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Bruno Boghossian: Medidas de isolamento mal planejadas atrapalham combate ao coronavírus

Experiência de São Paulo pode reduzir confiança da população em práticas rigorosas

O prefeito Bruno Covas (PSDB) levou seis dias para reconhecer o fiasco do rodízio ampliado de veículos implantado na capital paulista na semana passada. A ideia era reduzir a circulação durante a crise do coronavírus, mas a medida não ampliou o isolamento e ainda concentrou mais passageiros em terminais de ônibus e estações de metrô.

"Não tem sentido a gente exigir esse esforço sobrenatural das pessoas se a única razão pela qual o rodízio foi feito, que é aumentar o isolamento social, não foi cumprida", afirmou, no domingo (17).

O tucano falava como se a prefeitura não tivesse nenhuma responsabilidade pelo fracasso do plano. A medida, ao contrário, foi um exemplo de mau planejamento e falta de coordenação no momento em que São Paulo se aproxima do ponto de colapso em sua rede hospitalar.

Enquanto estados e municípios enfrentam pressões por uma reabertura desordenada do comércio, alguns governantes experimentam medidas mal elaboradas para ampliar o distanciamento. Em pouco tempo, eles descobrem que não basta uma canetada para mudar a realidade.

O feriadão surpresa articulado por Covas e pelo governador João Doria (PSDB) para os próximos dias passará por esse mesmo teste. Ao anunciar a proposta, o prefeito revelou que a capital tem um estoque limitado de caminhos a seguir: "A cidade está chegando ao seu limite de opções".

A decisão parece ter sido um tiro no escuro. Nesta terça (19), véspera do início do megaferiado, o mercado financeiro anunciou que manteria suas atividades normais, e os prefeitos de municípios do litoral ainda discutiam maneiras de evitar que os moradores da capital lotassem suas praias nos dias de folga.

À medida que o país bate recordes de mortos e caminha para o pico da crise, a experiência paulistana pode reduzir a confiança da população em práticas mais rigorosas de isolamento. O preço cobrado pode ser especialmente alto quando a cidade for obrigada a discutir a implantação de um lockdown severo.


El País: Curva de infectados segue em ascensão e Bolsonaro mantém ‘corpo a corpo’

Dobra o número de casos em uma semana e total de pessoas com Covid-19 ultrapassa 20.000. Presidente volta a desautorizar discurso de Mandetta por isolamento social em visita a obras de hospital

O Brasil ultrapassou a marca de 20.000 pessoas infectadas pelo novo coronavírus neste sábado, o dobro em relação a uma semana atrás, segundo balanço diário do Ministério da Saúde sobre a pandemia. De sexta para sábado, houve uma queda nas mortes diárias ―68 óbitos nas 24 horas anteriores, uma desaceleração em relação à semana, quando chegaram a ocorrer 141 mortes em um único dia, na quinta. Entretanto, considerando o recorte de uma semana, o total de óbitos (que atingiu 1.124) é quase o triplo do sábado anterior, 4 de abril, quando o Brasil somava 432 vítimas da doença. Apesar dos números indicarem que a curva de infectados pela Covid-19 permanece em ascensão, o presidente Jair Bolsonaro voltou a ignorar as recomendações por distanciamento social, reforçadas neste sábado pela equipe técnica da Saúde.

Pelo segundo dia consecutivo, Bolsonaro reuniu aglomerações de pessoas a seu redor e, em visita às obras de um hospital de campanha em Águas Lindas de Goiás, cidade goiana próxima a Brasília, posou para fotos e abraçou apoiadores. Na sexta-feira Santa, em passeio pelas ruas da capital federal, já havia esfregado o próprio nariz antes de cumprimentar uma mulher idosa. A taxa de letalidade do vírus Sars-Cov-2 no país é de 5,4%, e o isolamento social é a principal medida para evitar a proliferação da doença.

O crescimento da curva de casos alarma as autoridades de saúde especialmente nas capitais de Amazonas, Ceará, Rio de Janeiro e São Paulo, por apresentarem tanto incidência quanto mortalidade muito acima de outras cidades. Na metrópole paulista, epicentro da pandemia no Brasil, o índice de mortos é de 28 por milhão de habitantes. A incidência é maior em Fortaleza, com 439 infectados a cada milhão de habitantes. O alto número de casos confirmados e as taxas de mortalidade fazem com que o Ministério da Saúde sugira o endurecimento das medidas restritivas nessas quatro capitais. “Temos preocupação principalmente com Fortaleza, Manaus, Rio de Janeiro e São Paulo. São cidades que ainda não podem relaxar o isolamento social”, afirmou Wanderson Oliveira, secretário de Vigilância em Saúde. Já de acordo com o secretário-executivo João Gabbardo, um iminente colapso do sistema de saúde sublinha a importância do isolamento social. “A curva está muito próxima da nossa capacidade de atendimento. Estamos próximos de atingir nosso limite, se não fizermos alguma coisa.”

Enquanto o presidente ignora o isolamento social imposto por governadores e prefeitos, o corpo técnico de seu Governo explica que os gestores locais têm autonomia para determinar o afrouxamento ou a intensificação das medidas restritivas. “Esperamos que o relaxamento não ocorra de forma desorganizada”, disse Wanderson Oliveira, antes de reforçar a recomendação do distanciamento social por parte do ministério e descartar, ao menos inicialmente, a possibilidade de lockdown (fechamento total das cidades). “É fundamental que o isolamento social não seja relaxado para não seja preciso adotar lockdown em nenhum lugar. Quando a curva sobe muito rápido, é impossível reduzi-la, nem mesmo com lockdown. O momento é de pensar em medidas de higiene, etiqueta e distanciamento social. Elas são as únicas e mais eficientes armas que nós dispomos neste momento. Mas a decisão sobre qual ação ou caminho tomar compete aos gestores locais.”

Em São Paulo, onde Bolsonaro abriu frente de oposição declarada às medidas de fechamento do comércio decretadas pelo governador João Doria, as autoridades locais têm sofrido para alcançar a taxa de 70% de distanciamento social, considerada fundamental para que os leitos do sistema de saúde sejam suficientes para atender a população ao longo da pandemia. Segundo monitoramento realizado por meio de telefones celulares, o percentual de isolamento no Estado foi de 57% na sexta-feira. Neste sábado, militantes bolsonaristas voltaram a promover carreata no centro da capital em protesto contra os decretos de Doria. “É um desafio que implica em adesão da população. As pessoas precisam compreender que essas medidas são para proteger quem elas mais gostam, sua família e a comunidade”, afirmou o secretário nacional de Vigilância em Saúde, defendendo o protocolo adotado pelo governador paulista.

O representante do Ministério da Saúde ainda salientou a recomendação para o uso de máscaras como forma de proteção individual e mecanismo para achatar a curva de contágio por Covid-19. “Nós incentivamos as pessoas a fabricar suas próprias máscaras. Eu creio que a adesão a essa estratégia tem sido muito positiva. É um novo hábito.” Na visita à obra do hospital em Goiás, Bolsonaro chegou de máscara, assim como o ministro da saúde Luiz Henrique Mandetta e o governador do Estado, Ronaldo Caiado, mas tirou o equipamento de proteção ao caminhar em direção a apoiadores e saudá-los no local. “[A orientação] vale para todos os brasileiros. ​Posso recomendar, mas não posso viver a vida das pessoas”, criticou Mandetta, que tem balançado no cargo por desagradar Bolsonaro.

Ex-aliado e hoje desafeto político, Caiado também lamentou as atitudes do presidente após o evento. “Não foi uma posição minha. Ele é quem deve explicar essa situação”, disse Caiado a jornalistas. Nas redes sociais, entretanto, o governador goiano agradeceu “o carinho recebido” pelo presidente. A construção do hospital de campanha em Goiás, que contará com 200 leitos de baixa complexidade, é obra do Governo federal.

Também neste sábado, a ONG internacional Human Rights Watch (HRW) avaliou que o presidente tem sabotado esforços de governadores e do Ministério da Saúde no combate à pandemia no país. “O presidente Jair Bolsonaro está colocando os brasileiros em grave perigo ao incitá-los a não seguir o distanciamento social e outras medidas para conter a transmissão da Covid-19”, manifestou a organização em seu relatório, citando, inclusive, o episódio do último dia 15 de março, quando o presidente participou de manifestação que ajudou a convocar em apoio a seu Governo, já em meio ao avanço do coronavírus pelos Estados brasileiros. “Para evitar mortes com essa pandemia, os líderes devem garantir que as pessoas tenham acesso a informações precisas, baseadas em evidências, e essenciais para proteger sua saúde. O presidente Bolsonaro está fazendo tudo, menos isso”, aponta no documento José Miguel Vivanco, diretor da Divisão das Américas da HRW.


Luiz Carlos Azedo: Uma homenagem póstuma

“Bolsonaro enquadrou Mandetta e responsabiliza governadores e prefeitos pelo desemprego, embora tenham a dura tarefa de conter a epidemia na ponta”

Escrevo antes do pronunciamento de Bolsonaro de ontem à noite, em cadeia de tevê. Pela live que compartilhou no Twitter, a conversa que teve com Luiz Henrique Mandetta obrigou o ministro da Saúde a flexibilizar geograficamente a política de distanciamento social, levando em conta a progressão da doença nos estados. É um perigo, mas Mandetta hasteou a bandeira branca e bateu continência para o presidente da República. Na entrevista coletiva que deu à tarde, deixou isso claro: “Quem comanda este time aqui é o presidente Jair Messias Bolsonaro”, disse. “Tivemos nossas dificuldades internas, isso é público, mas estamos prontos, cada um ciente de seu papel nesta história.”

Não sei qual o acordo que fizeram, mas essa é a ordem natural das coisas num sistema de poder no qual o vértice é o presidente da República. A propósito, Norberto Bobbio, após o assassinato do primeiro-ministro Aldo Moro pelas Brigadas Vermelhas, escreveu uma série de artigos sobre a crise italiana, reunidos numa coletânea publicada no Brasil, intitulada As ideologias e o poder em crise, em tradução de Marco Aurélio Nogueira. Destaco dois deles: a política não pode absolver o crime, no capítulo sobre Os fins e os meios, e Quem governa?, em O mau governo.

A referência a Bobbio veio ao caso devido a uma passagem da entrevista do ministro Mandetta. Em certo momento, no chamamento que fez à união de todos contra a epidemia, disse que as autoridades médicas precisam da ajuda de todos, inclusive das milícias e dos traficantes. O ministro não é nenhum ingênuo, deve ter algum motivo para ter falado isso, mesmo sabendo que seria duramente criticado por essa referência ao crime organizado. A grande dúvida é se fez um apelo dramático por puro desespero, pois estamos num momento crucial do crescimento exponencial da epidemia, ou se realmente houve um pacto do governo Bolsonaro com as milícias e os traficantes.

Não seria a primeira que vez que isso aconteceria, com consequências desastrosas, porque favorece a expansão do crime organizado na sociedade e sua infiltração na política. Por outro lado, é muito fácil fazê-lo, pela via das relações perigosas nos sistemas de segurança pública e penitenciário. Ministro-chefe da Casa Civil, o general Braga Netto, ex-interventor no Rio de Janeiro, conhece bem essas conexões. Qual é a lógica perversa por trás desse raciocínio? Todos sabemos que a epidemia ainda não chegou ao povão, está na classe média alta, e só agora registra os primeiros casos de mortes nas favelas e periferias das grandes cidades e regiões metropolitanas conurbadas, principalmente em São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza e Manaus. Na prática, isso significa toque de recolher e dura punição nas favelas e nas periferias, numa hora em que o presidente da República pressiona pela flexibilização da política de isolamento social.

Quem governa?
Governos monolíticos nas democracias não existem, ainda mais num sistema federativo e de equilíbrio entre os poderes. Bolsonaro enquadrou Mandetta e responsabiliza governadores e prefeitos pelo distanciamento social e o desemprego. Mas sabe também que os governadores e prefeitos, que têm a dura tarefa de conter a epidemia na ponta, contam com o apoio do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF) para agir com autonomia, na esfera de suas competências. Por mais que queira, não existe correlação de forças para Bolsonaro intervir nos estados. É assim que funciona na democracia.

O Estado brasileiro é ampliado, cada ministério é um subgoverno que se relaciona com os demais poderes e esferas de poder com relativa autonomia, além de terem imbricações com agências privadas e grandes setores empresariais. Mas é daí que veio a reação para garantir o funcionamento do sistema de saúde, com produção de suprimentos de proteção individual, equipamentos e aparelhos de saúde para ampliar a capacidade de absorção de pacientes pelos hospitais. Existe um grande business na área da saúde, cujas políticas públicas foram capturadas por grande fornecedores, muitos dos quais importadores, e também algumas máfias, que desviaram recursos ao longo dos anos. Agora, chegou a hora de verdade: os profissionais de saúde estão no comando, o governo está sendo obrigado a inventar um novo orçamento da Saúde e a recriar a indústria do setor.

Nesse aspecto, foi patética a constatação de que os hospitais federais do Rio de Janeiro não têm profissionais para atuar contra a epidemia, assim como os hospitais universitários. O governo federal é responsável por 5% da capacidade hospitalar do país, porém, deveria entrar com mais força, principalmente na montagem de hospitais de campanha e na contratação de profissionais para atuar junto às comunidades de periferia e regiões remotas da Amazônia e nos sertões do Nordeste, resgatando o Programa Mais Médicos.

Finalmente, uma homenagem póstuma ao sanitarista Sérgio Arouca, grande idealizador do SUS, que liderou milhares de profissionais de saúde que hoje estão na linha de frente do combate à epidemia. Lembro-me de duas conversas com ele: na primeira, me disse que a emergência era o ponto mais fraco do sistema, subestimada pela cultura dos sanitaristas; na segunda, lamentou não ter conseguido levar adiante seu programa de agentes comunitários de saúde no Rio de Janeiro, sem os quais seria impossível erradicar a dengue e conter epidemias mais graves nas comunidades pobres.

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Luiz Carlos Azedo: O soldado mais lento

“Enquanto governadores e prefeitos mantêm a política de distanciamento social da Saúde, o ministro Mandetta manobra para não entrar em rota de colisão com Bolsonaro”

Reza a cartilha da infantaria que o ritmo da coluna depende do soldado mais lento, o comandante apenas orienta o rumo da marcha, pois, se acelerar demais, a tropa se dispersa pelo caminho. Formado numa unidade de elite — a Brigada de Paraquedista —, o presidente Jair Bolsonaro conhece os manuais, mas foi treinado para lutar na retaguarda do inimigo, sem front de batalha definido, improvisando muito para chegar aos objetivos. É mais ou menos o que está fazendo na crise do coronavírus, depois de se dar conta de que estava sendo o soldado mais lento, em vez de comandar a coluna.

O bate-boca com o governador de São Paulo, João Doria, que está no epicentro da epidemia, ontem, desnudou as preocupações de Bolsonaro no surpreendente pronunciamento de terça-feira à noite, no qual atacou governadores, prefeitos e a imprensa e criticou a política de distanciamento social: as eleições de 2022. O presidente da República viu na atuação de Doria uma ameaça ao seu projeto de reeleição, porque se deu conta de que a recessão é inevitável, não somente por causa da política de isolamento social: o Brasil já vinha num voo de galinha, frustrando as expectativas geradas pela sua própria eleição, em 2018.

Bolsonaro resolveu mirar a retaguarda dos governadores e prefeitos: os 40 milhões de pessoas ameaçadas de ficarem desempregadas, falidas ou sem nenhuma outra atividade, em razão da crise. A recessão, que está vindo a galope, chegaria de qualquer maneira, porque estamos diante do que pode ser a maior crise da economia mundial desde a Grande Depressão. Se não descobrirem logo uma remédio eficaz para os contaminados e uma vacina que imunize os demais, será inevitável, a não ser que haja uma ação coordenada dos governos das principais economias para mitigar os efeitos da retração global.

Seu discurso teve muita repercussão nas redes sociais e atingiu plenamente o alvo: jogou a culpa da recessão futura nos governadores e prefeitos. Bolsonaro lida com a morte como uma contingência inevitável. Prefere um ciclo breve de epidemia, com uma taxa de letalidade em torno de 3% a 5%, do que uma recessão dessa mesma ordem. Bolsonaro não é médico, que também lida racionalmente com a morte, mas com uma visão humanista, como o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), um aliado de primeira hora, que, ontem, rompeu com o presidente da República e questionou a autoridade de Bolsonaro para tomar decisões de ordem sanitária.

Entretanto, Bolsonaro faz política pelas redes sociais, que reagiram sob seu comando. Os partidários do presidente ganharam uma nova narrativa, saíram da defensiva e partiram para cima dos governadores e prefeitos, melhorando muito o nível de aprovação de Bolsonaro, que havia despencado nesse ambiente das redes sociais. A aposta no confronto aberto, porém, politizou a epidemia e manteve o clima de polarização eleitoral na sociedade, ainda que de forma completamente extemporânea.

Economia
Enquanto governadores e prefeitos mantêm a política de distanciamento social recomendada pelo Ministério da Saúde, o ministro Luiz Henrique Mandetta manobra para não entrar em rota de colisão com Bolsonaro e acabar moído no confronto. Outros atores também se movimentam. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), negocia a aprovação de cortes de despesas nos três Poderes, inclusive redução temporária de salários de servidores, para destinar mais recursos para a saúde. Esse pacote está sendo elaborado pelo secretário do Tesouro, Mansueto de Almeida. O ministro da Economia, Paulo Guedes, mergulhou. Está sendo eclipsado também pelo presidente do Banco Central (BC), Campos Neto, e pelo presidente da Caixa Econômica Federal, Pedro Guimarães, que já estão sendo cotados para substituí-lo. Guedes é um ultraliberal, dificilmente aceitará uma guinada keynesiano na economia que contrarie frontalmente seus princípios.

Outro personagem importante se movimentou na crise, o vice-presidente Hamilton Mourão, que defendeu o isolamento social como uma política de governo, ao contrário de Bolsonaro. Nos bastidores, comenta-se que seu pronunciamento havia sido combinado com os generais que hoje compõem o Estado-maior do Palácio do Planalto. Na véspera, o comandante do Exército, Leal Pujol, fez um pronunciamento que gerou muitas especulações: “O braço forte atuará se for necessário. E a mão amiga estará mais estendida do que nunca aos nossos irmãos brasileiros”, disse. Trocando em miúdos, reafirmou que a Força é uma instituição do Estado e está em condições operacionais para promover a ajuda humanitária e conter distúrbios sociais, além de evitar que a epidemia chegue aos quartéis e às famílias dos militares.

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Luiz Carlos Azedo: Os vírus são teimosos

Bolsonaro não esconde seu desacordo com as medidas de “distanciamento social”, mas finalmente considerou o país em “estado de calamidade pública”

O presidente Jair Bolsonaro finalmente se deu conta de que os vírus são mais teimosos do que ele próprio. Ontem pela manhã, em entrevista à Rádio Tupi, o presidente da República criticou os governadores por adotarem medidas para evitar aglomerações, o que classificou de “histeria”. No final do dia, declarou “estado de calamidade pública” em todo o país e pediu ao Congresso a aprovação da medida. Vírus são parasitas intracelulares obrigatórios (característica que os impede de serem considerados seres vivos), dependem de células para se multiplicarem. Diferentemente dos organismos vivos, são incapazes de crescer em tamanho e de se dividir. Porém, uma vez dentro da célula, a capacidade de replicação dos vírus é surpreendente: um único exemplar é capaz de multiplicar, em poucas horas, milhares de novos vírus. Não foi à toa que apenas um dos 30 infectados na Coreia do Sul foi o responsável pela transmissão da epidemia que atingiu 196 mil pessoas.

Os vírus são capazes de infectar todos os seres vivos de todos os domínios e representam a maior diversidade biológica do planeta, sendo mais diversos que bactérias, plantas, fungos e animais juntos. Desde o século XIX, cientistas travam uma batalha silenciosa contra os vírus, iniciada por Louis Pasteur, com a teoria microbiana das doenças, que teve um grande avanço quando o microbiologista Charles Chamberland, em 1884, conseguiu filtrar as bactérias. Coube ao microbiologista Martinus Beijerinck, em 1898, identificar pela primeira vez um contagium vivum fluidum (fluido vivo contagioso).Ele introduziu o termo ‘vírus’ para indicar que o agente causal da doença do mosaico do tabaco não tinha uma natureza bacteriana, e sua descoberta é considerada como o marco inicial da virologia.

A partir daí vieram as grandes descobertas: Em 1898, o vírus da febre aftosa (Aphtovirus; em 1901, Walter Reed identificou o primeiro vírus humano, o vírus da febre amarela (Flavivirus). Em 1908, Vilhelm Ellerman e Olaf Bang demonstraram o vírus da leucose aviária. E em 1911, Peyton Rous transmitiu o vírus do sarcoma de Rous de uma galinha para outra. Em 1915, o bacteriologista Frederick William Twort observou que as colônias morriam e que o agente dessa transformação era infeccioso. Em 1937, Max Theiler cultivou o vírus da febre amarela em ovos de galinha e desenvolveu uma vacina a partir de uma estirpe do vírus atenuado.

Em 1949, John Franklin Enders, Thomas Weller e Frederick Robbins cultivaram o vírus da poliomielite em culturas de células embrionárias humanas, o primeiro vírus a ser cultivado sem a utilização de tecido animal sólido ou ovos Este método permitiu a Jonas Salk desenvolver uma vacina eficaz contra a poliomielite.Mas somente após a segunda metade do século XX. a luta contra os vírus ganhou escala: foram reconhecidas mais de 2000 novas espécies de vírus de animais, plantas e bactérias. Em 1957, descobriu-se o arterivírus equino e o vírus da diarreia bovina (um pestivírus). Em 1963, Baruch Blumberg descobriu o vírus da hepatite B, e em 1965, Howard Temin descreveu o primeiro retrovírus. A transcriptase reversa, que é a enzima fundamental dos retrovírus, foi descrita em 1970, por Howard Martin Temin e David Baltimore. Em 1983, a equipe de Luc Montagnier do Instituto Pasteur, na França, isolou pela primeira vez o retrovírus que hoje conhecemos por HIV, ou seja, o vírus da AIDS.

Economia
Bolsonaro é um “criacionista”, não está nem aí para os mistérios da biologia, o mundo dos darwinistas, onde se trava essa guerra sem fim. Sua grande preocupação durante o dia de ontem não era com os infectados pelo coronavírus, que fez a sua primeira vítima em São Paulo. Já são 346 casos em 17 estados, com 8.819 casos suspeitos, 1.890 casos descartados e 18 pessoas hospitalizadas em estado grave (7% do total). Era não prejudicar a economia: “Olha, a economia estava indo bem, fizemos algumas reformas, os números bem demonstravam taxa de juros lá embaixo, o risco, a confiança no Brasil, a questão de risco Brasil também. Então, estava indo bem. Esse vírus trouxe uma certa histeria”, disse. “Tem alguns governadores, no meu entender, eu posso até estar errado, mas estão tomando medidas que vão prejudicar em muito a nossa economia”, completou.

A entrevista de Bolsonaro à Rádio líder dos Diários Associados reiterou dois comportamentos recorrentes do presidente da República nesta crise: primeiro, a subestimação da doença em si, em que pese os exemplos dos demais chefes de Estado em todo o mundo, inclusive seu aliado principal, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump; segundo, se eximir da responsabilidade e culpar os governadores pelo que vier o ocorrer na economia, no caso, a recessão, que será inevitável. Essa postura somente aumentou o seu isolamento, além de reforçar uma avaliação quase generalizada nos meios políticos, e crescente na opinião pública, de que está despreparado para os desafios do cargo que ocupa, além de não respeitar sua liturgia.

Na segunda-feira, Bolsonaro criticou o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que vem se destacando no combate à epidemia e lidera os sanitaristas do país na mobilização dos serviços do SUS. Não gostou da participação de Mandetta numa reunião com os chefes dos demais poderes, os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que vem criticando as atitudes de Bolsonaro; do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, que procura atuar como algodão entre os cristais.

A nomeação do ministro da Casa Civil, general Braga Neto, para comandar o comitê de crise que vai gerenciar o combate à epidemia foi vista, erroneamente, como uma maneira de esvaziar a atuação de Mandetta. Não é o caso, pois alguém tem que coordenar todo o governo, mas a “fritura” de Mandetta pela ala mais sectária do Palácio do Planalto estava de vento em popa. Bolsonaro não esconde seu desacordo com as medidas de “distanciamento social” adotadas pelo Ministério da Saúde para evitar a rápida propagação do coronavírus, mas, no final do dia, pressionado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e pelos militares que o assessoram, declarou o país em “estado de calamidade pública”, para poder fazer gastos sem romper a “responsabilidade fiscal”., o que ainda depende de autorização do Congresso.

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Vinicius Torres Freire: São Paulo cresce mais do que o Brasil; o Nordeste, bem menos

Região Nordeste tem sequelas da recessão; PIB de 2020 ainda é incógnita

A economia paulista cresceu 2,75% em 2019, segundo contas feitas com dados do Banco Central. O Nordeste cresceu um quarto disso. O Brasil, 0,89% (1,1%, na mediana da projeção “do mercado”).

São apenas estimativas, que nos últimos anos não têm ficado longe dos resultados do IBGE para o crescimento do PIB, no entanto. Nas contas do Seade, o “IBGE paulista”, São Paulo teria crescido 2,5% nos 12 meses contados até novembro.

A recessão em São Paulo começou antes. O estado começou a afundar no vermelho em 2014 (quando o Brasil ainda cresceria o quase nada de 0,5%). A recessão foi mais profunda. A economia encolheu 8,2% entre 2014 e 2016, ante 6,2% de queda no Brasil; a baixa foi maior do que a de qualquer grande região.

Desde 2018, São Paulo anda mais rápido, em particular pela aceleração do setor de serviços. A média nacional é mais lerda por causa do Nordeste e de resultados ruins ou fracos de grandes economias com governos em crise fiscal feia como a de Minas Gerais (também prejudicada pelo desastre de Brumadinho) e a do Rio de Janeiro, que se recuperou um pouco por causa do petróleo.

O Nordeste cresce menos do que a média nacional, a julgar pelas estimativas do PIB regional, sempre sujeitas a muitas revisões, embora os números já oficiais de rendimentos do trabalho, da indústria e do comércio evidenciem a fraqueza.

A região não se recuperou do fim do ciclo de obras dos anos petistas, algumas delas de resto desastrosas (como a refinaria Abreu e Lima). Meia dúzia de anos de seca até 2018, colapso de preços e produção de petróleo e da quimérica indústria naval deixaram sequelas.

Mais recentemente, a indústria nordestina tem apanhado muito mais que a do restante do país. Foi muito prejudicada pela baixa da produção de veículos, arrastada pela crise argentina, pela retração na petroquímica e na celulose.

O desemprego é cronicamente mais alto na região, mas a oferta de trabalho se recupera de modo ainda mais lento do que a lerdeza desesperadora do país inteiro. A limitação do crescimento de benefícios sociais (contidos ainda pelos reajustes quase nulos do salário mínimo) deve também ter tido impacto na região.

No conjunto do Brasil, a virada do ano ainda é uma incógnita com cheiro de queimado. Os dados de comércio, indústria e serviços para o trimestre final de 2019 foram frustrantes, ainda mais para quem fazia festinha na praça financeira. No entanto, os dados das contas nacionais, do PIB, do IBGE têm informações mais completas –saem daqui a duas semanas. Logo, é prematuro decretar o fracasso do final de 2019.

Tampouco haverá sucesso. A expectativa mais razoável e menos deprimida ainda é a de continuidade do ritmo de crescimento que vem desde a metade do ano passado. Mantido esse passo até o final deste 2020, o país terá crescido um tico mais de 2%. É pouco, mas seria o primeiro ano com algum avanço do PIB per capita.

Os dados mais recentes para este ano, vagos e precários, indicam que a confiança da indústria continuou a crescer, assim como a intenção de consumo das famílias. Por ora, não dá para dizer que haverá frustração grande de expectativa, como vimos no vexame do início de 2019.

Afora a possibilidade de catatonia estrutural da economia brasileira, os riscos maiores são a baderna política promovida pelo governo e a doença do novo coronavírus, um bicho ainda mal conhecido, mas que terá algum impacto também no Brasil.


Luiz Carlos Azedo: A locomotiva do Brasil

“Depois de um ano à frente das finanças do governo paulista, Meirelles saiu do silêncio obsequioso em que estava em relação ao ministro Paulo Guedes”

Em conversa com a jornalista Miriam Leitão, do jornal O Globo, o secretário de Fazenda do governo de São Paulo, Henrique Meirelles, resolveu fazer um contraponto com o ministro da Economia, Paulo Guedes, comparando o desempenho da economia paulista com a do Brasil em 2019, primeiro ano dos governos Jair Bolsonaro e João Doria. São Paulo cresceu 2,6%, com uma projeção de 3% e 3,5% em 2020. A comparação foi puro veneno: “Imagina 2019 se o Brasil tivesse crescido à taxa de São Paulo. Agora, tire São Paulo da taxa nacional e o país teria crescido só 0,3%, por aí”.

A maldade não parou: “Nos serviços, em 12 meses até novembro, o país teve 0,9%, e São Paulo teve 3,2%. A indústria caiu 1,1% no país, enquanto em São Paulo cresceu 0,3%”. Segundo Meirelles, o estado gerou 40% dos empregos formais do ano passado. Presidente do Banco Central nos governos Lula e Dilma e ministro da Fazenda do presidente Michel Temer, Meirelles continua com seu prestígio inabalado no mercado financeiro, pois tem a seu favor o fato de ter administrado a crise de 2008 do ponto de vista cambial e ter tirado o país da recessão, após o impeachment de Dilma Rousseff.

Ou seja, depois de um ano à frente das finanças do governo paulista, Meirelles saiu da espécie de silêncio obsequioso em que estava em relação à gestão do ministro Paulo Guedes. Elogiou o Banco Central, em cujos os modelos macroeconômicos disse confiar, e revelou sua intenção de debater a reforma tributária. Segundo ele, o projeto dos estados foi apresentado como substitutivo à emenda 45, em tramitação na Câmara, e à emenda 110, que está no Senado. A proposta é uma alíquota única para todos os produtos em cada estado, com uma margem para subir ou descer, de acordo como a avaliação de comitê gestor formado por União, estados e municípios, para acabar com a guerra fiscal.

Desempenho fiscal
O xis da questão tributária: o governo federal não sabe o que fazer desde a queda do secretário de Receita, Marcos Cintra, que apostava na recriação da CPMF. Agora, a equipe econômica estuda novamente a possibilidade de adoção do imposto sobre operações financeiras, que dificilmente será aprovado pelo Congresso. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), é contra o novo imposto. O ambiente também não será dos mais favoráveis à mudança, em razão das eleições municipais. Os comentários de Meirelles sinalizam nova postura do ex-ministro, no sentido de ter um protagonismo aberto em relação à agenda econômica do governo, hoje monopolizada pelo ministro Paulo Guedes. Veremos os próximos lances quando o Congresso começar a discutir as reformas para valer.

O mercado está na expectativa da divulgação do resultado fiscal do governo, que somente ocorrerá no fim do mês. O resultado fiscal do governo, da ordem de R$ 70 bilhões, resultou do aumento de arrecadação proporcionado pelos leilões do pré-sal, uma receita excepcional, e de manobras na execução financeira: a Fazenda só liberou os contingenciados quando teve a certeza de que os ministérios não teriam tempo hábil para gastar o dinheiro. Não é uma “pedalada” fiscal clássica, mas seu efeito é muito parecido. O problema é que isso não muda em nada a realidade da economia.

O resultado do conjunto da obra foi deixar o mercado financeiro borocoxô. Depois da inflação acima da meta, uma possível maquiagem no resultado das contas públicas desanima os investidores, o que se refletiu na Bovespa nesta semana. A meta do deficit primário do governo para este ano é de R$ 124 bilhões, será cumprida com toda certeza, seja porque foi estabelecida com uma margem de segurança para evitar a falta de responsabilidade fiscal — que é motivo de impeachment —, seja porque o governo soube gerenciar seu fluxo de caixa de maneira a não impactar a narrativa oficial. Como sabe das coisas, porque conhece as entranhas das contas públicas, Meirelles está todo assanhado e pretende voltar à ribalta, com esse discurso de que São Paulo voltou a ser a locomotiva do Brasil.

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Luiz Carlos Azedo: Doria ou Huck, eis a questão

“Uma coisa é certa: não há lugar para Doria e Huck na mesma disputa; se ambos forem candidatos, o centro democrático acabará derrotado nas eleições de 2022”

O melhor mesmo seria citar a frase célebre “Ser ou não ser, eis a questão” (em inglês, “To be or not to be, that is the question), de Hamlet, no monólogo do terceiro ato da peça homônima de William Shakespeare. A frase não exige nenhuma erudição. Trata-se simplesmente de viver ou morrer: “Será mais nobre em nosso espírito sofrer pedras e flechas com que a Fortuna, enfurecida, nos alveja, ou nos insurgir contra um mar de provocações e em luta pôr-lhes fim? Morrer.. dormir”, continua o monólogo.

O drama de Hamlet é a dúvida sobre o que fazer diante dos tormentos e sofrimentos, perante os quais o pensamento suicida surge como uma possível opção. Entretanto, a morte também traz indagações. A consciência inibe o suicida, com a interrogação sobre o que pode existir após a morte: inferno ou paraíso? O suicídio é condenado pela maioria das religiões. “Ser ou não ser” eternizou o clássico da dramaturgia universal, porque representa de forma ampla o como agir diante das circunstâncias.

“Ser ou não ser” sintetiza o drama dos dois principais nomes aventados para ocupar o espaço político do centro democrático nas eleições de 2022, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), e o apresentador de tevê Luciano Huck, sem partido. O primeiro já demonstrou que não é de esquentar nenhuma cadeira por muito tempo, pois largou no meio o mandato de prefeito de São Paulo para disputar o governo do maior do estado do país. Está preparado para enfrentar o presidente Jair Bolsonaro e seu possível adversário à esquerda, o ex-prefeito Fernando Haddad, que é seu freguês de carteirinha, pois derrotou-o quando disputava a reeleição. Haddad também perdeu para Bolsonaro, e não seria capaz de atrair o centro democrático para derrotar o “mito”, se houver outra opção.

Entretanto, o Palácio dos Bandeirantes é a joia da coroa da Federação, sede do governo do estado mais poderoso do país. A proposta orçamentária de São Paulo para 2020 é de R$ 239 bilhões. Para chegar a esse valor, Doria terá que efetivar seu programa de privatizações de rodovias, aeroportos e outros ativos. São Paulo, porém, ganhou de presente a divisão dos recursos do megaleilão de petróleo do pré-sal, marcado para novembro. Saltou de R$ 94 milhões para R$ 632,6 milhões, um aumento de 573% na expectativa de arrecadação, com a lei aprovada na quarta-feira pelo Congresso.

Do ponto de vista econômico e financeiro, São Paulo se basta. É o estado que menos serviços recebe do governo federal e mais paga impostos. Historicamente, colhe os frutos de sua elite agrária ter apostado na industrialização, enquanto as demais permaneceram aferradas ao velho patrimonialismo. Sofre até hoje, porém, as consequências da Revolução Constitucionalista, combatida como um movimento separatista pelos revolucionários de 1930. Vem daí a facilidade com que o estado acaba isolado em certas disputas políticas. O Palácio dos Bandeirantes é o vértice de um poderoso sistema de poder, por isso seu ocupante é um candidato natural à Presidência, porém o último que conseguiu chegar lá foi Jânio Quadros, em 1960.

Largada
No PSDB, quem governa São Paulo tem a hegemonia na legenda, será candidato ao que quiser. O problema é que João Doria está no primeiro mandato, tem que decidir entre manter a fortaleza ou tentar tomar o castelo de Bolsonaro, que também está no primeiro mandato. No caso de alto risco, o tucano não será candidato. É preferível manter a posição atual e aguardar 2026, com calma.

Desde as eleições passadas, Huck anda costeando o alambrado, como diria o falecido Leonel Brizola. Não tem estrutura de poder nas mãos, mas goza da imagem consolidada de jovem comunicador criativo, generoso e preocupado com o bem comum. No seu caldeirão, desempenha o papel de bom samaritano — no Novo Testamento, a única pessoa que se dispôs a ajudar um judeu indefeso, numa estrada solitária e perigosa. Samaritanos eram homens maus para os judeus, na parábola bíblica, porém, o bom samaritano foi o único que ajudou o pobre necessitado, era aquele de quem menos se esperava.

Funcionário da TV Globo, Huck queimou a largada, começou a apanhar dos adversários por causa das intensas articulações que vem fazendo, ao lado do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e do economista Armínio Fraga. Conversa com lideranças do PSDB, do DEM e do Cidadania, o antigo PPS, que mudou de nome com objetivo de atraí-lo: um novo partido para um grande candidato, diria Roberto Freire, líder da legenda.

Huck tem menos a perder em termos políticos, mas sua decisão estratégica será abandonar a carreira de bem-sucedido e milionário apresentador de tevê e se lançar de peito aberto no jogo bruto da política, com adversários que chutam do pescoço pra cima. Vai apanhar muito, precisa de casca grossa e pode ficar muito tempo no sereno se antecipar a saída da Globo. Uma coisa, porém, é certa: não há lugar para Doria e Huck na mesma disputa; se ambos forem candidatos, o centro democrático acabará derrotado.

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Luiz Carlos Azedo: Lava-Jato na ofensiva

“Embora no Rio de Janeiro, o juiz federal Marcelo Bretas mira os tucanos paulistas, por suspeita de superfaturamento e desvio de recursos públicos na ampliação da Marginal Tietê”

No último dia de recesso do Judiciário, a Operação Lava-Jato retomou a iniciativa, com nova denúncia contra o ex-diretor da Dersa (estatal paulista de rodovias) Paulo Vieira de Souza, pelo Ministério Público Federal (MPF), por corrupção, lavagem de dinheiro e fraude de licitação. Preso em Curitiba, Paulo é apontado como suposto operador financeiro do PSDB e responsável pela lavagem de milhões de reais a favor da Odebrecht.

Paulo Vieira é réu por suspeita de superfaturamento de uma obra de R$ 71,6 milhões que foi paga pela estatal Desenvolvimento Rodoviário S.A. (Dersa) ao consórcio Nova Tietê, cuja liderança pertencia à Delta, empresa de Fernando Cavendish. A denúncia foi oferecida pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, mas foi enviada à 7ª Vara Federal do Rio em julho de 2016 porque os réus e os crimes são semelhantes aos da Operação Saqueador, um desdobramento da Operação Lava-Jato.

Embora no Rio de Janeiro, o juiz federal Marcelo Bretas mira os tucanos paulistas. A ampliação da Marginal Tietê custou R$ 360 milhões. As obras foram realizadas entre 2009 e 2011, na gestão de José Serra (PSDB-SP). Paulo Preto está sob forte pressão da Lava-Jato para fazer uma delação premiada. Ontem, Cavendish disse ao juiz Bretas que conheceu Paulo Vieira de Souza em 2008, durante uma reunião em São Paulo sobre a participação da Delta em obras do governo paulista.

O ex-diretor da Dersa teria pedido R$ 8 milhões em espécie para garantir a entrada da empresa carioca nos contratos. Cavendish disse que, além desse pagamento, depois do início das obras foram feitos outros, no valor de R$ 20 milhões, ao longo do contrato. O operador financeiro Adir Assad, que também prestou depoimento, aumentou a carga contra Paulo Vieira: disse que entregou a ele, em mãos, R$ 1,5 milhão.

Em outra frente de investigações, o doleiro Dario Messer foi preso em São Paulo, pela Polícia Federal. Estava foragido desde maio de 2018, quando foi deflagrada a Operação Câmbio Desligo, desdobramento da Lava-Jato no Rio de Janeiro. O doleiro estava no apartamento de uma amiga, Mary Oliveira Athayde, na Avenida Pamplona, nos Jardins. A prisão foi efetuada durante cumprimento de mandados de prisão e de busca e apreensão expedidos por Bretas, com base em informações da inteligência da Superintendência da PF do Rio de Janeiro.

Lavagem de dinheiro

Messer vivia entre São Paulo e Paraguai. Engenheiro, é citado em inquéritos policiais desde os anos 1980, quando foi apontado como operador financeiro do banqueiro de jogo do bicho Waldomiro Paes Garcia, o Miro, então patrono da escola de samba Acadêmicos do Salgueiro, que morreu assassinato numa guerra com outros chefões da contravenção fluminense. Também foi o operador do envio irregular de US$ 33 milhões para o exterior por fiscais da Fazenda do RJ e auditores fiscais. O escândalo ficou conhecido como “Propinoduto”.

No “Mensalão”, é apontado como responsável pelo envio de US$ 1 bilhão de forma irregular para o exterior e entregar o dinheiro, em reais, no Banco Rural, para integrantes do PT. Além de ser dono de uma offshore no Panamá citada no caso do Swissleaks, Messer coleciona citações em relatórios do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) sobre operações suspeitas, entre 2010 e 2015.

Na operação “Câmbio, desligo”, Messer é citado como o “Cagarras”, alusão ao Arquipélago das Cagarras, defronte ao qual tem uma cobertura em Ipanema. Os doleiros Claudio Barbosa, conhecido como “Tony” ou “Peter”, e Vinicius Claret, o “Juca Bala”, apontaram Messer como o “doleiro dos doleiros”, por ser dono de um sistema de compensação on-line no Uruguai que conectava doleiros de 52 países e operava contas em 3 mil empresas “offshore” de paraísos fiscais. A expectativa é de que também faça delação premiada, como outros doleiros presos pela Operação Lava-Jato.

Para completar a ofensiva, foi decretada a prisão do empresário Valter Faria, presidente do Grupo Petrópolis, dono da cerveja Itaipava. Com outros executivos do Grupo Petrópolis, teria atuado na lavagem de cerca de R$ 329 milhões em contas fora do Brasil. Segundo a Lava-Jato, o presidente do Grupo Petrópolis usou o programa de repatriação de recursos de 2017 para trazer ao Brasil cerca de R$ 1,4 bilhão obtido.

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El País: MP investiga papel de grupos radicais da Internet no ataque em Suzano

O procurador-geral de Justiça do Estado não descarta "ampliar" investigações para tentar desmobilizar estes fóruns

O Ministério Público de São Paulo investiga se os autores do massacre de Suzano contaram com o auxílio de grupos radicais que operam em fóruns na deep web (os sites da Internet que não são facilmente rastreados em plataformas de busca como Google) para planejar o atentado cometido na Escola Estadual Raul Brasil na quarta-feira. Estes grupos de troca de mensagens conhecidos como chans garantem o anonimato aos usuários, e são famosos pelas discussões de caráter racista, homofóbico, misógino e com conteúdo de pedofilia. O procurador-geral de Justiça, Gianpaolo Smanio, afirmou que o “cyber Gaeco” - equipe especializada do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado do MP - apura se Guilherme Taucci Monteiro e Luiz Henrique de Castro frequentavam estes fóruns.

O massacre de Suzano foi comemorado em vários chans, onde os matadores foram tratados como “heróis”. Computadores e telefones celulares utilizados pelos jovens assassinos foram apreendidos para serem periciados. De acordo com reportagem do portal R7, Guilherme e Luiz teriam trocado mensagens com o administrador do fórum radical Dogolachan, um homem conhecido apenas pela sigla DPR. O fundador do grupo, Marcelo Valle Silveira Mello, conhecido com Psy, foi preso em maio de 2018 na Operação Bravata da Polícia Federal, e condenado a mais de 41 anos de prisão pelos crimes de divulgar imagens de pedofilia, coação e outros. O Dogolachan se auto-intitula "o maior fórum alt-right do Brasil", em referência ao termo usado nos Estados Unidos para se referir à extrema direita no país.

Esta linha da investigação, que conecta o crime de Suzano ao submundo da Internet, esbarra na falta de rastreabilidade de alguns chans da deep web e em uma discussão sobre liberdade de expressão, censura e limites das autoridades nas hora de controlar conteúdos. No primeiro caso, a dificuldade se dá porque é necessária a utilização de um navegador específico para acessá-los, o Tor, que faz uso de tecnologia que camufla o endereço do usuário na rede (chamado de IP). “É praticamente impossível detectar, por exemplo, onde está o servidor que hospeda estes grupos de discussão de ódio para que se possa tirá-los do ar”, afirma Arthur Igreja, professor da Fundação Getúlio Vargas especialista em tecnologia e inovação. Ele explica que a deep web não é necessariamente ilegal ou “ruim”: “Militantes de direitos humanos na China, por exemplo, a utilizam para conseguir se comunicar com o mundo exterior. Os grupos que organizaram a Primavera Árabe também dependiam dela”. No entanto, Igreja afirma que existe uma “camada” da deep web conhecida como dark net (ou rede escura), onde ocorre a venda de armas, drogas, pedofilia e o planejamento de crimes.

A tarefa das autoridades para apurar se os assassinos de Suzano contaram com ajuda ou apoio de fóruns de ódio hospedados na deep web não será fácil. “O maior desafio é a falta de rastreabilidade. É muito difícil [chegar aos autores das postagens]. Existem técnicas de investigação, tanto periciais quanto de infiltração de agentes que procuramos utilizar para fazer uma investigação adequada. Mas é um ambiente hostil [à investigação]”, afirmou o procurador-geral Smanio.

O desafio não é exclusivo das autoridades brasileiras. Um dos atiradores responsáveis pelo atentado que deixou ao menos 49 mortos em mesquitas na Nova Zelândia também participava de um desses grupos, o 8chan, um fórum também popular para intercâmbio racistas e misóginos. Ele usou a plataforma para postar, momentos antes do ataque, o link para um manifesto supremacista branco. No texto existe uma citação ao Brasil: "O Brasil, com toda a sua diversidade racial, está completamente fraturado como nação, onde as pessoas não se dão umas com as outras e se separam e se segregam sempre que possível", comenta.

Como a operação foi extremamente bem-sucedida –o vídeo do atentado transmido ao vivo viralizou-, o ataque na Nova Zelândia também reacendeu o debate sobre as políticas de controle de conteúdos violentos e discursos de ódio na Internet que, para além da deep web e da dark net. Em plataformas como Facebook, YouTube e fóruns menos numerosos com o o Gab esse tipo de mensagem recebe o incentivo dos algorítimos, que ditam qual alcance o material vai ter. “Vídeos chocantes - especialmente com imagens gráficas gravadas pela primeira pessoa - é onde o reality show se encontra com a cultura violenta dos jogos e com os algoritmos de amplificação da atenção”, disse Jonathan Albright, diretor de pesquisa do Centro de Jornalismo Digital da Universidade Columbia ao jornal Washington Post. “A Internet moderna foi projetada para o engajamento em primeiro lugar, e isso funciona na contramão de impedir rapidamente a disseminação de material e ideias prejudiciais”.


Luiz Carlos Azedo: Faroeste caipira

“A tragédia de ontem pôs em xeque uma das principais pautas do governo Bolsonaro, a liberação da venda de armas de fogo”

Dois ex-alunos mataram sete pessoas na Escola Estadual Raul Brasil, em Suzano (SP): cinco alunos, duas funcionárias do colégio; além do proprietário de uma loja próxima ao local. Não se sabe ainda a motivação do crime. Os assassinos, Guilherme Taucci Monteiro, de 17 anos, e Henrique de Castro, de 25 anos, chegaram encapuzados, abriram fogo e se suicidaram a seguir. Marilena Ferreira Vieira Umezo, coordenadora pedagógica, foi a primeira a ser atingida. O massacre é o maior já registrado em São Paulo. No Rio, em abril de 2011, 12 crianças morreram e 13 ficaram feridas numa escola de Realengo: um homem de 23 anos invadiu salas de aula atirando.

A tragédia de ontem pôs em xeque uma das principais pautas do governo Bolsonaro, a flexibilização da venda de armas de fogo. O senador Major Olímpio (SP), líder do PSL, da tribuna do Senado, tentou manter o eixo da discussão, com o argumento de que o massacre poderia ser evitado se funcionários e professores portassem armas, mas o assunto é leite derramado, como o debate sobre licenças ambientais depois da tragédia de Brumadinho. Não foi à toa a hesitação e demora do Palácio do Planalto para se pronunciar sobre o incidente, com uma nota tímida. O presidente Jair Bolsonaro demorou mais ainda a se manifestar pelo Twitter, no qual costuma apertar o dedo rapidinho.

A lógica de que armar a população de forma generalizada é boa para o lobby dos fabricantes de armas, mas não tem sustentação na realidade. Basta imaginar uma situação na qual moradores da Zona Sul do Rio de Janeiro trocassem tiros pela janela com traficantes da Rocinha, Pavão e Pavãozinho, Chapéu Mangueira e Dona Marta. Ou que, de fato, houvesse professores e alunos armados na escola, trocando tiros com os dois ex-alunos, numa espécie de faroeste caipira. Seria um retrocesso civilizatório.

Direitos humanos, democracia e paz são conquistas históricas da sociedade moderna. Homicídios impunes, agressões domésticas, brigas entre torcidas de futebol, violência no trânsito, violência policial, presídios superlotados, racismo e homofobia estão em contradição com isso. Não há correspondência entre a realidade social e a expansão dos direitos humanos na Constituição Federal de 1988. Urge um debate sobre essa questão que fuja às soluções fáceis e fugazes, que, às vezes, empolgam os eleitores, mas não são exequíveis.

Pacote Moro
É o caso da ideia de que ter uma arma em casa é a solução do problema de segurança pública. Na prática, o Estado está terceirizando o problema, porque perdeu o monopólio do uso da força e, agora, sucumbe ao pacto dos violentos. Está aí, escancarado, no caso Marielle Franco e Anderson Gomes, o problema das milícias no Rio de Janeiro. O debate sobre essa questão no Congresso está posto pelo pacote encaminhado pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro.

O eixo original do pacote era a discussão sobre os crimes de colarinho branco, foco da Operação Lava-Jato, mas isso é como falar de corda em casa de enforcado, sobretudo a questão da criminalização do caixa 2 eleitoral, que está sendo decidida pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O eixo mudou para o endurecimento das penas por crimes de homicídio, latrocínio e tráfico de drogas e lavagem de dinheiro, onde é muito mais amplo o apoio na base parlamentar. Há uma noção de que aumentar o tempo de cadeia resolverá o problema da criminalidade, o que é outra discussão cabeluda, porque os presídios foram transformados em bunker pelo crime organizado.

Voltemos ao problema do retrocesso civilizatório. O poder coercitivo da lei só é plenamente efetivo na regulação da conduta dos indivíduos quando reforçado por regras morais compartilhadas por todos. Por isso, a construção de consensos atenua conflitos públicos e privados, permite a convivência de opiniões e a conciliação de interesses divergentes. O salto de qualidade é a passagem do reino da violência para o reino da não violência, ou seja, das normas morais e do Direito.

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Luiz carlos Azedo: A festa imoral

“De onde vem tanta energia? Não é das academias de ginástica, é de certas contradições entre a revolução nos costumes, que a liberdade proporciona, e os preconceitos arraigados e discriminações”

Há muito tempo, não tínhamos um carnaval como o deste ano, em que a alma transgressora dos cidadãos, liberada pela revolução dos costumes, se choca frontalmente com a política oficial, que propõe uma espécie de contrarrevolução cultural. O carnaval é imoral, digamos, assim, no sentido mais conservador e religioso do termo. A propósito dessa contradição, a cultura judaica, tão perseguida, tem muita coisa a nos ensinar. Para o rabino Nilton Bonder, a “alma” seria nada mais que o componente consciente da necessidade de evolução, a parcela de nós capaz de romper com os padrões e com a moral. Sua natureza seria, portanto, transgressora, por não corroborar os interesses da moral.

Um dos exemplos utilizados pelo rabino para explicar a tese, no livro a Alma Imoral, que serviu de roteiro para o monólogo interpretado por Clarice Niskier, de muito sucesso, é justamente a relação corpo-alma. Ao longo dos anos, a cultura afirmou ser o corpo a fonte do imoral e a alma, do moral. O primeiro ato de Adão e Eva como seres conscientes foi cobrir o corpo nu, dando a noção de indecência e imoralidade do corpo, frente ao despertar da alma supostamente moral. No entanto, é justamente o contrário. A alma é imoral e não o corpo.

A tradição tem três eixos: a família, os contratos sociais e as crenças. A primeira foi moldada para atender às necessidades reprodutivas; os segundos, para preservação da vida humana; as terceiras, para respaldar tudo isso no plano ideológico. O processo civilizatório é a transgressão das tradições, ultrapassando-as, geração após geração, mas preserva esses objetivos vitais.

No teatro, Clarice Niskier apresenta o monólogo em estado de nudez real e, ao mesmo tempo, simbólica. A alma desnuda, em conflito com o corpo vestido, coloca em xeque dogmas religiosos. “A psicologia evolucionista aponta o corpo como o gerador da moralidade. É justamente para dar conta de seus interesses de preservação que a moralidade é engendrada. Esta moralidade é oposta às forças transgressoras da alma. Assim, a alma vive do que a sociedade reconhece como imoral”, argumenta o rabino.

Quarta-feira de Cinzas
Toda nudez será castigada, diria Nelson Rodrigues, menos no carnaval. É impressionante o ressurgimento do carnaval de rua em todo o país como uma festa de grandes multidões. Já era uma tradição no Rio de Janeiro, Salvador e Recife/Olinda, mas agora se transformou em megaevento popular em outras cidades, como São Paulo, cujo carnaval já não deve nada a ninguém, e Brasília, cujos blocos tomam conta do Plano Piloto desde a semana passada. De onde vem tanta energia? Não é das academias de ginástica, é da tal alma imoral. E de certas contradições entre a revolução nos costumes, que a liberdade proporciona, e os preconceitos arraigados e discriminações que as pessoas sofrem no cotidiano, pelos mais diversos motivos. O carnaval as liberta.

O antropólogo Roberto Da Matta, há mais de 40 anos, nos demonstrou que o carnaval é um ritual que vira pelo avesso as tradições de nossa sociedade: o povo organiza a festa, os pobres se vestem de nobres, as mulheres aparecem irreverentes e desnudas, troca-se o dia pela noite, a relação com o sobrenatural e o imaginário se materializa nas ruas por meio das pessoas comuns.

“Carnavais, malandros e heróis” também nos mostra porque a festa tem que acontecer, apesar das tragédias recentes, como as de Brumadinho e do Ninho do Urubu. Com seus pierrôs e colombinas, porta-bandeiras e mestres-salas, monstros e palhaços, marinheiros e melindrosas, pinguins e batmans, super-homens e mulheres-maravilha, o carnaval é o abre-alas da crítica social e das mudanças dos costumes. Na Quarta-feira de Cinzas, a festa acaba e tudo volta ao normal, mas é sempre bom parar para pensar no recado dos foliões. Eles mostram o que se passa na alma das ruas.

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