatilho, portanto, que operadores assistem a discussão sobre a recriação do auxílio emergencial. A depender da condução do tema, pode ser desencadeada uma queda de confiança, com retirada de capitais, depreciação da moeda, baixa na Bolsa etc.

Aceita-se como um fato consumado a necessidade de se estabelecer uma ajuda temporária de R$ 200. É quase certo, contudo, que este valor vai subir quando chegar ao Parlamento. Ontem o presidente confirmou que a nova injeção de óleo canforado começa em março, dura “três ou quatro meses”, mas nada falou sobre o montante.

Aguarda-se com ansiedade que Bolsonaro compre a tese de negociar com o Congresso o estabelecimento de contrapartidas, que necessariamente serão impopulares. A PEC do Orçamento de guerra, com dispositivos de corte de gastos, pode entrar na estratégia em que o governo entrega à vista a despesa social, pagando o auxílio já, em troca de controle de gastos à prazo, com a aprovação de medidas legislativas.

Não é propriamente um ajuste, é uma sinalização, mas bastaria isso para segurar em um primeiro momento o descontrole das expectativas frustradas. Como disse um gestor de fundos, seria “uma historinha que para em pé”. O problema é não ter nem isso, e não se sente no Congresso Nacional garantia de que isso haverá. Aí agentes do mercado financeiro podem chegar à desagradável conclusão que Rodrigo Maia podia se estapear com os bolsonaristas, mas entregava mais para a banca. Lira é mais silencioso, porém pode ser menos efetivo.

Sergio Moro

O triste fim da Lava-Jato prenuncia a provável suspeição de Sergio Moro no STF e o restabelecimento da elegibilidade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Petista de longa data e ator privilegiado de toda voragem política que convulsionou o Brasil por uns anos, o ex-ministro da Justiça José Eduardo Martins Cardozo assiste de camarote.

“A estrutura de combate à corrupção não nasceu com a Lava-Jato e nem terminou com ela. Assim como seria ingenuidade achar que o abuso ao estado de direito começou e terminou ali”, comentou.

Cardozo foi ministro da Justiça entre 2011 e 2016. À frente da pasta, viu a Lava-Jato nascer e não interferiu em seu funcionamento. Dá a entender que não havia condições políticas para tal. “Se tivéssemos interferido na Polícia Federal como Bolsonaro fez no ano passado, teríamos apressado o processo de impeachment. Ficaria configurado o crime de responsabilidade”, afirmou. Naquele tempo, na visão de Cardozo, “ as abusividades tinham grande apelo popular”.

O avanço de Bolsonaro sobre a Polícia Federal foi possível, segundo o petista, porque se deu em uma circunstância de perda de expressão do Moro.

“A ida de Moro para o Ministério da Justiça foi o ponto inicial para se enxergar a politização da operação. Até então a presença dele na magistratura bloqueava essa percepção. O escândalo do vazamento das mensagens com os procuradores fez o desgaste avançar”. Ou seja, Moro já estava em plano inclinado quando entrou em colisão com o presidente. O artífice do vendaval que sacudiu o país teria plantado, assim, a semente da própria destruição.

Como a estrutura de combate à corrupção no Brasil não foi desarmada, na visão de Cardozo, Bolsonaro corre riscos em sua aliança com o Centrão. Não agora, mas em um futuro ainda remoto. “A história pode mostrar que há certas vitórias que são derrotas. Michel Temer se blindou no Congresso, mas não se livrou de problemas ao sair do cargo. Dilma Rousseff poderia ter problemas semelhantes se fizesse o mesmo. Há preços que não se podem pagar”, comentou.

Ele se refere, claramente, à barganha que o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, buscou estabelecer em dezembro de 2015. Se Dilma e o PT o apoiassem no Conselho de Ética, onde enfrentava um processo de cassação do mandato decorrente das revelações da Lava-Jato, Cunha engavetaria o pedido de impeachment. “O governo teria sido preservado, mas a que custo? A um custo que cobraria sua fatura mais adiante”.

Cardozo hoje se dedica apenas à advocacia, mas opina sobre 2022. Afirma que nunca esteve tão afastado da vida partidária como agora, desde que se tornou secretário municipal de governo, na gestão Erundina, aos 27 anos. “O que o PT quer é a candidatura do Lula, isso é o ideal. Porque representa um resgate histórico. Não há como fugir dele”.


Luiz Carlos Azedo: Falta de vacina agrava a crise

No Senado, Pazuello prometeu que 50% da população estará vacinada até junho e mais 50% até dezembro, mas não disse como. O depoimento do general foi sofrível

A campanha nacional de vacinação deveria se chamar operação vaga-lume, porque não tem vacinas suficientes para imunizar a população de forma contínua, no ritmo necessário para conter a segunda onda da pandemia. Há três semanas, ultrapassamos mais de mil mortes por dia; nos últimos sete dias, em média, foram 1.050 mortos. Entre eles, o senador José Maranhão (MDB-PB), de 87 anos, que estava internado no Hospital Vila Nova Star, em São Paulo, e lutou 71 dias contra a doença. O Brasil já ultrapassa a marca dos 9,6 milhões de casos e 235 mil mortes por covid-19.

Ontem, registramos 1.452 mortes em 24 horas, nível equivalente ao auge da crise no ano passado, em julho. Foi nesse contexto que o ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, prestou depoimento ao Senado, tentando se explicar sobre suas trapalhadas à frente da pasta, principalmente no caso do colapso do Sistema Único de Saúde (SUS) em Manaus, por falta de oxigênio, e do atraso na aquisição de vacinas, que, agora, estão fazendo falta na campanha de vacinação. O SUS tem condições de vacinar até 10 milhões de pessoas por dia, por meio de uma grande rede de postos de vacinação e equipes veteranas em campanhas de imunização.

Apenas 4,3 milhões de brasileiros foram vacinados até agora, a maioria, o pessoal da linha de frente do combate ao novo coronavírus e os mais idosos, sendo que 80 mil já receberam a segunda dose. Isso representa apenas 2,4% da população, muito pouco diante da necessidade de vacinar até 70% dos brasileiros para conseguir eliminar a propagação do vírus, o que corresponderia a 146 milhões de pessoas. Por falta de insumos, a produção de vacinas pelo Butantan e pela Fiocruz está numa escala muito baixa e até intermitente, o que acaba desorganizando a vacinação que já estava programada em diversos municípios, por falta de imunizantes. A importação de vacinas prontas e a liberação do imunizante russo Sputnik V, produzido aqui no Brasil por um laboratório privado, continuam a mesma novela.

No Senado, Pazuello prometeu que 50% da população estará vacinada até junho e mais 50% até dezembro, mas não disse como. O depoimento do general foi sofrível, com informações erradas, afirmações não comprovadas e promessas sem amparo objetivo. O esforço dos aliados do governo no Senado para evitar a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Saúde pode fracassar por causa do desempenho de Pazuello. Por mais boa vontade que tenha o novo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), será muito difícil não instalar a comissão, a não ser que o governo consiga convencer pelo menos quatro dos 31 senadores que assinaram o requerimento a desistirem da CPI.

A CPI da Saúde é uma saia justa para o senador Rodrigo Pacheco. O líder da bancada do MDB, Eduardo Braga (AM), que foi governador do Amazonas, fez duros questionamentos a Pazuello. Disse que alertou o ministro da Saúde pessoalmente, em dezembro, sobre o risco de colapso em Manaus. A morte de senador José Maranhão, que tinha amplo trânsito entre os colegas, aumentou ainda mais o trauma. Pacheco tenta evitar a CPI, mas é cobrado pela oposição, que também o apoiou na eleição, como é o caso do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), autor do requerimento de CPI.

Auxílio
Diante da crise sanitária, o presidente Jair Bolsonaro anunciou, ontem, que pretende prorrogar o auxílio emergencial por mais três ou quatro meses, para mitigar o impacto da pandemia. A falta de vacinas fará com que a crise sanitária se arraste o ano todo, com forte impacto nas atividades econômicas, em decorrência do desemprego e da recessão. Por essa razão, Bolsonaro deseja conceder o abono. Ao contrário do que aconteceu no ano passado, quando sua aprovação popular aumentou, por causa do abono, em janeiro, com o fim do auxílio emergencial, a popularidade dele decaiu.

Ontem, o presidente da República anunciou que pretende prorrogá-lo, provavelmente, com parcelas de R$ 200, mas precisa encontrar uma fonte de receita para não estourar o teto de gastos. Por ora, não há recursos no Orçamento. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), já cobrou uma definição do governo. O Centrão e a oposição querem aprovar o abono, mas não a criação de um imposto. Preferem, se for o caso, furar o teto de gastos, porém, a equipe econômica não aceita. O governo também não enxuga seus gastos na Esplanada dos Ministérios.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-falta-de-vacina-agrava-a-crise/

Luiz Carlos Azedo: Doria põe fogo no ninho

“O eixo de gravidade da maioria dos tucanos no Congresso não é o Palácio dos Bandeirantes, é o Palácio do Planalto”

O governador de São Paulo, João Doria, pode ter dado um grande passo em falso para a consolidação de sua candidatura. Nem tanto por exigir do PSDB um claro posicionamento de oposição ao presidente Jair Bolsonaro, uma vez que já se coloca nesse campo, mas porque fez duas exigências para as quais, no momento, ainda não reúne forças suficientes para obtê-las dentro de seu próprio partido: a renúncia do deputado Bruno Araújo (PE), que preside a legenda, e a expulsão do deputado Aécio Neves MG), uma eminência parda nas bancadas da Câmara e até do Senado, onde ainda tem muitos aliados.

Doria fez as exigências num jantar com lideranças tucanas na segunda-feira. Bruno Araújo foi surpreendido pela proposta e não gostou nem um pouco da ideia de passar o comando da legenda para o governador paulista, de quem, inclusive, era aliado. A reação do presidente do PSDB foi defender a realização de prévias, pois o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, tem revelado a aliados que não deseja se reeleger ao cargo e gostaria de disputar a Presidência da República. O líder da bancada na Câmara, Rodrigo Castro (MG), muito menos. É muito ligado a Aécio, que reagiu confrontando Doria diretamente: “O partido não tem dono”.

O ninho foi incendiado por Doria, mas a divisão interna já estava patente na disputa pelos comandos da Câmara e do Senado. No primeiro caso, por muito pouco a bancada não se retirou do bloco encabeçado pelo líder do MDB, Baleia Rosssi (SP), que foi derrotado por Arthur Lira (PP-AL). Foi preciso que Doria e até o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso interviessem nas articulações, porque a maioria da bancada estava com o candidato do Centrão. No segundo, cinco dos oito senadores tucanos apoiaram Rodrigo Pacheco (DEM-MG) contra Simone Tebet (MDB-MS). Ou seja, o eixo de gravidade da maioria dos tucanos no Congresso não é o Palácio dos Bandeirantes, é o Palácio do Planalto.

Repete-se no PSDB uma situação muito parecida com a do DEM, que se alinhou com o presidente Jair Bolsonaro na eleição das Mesas do Senado e da Câmara, com a diferença de que os tucanos já têm uma candidatura própria. Desde a eleição de Fernando Henrique Cardoso, os candidatos paulistas à Presidência do PSDB enfrentam dificuldades internas fora do estado, principalmente em Minas Gerais e no Rio de Janeiro. No caso de Doria, essa dificuldade é ainda maior porque o governador paulista não tem nenhuma experiência parlamentar, ou seja, não conhece o Congresso. Além disso, há contenciosos entre os estados nos quais São Paulo fica num certo isolamento, principalmente em matérias financeiras e tributárias.

Doria disputava uma aliança com o DEM com o presidente Jair Bolsonaro e o apresentador Luciano Huck, que também tentava atrair a legenda para sua candidatura, inclusive com a possibilidade de a ela se filiar. Os recentes episódios na Câmara fizeram com que ambos despertassem desse sonho. Doria, agora, tenta atrair para o PSDB o vice-governador Rodrigo Garcia, que deve assumir o governo e se candidatar à reeleição. Isso resolveria o problema do descolamento do DEM em São Paulo, facilitando, também, a acomodação dos tucanos paulistas. O governador paulista também tenta atrair o deputado Rodrigo Maia (RJ), que anunciou sua saída do DEM com duras críticas ao ex-prefeito de Salvador (BA) ACM Neto, presidente da legenda. O prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (DEM), é outro assediado por Doria.

Rodrigo Maia e Eduardo Paes são atores importantes no quadro político nacional, mas precisam de um partido para ter protagonismo. O primeiro tem pressa em se reposicionar, para não sair do jogo; o segundo, não tem a mesma urgência, pois não pretende se candidatar em 2022. Além do PSDB, as principais opções para Maia são o PSL, com a saída dos parlamentares ligados a Bolsonaro, e o MDB, que precisa se reestruturar no Rio de Janeiro. Corre por fora o Cidadania, caso se confirme a filiação de Luciano Huck.

Comitê de imprensa
Oscar Niemeyer, Carlos Castelo Branco, Ari Cunha, Tarcísio Holanda e Jorge Bastos Moreno, para não estender a lista, certamente estariam engrosssando o coro de protestos contra o despejo do comitê de imprensa da Câmara do local que historicamente lhe foi destinado, ao lado do plenário, para facilitar o acesso recíproco de jornalistas e deputados a ambos os espaços. O “ato administrativo” do novo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), obviamente, é uma retaliação política à cobertura da imprensa durante a sua campanha eleitoral, na qual se consolidou uma imagem negativa.

A exposição que todo presidente da Casa tinha ao atravessar o Salão Verde da Câmara era sempre um rito democrático: ao transitar do gabinete para o plenário, mesmo cercado de seguranças, era abordado por jornalistas, parlamentares, lobistas e cidadãos. Provavelmente, o espaço do comitê de imprensa será reconfigurado, com novos banheiros, amplo gabinete, salas reservadas e novas cortinas, para impedir os olhares indiscretos de quem chega pela chapelaria e avista o espaço inteiramente livre no qual os jornalistas trabalham em suas bancadas. Muitas vezes, eram os últimos a deixar a Câmara, depois de sessões que entravam pela madrugada.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-doria-poe-fogo-no-ninho/

Afonso Benites: DEM implode e ameaça levar junto o ensaio para unir centro-direita contra Bolsonaro em 2022

Criticando ACM Neto e a cúpula do partido, Rodrigo Maia e Mandetta devem se desligar da legenda nas próximas semanas. Desintegração é vitória tática para Planalto

Dois anos atrás, o Democratas ocupava o centro do poder no Brasil. Administrava a Câmara dos Deputados e o Senado Federal. Tinha ainda três ministérios ―hoje são dois. Parecia ser uma alternativa política de direita capaz de influenciar o jogo da sucessão presidencial. Os últimos movimentos internos da legenda, no entanto, mudaram a rota e causaram uma espécie de implosão interna. A sigla que resolveu, sob a liderança de seu presidente e ex-prefeito de Salvador, Antonio Carlos Magalhães Neto, se aproximar ainda mais do bolsonarismo nas tratativas paro o novo comando do Congresso acabou provocando o rompimento do ensaio de aliança de centro-direita DEM-PSDB-MDB-Cidadania para a sucessão presidencial de 2022. Além disso, duas de suas figuras proeminentes nos últimos anos, o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia e o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta encaminham suas desfiliações das hostes Democratas para as próximas semanas.

Alguns dos 29 deputados federais e dezenas de deputados estaduais da legenda devem segui-los. De olho nas próximas eleições, Maia e Mandetta começam a viver a temporada de assédio partidário. Ambos querem fazer oposição ao Governo Jair Bolsonaro (sem partido) e já receberam sondagens do PSL, Cidadania e do Podemos. Maia ainda teve convites do MDB e do PSDB, e Mandetta, sondagens. Mais do que debater questões políticas nacionais, tanto um quanto outro estão de olho em suas sobrevivências na política. Nesta equação, questões regionais devem ser levadas em conta.

Mesmo tendo sido convidado pelo presidente do MDB, Baleia Rossi, Rodrigo Maia teria dificuldade de aderir à sigla, já que no Rio de Janeiro a maioria da legenda é alinhada com o presidente Bolsonaro. Em princípio, ele teria o interesse de concorrer à reeleição e talvez tivesse um caminho facilitado pelas outras legendas que pretendem lhe dar espaço e autonomia. Já Mandetta não teria fácil acesso ao PSDB e ao MDB porque esses dois grupos políticos dão sustentação à candidatura da ministra da Agricultura, Tereza Cristina, que pretende disputar o Governo de Mato Grosso do Sul. Se não conseguir se firmar como uma alternativa a Bolsonaro ou a vice em alguma chapa, Mandetta é cotado para concorrer ao Governo sul-mato-grossense.

O deputado já avisou que deixará o DEM e está consultando o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre a melhor alternativa de fazê-lo, sem correr o risco de perder o mandato por infidelidade partidária. Já o ex-ministro Mandetta disse que se reunirá com a cúpula da legenda dentro de duas semanas com o objetivo de chegar a uma decisão.

Rastros da Arena

A principal causa da ruptura de Maia com o partido, que em 2018 lançou sua pré-candidatura ao Planalto, foi a eleição para a cúpula de comando da Câmara na semana passada. Na ocasião, uma articulação encabeçada pelo presidente do Democratas, ACM Neto, resultou no fim do apoio a Baleia Rossi (MDB-SP) e consequente migração para Arthur Lira (PP-AL), o candidato de Jair Bolsonaro que acabou vencendo. Em entrevista ao jornal Valor Econômico, Maia afirmou que ACM Neto, de quem é amigo há 20 anos, “entregou de bandeja” a sua cabeça ao “Palácio do Planalto” e que o partido voltou a ser a extrema direita que deu sustentação à ditadura brasileira entre 1964-1985. Antigo PFL, o DEM surgiu da Arena, o partido dos militares que governaram o país durante o regime autoritário.

Diante da repercussão da entrevista de Maia ao Valor, ACM Neto voltou à artilharia. Emitiu nota dizendo que o deputado tinha a intenção de “se perpetuar no cargo de presidente da Câmara”, que ele “se encastelou no poder”, que o DEM “não tem dono”, que não aderiu ao bolsonarismo e se eximiu de responsabilidade na condução da eleição da Mesa Diretora da Câmara. “A mais grave de todas as falácias de sua narrativa é exatamente a de procurar jogar no colo do Democratas uma conta que não é nossa.”

O governador goiano, Ronaldo Caiado, outra liderança do DEM, também atacou Maia. “Ele faz questão de deixar claro que está saindo do Democratas e colocando seu nome a leilão. A sua entrevista não deve ser considerada pela classe política porque é indicadora de internação hospitalar”, disse em seu Twitter.

O líder do partido na Câmara, Efraim Filho, em nota também saiu em defesa de ACM Neto. “Com o anúncio de sua saída [de Maia] deixa claro que chegou ao fim de um ciclo no partido, e esta decisão ajudará a pacificar o Democratas”.

Ex-deputado e ex-prefeito de Salvador por dois mandatos, ACM Neto tem como objetivo principal disputar o Governo da Bahia. Também tinha como meta garantir a eleição de Rodrigo Pacheco (DEM-MG) à Presidência do Senado. A soma de questões regionais com a ambição nacional, fez com que ele acabasse abandonando o grupo de Maia na Câmara. Suas últimas declarações também afastaram Mandetta, um potencial candidato à Presidência da República pelo DEM. Na última semana, à Folha de S. Paulo, o dirigente do Democratas afirmou que, na eleição de 2022, não descarta estar com quase nenhum dos potenciais presidenciáveis. Nominou Bolsonaro, João Doria (PSDB), Ciro Gomes (PDT), Luciano Huck (sem partido) e o próprio Mandetta. “Só faltou citar o Lula”, disse o ex-ministro.

Alternativas

Presidente do Cidadania, Roberto Freire admite que os diálogos para uma frente de seu partido com o DEM, PSDB e MDB entraram em modo de espera. “A partir do momento que o DEM passou a admitir estar até com o Bolsonaro, as pontes foram rompidas”, disse. Mas isso não impede uma mudança, em médio prazo. “O mesmo cavalo de pau dado pelo DEM agora pode se repetir em 22. Se encontrarmos uma candidatura competitiva, ele pode voltar a integrar nosso grupo”, disse.

Freire admite os diálogos com Mandetta e Maia, mas não sabe quando haverá uma resposta. “Já tivemos conversas com os dois. Mas o timing quem dá é o político, não o partido. Por isso, seguimos conversando”, disse.

Entre membros do PSL consultados pela reportagem, o ingresso de Maia só seria possível caso os deputados bolsonaristas ―que representam cerca de 30 dos 53 parlamentares― deixem a legenda nos próximos meses. Se não for assim, dificilmente ele se vinculará à sigla. No PSDB, o governador de São Paulo, João Doria, fez um convite público a Maia, que também recebeu elogio do presidente de honra da legenda, Fernando Henrique Cardoso. No Podemos a articulação é feita entre alguns dos deputados e senadores, mas não teve um retorno direto da cúpula partidária. Mais do que o ingresso de Maia em qualquer nova legenda, o que contará para o cenário político será o número de lideranças regionais ele conseguirá levar consigo.


Rubens Barbosa: SOS Indústria

Se a crise do setor não for enfrentada já, perda da competitividade será irreversível

Basta de diagnósticos. A crise no setor industrial exige ação imediata dos empresários e do governo para recuperar o tempo perdido e reverter a tendência de seu gradual enfraquecimento. Se essa questão não for enfrentada de imediato, a perda da competitividade da indústria se tornará irreversível.

Nos últimos seis anos, 36,6 mil fábricas fecharam as portas no Brasil, 17 por dia. A saída da Ford e da Mercedes põem em risco todo o setor automotivo. No ano passado, com a crise econômica nacional agravada pela covid-19, o setor registrou sua menor participação no produto interno bruto (PIB) desde o início da série histórica, em 1946. O Brasil deixou de figurar como uma das dez maiores economias globais.

O processo de desindustrialização precoce está avançando pela ausência de políticas públicas voltadas para seu fortalecimento. A situação está tão grave que há até quem defenda a ideia de que o governo deixe de apoiar o setor industrial e se foque nas atuais vantagens comparativas do agronegócio e da mineração. Com mais de 200 milhões de habitantes e mais de 14 milhões de desempregados, o campo não tem como oferecer as oportunidades de emprego e renda que a indústria propicia.

A reindustrialização e a modernização industrial deveriam ser prioridades nacionais, aceleradas pela implementação da atual agenda de reformas horizontais (mudança estrutural) e pelo aumento da produtividade, complementadas com uma verdadeira política industrial que induza negócios estratégicos de alto impacto econômico e social, visando à geração de empregos e renda. Nesse sentido, caberia fortalecer mecanismos de apoio à indústria como financiamento, compras governamentais e estímulos à produção e exportação de bens de média e alta tecnologia; definir como áreas prioritárias as indústrias de alto conteúdo tecnológico e inovadoras; identificar nichos de mercado para a nacionalização de produtos essenciais estratégicos na área da saúde e outros (em quatro décadas, o Brasil reduziu de 55% para 5% sua capacidade de produção de insumos farmacêuticos); identificação de áreas para criar cadeias de valor agregado na América do Sul a partir de interesses da indústria nacional; apoio com políticas públicas à internacionalização da empresa nacional.

A agenda de competitividade poderia ser levada adiante mediante ação política junto ao Executivo e ao Legislativo para aprovação da reforma tributária, o fator mais importante para aumentar a competitividade da economia e das empresas nacionais. Outras políticas incluiriam a isonomia de tratamento entre produtos importados e nacionais; aprovação da reforma do Estado, com a desburocratização e simplificação de regras e regulamentos a fim de facilitar os negócios (portal único e OEA); fortalecimento de uma política de incentivos à inovação com estímulos a P&D para a iniciativa privada (universidades e centros de pesquisa) e os órgãos governamentais existentes em áreas estratégicas (mas não limitadas), como indústria 4.0, inteligência artificial e biotecnologia; incentivos à formação e capacitação de profissionais e dirigentes empresariais com a concessão de bolsas de estudo e estágios, no País e no exterior; licitação da tecnologia 5G ou autorização de redes particulares para acelerar o processo de modernização da indústria (4.0–inteligência artificial, automação avançada); alinhamento de políticas internas, principalmente a ambiental, com a política de comércio exterior para evitar medidas restritivas contra produtos brasileiros; medir os impactos sociais após a revisão completa dos tributos e outros projetos estratégicos no nível federal (sustentabilidade).

Com a pandemia surgiu a política de “autonomia estratégica”, que busca substituir importação em áreas limitadas e específicas, como saúde e alimentação, que interessam à segurança nacional. Nessas áreas, a vulnerabilidade dos países pela ausência de produção interna teria de ser superada. A autonomia estratégica, combinada com os avanços do 5G e da inteligência artificial, poderia ser nova referência para a definição de políticas para dar início a um ciclo de reindustrialização que ajudará a impulsionar o crescimento econômico e o emprego.

O Brasil tem ainda o maior parque industrial no Hemisfério Sul. Nos últimos 40 anos a participação relativa da indústria no PIB nacional vem caindo, passou de cerca de 26% no final dos anos 80 para pouco acima de 11% no ano passado.

Executivo e Legislativo estão devendo a aprovação das reformas em 2021. A questão, contudo, é de médio e longo prazos. Por isso, ao lado da política externa, do meio ambiente, da defesa nacional, a reindustrialização deveria necessariamente ser incluída no debate da eleição presidencial. A recuperação do setor industrial deveria ser uma das bandeiras do novo governo a partir de 2023.

O importante é olhar para a frente e defender políticas e medidas que possam, na década de 2020-2030, criar condições para a reindustrialização do País. E necessária uma visão estratégica de médio prazo. Para isso será necessário que a indústria se ajuste às transformações por que passa o mundo, se concentre em inovação e novas tecnologias e, sobretudo, não fique esperando as benesses do governo.

PRESIDENTE DO IRICE


Pedro Fernando Nery: Como a pandemia afetará os nascimentos no País?

Brasil pode perder não só os brasileiros que faleceram, mas ainda os que deixaram de nascer

Foram quase 40 mil nascimentos a menos registrados neste janeiro na comparação com o janeiro anterior. Os dados são do Portal da Transparência do Registro Civil, e representariam uma queda de 15% no número de nascimentos no Brasil. Possivelmente, refletem o endurecimento da pandemia no 1.º semestre de 2020. O título da coluna pode ser distópico, mas há algo a observar nos próximos meses: como a pandemia afetará os nascimentos no País?

A queda teria ocorrido em 25 Estados e no Distrito Federal. Essa análise inicial e apressada poderia estar superestimando o impacto da pandemia nos nascimentos (por exemplo se houver uma defasagem grande entre os nascimentos e os registros no atual contexto). Porém, os mesmos dados indicam mais registros de óbitos em janeiro, compatível com a covid-19 – um alta também de 15%. 

A redução de 15% no número de nascimentos não está distante da registrada inicialmente em dezembro na Itália (22%) – o primeiro país a sentir duramente os efeitos do vírus depois da China. Em um exercício simplório, se essa redução se mantivesse nos próximos meses, refletindo o avanço da primeira onda da pandemia em 2020, teríamos um primeiro semestre de 2021 com 200 mil bebês a menos.

O medo do contágio nos hospitais, a insegurança sobre os riscos do vírus a gestantes e recém-nascidos e a incerteza quanto a salários e empregos são explicações possíveis para o adiamento de gestações planejadas. Não é possível ainda afirmar para nenhum país qual seria a magnitude do fenômeno, e outras dúvidas se colocam.

O que em inglês tem se chamado de baby bust, será seguido posteriormente por um baby boom, um grande número de nascimentos – como ocorreu em vários países após a Segunda Guerra Mundial? Haverá um represamento nos nascimentos ou planos das famílias terão sido afetados para sempre? Os adiamentos estão somente à espera da vacina ou também à espera dos empregos? 

A questão econômica, e não apenas a sanitária, é especialmente importante diante de uma pandemia que é pior para as mulheres. As que já têm filhos tiveram o desafio das escolas fechadas. Muitas se ocupavam no setor de serviços, particularmente afetado pelo isolamento social. A geração de emprego formal foi até positiva para homens na pandemia, mas negativa para as mulheres.

Demógrafos acompanham atentamente a evolução da taxa de fertilidade, que no Brasil e em muitos países já vinha em forte queda. Tem, assim, implicações futuras sobre a educação (mais recursos por aluno), a violência (menor número de jovens potenciais criminosos), a previdência (menos contribuintes), a economia (menos trabalhadores), a defesa (menos recrutas).

O paralelo inicial na demografia para analisar essa questão na atual pandemia seria a gripe espanhola, a partir de 1918. Ali observou-se a queda na fertilidade e um subsequente baby boom. A situação vai se repetir? Hoje é sabido que muitas mulheres têm filhos mais tarde – o adiamento para idades com fertilidade menor poderia levar parte delas a acabar não tendo filhos ou a ter famílias menores.

Em estudo publicado em dezembro, pesquisadores de BangladeshEstados Unidos e Reino Unido sugerem que o boom depois da gripe espanhola pode não se repetir. Eles avaliam que a alta mortalidade daquela pandemia fez com que muitas mulheres a tenham experimentado de perto – na família, na vizinhança – o que as estimulariam a ter mais filhos (Ullah et al., 2020). Os pesquisadores ressaltam que em epidemias e desastres naturais mais recentes os efeitos foram menores e variaram em cada episódio (como as epidemias de SARS em Hong Kongzika no do Brasil, e ebola na África Ocidental).

Raquel Coutinho e outros pesquisadores das Universidades Federais de Minas Gerais (UFMG) e do Rio Grande do Norte (UFRN) apontam outra razão para que o pós-covid não seja equivalente à da pandemia de 1918. Para eles, o contexto atual “pode ter implicações distintas daquelas observadas em outros episódios registrados na história de alta mortalidade, sobretudo no que se refere ao possível aumento do número de nascimentos após o período de crise, já que os valores correntes com relação às normas sociais do tamanho ideal de família são bem diferentes do contexto da gripe espanhola” (Coutinho et al., 2020).

À revista Time, Dowell Myers – da University of Southern California – apontou que as taxas de natalidade seriam um “barômetro do desespero” no caso dos adultos jovens, pois refletiria a falta de otimismo com o futuro. Elas podem ser mais uma medida do custo humano da pandemia que castiga o nosso País. Os brasileiros que perdemos podem ser não só os que faleceram, mas também os que deixaram de nascer.

*DOUTOR EM ECONOMIA 


Luiz Carlos Azedo: A resiliência de Moro

Fora do debate político e dedicado à advocacia, Moro voltou ao noticiário devido à divulgação das gravações de suas conversas com os procuradores da Lava-Jato

Moro: Esse documento em que a perícia da PF constatou ter sido feita uma rasura, o senhor sabe quem o rasurou?

Lula: A Polícia Federal não descobriu quem foi? Não? Então, quando descobrir, o senhor me fala, eu também quero saber.

Moro: O senhor não sabia dos desvios da Petrobras?

Lula: Ninguém sabia dos desvios da Petrobras. Nem eu, nem a imprensa, nem o senhor, nem o Ministério Público e nem a PF. Só ficamos sabendo quando grampearam o Youssef.

Moro: Mas eu não tinha que saber. Não tenho nada com isso.

Lula: Tem, sim. Foi o senhor quem soltou o Youssef. O senhor deve saber mais que eu (referindo-se ao escândalo do Banestado).

Moro: Saíram denúncias na Folha de S. Paulo e no jornal O Globo de que…

Lula: Doutor, não me julgue por notícias, mas por provas.

Moro: Senhor ex-presidente, você não sabia que Renato Duque roubava a Petrobras?

Lula: Doutor, o filho quando tira nota vermelha, ele não chega em casa e fala: “Pai, tirei nota vermelha”.

Moro: Os meus filhos falam.

Lula: Doutor Moro, o Renato Duque não é seu filho.

Moro: Tem um documento aqui que fala do triplex…

Lula: Tá assinado por quem?

Moro: Hmm… A assinatura tá em branco…

Lula: Então, o senhor pode guardar por gentileza!

O diálogo cortante acima, quase um repente, é o resumo do depoimento do réu Luiz Inácio Lula da Silva ao então juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, Sergio Moro, que circula nas redes sociais com o mesmo significado de quando ocorreu: um duelo verbal entre o ex-presidente da República e o líder da Operação Lava-Jato. É divulgado como uma peça de desconstrução de Moro, que, de acusador passa a acusado, na polêmica entre os advogados de Lula e os antigos integrantes da força-tarefa de Curitiba que desmantelou o esquema de corrupção na Petrobras. A Pesquisa XP/Ipespe, divulgada ontem, porém, mostra que o bombardeio contra o ex-juiz, do ponto de vista da opinião pública, pode ter errado o alvo. Moro aparece como o mais bem colocado nas simulações de segundo turno sobre a eleição para a Presidência da República de 2022.

Pesquisa
O governo Bolsonaro vem em queda nas pesquisas desde setembro, sendo avaliado como “ruim ou péssimo” por 42% dos entrevistados, ante 40% em janeiro. Trinta por cento o veem, hoje, como “bom ou ótimo”. No mês passado, eram 32%. Mais da metade (53%) dos brasileiros avalia como “ruim ou péssima” a atuação do presidente Jair Bolsonaro diante da pandemia, que, no Brasil, matou 231 mil pessoas desde março do ano passado. A pesquisa divulgada ontem indica que a percepção negativa sobre o presidente tem piora contínua desde outubro, quando o indicador estava em 47%.

Mesmo assim, Bolsonaro continua sendo líder absoluto na pesquisa estimulada, com 28% de intenções de votos. Moro (sem partido) e Lula/Haddad (PT) têm 12%; Ciro Gomes (PDT), 11%. Estão embolados num empate técnico. A mesma coisa com Luciano Huck (sem partido), 7%; e Guilherme Boulos (PSol), 6%, num segundo grupo. João Doria (PSDB), com 4%; João Amoedo (Novo), 3%; e Henrique Mandetta (DEM), com 3%, vêm no terceiro empate técnico. Numa disputa de segundo turno, porém, o único que derrota Bolsonaro nas simulações é o ex-juiz Sergio Moro, com 36% contra 32%. Os demais resultados são favoráveis a Bolsonaro: 41% a 36% contra Lula/Haddad; 39% a 37% contra Ciro; 37% a 33%, Huck; 37% a 30%, Doria; e 42% a 31%, contra Boulos.

Fora do debate político, pois resolveu se dedicar à advocacia, Moro voltou ao noticiário devido à divulgação das gravações de suas conversas com os procuradores da Lava-Jato, liberada pelo ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), cuja Segunda Turma deve validar a legalidade do compartilhamento de dados da Operação Spoofing com a defesa do ex-presidente Lula.

A Polícia Federal apreendeu mensagens de Telegram trocadas entre integrantes da Lava-Jato, nas quais há evidências de que o então juiz Sergio Moro e procuradores da República, especialmente Deltan Dallagnol, coordenaram suas ações para condenar o ex-presidente da República. Moro e Dallagnol negam a não-conformidade, que pode levar à anulação da condenação de Lula no caso do triplex de Guarujá. Desconstruído como juiz, porém, Moro cresce como candidato à Presidência, quanto mais apanha dos petistas.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/a-resiliencia-de-moro/

Cristina Serra: O centrão e a pauta da pilhagem

Bolsonaro é obcecado por garimpo, agropecuária e hidrelétricas em terras indígenas

A nova configuração de poder no Congresso é a mais favorável em tempos recentes à agenda do "correntão", que pretende legalizar crimes já em curso na Amazônia, como grilagem de terras, desmatamento e garimpo em áreas indígenas.

Bolsonaro terá em Arthur Lira, experiente colecionador de infrações ao Código Penal, um parceiro à altura para conduzir a pauta da pilhagem. Em sua campanha à presidência da Câmara, o líder do centrão serviu-se de jatinho da Rico Táxi Aéreo, de Manaus. Em seu site, consta que a Rico cresceu no setor de transporte com "pequenas aeronaves que serviam ao garimpo na região". A mesma empresa doou R$ 200 mil à campanha de Lira a deputado, em 2014.

Uma das maiores obsessões de Bolsonaro é o projeto que libera mineração, garimpo, agropecuária, construção de hidrelétricas e extração de petróleo e gás em terra indígena. O projeto trata os povos nativos com a mesma lógica do colonizador europeu: dividir para governar. Estimula conflitos em torno da repartição de poder e do dinheiro das indenizações que vierem a receber.

Na essência, é um projeto etnocida. Os cupins da manipulação política e econômica têm o potencial de desestruturar essas sociedades por dentro. É também genocida porque os povos terão, forçosamente, contato com todas as desgraças levadas pelos invasores: doenças, drogas, violência. E alguém acredita que os órgãos de fiscalização terão condições de agir nos confins da Amazônia se não foram sequer capazes de monitorar barragens em Minas Gerais ?

O projeto viola o preceito constitucional de respeito à integridade das terras "tradicionalmente" ocupadas pelos indígenas, criado durante a Constituinte em árduo processo de negociação entre a direita e a esquerda. Pela direita, pasme, o negociador foi o então senador Jarbas Passarinho, ex-ministro da ditadura. Mas aqueles eram tempos de diálogo e de gestação de um pacto para a reconstrução do país.

Hoje, estamos diante da destruição desse pacto e da ruína civilizatória.


Demétrio Magnoli: Biden tem oportunidade de converter vacina em bem público global

Presidente dos EUA tem oportunidade de converter vacina em bem público global

George W. Bush será sempre lembrado pelo desastre humano e geopolítico que provocou com a guerra no Iraque. Contudo, uma iniciativa singular do ex-presidente salvou algo como 17 milhões de vidas: o Pepfar (Plano Presidencial Emergencial para Assistência à Aids). Joe Biden tem a oportunidade de se inspirar no plano de Bush para liderar a imunização global contra a Covid-19.

O Pepfar nasceu em maio de 2003, à sombra da invasão do Iraque, que começara dois meses antes. Sob a coordenação do Departamento de Estado, o programa direcionou, de lá para cá, mais de US$ 85 bilhões para os países foco e para o Fundo Global de Combate à Aids. A lúgubre curva de mortes por Aids na África Subsaariana começou a ser achatada graças aos recursos e à assistência técnica providenciados pelos EUA. O modelo do Pepfar oferece a melhor resposta americana à "geopolítica vacinal" chinesa.

Segundo estimativas do Duke Global Health Institute, os países ricos, que abrigam 16% da população mundial, contrataram 60% das vacinas prometidas até agora. A iniciativa Covax, da OMS, destinada a prover imunização global, prevê a entrega, até junho, de apenas 140 milhões de doses para a África, onde vive 1,3 bilhão de pessoas. A célere vacinação da população mundial é um imperativo moral. Mas é, igualmente, a única ferramenta capaz de domar a pandemia, reduzindo as probabilidades de surgimento de incontáveis mutações do vírus pela persistência prolongada dos contágios. "Ninguém está a salvo até que todos estejam a salvo", explica o slogan da Covax.

O triunfo do nacionalismo vacinal teria efeito bumerangue, castigando tanto os países pobres quanto os ricos. A União Europeia, apesar da insistência na retórica da solidariedade global, não parece preocupada com isso. A Comissão Europeia tenta ocultar seu atraso na imunização com ataques despropositados à AstraZeneca, única farmacêutica que distribui vacinas a preço de custo, e com a ameaça de bloquear a exportação de doses produzidas no seu território. Sob Trump, os EUA agiram ainda pior, abandonando a OMS e negando-se a contribuir com o financiamento da Covax.

A China opera no vácuo gerado pelo nacionalismo hipócrita de americanos e europeus. O governo chinês definiu suas vacinas como bens públicos globais e lançou-se a uma diplomacia da imunização, estratégia seguida também pela Índia. Contudo, os discursos humanitários chineses e indianos mal escondem a cuidadosa seleção dos países beneficiários, que obedece a nítidas prioridades de política externa.

Biden promete patrocinar, ainda em 2021, uma "cúpula das democracias". O conceito, em estágio inicial de formulação, inscreve-se na moldura da rivalidade global entre EUA e China. Seria uma articulação diplomática destinada a contrapor os valores das democracias representativas ao sistema de poder totalitário. A ideia enfrenta uma coleção de dificuldades práticas. Mas, para além delas, como superar a percepção de que o conclave de democracias ricas forma o mapa completo das nações privilegiadas pelo acesso preferencial às vacinas?

Os EUA só podem triunfar na "guerra de valores" se conseguirem provar que a democracia funciona melhor que a tirania, especialmente quando o mundo enfrenta uma dramática emergência sanitária. A superpotência injeta nos seus cidadãos vacinas de alta tecnologia, baseadas em mRNA, que tem elevada eficácia e cuja fabricação é mais simples e rápida. Estima-se que, com meros US$ 4 bilhões e uma rede de parcerias público-privadas, o governo americano poderia instalar capacidades produtivas suficientes para imunizar a população mundial no horizonte de um ano.

Os chineses dizem que a vacina deve ser um bem público global. Biden tem a oportunidade de converter essa visão em realidade. É bem melhor que reunir os acumuladores de vacinas numa redoma sanitizada.


Raul Jungmann: Nem golpe, nem impeachment

Iniciado o governo do atual Presidente, com elevada participação de militares, um sobressalto tomou conta da mídia, formadores de opinião, organizações da sociedade civil e órgãos de controle: estaria em marcha um golpe? As falas do Presidente, seus apoiadores e algumas declarações de ministros de origem militar despertavam suspeitas.

Sempre que pude, divergi dessa possibilidade. Primeiro, porque generais da reserva em postos do Executivo, não falam pelas Forças Armadas e imaginar o contrário revela ignorância dos códigos e conduta das Forças Armadas na atualidade. Em segundo lugar, porque sabíamos por experiência e conhecimento dos atuais e ex-comandantes das Forças e respectivos Altos Comandos, que a possibilidade de descumprir a Constituição era algo fora de cogitação.

Certamente, o “presidencialismo de colisão” adotado pelo presidente, constrangendo e pressionando o Congresso e o Supremo Tribunal Federal com a ameaça da invocação das massas e o poder da espada, que estariam ao seu lado, dava corda a interpretações de que um projeto autoritário estaria em curso.

Ao cabo de um ano e meio de governo, restou cabalmente comprovado que o modus operandi da “colisão” não dobraria o parlamento, nem a suprema corte. Processos rondavam a família presidencial, o inquérito do “fim do mundo” apontava conexões entre o bolsonarismo raiz e as fake news – e a pandemia, com suas repercussões imprevisíveis e a sombra de um impeachment, ainda que distante, rondavam o planalto.

Em 17 de junho de 2020, Fabrício Queiroz é preso na casa de Fred Wassef e o governo de “colisão” principia rapidamente a mudar, sendo o seu símbolo o acordo com o Centrão na Câmara dos Deputados. Daí em diante o governo irá se assemelhar mais e mais a governos anteriores, até certo ponto. 

Militares no Executivo silenciam e um presidencialismo de coalizão progressivamente vai tomando as rédeas políticas. Com a conquista das presidências das casas do Congresso, um Procurador Geral amigável e um pé no STF (em junho serão dois), além da impossibilidade de manifestações dada a pandemia, o impeachment, salvo a ocorrência de um “cisne negro,” está conjurado.

O presidente Jair Bolsonaro e seu ministro Paulo Guedes têm uma chance real de tocar as reformas e manter o auxílio emergencial, em que pese a conjuntura econômica e social complexa e difícil pela frente.

*Raul Jungmann - ex-deputado federal, foi Ministro do Desenvolvimento Agrário e Ministro Extraordinário de Política Fundiária do governo FHC, Ministro da Defesa e Ministro Extraordinário da Segurança Pública do governo Michel Temer.