são paulo
Luiz Carlos Azedo: A dura travessia
“A ampla coalizão de centro-direita, formada por Arthur Lira (PP), sinaliza o campo de alianças de Bolsonaro”
Será dura a travessia da oposição até as eleições de 2022, principalmente para as forças do chamado centro democrático. Isso ficou evidente após as vitórias de Rodrigo Pacheco (DEM-MG), no Senado, e Arthur Lira (PP-AL), na Câmara. No primeiro caso, houve uma composição entre o candidato governista e os principais partidos de oposição — PSDB, PT e PDT —, que mitigou a vitória de Jair Bolsonaro e foi, sobretudo, uma conquista do DEM. O novo presidente do Congresso passou a ser a principal referência do país para estabilidade institucional. No segundo caso, a vitória do presidente da República foi inequívoca e sua aproximação com o PP — partido do qual já fez parte — pode levá-lo a escolher essa legenda para disputar a reeleição.
A volta de Bolsonaro ao PP faz todo sentido, uma vez que o projeto de construção de seu próprio partido, o Aliança pelo Brasil, não foi adiante. O Partido Progressista, presidido pelo senador Ciro Nogueira (PI), é herdeiro direto da antiga Arena e do PDS, tendo incorporado os antigos Partido Democrata Cristão (PDC) e Partido Progressista, de quem herdou o nome atual. Entre os quadros da legenda estão veteranos personagens da política nacional: Paulo Maluf, Francisco Dornelles, Esperidião e Ângela Amin, Raimundo Colombo, Delfim Netto, Celso Russomano, Pratini de Moraes, Afonso Celso Pastore, Blairo Magri, Ricardo Barros e Aguinaldo Ribeiro, além dos atuais prefeitos de Rio Branco (AC)), Tião Bocolon, e João Pessoa (PB), Cícero Lucena. A filiação de Bolsonaro ao PP, caso se confirme, reorganizará sua base eleitoral a partir da centro-direita, retirando-o do isolamento em que estava ao protagonizar a formação de um partido de extrema-direita.
A ampla coalizão de centro-direita formada por Arthur Lira na Câmara sinaliza o campo de alianças de Bolsonaro na disputa eleitoral de 2022 e põe no telhado a proposta de impeachment. A própria postura de Bolsonaro, ontem, ao comparecer ao Congresso, para abertura dos trabalhos legislativos, revela um presidente que já não se comporta como fera acuada. Ao mesmo tempo, os discursos de Pacheco, principalmente, e até mesmo de Lira, apontam para um processo de muita disputa e negociação para aprovação das reformas e certa dificuldade de passagem da agenda reacionária do presidente da República, principalmente em relação aos costumes e aos direitos humanos, porque a resistência será grande.
Alternativas
Quem está se colocando como fiel da balança do processo político é o DEM, sob comando de um político baiano de grande linhagem, o ex-prefeito de Salvador (BA) ACM Neto, e a liderança parlamentar do senador Pacheco, uma espécie de “neopesssedista” mineiro. O reposicionamento do DEM, que tem dois ministros importantes no governo, Tereza Cristina, da Agricultura, e Onyx Lorenzoni, da Cidadania, porém, representou o sacrifício da liderança do ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (RJ), que foi atropelado por seus pares. Sabe-se que ACM fez acordo com o PP e com Bolsonaro para a legenda manter o comando do Senado, mas os termos são desconhecidos, ainda, em relação a outros interesses. Com certeza, mira a ocupação de mais um ministério na Esplanada e o apoio a ACM Neto na disputa pelo governo da Bahia, mas isso carece de futura comprovação pelos fatos.
Estrategicamente, a posição do DEM no processo político abre três grandes possibilidades: adesão ao projeto de reeleição de Bolsonaro; lançamento de uma candidatura própria, no caso o ex-ministro da Saúde Henrique Mandetta, muito ligado ao governador de Goiás, Ronaldo Caiado; e o apoio à candidatura do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), em troca de compromisso com a reeleição do seu vice, Rodrigo Garcia, a grande liderança paulista do DEM. É aí que a truculência com que Maia foi abandonado pela cúpula do DEM cria problemas. Qual a garantia que Doria teria, após a desincompatibilização, do apoio do DEM à sua candidatura a presidente da República?
O mesmo raciocínio vale para o apresentador Luciano Huck, sempre relacionado como uma possível alternativa de candidatura própria pela cúpula do DEM. As conversas com a legenda, após ACM Neto tirar o tapete de Rodrigo Maia, perderam qualquer credibilidade. Em contrapartida, a crise no PSDB também se aprofunda. O que houve na Câmara revela que o deputado Aécio Neves (MG) se tornou uma eminência parda no Congresso, operando com desenvoltura, a partir da bancada mineira, também no Senado. Sua queda de braço é com o governador paulista.
Não será fácil para ninguém a caminhada pelo centro do espectro político em direção à Presidência da República. Quem é da política sabe que isso nunca foi um passeio pelo Eixo Monumental. Ontem, a coordenador nacional da Rede, Pedro Ivo, desmentiu especulações de que estaria havendo articulações para a formação de um novo partido sob medida para o apresentador Luciano Huck, reunindo sua legenda, o Cidadania, o PV, o grupo de Rodrigo Maia e a ala do PSDB ligada ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Entretanto, não descartou o eventual apoio à candidatura. Disse que, primeiro, o apresentador precisa transitar para a vida pública, ou seja, a política propriamente dita. É o xis da questão: uma candidatura à Presidência não se improvisa, é uma complexa construção política.
Luiz Carlos Azedo: Como perder a guerra
Tanto a produção da vacina do Butantan quanto a da Fiocruz precisam de insumos importados da China, dos quais somos tão dependentes como os chineses da nossa soja
Há derrotas por antecipação. Geralmente, como já disse, ocorrem quando se comete um erro de conceito estratégico. A partir daí, os planejamentos tático e operacional são desastres sucessivos. Em tese, oficiais superiores são treinados para serem bons estrategistas. O marechal Castelo Branco, por exemplo, conquistou essa fama nos campos da Itália, na II Guerra Mundial, ao elaborar o bem-sucedido plano da tomada de Monte Castelo, que veio a ser uma das glórias de nossos pracinhas da Força Expedicionária Brasileira (FEB). Não é o caso do general Eduardo Pazuello, ministro da Saúde, apesar da fama de craque em logística.
O primeiro erro de conceito de Pazuello é considerar a pandemia uma guerra. Como figura de linguagem, ainda se pode dar um desconto; como conceito de política sanitária, porém, leva a conclusões equivocadas. Logo no começo da pandemia, o sanitarista Luiz Antônio Santini, médico e ex-diretor do Inca, publicou um artigo no site do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz chamando atenção para isso: “A metáfora da guerra, embora frequente, não é adequada para abordar os desafios da saúde, até porque, por definição, uma guerra visa derrotar um inimigo e, para isso, vai requerer a mobilização de recursos das mais variadas naturezas que, em geral, levam a uma brutal desorganização econômica e social do país. Essa visão belicosa, no caso de uma pandemia, além de limitar, é seguramente ineficiente”.
Segundo o sanitarista, uma pandemia não representa um ataque inesperado de um agente inimigo da humanidade, como a tese da guerra sugere. “O processo de mutação dos vírus é uma atividade constante na natureza e o que faz com que esse vírus mutante alcance a população, sem proteção imunológica, são, além das mudanças na biologia do vírus, mudanças ambientais, no modo de vida das populações humanas, nas condições econômicas e sociais. Muito além, portanto, de um ataque insidioso provocado por um agente do mal a ser eliminado.” Muito provavelmente, o que está acontecendo em Manaus, e pode se repetir em outras cidades, é consequência de uma mutação genética do vírus da covid-19, que fez com que a doença se propagasse mais rapidamente e a subestimação da importância do distanciamento social e outros cuidados, como uso de máscaras.
A pandemia não é culpa de Pazuello, mas um fenômeno da natureza. Entretanto, deveria ter sido mitigada pelo Ministério da Saúde, enquanto a ciência busca respostas com vacinas, medicamentos, mais conhecimentos e tecnologias. O problema é que Pazuello não foi nomeado para o cargo de ministro da Saúde por seus conhecimentos em saúde pública, mas porque obedece cegamente ao presidente Jair Bolsonaro, um capitão que pauta sua atuação na Presidência pelo improviso e, no caso da pandemia, pelo negacionismo.
Aposta errada
Por ordem de Bolsonaro, Pazuello apostou no “tratamento precoce” à base de um coquetel cuja eficiência é contestada pelos epidemiologistas. No caso de Manaus, segundo depoimentos de intensivistas, a maioria dos mortos havia tomado hidroxicloroquina, azitromicina, zinco e vitamina D, além da ivermectina. O general foi a Manaus recomendar esse tratamento alternativo em massa, na expectativa de que isso contivesse a pandemia, em vez de dar a devida importância à escalada da doença, que provocou o colapso dos hospitais, a começar pela falta de oxigênio. Pesaram na sua avaliação a sua autossuficiência e ignorância em matéria de saúde pública.
A mentalidade bélica também cobra um preço na questão das vacinas. O tempo todo o governador de São Paulo, João Doria, foi tratado como inimigo por Bolsonaro, que demitiu Henrique Mandetta por ciúmes. O ex-ministro havia alcançado grande popularidade, ao liderar a luta contra a pandemia, e havia se encontrado com o governador paulista para discutir a colaboração entre os governos federal e estadual no enfrentamento da crise sanitária. À época, Bolsonaro considerava a covid-19 uma “gripezinha”, sabotava o distanciamento social e desacreditava a vacina, que ainda se recusa a tomar, com argumento de que foi imunizado pela doença, embora os casos de reinfecção estejam aumentando.
O resultado todo mundo sabe. A vacina do Butantan (CoronaVac) é a única disponível até agora. O governador João Doria começou a campanha de vacinação no domingo. Pazuello corre contra o prejuízo. As vacinas disponíveis — 6 milhões de doses, equivalentes à vacinação de 3 milhões de pessoas, a maioria profissionais de saúde — são insuficientes para imunizar a população. Além disso, tanto a produção da vacina do Butantan quanto a da Fiocruz precisam de insumos importados da China, dos quais somos tão dependentes como os chineses da nossa soja. Outro erro estratégico de Bolsonaro, nesta pandemia, foi falar mal da China. Pode nos custar muito mais caro do que se imagina.
Ricardo Noblat: Bolsonaro escolheu ser o coveiro dele mesmo
Doria fez barba, cabelo e bigode no presidente
Na medida em que se enfraquece, o presidente Jair Bolsonaro perde mais e mais o controle sobre os fatos produzidos ou não por seu governo. Dois episódios de ontem provam isso.
Os cinco diretores da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), nomeados por ele, anunciaram ao país que não existe tratamento preventivo contra a Covid-19.
Desmentiram Bolsonaro em transmissão nacional de rádio e de televisão. Até o ministro da Saúde, o general de peito estufado Eduardo Pazuello, também o fez com todo o cuidado do mundo.
Em São Paulo, o governador João Doria (PSDB) deu início à vacinação em massa, o que o Ministério da Saúde disse que só poderia acontecer depois de sua autorização.
Doria também reteve a cota paulista de doses da vacina fabricada pelo Butantan que o Ministério da Saúde esperava receber para em seguida devolver a São Paulo. Uma estupidez, por certo.
Foi um ato de rebeldia do governador que, ao ser acusado por Pazuello de promover um “golpe de marketing”, respondeu que há 11 meses Bolsonaro promove um “golpe de morte”.
O presidente da República vai fazer o quê? Processar Doria? Pressionar a Justiça para que mande prendê-lo por crime de desobediência civil? Se o fizer, perderá.
Vamos ao mantra adotado por 9 entre 10 estrelas da política: presidente pode muito, mas não tudo. Bolsonaro, por mais que diga o contrário aos berros, cada dia que passa manda menos.
A derrota que colheu com a aprovação emergencial das vacinas foi a maior derrota desde que acidentalmente se elegeu há dois anos e tomou posse da presidência sem estar preparado para isso.
Mais de 70% dos brasileiros queriam se vacinar. O percentual crescerá com o início da vacinação em massa. Bolsonaro sempre desacreditou a vacina e diz que não se vacinará.
Em todos os países onde começou, a vacinação foi festejada pelos chefes de Estado. Aqui, Bolsonaro não deu um pio. Desapareceu. Apareça, Bolsonaro! Livre-se do colete à prova de vacina. Não dói.
No passado, quando um time goleava o outro, dizia-se que fez dele barba, cabelo e bigode, lembrou o jornalista Ricardo Kotscho. Perfeito! Doria fez barba, cabelo e bigode em Bolsonaro.
O 7 x 1 da Alemanha sobre o Brasil na Copa do Mundo de 2014 é pouco para dar a verdadeira dimensão da surra que Bolsonaro levou de Doria. Outras surras virão em breve.
Os bolsonaristas e seus cúmplices construíram a falsa narrativa da invencibilidade de Bolsonaro, fizesse ele o que fizesse. E que ele se tornara de alguns meses para cá um presidente normal.
Jamais Bolsonaro será um presidente normal porque como ser humano jamais foi normal. Não pode ser normal quem defende a tortura, tem fixação em armas, detesta gays e sabota a vida.
Aturá-lo por mais dois anos será insuportável, mas talvez sirva para ensinar os brasileiros a votar melhor.
O Estado de S. Paulo: Pazuello autoriza vacinação; saiba quantas doses cada Estado irá receber
Vacinas serão transportadas para as capitais por aviões da Força Aérea Brasileira; distribuição para os municípios será de responsabilidade dos governos estaduais
Gonçalo Junior e Carla Menezes, O Estado de S.Paulo
O Ministério da Saúde vai iniciar a vacinação contra o coronavírus nesta segunda-feira, às 17h. A decisão foi divulgada no ato simbólico de recebimento dos imunizantes com os governadores de Estado nesta segunda-feira, 18, em evento no Centro de Distribuição Logística do Ministério da Saúde, localizado em Guarulhos (SP), nas proximidades do Aeroporto Internacional de Cumbica. A partir desse centro de distribuição, essas vacinas partirão para os Estados, que então iniciam as imunizações. Oficialmente, a vacinação começaria na terça-feira, 19, mas o ministro Eduardo Pazuello autorizou que os governadores iniciem a vacinação ainda nesta segunda.
"Depois de ouvir os governadores, chegamos à decisão de que estamos distribuindo hoje as vacinas aos Estados. A gente pode colocar a ideia de que hoje no final do expediente os Estados começarão a vacinar no município principal. Acho que a gente pode começar hoje no final do expediente", afirmou o ministro.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) já havia autorizado por unanimidade o uso emergencial das vacinas Coronavac e da Universidade de Oxford contra a covid-19. A campanha de vacinação será iniciada com a Coronavac, desenvolvida pelo Instituto Butantã em parceria com o laboratório chinês Sinovac. “Este é o marco inicial da vacinação ocontra o coronavírus no País”, afirmou Pazuello. “Hoje, nós distribuiremos todas as vacinas aos Estados”, completou.
Com o início oficial da vacinação nesta terça-feira, o governo federal antecipa em um dia o início da campanha nacional de imunização. O convite aos governadores para a entrega dos imunizantes foi feito depois de a primeira vacina ter sido dada em São Paulo pelo governador João Doria, neste domingo.
Governadores criticam vacinação antecipada em São Paulo
Governadores presentes à distribuição simbólica da vacina contra a Coronavac criticaram a iniciativa do governo paulista de iniciar a vacinação no domingo. A primeira vacinada do País foi a enfermeira Mônica Calazans, que trabalha no Hospital Emilio Ribas. “É um gesto que coloca os outros governadores em situação de segunda categoria. Um gesto que envolve a saúde pública não pode ser transformado em campanha eleitoral. A solidariedade precisa ser respeitada e não o foi ao se iniciar a campanha quando os outros governadores não tinham sequer vacina em seu Estado”, criticou o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM-GO).
O governador do Piauí, Wellington Dias (PT-PI), reforçou as críticas ao governo paulista. “Foi uma decisão ruim. O Programa Nacional de Imunização é um programa nacional, que envolve todos os Estados. Deveria haver igualdade entre todos”, afirmou.
A governadora do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra (PT), evitou comentar a aplicação da primeira dose em São Paulo. Por outro lado, ainda na reunião com os governadores, a chefe do Executivo estadual afirmou que "houve muito tumulto e descoordenação ao longo do período [pandemia]".
Governadores e seus vices de 19 Estados comparecerem ao ato simbólico de entrega das vacinas. Depois de participarem de uma reunião no Centro de Distribuição Logística do Ministério da Saúde, localizado em Guarulhos (SP), nas proximidades do Aeroporto Internacional de Cumbica, eles foram até a Base Aérea de Cumbica para acompanhar o embarque dos primeiros lotes das vacinas em uma avião da Força Aérea Brasileira (FAB). O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, informou que a aeronave se destinaria para Goiás e Teresina. Questionado sobre o início da vacinação em São Paulo, Pazuello desconversou. “Ontem é passado. Ontem é para historiador. Quero saber do futuro”.
O governador João Doria não participou do evento. Ele foi representado pelo vice-governador Rodrigo Garcia. "A vacinação em São Paulo já começou. Nesta segunda-feira, as vacinas começam a ser distribuídas para as cidade dos interior do Estado", afirmou Garcia.
Distribuição da vacina por Estado
A distribuição das doses disponíveis da vacina será feita com o apoio de aviões da FAB e das companhias aéreas Azul, Gol, Latam e Voepass. A distribuição, segundo o ministro, será feita para “pontos focais” já previamente definidos em cada Estado. Idosos que vivem em asilos, indígenas e profissionais de saúde da linha de frente são os primeiros a receber o imunizante. O Ministério da Saúde reservou 907,2 mil doses para os indígenas que vivem aldeados.
O País dispõe de 6 milhões de doses da Coronavac. O governo paulista pretende manter no Estado cerca de 1,4 milhão, um volume que não cobre as prioridades. Outras duas milhões de doses da vacina de Oxford/AstraZeneca, fabricada na Índia, estão com a compra acertada pelo ministério, mas ainda sem data para chegar ao Brasil. Além disso, o aval da Anvisa só vale para essas 8 milhões de doses, mas não para as demais a serem produzidas já no Brasil.
Veja a quantidade de doses que será distribuída
Região Norte - 296.520 doses
- Rondônia - 33.040
- Acre - 13.840
- Amazonas - 69.880
- Roraima - 10.360
- Pará - 124.560
- Amapá - 15.000
- Tocantins - 29.840
Região Nordeste - 1.200.560 doses
- Maranhão - 123.040
- Piauí - 61.160
- Ceará - 186.720
- Rio Grande do Norte - 82.440
- Paraíba - 92.960
- Pernambuco - 215.280
- Alagoas - 71.080
- Sergipe - 48.360
- Bahia - 319.520
Região Sudeste - 2.493.280 doses
- Minas Gerais - 561.120
- Espírito Santo - 95.440
- Rio de Janeiro - 487.520
- São Paulo - 1.349.200
Região Sul - 681.120 doses
- Paraná - 242.880
- Santa Catarina - 126.560
- Rio Grande do Sul - 311.680
Região Centro-Oeste - 415.880 doses
- Mato Grosso do Sul - 61.760
- Mato Grosso - 65.760
- Goiás - 182.400
- Distrito Federal - 105.960
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Luiz Carlos Azedo: Pra chamar de nossas
Há uma revolução na produção de vacinas. Essa é a notícia boa. A notícia ruim é o que está acontecendo em Manaus, onde o SUS entrou em colapso por falta de oxigênio
A guerra das vacinas entre o presidente Jair Bolsonaro e o governador João Doria é como um copo pela metade: de um lado, gera muita desinformação sobre imunização da população; de outro, promove uma corrida para ver quem vai vacinar primeiro. Entretanto, vamos tratar das vacinas que estão sendo produzidas no Brasil, tanto pelo Instituto Butantan quanto pela Fiocruz, que são as que vão resolver o nosso problema. A Sociedade Brasileira de Imunologia (SBI) divulgou nota na qual esclareceu que os estudos realizados para testagem de diferentes imunizantes utilizaram critérios distintos.
Por exemplo, no estudo da americana Moderna, foram considerados dois sintomas de um grupo formado por febre, arrepios, dor no corpo, dor de cabeça, dor de garganta, perda de olfato ou paladar com diagnóstico viral confirmado ou um sintoma grave, como falta de ar, tosse, diagnóstico radiológico como casos de covid-19. Ou seja, dois sintomas leves ou um sintoma grave. No estudo da AstraZeneca (Oxford), um sintoma do grupo formado por febre, tosse, falta de ar, perda de olfato ou paladar; ou seja, a maioria sintomas leves, mais um grave (falta de ar), para fechar o diagnóstico.
No estudo do Instituto Butantan, foram considerados casos com qualquer um dos sintomas leves, mais sintomas não incluídos por outros estudos: náusea, vômito e diarreia. Em consequência, esse estudo abriu margem para detecção de mais casos por diagnóstico molecular, que, nos demais estudos, provavelmente, não foram detectados — por não serem considerados sintomáticos. Além disso, focou nos graus de gravidade da doença sugeridos pela Organização Mundial da Saúde (OMS), ao contrário dos demais.
A diferença de parâmetros parece maluquice, mas é um reflexo do avanços da ciência em busca da vacina. Na verdade, as tecnologias também são diferentes e não existe uma padronização para os estudos da fase III, embora a Food and Drug Administration (FDA), dos Estados Unidos, e a nossa SBI recomendem isso. Por exemplo, enquanto a CoronaVac utiliza os métodos tradicionais de produção de vacina, os imunizantes da Oxford e a Sputnik V, por meio de engenharia genética, usaram os adenovírus como “meio de transporte” de genes codificando a proteína S do novo coronavírus (Sars-CoV- 2). Uma vez inoculado, o adenovírus com o gene do coronavírus induz uma resposta imunológica no corpo humano.
Segunda onda
As vacinas BioNTech/Pfizer e Moderna, que já estão sendo aplicadas nos Estados Unidos, também resultam de uma abordagem revolucionária, aplicável a quaisquer vacinas futuras: um vírus é sequenciado, recebe uma parte inofensiva em mRNA, corrigido de modo a não ser imuno-rejeitado, que garante a imunização. Há uma revolução na produção de vacinas. Essa é a notícia boa.
A notícia ruim é o que está acontecendo em Manaus, onde o SUS entrou em colapso por falta de oxigênio, tragédia que pode se reproduzir em outros estados onde a segunda onda já chegou. Não foi à toa que o Reino Unido fechou suas fronteiras para passageiros oriundos do nosso país e de nossos vizinhos. A existência de uma variante brasileira do vírus, confirmada em Manaus, é ainda mais ameaçadora porque os anticorpos de quem já teve a doença, segundo recente pesquisa, garantem imunidade por um período de cinco a seis meses, o que explica o aumento de casos de reinfecção.
O ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, corre para conseguir uma vacina para o presidente Jair Bolsonaro chamar de sua, no caso, a vacina da Oxford produzida na Índia. Ao mesmo tempo, faz suspense sobre a aprovação da CoronaVac. Não estamos, porém, numa guerra civil, como a Revolução Constitucionalista de 1932, estamos numa pandemia. Segundo a SBI, os números totais dos estudos das vacinas da Fiocruz (Oxford) e da vacina do Instituto Butantan (CoronaVac) são muito semelhantes. Entretanto, a vacina da Fiocruz foi testada na população geral, e a do Instituto Butantan, em profissionais de saúde atendendo pacientes da covid-19. O que o estudo do Instituto Butantan diz é que houve redução em 50% de qualquer sintoma na população de profissionais da saúde; e o da Oxford, em 62% de toda a população. Em ambos os casos, o mais importante é que evitam internações e mortes, desde que haja, realmente, vacinação em massa.
Luiz Carlos Azedo: Muitas tensões à vista
O Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso foram amortecedores dos conflitos gerados pela mentalidade castrense e centralizadora que predomina no Palácio do Planalto
O ano de 2021 começa com sinais fortes de que será marcado por muitas tensões políticas e poucas entregas do governo Jair Bolsonaro. Dois episódios apontam nessa direção: um é a guerra das vacinas, na qual o governo federal, por meio de medida provisória, tentou requisitar vacinas, seringas e agulhas já adquiridas pelos estados para viabilizar a campanha nacional de vacinação; o outro, o jogo bruto do Palácio do Planalto para eleger os presidentes da Câmara e do Senado, com apoio ostensivo, a base de liberação de verbas e loteamento de cargos, ao deputado Arthur Lira (PP-AL), e ao senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), respectivamente. Vamos por partes:
A medida provisória que pongava vacinas, seringas e agulhas dos estados foi uma saída do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, para resolver um problema criado por sua própria equipe: a não-aquisição dos insumos básicos para a campanha nacional da vacinação em tempo hábil e a aposta numa única vacina, a de Oxford, que será produzida pela Fiocruz. São tarefas que as equipes do Ministério da Saúde, em todos os governos, e todos os ministros que o antecederam, tiravam de letra, porque havia expertise de gestão no setor para vacinar até 10 milhões de pessoas por dia. Essas equipes foram desmanteladas e substituídas por militares arrogantes e inexperientes, a começar pelo secretário-executivo da pasta, aquele que anda com uma faca ensangüentada na lapela, o broche de ex-integrante de unidade de operações especiais do Exército.
O papel de Robin Hood ensaiado pelo general Pazuello — tirar dos estados com vacinas para dar aos sem vacinas — foi frustrado por decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski, que proibiu a requisição das vacinas, seringas e agulhas já adquiridas por alguns governos estaduais e prefeituras, entre os quais o de São Paulo. Por ironia, a vacina produzida pelo Instituto Butantan, em parceria com os chineses, a CoronaVac, que o presidente Jair Bolsonaro tentou desacreditar, acabou sendo comprada pelo Ministério da Saúde. São 100 milhões de doses que salvarão o governo federal do vexame de não ter como começar a vacinar imediatamente a população.
O episódio promete ter um final feliz, mas merece uma reflexão mais profunda sobre a natureza do governo Bolsonaro e a relação que pretende manter com os demais entes federados, a imprensa e a sociedade. Primeiro, adota os métodos da caserna em atividades civis, o que não tem chance de dar certo. Segundo, não compreende a natureza democrática do Estado brasileiro, regido pela Constituição de 1988, que é federativo e ampliado, ou seja, garante a independência dos demais poderes, a autonomia de estados e municípios, os direitos dos cidadãos e presta contas aos órgãos de controle e à sociedade. O Ministério da Saúde, muito mais do que o vértice, é o centro do Sistema Único de Saúde (SUS), que tem uma gestão compartilhada horizontalmente com os demais entes federados e outros órgãos e autarquias, e não uma cadeia de comando vertical e militarizada, ou seja, trabalha na base da coordenação e cooperação. O ministro da Saúde precisa fazer a sua parte e liderar; se achar que manda em tudo, vira rainha da Inglaterra.
Congresso
Em maior ou menor grau, esse tipo de conflito se manifesta em todas as áreas e de todas as formas — inclusive nas Forças Armadas —, e tende a aumentar no decorrer desse ano, em razão das crises sanitária e econômica, além da generalizada baixa performance administrativa. Até agora, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso têm funcionado como amortecedores dos conflitos gerados pela mentalidade castrense e centralizadora que predomina no Palácio do Planalto. No ano passado, o Supremo foi fundamental para barrar os arroubos autoritários do presidente Bolsonaro; o Congresso foi decisivo para aprovação da reforma da Previdência, sem a qual o governo já teria se inviabilizado, e para as medidas emergenciais adotadas durante a pandemia, entre as quais o auxílio emergencial, do qual o presidente Bolsonaro foi o grande beneficiário político.
Entretanto, o Congresso também foi uma barreira à agenda regressiva nos costumes e às medidas que atropelavam ou abduziam prerrogativas de estados e municípios, ampliando a centralização administrativa, política e financeira da vida nacional por parte da União. Esse é o centro do embate em curso nas disputas pelo comando da Câmara e do Senado. No primeiro caso, o líder do PP, Arthur Lira (AL), apoiado abertamente pelo Palácio do Planalto, foi o grande artífice da reestruturação da base parlamentar do governo, qualificando-se como aliado principal de Bolsonaro por ter reunido votos suficientes para barrar qualquer proposta de impeachment do presidente da República.
Sua eleição pode garantir ao presidente Bolsonaro, com apoio do chamado Centrão, passar da defensiva à ofensiva, implementando propostas que visam aumentar o poder do Executivo em relação aos demais poderes, estados e municípios, além de restringir direitos das minorias, razão da unidade que se formou entre as forças de oposição — PT, PDT, PSB e Rede — e o bloco articulado por Rodrigo Maia (DEM-RJ) — MDB, DEM, PSDB, CIDADANIA, PV e PSL —, para eleger o deputado Baleia Rossi (MDB-SP) e garantir a independência da Câmara.
É uma disputa dura, que pode ser levada para o segundo turno devido a existência das candidaturas avulsas do deputado Fábio Ramalho (MDB-MG) e do Capitão Augusto (PL-SP), que trafegam no baixo clero e na antiga base ideológica de Bolsonaro, respectivamente. No Senado, a situação é esquizofrênica: Bolsonaro desprezou os líderes do governo na Casa, Fernando Bezerra (MDB-PE), e no Congresso, Eduardo Gomes (MDB-TO), para apoiar o candidato de Davi Alcolumbre, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que sempre dialogou com esquerda mineira. Com isso, porém, pode ter catapultado a candidatura do líder do MDB, Eduardo Braga (AM), também com amplo trânsito na oposição.
O que mostra a eleição de Bruno Covas em São Paulo? Paulo Fábio Dantas Neto explica
Em artigo na revista da FAP de dezembro, professor da UFBA analisa relação do resultado das urnas com governador João Doria
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
O doutor em ciência política e professor da UFBA (Universidade Federal da Bahia) Paulo Fábio Dantas Neto diz que há duas versões acerca do desfecho do segundo turno das eleições de 2020 na capital paulista. Em artigo que publicou na revista Política Democrática Online de dezembro, ele cita que a primeira mostra que a reeleição do prefeito Bruno Covas foi uma vitória do governador João Doria e a segunda aponta à possibilidade de o PSDB paulista adotar perspectiva mais ao centro e mais nacional.
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Todos os conteúdos da publicação mensal, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), são disponibilizados, gratuitamente, no site da entidade. Na primeira hipótese, segundo ele, poderia se estimular uma aliança entre PSDB, DEM e MDB, com posição determinante do primeiro. Na segunda, acrescenta, o objetivo seria superar dificuldades de trânsito de Doria, fora da centro-direita.
Na avaliação de Dantas Neto, o peso de São Paulo nas análises encobre movimentos de fortalecimento de outro tipo de centro moderado em Fortaleza, Recife, Rio e Porto Alegre, convergentes com o ocorrido, no primeiro turno, em Salvador. “Nessas cinco cidades, DEM, PSDB, MDB e Cidadania estiveram juntos com o PDT e/ou o PSB, no primeiro e/ou no segundo turno. Em todas, venceram”, afirma. “Em Fortaleza, a aliança chegou a englobar, no segundo turno, o PT. Nessas cidades, com diversas peculiaridades óbvias, há um desenho comum, diverso daquele que São Paulo sugeriu”, acrescenta.
Dessa bifurcação surge uma outra questão, de acordo com o autor do artigo, que foi vereador em Salvador (1983-1988), deputado estadual (1989) e secretário municipal de Educação (1994). “Saber se esses movimentos apontam a um tipo de centro moderado que pode atrair São Paulo, em vez de gravitar em torno do contencioso paulista e do PSDB. Sinalizam a chance de uma frente ainda no primeiro turno, situada, de fato, ao centro, aproximando setores da centro-direita e da centro-esquerda”, acrescenta.
Isso, segundo ele, pede uma candidatura capaz de dialogar embaixo e partidos que tenham papel aglutinador. “Do nome, ainda estão longe”, afirma o professor da UFBA. “Quanto a partidos, é preciso conversar a sério sobre o DEM. Ele é tão central para essa rota Brasil-São Paulo como o PSDB e Boulos são para a rota São Paulo-Brasil. Para observá-lo, é preciso uma filmadora que capte seu movimento da centro direita ao centro, não flashs que o flagrem como um ator com ‘essência’ de centro-direita”, diz.
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Merval Pereira: Sem noção
O ditado latino “Os deuses primeiro enlouquecem aqueles a quem querem destruir” é a melhor explicação para o que acontece entre nós nos dias recentes. A começar pela festa de Neymar para 500 (150?) convidados no réveillon em Mangaratiba. Um estudo publicado no Journal of the American Association for the Advancement of Science no início deste mês, analisado no LinkedIn pelo economista e especialista em risco Paulo Dalla Nora Macedo, mostra que uma reunião internacional de 175 executivos da farmacêutica Biogen nos dias 26 e 27 de fevereiro em Boston foi responsável por nada menos que uma média de 245 mil casos de coronavírus confirmados nos Estados Unidos.
Este é um dos maiores estudos de como o coronavírus se espalha no decorrer do tempo, baseado no rastreamento dos casos e suas cepas genéticas únicas. O potencial de disseminação da doença aumenta no momento em que os índices de infecção e mortalidade estão em alta no Brasil. Teria condições de fazer essa festa na França? O insucesso subiu à cabeça de Neymar.
O conceito grego da húbris está ligado a essa falta de comedimento de figuras públicas brasileiras. A confiança excessiva leva, por exemplo, o presidente Bolsonaro a ter a língua solta, afirmando que não “dá bola" para pressões, mesmo que sejam pela vida dos brasileiros que, ao contrário de cerca de habitantes de 40 países, não têm a mínima ideia de quando poderão ser vacinados.
Como se estivesse numa negociação comercial, diz que o Brasil é “um mercado enorme” e, por isso, os laboratórios é que deveriam se antecipar ao pedido de registro na Anvisa. Mercado de vidas ? Quem deveria se antecipar não era o governo, como fizeram inúmeros deles ao redor do mundo, reservando as doses de vacinas necessárias à imunização de seus cidadãos?
Ao que tudo indica, os deuses já enlouqueceram Bolsonaro, que pode estar a caminho da destruição por pensamentos, palavras e obras. Para sorte dele, seu mais ostensivo adversário na eleição presidencial de 2022, o governador de São Paulo João Dória perdeu o senso depois de ter lidado muito bem com a vacina Coronavac, que está sendo produzida no Instituto Butantan com material da fábrica chinesa Sinovac.
Colocando-se como contraponto a um tresloucado Bolsonaro, que acha que ser macho é enfrentar a morte como se pudéssemos vencê-la sem a ajuda da vacina, o governador de São Paulo, apesar de abusar às vezes da politicagem, parecia ser a imposição do bom-senso no debate da vacina.
Até que, tendo vencido a eleição para a prefeitura de São Paulo com o candidato do PSDB Bruno Covas, resolveu que poderia tirar férias em Miami, ao mesmo tempo em que decretou a bandeira vermelha no estado que dirige. Mesmo que tenha voltado 24 horas depois, devido a seu vice ter sido infectado pela COVID-19, e tenha pedido desculpas públicas, ficou a imagem que o acompanhará até a eleição presidencial: a arrogância, a autoconfiança em excesso, de quem se considera acima dos demais.
A dificuldade que Dória claramente tem em entrar no nordeste, que poderia ter começado a ser superada com as doses de vacina que vários prefeitos e governadores da região querem, será aumentada com o apelido que Bolsonaro lhe pespegou: “calcinha apertada” ou “calça encravada”. São daqueles apelidos que políticos populistas como Bolsonaro sabem que pegam no povo, especialmente no lumpesinato, que o levou ao máximo de sua popularidade com o auxílio emergencial.
São Paulo, que é a principal base dos tucanos há anos, pode levar um candidato a presidente a ter uma diferença de quase 7 milhões de votos a favor, como aconteceu com o mineiro Aécio Neves em 2014. Mas pode também derrotá-lo se o domínio partidário de três décadas não se refletir em votos.
A campanha vencedora de Bruno Covas teve que esconder Dória porque ele não é bem visto na capital. Agora, talvez o próprio Covas, e Doria por tabela, sofram com outras medidas impopulares adotadas logo após a vitória, com a convicção de quem pode tudo: o aumento de seu salário em 47%, e o fim da passagem gratuita para idosos até 60 anos.
Outras seis capitais aumentaram o salário dos novos prefeitos, o que não justifica a falta de noção de Bruno Covas. No Rio, o prefeito Eduardo Paes receberia um aumento de 72% proposto pelo vereador Cesar Maia. A reação foi tão grande que a proposta foi retirada. Além do mais, a legislação municipal restringe o salário do prefeito a 81,2% do teto constitucional. Os deuses estão tendo muito trabalho no Brasil ultimamente. E os tribunais superiores ainda pedem prioridade para a vacinação.
Merval Pereira: Machismo degradante
Há muito tempo não via uma cena tão degradante quanto a que mostra o deputado Fernando Cury, da Assembleia Legislativa de São Paulo apalpando acintosamente sua colega Isa Penna em frente à mesa diretora da Casa. Não se trata nem mesmo de uma questão de tendência política, pois o deputado-cafajeste era do Cidadania, um partido da esquerda moderna que, por ser uma agremiação que zela pela democracia e pelos direitos femininos, o expulsou de suas hostes.
Cury abraçou sua colega por trás e apalpou seus seios, tendo sido repudiado duas vezes, sem que se veja no vídeo nenhum tipo de atitude tomada pelo deputado que presidia a sessão naquele momento, à frente de quem a cena ultrajante ocorreu. A deputada Isa Penna diz que ele estava bêbado quando se aproximou, e é possível que estivesse, porque somente fora de si poderia ter protagonizado, no plenário da Assembleia, uma cena tão nojenta.
Quando está longe de todos, do que será capaz esse sujeito? Há um detalhe no vídeo que é bastante sintomático. Um deputado de terno cinza tenta pará-lo quando Cury se dirige à mesa onde já estava a deputada. Esse deputado sabia exatamente o que seu colega intencionava fazer, provavelmente porque o avisou antes, jactando-se do que faria.
O fato é daqueles que dão vergonha alheia a todo homem que não se acha com o direito de assediar uma mulher simplesmente por ser do sexo masculino. Essa masculinidade tóxica faz com que a cada fato desses mais seja demonstrada a necessidade da punição rigorosa dos abusos sexuais, sem o quê o Brasil continuará sendo terra de trogloditas onde um comportamento regressivo, animalesco, tem permissão de existir.
A maior prova disso é que nada menos que dez parlamentares foram ao gabinete do deputado assediador prestar-lhe solidariedade, não se sabe bem a troco de que. A deputada Isa Penna já fora chamada de “vadia”, “vagabunda” e “terrorista” quando era vereadora, pois o ambiente parlamentar no Brasil, de maneira geral, é daqueles dominados por homens brancos heteros, cuja maioria ainda vive séculos de atraso mental.
A tal ponto que a obrigatoriedade legal de dar espaços às mulheres candidatas transformou-se em fonte para falcatruas no financiamento eleitoral. Mulheres não representativas e sem chance alguma de serem eleitas são escolhidas apenas para serem usadas como “laranjas” para o uso do fundo eleitoral. Transformam as mulheres, e transformarão outras minorias, em meros instrumentos de trambiques com o dinheiro público, sem nenhum interesse em diversidade na representação partidária.
O machismo é fato tão banal que o atual presidente Jair Bolsonaro foi capaz de agredir a deputada sua colega Maria do Rosario, verbalmente, afirmando que não a estupraria porque ela não merecia, e não sofreu nenhuma punição.
Outro desdobramento dessa praga brasileira revelou-se no julgamento de uma mulher agredida pelo marido em mais um episódio de violência doméstica tão comum na nossa sociedade. Tão relevante quanto a gravidade do episódio em si é o fato de o caso ter sido denunciado pelo site Papo de Mãe, da jornalista Mariana Kotscho, mais uma expressão da atuação feminina no combate ao machismo estruturando sociedade brasileira.
Um juiz da Vara de Sucessões de São Paulo, cujo nome não foi revelado por o caso estar em segredo de Justiça, fez comentários escabrosos durante uma audiência, sempre de caráter machista, indicando qual seria sua tendência na decisão: “Vamos devagar com o andor que o santo é de barro. Se tem lei Maria da Penha contra a mãe, eu não tô nem aí. Uma coisa eu aprendi na vida de juiz: ninguém agride ninguém de graça”, afirmou.
O juiz desmereceu a lei e criticou a mulher por registrar boletins de ocorrência contra o ex-marido, ameaçando-a com a perda da guarda dos filhos: “Ficar fazendo muito B.O. depõe muito contra quem faz. (...) “Qualquer coisinha vira lei Maria da Penha. É muito chato também, entende? Depõe muito contra quem…eu já tirei guarda de mãe, e sem o menor constrangimento, que cerceou acesso de pai. Já tirei e posso fazer de novo”.
A audiência foi gravada em vídeo, que está exibido no site Papo de Mãe para quem quiser constatar como o machismo arraigado na nossa sociedade faz com que juízes e deputados se sintam em condições de cometer absurdos, certos da impunidade.
RPD || Rodrigo Augusto Prando: A politização da vacina e o Bolsonarismo
Alheio às mais de 177 mil mortes por conta da pandemia e já em campo pela reeleição em 2022, Jair Bolsonaro politiza uma questão eminentemente de saúde pública em uma disputa com o Governador João Doria, seu concorrente direto
Provavelmente, o ano de 2020 seja palco não apenas de cenas dramáticas de uma pandemia que levou à enfermidade e à morte milhares de pessoas, mas, também, de uma das maiores evoluções no campo da ciência ao se permitir uma vacina em menos de um ano. Em 08/12/2020, na Inglaterra, foi iniciada a imunização de sua população. E nós, brasileiros, como estamos?
Em nosso país, houve uma conjugação de crises. Crise sanitária, advinda do coronavírus; crise econômica, consequência direta da pandemia; crise política e de liderança, cujo fulcro está nas ações e discursos de Jair Bolsonaro e dos bolsonaristas. Já sabíamos, desde os idos de 2018, que o então deputado Jair Bolsonaro trilhava o caminho sinuoso das redes sociais, especialmente, alicerçado sobre clima de ódio, medo e rejeição – todos característicos da eleição de 2018 – mas, ainda, seguia lépido e à vontade junto às fake news, negacionismos, pós-verdade e teorias da conspiração. Bolsonaro foi eleito, mas não governou nesta primeira metade do mandato.
Situação, provavelmente, inédita de um presidente que, por dois anos, confronta as instituições da democracia, os atores políticos e a própria sociedade e que, nos próximos dois anos, buscará sua reeleição. No bojo de seu presidencialismo de confrontação, Bolsonaro e os bolsonaristas foram, como todos nós, jogados numa situação pandêmica que suspendeu a normalidade de nossas vidas cotidianas. Estamos, todos (ou quase), em compasso de espera pela vacina capaz de nos imunizar, já que não há tratamento comprovadamente eficaz para os quadros mais graves da Covid-19. Desafortunadamente, a pandemia encontrou um presidente sem liderança, um governo que não governa e uma sociedade fraturada politicamente, quase em estado de anomia.
A ciência, os especialistas, os intelectuais públicos, os jornalistas e a Política foram, nestes tempos de bolsonarismo, atacados e, inicialmente, muitos atribuíam às declarações de Bolsonaro uma perspectiva anedótica, caótica. Em Os engenheiros do caos (2019), Giuliano Da Empoli, asseverou que: “No mundo de Donald Trump, de Boris Johnson e de Jair Bolsonaro, cada novo dia nasce com uma gafe, uma polêmica, a eclosão de um escândalo. Mal se está comentando um evento, e esse já é eclipsado por outro, numa espiral infinita que catalisa a atenção e satura a cena midiática” (p.18). Segundo o autor, esse carnaval populista não é desprovido de método e tem, nos bastidores, os “engenheiros do caos”, cientistas especializados em Big Data, ideólogos e consultores políticos que sabem – e muito bem – o porquê de tensionar as regras da democracia e desacreditar a ciência e o jornalismo profissional.
O Brasil, com cerca de 177 mil mortos, como outros países, aguarda, em compasso de espera, uma vacina ou várias capazes de nos devolver à normalidade. O governo federal abençoa a parceria da Fiocruz com a Universidade de Oxford e o Laboratório AstraZeneca, mas ainda não estendeu apoio ao Estado de São Paulo, cujo Instituto Butantan vem desenvolvendo junto com laboratório chinês Sinovac a Coronavac. Uma questão eminentemente de saúde pública está sendo politizada no altar da disputa política que o Presidente Bolsonaro, já em campo pela reeleição em 2022, vem travando com o Governador João Doria, seu concorrente direto.
Doria acaba de desfechar golpe maquiavélico no Chefe de Estado. Anunciou que, a partir de 25 de janeiro próximo, São Paulo começará a vacinar profissionais da saúde, indígenas, quilombolas e todos aqueles, residentes ou não no Estado, demandaram as dezenas de postos de saúde especialmente montados para atender aos brasileiros. Quanto à autorização da Anvisa, o governador informa que, já este mês – dia 15, mencionou – passará à agência toda as informações e os protocolos necessários para assegurar que, no espaço de 40 dias, a autorização para a vacinação seja concedida, a não ser que haja obstrução política, vale dizer, do Planalto.
O cenário que se desenha é bem promissor para o Estado de São Paulo A vacina Fiocruz/Oxford apresentou problemas em seus testes, especificamente no que tange às doses aplicadas nos voluntários, e isto demandará mais estudos, atrasando a conclusão dos testes. Além disso, a produção desta vacina, segundo noticiado, dependerá da construção de uma fábrica, ou seja, de mais recursos financeiros do governo federal. Tal fato demonstra que os investimentos e a logística envolvidos não permitirão que vacinas estejam disponíveis em curto prazo, como a Coronavac em São Paulo. Governadores e prefeitos – há muito descrentes de qualquer liderança presidencial – já se articulam junto ao Butantan e ao Governo de São Paulo para garantir acesso à “vacina do Doria”.
Não se descartam atos extremados, como a judicialização do tema via Supremo Tribunal Federal, com vistas a forçar o governo federal, em última instância, Bolsonaro, a adotar a Coronavac para todo o país.
O cenário em tela será, por anos, capaz de gerar estudos de caso sobre a liderança (ou falta de) na condução do combate à pandemia, estudos que, banhados em ironia, se poderão enriquecer com a leitura de Maquiavel e suas reflexões em O Príncipe.
*Professor e Pesquisador da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Graduado em Ciências Sociais, Mestre e Doutor em Sociologia, pela Unesp.
RPD || Paulo Fábio Dantas Neto: Em busca de um centro - Uma eleição e dois scripts
Eleições municipais mostraram que, para vencer Bolsonaro no pleito de 2022, será necessário uma candidatura capaz de dialogar embaixo e partidos que tenham papel aglutinador
Lemos e ouvimos sempre que eleições municipais têm lógica diferente de eleições para Executivos nacional e estaduais. Fenômenos comuns a 2016 e 2018 arranharam um pouco essa convicção. O sucesso do discurso anti-política, a força da onda lavajatista, o antipetismo como coalizão de veto e por aí vai, tudo isso se desdobrou e radicalizou entre 2016 e 2018. Agora, um ponto em discussão é em que medida 2020 reverteu 2016. Deve-se considerar o insucesso eleitoral dos discursos de polarização ideológica, da “nova política” como antipolítica, a menor relevância nas urnas do tema da segurança e a pouco peso do da corrupção. Também que o eleitorado valorizou eficácia nas gestões municipais, fator cuja importância foi potencializada pelo contexto da pandemia.
Mas não se pode excluir da análise importante elemento de continuidade entre 2016 e 2020: o fortalecimento eleitoral da chamada centro-direita, em sua diversidade. Aqui cabe distinguir uma centro-direita pragmática que recebe o apelido, muitas vezes impróprio, de centrão, e aquela que há tempos tem o DEM como sua expressão programática, postura que manteve esse partido, por mais de uma década, na oposição.
Da análise desses fatores depende a resposta à seguinte questão: a reversão que tenha havido, em 2020, do “espírito” de 2016 restabelecerá o antigo grau de autonomia de eleições municipais, deixando supor que 2022, apesar da sinalização contrária de 2020, possa reiterar o quadro inóspito de 2018 ou o padrão de desconexão que vigorou dos anos 90 até 2016-2018 seguirá sendo violado, tornando 2020 capaz de prenunciar 2022 como 2016 prenunciou 2018?
Analiticamente, é possível admitir as duas hipóteses. Politicamente, é interessante ver como reforçar a segunda. Uso aqui a chave toquevilleana que abre possibilidades a escolhas políticas, em condições gerais postas por um processo que os atores não controlam. Mas reforçar qual script de 2020? Há mais de um a delinear um realinhamento de forças. Uma bifurcação liga-se a diferenças persistentes de idioma entre a política de São Paulo e do resto do país.
Há duas versões acerca do desfecho do segundo turno das recentes eleições na capital paulista. A primeira, que a reeleição de Bruno Covas foi uma vitória do governador João Dória, o que estimularia uma aliança entre PSDB, DEM e MDB, com posição determinante do primeiro. Ela estaria em dupla polarização com o bolsonarismo e uma esquerda unida que teria encontrado em Boulos uma nova rota de navegação. A segunda versão é que Covas venceu apesar de Doria e que sua vitória pessoal aponta à possibilidade de o PSDB paulista adotar perspectiva mais ao centro e mais nacional, para superar dificuldades de trânsito de Doria, fora da centro-direita.
O peso de São Paulo nas análises encobre movimentos de fortalecimento de outro tipo de centro moderado em Fortaleza, Recife, Rio e Porto Alegre, convergentes com o ocorrido, no primeiro turno, em Salvador. Nessas cinco cidades, DEM, PSDB, MDB e Cidadania estiveram juntos com o PDT e/ou o PSB, no primeiro e/ou no segundo turno. Em todas, venceram. Em Fortaleza a aliança chegou a englobar, no segundo turno, o PT. Nessas cidades, com diversas peculiaridades óbvias, há um desenho comum, diverso daquele que São Paulo sugeriu.
Dessa bifurcação surge uma outra questão: saber se esses movimentos apontam a um tipo de centro moderado que pode atrair São Paulo, em vez de gravitar em torno do contencioso paulista e do PSDB. Sinalizam a chance de uma frente ainda no primeiro turno, situada, de fato, ao centro, aproximando setores da centro-direita e da centro-esquerda. Isso pede uma candidatura capaz de dialogar embaixo e partidos que tenham papel aglutinador. Do nome, ainda estão longe. Quanto a partidos, é preciso conversar a sério sobre o DEM. Ele é tão central para essa rota Brasil-São Paulo como o PSDB e Boulos são para a rota São Paulo-Brasil. Para observá-lo, é preciso uma filmadora que capte seu movimento da centro direita ao centro, não flashs que o flagrem como um ator com “essência” de centro-direita.
Essas cogitações sugerem balizas para um agir baseado no que aí está: governo relativamente enfraquecido e Presidente relativamente popular. Muito pode mudar se presidente e governo desabarem juntos numa crise econômica e social ou se, por oposto, o capitão surpreender e vier a ser também presidente. É incerteza intrínseca ao processo. Convém as oposições terem pés no chão, para lidar com o que há e olhos abertos para o que pode vir.
*Doutor em Ciência Política, bacharel em Ciências Econômicas e mestre em Administração. É professor da FFFCH/UFBA, onde atua como docente no Departamento de Ciência Política e no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais e, como pesquisador, no Centro de Recursos Humanos (CRH). Foi Vereador em Salvador (1983-1988), deputado estadual (1989) e secretário municipal de Educação (1994).
Luiz Carlos Azedo: O vírus não brinca
O negacionismo de Bolsonaro funciona como sabotagem aos esforços governamentais para conter a pandemia, inclusive os do Ministério da Saúde, cada vez mais enrolado na própria burocracia
Não há sanitarista no Brasil que não tenha estudado o caso da epidemia de meningite ocorrida durante a década de 1970, em pleno regime militar, bem como a campanha de vacinação que controlou a doença. A epidemia começou em Santo Amaro, na Grande São Paulo, causando 2.500 mortes na capital paulista. Mesmo com a incidência de casos saltando a cada ano, e com mortalidade oscilando de 12% a 14% dos doentes, o regime militar escondia os números da população e negava a existência de epidemia, estabelecendo censura prévia aos veículos de comunicação para que não divulgassem o que estava ocorrendo. Médicos e sanitaristas não podiam dar entrevistas.
Só a partir de 1974, quando a doença já grassava em áreas centrais de São Paulo, e não havia mais como negar a situação, com hospitais em colapso, os generais começaram a reconhecer o problema. Na época, o Brasil vivia o chamado “milagre econômico” e os militares temiam que a divulgação da epidemia gerasse pânico na população e prejudicasse as atividades econômicas.
Enquanto a meningite matava moradores da periferia, conseguiram abafar o assunto, mas, quando a epidemia atingiu bairros nobres de São Paulo, as autoridades foram obrigadas a admitir que havia uma crise de saúde. O estrago já estava feito. A incidência em São Paulo subiu de 2,16 casos por 100 mil habitantes, em 1970, para 5,90 casos em 1971. Em 1972, chegou a 15,64 diagnósticos por 100 mil habitantes e, em 1973, atingiu os 29,38 casos por 100 mil habitantes. A partir de 1974, houve uma explosão, motivada pela circulação do meningococo A, gerando uma sobreposição de surtos. Em 1974, a taxa de meningite chegou a 179,71 casos por 100 mil habitantes.
Com a curva de casos em ascensão sobre áreas centrais do Sudeste e em Brasília, não havia mais como impedir o fluxo da informação. Em março de 1974, o general Ernesto Geisel assumiu o poder e reconheceu a existência do problema, criando a Comissão Nacional de Controle de Meningite, que importou milhões de doses da vacina. Somente em 1977, porém, a epidemia foi controlada. Havia se expandido de tal forma que a campanha de vacinação teve de atingir 97% dos municípios brasileiros. Se os nossos sanitaristas aprenderam com a epidemia de meningite, parece que os militares no Ministério da Saúde esqueceram completamente a experiência do passado, com a diferença de que, agora, vivemos numa democracia e eles não têm mais como evitar a revelação dos fatos e a discussão dos problemas.
Perde perde
Não dá mais para escamotear: estamos numa segunda onda da epidemia do novo coronavírus. O Brasil registrou, nas últimas 24 horas, 433 mortes e 25.193 novos casos da covid-19; o número de vítimas fatais da doença no país subiu para 181.835, e o total de casos confirmados aumentou para 6.927.145. A única maneira de evitar uma tragédia maior do que a da primeira onda é manter a política de distanciamento social e promover a vacinação em massa da população. O vírus não está para brincadeira, a segunda onda já atinge 18 estados e o Distrito Federal.
Entretanto, o presidente Jair Bolsonaro e o governador de São Paulo, João Dória, se digladiam. É um jogo de perde-perde. O primeiro dispõe de recursos para vacinar a população, mas não dispõe ainda de uma vacina, pois a de Oxford, já comprada pelo governo brasileiro, não está pronta, e a da Pfizer, que havia sido oferecida e fora desprezada, não está disponível, embora o governo federal agora queira comprá-la. O segundo tem a vacina chinesa CoronaVac, produzida pelo Instituto Butantan, mas precisa ainda de aprovação da Anvisa, que negaceia os prazos e tenta mudar as regras do jogo.
Em algum momento, a realidade falará mais alto. Com a velocidade com que a segunda onda está se propagando, será inevitável a adoção de novas medidas de distanciamento social, para evitar o colapso do sistema hospitalar. O reiterado negacionismo de Bolsonaro, porém, funciona como uma espécie de sabotagem aos esforços governamentais para conter a pandemia, inclusive os do próprio Ministério da Saúde, cada vez mais enrolado na própria burocracia. Uma campanha de vacinação em massa precisa de mobilização da sociedade, de convencimento da necessidade e da eficácia da vacina. Retardar a aprovação da vacina produzida pelo Butantan, porque seria um êxito de Doria, e desacreditar sua eficácia, em razão de sua procedência chinesa, é um tiro no próprio pé.
Ontem, a Anvisa divulgou uma nota mudando de 72 horas para 10 dias o prazo de aprovação das vacinas, além de fazer referência a supostas implicações geopolíticas de cada vacina, que precisariam ser analisadas, o que levou o governo de São Paulo a desistir de pedir o uso emergencial da vacina e apostar na sua iminente aprovação definitiva, pela agência reguladora da China. É um contrassenso sob todos os aspectos: praticamente todas as vacinas que estão sendo desenvolvidas no mundo têm algum nível de participação da China, pois foram os cientistas chineses que forneceram o sequenciamento genético utilizados nas pesquisas.