s eleições

Após derrota na Câmara, Bolsonaro diz que resultado das eleições não será confiável

Presidente diz ter ficado 'feliz' com placar 'dividido' que rejeitou voto impresso

Gustavo Côrtes, Sofia Aguiar e Matheus de Souza /O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA E SÃO PAULO - Um dia após ser derrotado em votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do voto impresso no plenário da Câmara dos Deputados, o presidente Jair Bolsonaro voltou a colocar em xeque a segurança das eleições de 2022, sob o argumento de que o resultado da votação de ontem indicaria desconfiança de parte do parlamento sobre a confiabilidade das urnas eletrônicas. “Hoje em dia sinalizamos para uma eleição, não que está dividida, mas que não vai se confiar nos resultados da apuração'', disse o presidente a apoiadores, na saída do Palácio da Alvorada, na manhã desta quarta-feira, 11.

A PEC do voto impresso foi derrubada pelo plenário da Câmara na noite de terça-feira, 10. Foram 229 favoráveis à proposta e 218 votos contrários, além de uma abstenção e dezenas de ausências. Para que o texto fosse aprovado, seria necessário o apoio de, no mínimo, 308 deputados. A Casa tem 513 deputados, mas o quórum efetivo de ontem, contando com o presidente Arthur Lira (PP-AL) foi de 449 deputados. A decisão do plenário foi a terceira derrota do Palácio do Planalto sobre o assunto na Câmara. Antes, a proposta do voto impresso já tinha sido rejeitada em duas votações pela comissão especial, na semana passada.

Bolsonaro, contudo, se disse “feliz” com o parlamento brasileiro, pois entende que foi uma votação “dividida” e que muitos deputados não puderam expressar, de fato, seus posicionamentos e dúvidas sobre o sistema eleitoral, porque "foram chantageados". Segundo o presidente, entre os votos que foram contra o voto impresso, “muita gente votou preocupada”, se descontado os votos do “PT, PCdoB e PSOL, que para eles é melhor o voto eletrônico”. Na análise do chefe do Executivo, ainda, as abstenções, numa votação virtual, expressam o medo de retaliação por parte das legendas.

“Metade do parlamento que votou sim ontem quer eleições limpas; outra metade, não é que não queira, ficou preocupada em ser retalhada”, pontuou. Bolsonaro afirmou que o resultado teria mostrado que “a maioria da população está conosco, está com a verdade”.

O presidente agradeceu ao parlamento, que, segundo ele, “deu um grande recado ao Brasil”, e projetou maior apoio à implementação do voto impresso no futuro. Para o chefe do Executivo, o resultado indica que metade do Legislativo, “não acredita 100% na lisura dos trabalhos do TSE”. Após a votação, o presidente da Câmara, Arthur Lira, fez um apelo para que os envolvidos no debate sobre o sistema eleitoral adotem tom moderado. Bolsonaro havia se comprometido a aceitar a decisão dos parlamentares, mas na segunda-feira (9) afirmou que “há outros mecanismos para a gente colaborar para que não haja suspeitas”, em conversa com apoiadores em seu retorno ao Palácio da Alvorada.

Mesmo com a derrota, o chefe do Executivo voltou a apresentar a tese de que um grupo de hackers, ou um hacker, teve acesso às chaves criptografadas das urnas eletrônicas e acusou o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de acobertar a invasão. “Se nós vivemos numa democracia e é difícil lutar enquanto tem liberdade, quando vocês [população] perderem a liberdade, vai ser difícil lutar”.

O TSE já comprovou que não houve nenhum tipo de invasão aos dados das urnas ou manipulação de resultados. A respeito de suposto ataque hacker, o tribunal também esclareceu que o acesso ao código-fonte do sistema é disponibilizado a qualquer pessoa que solicitar.

Bolsonaro ainda disse aos apoiadores: “Eu perguntaria, agora aqueles que estão trabalhando por interesses pessoais, não são interesses do Brasil, se eles querem enfrentar uma eleição do ano que vem com a mácula da desconfiança, que não é de agora. E eu tenho a certeza que esse pessoal que votou ontem, cada vez mais, teremos mais gente a nosso favor".


Bernardo Mello Franco: O Rio na mira de velhos e novos corsários

Completou ontem 309 anos a invasão do Rio pela tropa de Duguay-Trouin. O corsário francês adentrou a Baía de Guanabara em 12 de setembro de 1711. Comandava uma esquadra de 17 navios e mais de 5.800 homens, com ordens do rei Luís XIV para levar o que estivesse ao alcance. Assustado, o governador abandonou a cidade à própria sorte. Os bucaneiros ameaçaram destruir tudo se não recebessem o resgate desejado. Partiram com 610 mil cruzados, cem caixas de açúcar e 200 bois.

Passados três séculos, o Rio continua a conviver com pilhagens. Os novos corsários falam português e dispensam o uso de fragatas. Acessam o cofre com a permissão do eleitor.

O carioca parece não ter aprendido com os saques de Sérgio Cabral. Já está mergulhado em novos escândalos, com o governador afastado e o prefeito na mira da polícia. Nos últimos dias, três operações ampliaram a sensação de naufrágio da cidade. Elas ocorrem às vésperas da eleição municipal.

Os dois principais candidatos terminaram a semana sob artilharia. Na terça-feira, Eduardo Paes virou réu por corrupção, lavagem de dinheiro e caixa dois. O ex-prefeito é acusado de receber R$ 10,8 milhões em repasses ilegais da Odebrecht em 2012. Ele se disse vítima de uma armação eleitoral.

Na quinta, outra operação acordou Marcelo Crivella, que busca o segundo mandato. O Ministério Público apontou a “efetiva participação e o protagonismo” do prefeito num “gigantesco esquema de corrupção, peculato, fraude a licitação e lavagem de dinheiro”. Ele afirmou que a ação foi “estranha” e “injustificada”.

Na sexta, foi a vez de Cristiane Brasil. A ex-deputada, filha de Roberto Jefferson e também aspirante à prefeitura, prometia tirar o Rio das “mãos de bandidos”. Foi presa sob acusação de receber propina como secretária de Paes e Crivella.

O arrastão policial tumultuou uma disputa que parecia limitada ao atual prefeito e seu antecessor. O deputado Marcelo Freixo, que havia desistido de concorrer, ensaiou um retorno de última hora. A ideia animou artistas, mas foi abatida pelas bases do PSOL. A chapa do partido já pertencia a Renata Souza, mulher, negra e ligada à causa feminista.

Com a esquerda dividida e os dois favoritos sob ataque, abre-se um espaço para surpresas. Ontem dois aspirantes a outsider formalizaram suas candidaturas: o deputado federal Luiz Lima, do PSL, e a deputada estadual Martha Rocha, do PDT. Ambos devem investir no discurso anticorrupção, mas terão que explicar suas companhias no passado recente.

O ex-nadador bolsonarista entrou na política sob as bênçãos da família Picciani. Foi secretário do Ministério do Esporte na gestão de Leonardo, herdeiro do clã que comandou a Assembleia Legislativa por uma década. A delegada Martha foi chefe de polícia na gestão Cabral. É possível encher um álbum com fotos dela ao lado do ex-governador.

A pandemia produzirá uma campanha atípica, com pouca atividade na rua e muita batalha nas redes. Isso aumenta a imprevisibilidade do páreo, ampliando as chances de azarões. O Rio corre um duplo risco: eleger velhos corsários ou apostar num novo pirata com pose de almirante.