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Política Democrática: Ruy Fabiano fala de Machado como ‘vítima de plágio’

Em artigo de sua autoria publicado em revista da FAP, jornalista lembra relevância do escritor brasileiro

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

Já se disse quase tudo de Machado de Assis, avalia o jornalista Ruy Fabiano na edição de dezembro da revista Política Democrática. Para ele, pouco, no entanto, se mencionou sobre o Machado vítima de plágio. Não um plágio qualquer, mas um cometido por outro gênio da literatura – ninguém menos que o argentino Jorge Luís Borges.

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A obra de Machado, conforme lembra Ruy Fabiano, começou a ser traduzida para o espanhol exatamente em Buenos Aires, a partir de 1940, quando Borges estava em plena atividade, não só como escritor, mas também como crítico literário e ensaísta. “E o primeiro livro de Machado em castelhano foi, muito a propósito, Memórias Póstumas de Brás Cubas”, afirma o jornalista.

“Carlos Fuentes, no ensaio Machado de LaMancha (Editora Fondo de Cultura, México, 2001), captou essas ‘coincidências’ e registra que o próprio Borges, posto diante delas, as reconheceu, declarando: ‘Por incrível que pareça, acredito que exista (ou tenha existido) outro Aleph’ – a que Fuentes acrescenta: ‘De fato: o de Machado de Assis’, continua o jornalista.

Ruy Fabiano escreve que, como todo artista de gênio, Machado é um ser poliédrico, que pode ser lido e compreendido sob ângulos diversos, que aparentemente se contradizem, mas, ao final, formam uma unidade. “Já se falou das influências francesas, inglesas, portuguesas, alemãs, espanholas, greco-romanas e judaicas na obra de Machado de Assis”, diz o jornalista.

De acordo com o autor do artigo publicado na revista Política Democrática online, já se falou do Machado cético, ateu, irônico, humorista. “Machado apolítico e, inversamente, político; Machado alienado, habitante de uma torre de marfim ou, muito pelo contrário, engajado a seu modo nas questões políticas e sociais do Segundo Reinado, como constatou o crítico e ensaísta Astrojildo Pereira”, completa.

 

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Ruy Fabiano: O apagão da esquerda

A extrema esquerda – PT, PSol, PcdoB – vive um momento autofágico, agravado pela segunda condenação de Lula.

O primeiro conflito foi em decorrência da eleição à presidência da Câmara. PT e Psol decidiram ser pragmáticos e apoiaram Rodrigo Maia, do DEM, provocando forte reação do PcdoB. Manuela Dávila e amigos consideraram o gesto uma traição – e uma capitulação.

Na quarta-feira, Ciro Gomes, do PDT, foi vaiado num encontro com a UNE, em Salvador, ao ponderar a inutilidade de a esquerda reduzir sua atuação a slogans inúteis do tipo “Lula livre!”. E, ao reagir às vaias, e após lembrar que é um velho colaborador do PT, repetiu o mantra de seu irmão, Cid Gomes: “Lula está preso, babaca!”.

Ciro – e isso é um fato raríssimo – tem razão. A esquerda, conforme seu raciocínio, precisa descer do palanque e se conformar com o fato concreto de que perdeu as eleições – “e perdeu feio”.

Nesse sentido, está de acordo com José Dirceu, que reconheceu que Bolsonaro tem, sim, lastro social e que não será derrotado tão facilmente, muito menos a partir de meras ofensas e ameaças.

Ao insistir, por exemplo, que a Venezuela é uma democracia e que suas dificuldades são obra dos EUA, investe no irracional.

É preciso exercer a oposição com critério e conteúdo. Neste momento, não há nem uma coisa, nem outra. A rigor, nunca houve.

Fazer oposição ao tempo em que o PSDB era governo era bem diferente, a começar pelo fato de que os tucanos não eram exatamente adversários. Fernando Henrique disse mais de uma vez que PT e PSDB não brigavam por ideias, mas por cargos.

A luta hoje está em outro patamar. Os conflitos têm fundo doutrinário, que colocam em confronto valores e princípios – e sobretudo a conduta moral da esquerda, exposta pela Lava Jato.

Ao tempo dos tucanos, o PT ostentava a mística de instância moral da nação, uma espécie de sucursal do juízo final, investindo pesado em denunciar adversários e propor CPIs a cada 15 minutos.

“Quanto mais CPIs, melhor”, dizia Lula. E assim, por cima dos cadáveres dos adversários difamados (uns com razão, outros não – e isso era um detalhe), o partido construía sua reputação de vestal da República. Com a leniência de FHC, que dizia que “a vez agora é de Lula”, o partido chegou ao poder, com ânimo de jamais deixá-lo.

Não se preparou para este momento – e muito menos para a circunstância (que ele mesmo construiu) de ter sua reputação virada do avesso. Não preparou lideranças para a eventualidade de perder Lula. E não foi a única perda: o que havia de respeitabilidade intelectual no partido já saiu de cena faz tempo.

Além de Lula, as lideranças que lhe restaram estão às voltas com a Justiça: José Dirceu, condenado em segunda instância a 40 anos de prisão, deve retornar ao xadrez a qualquer momento; Gleisi Hoffmann, Fernando Haddad, Dilma Roussef são réus em múltiplos processos. Lindbergh Faria acaba de ser condenado em segunda instância por improbidade administrativa. E assim por diante.

O partido está sem rumo e sem credibilidade para propor o que quer que seja. Resta-lhe atirar pedras, sem a necessária autoridade moral para fazê-lo, como nos tempos que precederam sua chegada ao poder. É preciso zerar tudo e recomeçar, dizem alguns petistas.

Sim, mas de onde? Da cadeia? Antes de encontrar um meio de reconectar-se com a sociedade, será preciso fazê-lo internamente. E pelo que se viu da tentativa de Ciro Gomes, vai levar algum tempo.

*Ruy Fabiano é jornalista


Ruy Fabiano: Um Poder sem moderação alguma

São incontáveis as decisões inusitadas

As cortes supremas, nas democracias, garantem, em regra, um insumo indispensável à ordem institucional: a segurança jurídica.

Como intérpretes da Constituição, firmam a jurisprudência e funcionam como poder moderador – mais ou menos o contrário do que tem feito, já há alguns anos, o STF, fator de instabilidade não apenas jurídica, mas sobretudo política e institucional.

São incontáveis as decisões inusitadas, como a desta semana, em que o ministro Marco Aurélio, em decisão monocrática, quis atropelar o próprio plenário da Corte, mandando libertar todos os presos condenados em segunda instância.

Seriam mais de 100 mil, contabilizados, além dos condenados na Lava Jato, criminosos de sangue, perigosos líderes de facções.

Foi uma espécie de Simão Bacamarte, do conto O Alienista, de Machado de Assis, que chegou a prender e, em seguida, soltar toda uma cidade, para no fim internar-se a si mesmo como o único louco das redondezas. Essa sensatez de Simão faltou a Marco Aurélio, que considerou seu ato normal e necessário e estaria pronto a repeti-lo.

O ato insano não se consumou graças ao presidente da Corte, Dias Toffoli, que revogou a liminar. Mas isso não o poupou da suspeita de ter participado de um ato teatral.

Na semana anterior, Toffoli adiou para abril a sessão do plenário que examinaria pela quinta vez (isso mesmo: quinta vez), em dois anos, a jurisprudência a respeito da prisão em segundo grau.

Não houve um motivo objetivo para o adiamento. Diante disso, a canetada de Marco Aurélio pode ter sido – e não falta quem disso suspeite – um balão de ensaio para avaliar a reação social à soltura de Lula. Absurdo? A tanto chegou o conceito do STF.

Jamais um tribunal mobilizou-se tanto em torno de um único personagem – no caso, Lula, condenado em segundo grau, prestes a ter nova condenação em primeiro grau e tornado réu pela sétima vez há duas semanas. Não bastasse, teve ainda seus pedidos de habeas corpus negados nas terceira (STJ) e quarta instâncias (STF).

O ex-ministro e ex-presidente do STF, Carlos Ayres Brito, diz que a Corte Suprema “é uma porta que só se abre por dentro”; ou seja, nem tudo que lá chega deve mobilizá-la. Isso, porém, não funciona para Lula e alguns de seus aliados.

Ter poupado, por exemplo, a ex-presidente Dilma Roussef, quando de seu impeachment, da perda de direitos políticos por oito anos, foi um ato de lesa-Constituição. E foi praticado por ninguém menos que o então presidente da Corte, Ricardo Lewandowski.

Em circunstâncias normais (que inexistem), seu ato seria considerado nulo de pleno direito pela própria Corte, que, no entanto, até hoje não se manifestou a respeito.

O próprio Toffoli até hoje não explicou por que mandou soltar seu ex-patrão, José Dirceu (que, em face de suas relações pessoais, deveria considerar-se suspeito para julgar), condenado em segunda instância a 41 anos de prisão. Dirceu está solto e sem tornezeleira eletrônica, em condições de inclusive deixar o país.

Se é benevolente com esses personagens, o STF não o foi em relação ao presidente eleito, Jair Bolsonaro, aceitando denúncia de uma procuradora filiada ao PT de que teria incitado o estupro, quando é autor de projeto que inversamente agrava a punição daquele crime, estabelecendo castração química para os reincidentes.

Entre as imprevisibilidades que aguardam o novo governo, há ao menos algo bem previsível: a ação desestabilizadora do STF, adversário explícito do maior fator de unidade nacional – a Operação Lava Jato. Esta semana, não por acaso, a história do cabo e do soldado, como meios suficientes para fechá-lo, foi repetida em todo o país. E não como piada.

*Ruy Fabiano é jornalista


Ruy Fabiano: O desafio dos direitos humanos

“Os direitos humanos são basicamente para os humanos direitos”

O tema dos direitos humanos, complexo a partir de sua conceituação, permeia há anos o debate público. A rigor, há séculos, desde que a Revolução Francesa os consignou – e os descumpriu.

Foi um dos carros-chefes da eleição de Jair Bolsonaro, que questiona os termos em que a esquerda o formula, e há de acompanhar, em ambiente controverso, o curso de sua gestão, que tem a segurança pública como um de seus eixos.

Há dias, numa entrevista a um canal de televisão, o general Augusto Heleno, futuro ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, foi instado, mais uma vez, a falar sobre ele.

E reiterou seu ponto de vista de que “os direitos humanos são basicamente para os humanos direitos”. O dito se contrapõe à tendência, ainda dominante, de ver na polícia instituição violadora desses direitos, quando, a rigor, tem como missão garanti-los.

A frase do general, que está longe de ser mero jogo de palavras, pressupõe critério e hierarquia na aplicação desses direitos, a cuja plenitude só pode aspirar quem os respeita. Não é o caso dos bandidos, cujo ofício consiste exatamente em violá-los.

Qualquer direito pressupõe uma instância que os garanta – em regra, o Estado, via polícia. O direito humano fundamental é, por óbvio, o de garantir a vida, já que sem ele nenhum outro subsistirá: o da integridade física, o de ir e vir, o de propriedade etc. Quem os viola submete-se (ou pelo menos deveria) aos rigores da lei.

Mas, se, como quer parte dos militantes da causa, esses direitos são indistintamente para todos os humanos, deve-se, antes de mais nada, revogar o Código Penal, que, mediante determinadas práticas, suprime alguns deles, a começar pelo de ir e vir, podendo chegar ao da própria vida, em caso de legítima defesa.

A visão idealizada do bandido, como vítima da sociedade, e uma espécie de revolucionário em estado bruto, levou o Estado brasileiro, sobretudo no período PT, a nele focar prioritariamente sua ação humanitária. A vítima torna-se persona secundária, alguém no lugar errado, na hora errada. Um azarado, sem qualquer glamour.

Criou-se, entre outros direitos, o bolsa-bandido, que garante, aos delinquentes inscritos na Previdência, repasses de pensão à família, além de benesses como o “saidão” (que libera presos em datas festivas para visitas à família); progressão penal (que, por bom comportamento, reduz o tempo de prisão); e, até (caso do Rio de Janeiro), vale-transporte para que familiares dos presos os visitem.

O Estado garante ainda assistência psicológica à família e ao preso. E, como coroamento, há a audiência de custódia, criada pelo ministro Ricardo Lewandowski, quando na presidência do STF.

Ela obriga o policial a levar o preso em flagrante, 24 horas após a prisão, perante um juiz para que avalie o tratamento que recebeu. O réu passa a ser a autoridade coatora, que pode sofrer processo e ser até demitido, e não o infrator, que será liberado caso o juiz, por razões de ordem subjetiva, não considere o ato grave.

O STF professa a tese do desencarceramento para pequenos delitos (sem defini-los), ecoando princípio programático do PT.

Nesses termos, o banditismo prosperou e o Brasil ostenta o título de um dos mais violentos países do mundo, com mais de 60 mil homicídios anuais (contabilizados aí apenas os que morrem no local do crime), que ultrapassa os índices de países em guerra.

Há quem argumente que a leniência do Estado em relação ao crime decorre do desastre humanitário que é o sistema penitenciário, verdadeira sucursal do inferno. Em vez de humanizá-lo, o Estado opta por evitar o aumento de seus habitantes – não combatendo o crime, mas, inversamente, estimulando-o pela impunidade.

Eis um dos maiores – senão o maior – dos desafios do futuro governo Bolsonaro.

Ruy Fabiano é jornalista


Ruy Fabiano: O Rio é a síntese do Brasil

O Rio não é exceção; antes, é regra.

A prisão do governador do Rio, Luiz Fernando Pezão, em pleno exercício do cargo, reveste-se de profundo sentido simbólico.

Resume a política brasileira contemporânea, em que o Estado e suas instituições foram capturados pelo crime organizado. Ele está nos três Poderes. A Lava Jato, uma operação policial, tornou-se, por isso mesmo, estuário das esperanças nacionais. Fato inédito.

Além dos quatro últimos governadores – Garotinho, Rosinha, Sérgio Cabral e Pezão -, estão presos os três últimos presidentes da Assembleia Legislativa fluminense e todo o Tribunal de Contas do Estado (à exceção de uma ministra, nomeada ao tempo em que os outros embarcavam no camburão), além de procuradores e juízes.

O Rio não é exceção; antes, é regra. Nem é a cidade mais violenta do Brasil: no ranking nacional, é a 22ª.

Mas, como cidade-síntese da nacionalidade – foi capital em suas três fases históricas (colônia, império e república) -, é um retrato do país, que tem hoje um ex-presidente (Lula) preso e os dois que o sucederam (Dilma e Temer) já na condição de réus.

O presidente que, dentro de um mês, sai se empenha em conceder um indulto a amigos, políticos que incidiram no crime de corrupção – o mesmo de que é acusado -, com plena recepção do STF (que já contabilizou os seis votos necessários para aprová-lo).

A eleição de Jair Bolsonaro, um deputado que por quase três décadas integrou o chamado baixo clero da Câmara, decorre desse quadro moralmente devastado. Bolsonaro concentrou sua atuação parlamentar, sempre vista como irrelevante, quando não caricatural, na denúncia do crime e da corrupção generalizada.

Fez dessas questões, negligenciadas por todos os governos da chamada Nova República, a bandeira de sua candidatura presidencial vitoriosa. Expressou numa linguagem que alguns consideram tosca o que todos identificam na realidade mais imediata da vida.

As chamadas grandes questões – na economia, na organização do Estado, no campo ideológico – perdem relevância diante do cotidiano infernal que o cidadão enfrenta. E é simples entender: para discuti-las, é preciso estar vivo. E as cidades brasileiras tornaram-se sucursais da Faixa de Gaza. Quem quer investir num lugar assim?

A partir do óbvio, consolidou-se a candidatura Bolsonaro, que, partindo de aliados simplórios, agregou apoios mais graduados e hoje transcende o seu ambiente de origem. O desafio que se impõe é o de transformar o ecossistema político brasileiro. Nada menos. E isso o torna persona non grata de todo o establishment.

Essa, na verdade, foi a promessa que o PT, na sua origem, fazia ao eleitorado. Prometia um mundo novo, livre da corrupção.

No poder, repetiu (e levou ao paroxismo) os erros que sempre denunciou, transformando-se de partido político em “organização criminosa que se apoderou do Estado brasileiro”, nas palavras do ministro Celso de Melo, do STF, quando do julgamento do Mensalão.

A montagem do Ministério, feita às claras – e por isso mesmo tendo suas divergências e contradições expostas ao público -, desafia o chamado presidencialismo de coalizão (ou de cooptação), ao minimizar a consulta aos partidos.

O risco é que derive para o tecnocratismo, que, ao prescindir da política, se distancia também da realidade.

*Ruy Fabiano é jornalista


Ruy Fabiano: Os números elegem Bolsonaro

Bastam-lhe os votos dados a João Amoedo, Cabo Daciolo e Henrique Meirelles, que guardam perfil claramente antipetista.

O espírito plebiscitário manifestou-se já no primeiro turno, visível na escassez de votos a candidatos outrora competitivos, de grandes partidos, como PSDB, PMDB e PDT.

O eleitor percebeu, desde o início, que havia – e há – apenas dois lados em disputa, projetos antagônicos. E antecipou sua escolha.

A diferença expressiva de votos pró-Bolsonaro não se reverterá. É impensável que alguém que abraçou o seu ideário venha a fazer opção oposta, já que o voto, de ambos os lados, teve o sentido de legítima defesa. Foi – e é – uma eleição binária.

Resta saber de onde os dois finalistas poderão buscar votos suplementares. E aí a vantagem também é de Bolsonaro.

O fiasco dos partidos de esquerda, aqueles cujos votos podem reverter em massa para Haddad – Psol, Rede e PDT –, indica que essa transferência já ocorreu no primeiro turno.

A votação somada desses partidos não muda o destino eleitoral de Haddad, que precisa crescer mais de 20 pontos percentuais para que sua votação em primeiro turno atinja a maioria absoluta. Já Bolsonaro, considerando-se os números do primeiro turno, está a 4,5 pontos percentuais da vitória.

Bastam-lhe os votos dados a João Amoedo, Cabo Daciolo e Henrique Meirelles, que guardam perfil claramente antipetista.

Há ainda os votos do PSDB, que devem se dividir, dado o perfil centrista do partido. FHC quer apoio ao PT; Dória, que disputará em segundo turno o governo de São Paulo, e Anastasia, que disputará o de Minas, já declararam apoio a Bolsonaro.

Idem a candidata a vice de Alckmin, senadora Ana Amélia. O Centrão, que se aliou aos tucanos, já avisou que não apoiará o PT (seu companheiro de viagem ao longo dos governos Lula e Dilma).

O PDT, de Ciro Gomes, embora aparentado ideologicamente ao PT, fez exigências tais a Haddad que sugerem que não quer se comprometer. Pediu apenas, para começar, a Casa Civil, o Ministério do Planejamento e o Banco do Nordeste.

São cofres que o PT seguramente não dispensará. Ciro, magoado com Lula, por não tê-lo escolhido, optou por sair de cena.

A tentativa desesperada do PT de obter votos fora de sua seara, buscando atrair os eleitores que se abstiveram – e que somam 29 milhões -, fez com que, no espaço de três dias após o primeiro turno, adotasse uma estratégia patética, que beira o ridículo e rompe com todo o seu passado: “renunciou” a seus símbolos e programa.

Mudou as cores do partido, trocando o vermelho pelo verde-amarelo, tirou Lula da campanha e dos panfletos e adotou parte do discurso de Bolsonaro, passando a defender o porte de armas, o cristianismo e a família tradicional.

Nesse ritmo, acaba por perder seus próprios eleitores.

O que essas eleições estão mostrando é que os meios tradicionais de persuasão, via marqueteiros e grande mídia, perderam a relevância do passado. O candidato favorito não tinha sequer comitê de campanha; não tinha um CEP. Valeu-se das redes sociais, que o blindaram da hostilidade dos veículos tradicionais e das fake news e deram-lhe o protagonismo de que desfruta.

A brusca mudança de personalidade do PT esbarra na memória da internet. Lá estão, ainda frescas, declarações de Haddad em sentido diametralmente oposto ao que diz agora.

Entre outras, a de que subiria a rampa com “o presidente Lula” e que promoveria o desencarceramento em massa.

Em relação a Bolsonaro, não há novidade: “fascista, homofóbico, racista, misógino etc.”. Ele continua onde sempre esteve e, a menos que uma situação inteiramente nova se apresente, e que o mostre diferente do que é (algo já tentado sem êxito), está eleito.

Uma questão meramente matemática.

*Ruy Fabiano é jornalista


Ruy Fabiano: No país da Justiça pelo avesso

Adiou-se o sonho de Lula de ser libertado

O relator da Lava Jato no STF, Edson Fachin, adiou o sonho de Lula de ser libertado. Arquivou ontem, no final do dia, pedido da defesa nesse sentido, que seria julgado na terça-feira.

Não o fez, no entanto, movido pela improcedência do pedido, rejeitado há dois meses pelo próprio pleno do STF, na sequência de decisão similar do STJ – mas mesmo assim, reapresentado. A lei processual brasileira é uma das metáforas do Infinito.

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O motivo foi a decisão do TRF-4 de negar admissão do recurso extraordinário ao STF, admitindo, contudo, que seja encaminhado ao STJ. Adiou apenas a manobra, redirecionando-a de tribunal.

Ganhou-se, portanto, tempo, não segurança jurídica. Ela, diante da conduta que vem tendo a Corte Suprema do país, continua a ser uma das carências básicas a sustentar o ambiente de crise.

E não é só lá que isso acontece. Eis que, dias antes, a Câmara dos Deputados chegou ao suprassumo da inversão de valores: por iniciativa do líder do PT, Paulo Pimenta, decidiu instalar uma CPI para investigar a Lava Jato. Nada menos.

A proposta, uma vez no papel, ultrapassou, em tempo recorde, o número mínimo de assinaturas (190). Não foi necessário mais que um dia. Quem disse que nada une a política brasileira?

Não há tema mais ecumênico e suprapartidário, neste momento, que o combate à Lava Jato. Une os três Poderes, associa adversários históricos: esquerda, direita, centro, sobreloja e subsolo.

Diante da repercussão negativa – e o ano é eleitoral -, deu-se o previsível: vários signatários tentaram retirar seu apoio. Era tarde. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, informou que o Regimento Interno da Casa não autoriza. Apoiou, não há como desapoiar.

Ou seja, teremos CPI. Só que será um pouco diferente: nela, os infratores serão os juízes – e estes os réus. Instrumento para apurar irregularidades – crimes, transgressões -, estará agora nas mãos dos acusados. Nem Al Capone pensou em algo assim.

Quase simultaneamente, o STF (sempre ele) protagonizou outra cena de justiça pelo avesso, inocentando a presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann. Não que ela seja inocente – e é improvável que algum ministro creia nos argumentos que acabaram prevalecendo.

Faltou, porém, o recibo. O ex-diretor da Petrobras, Paulo Roberto Costa, confirmou que pagou a Gleisi e seu marido, o ex-ministro Paulo Bernardo, R$ 1 milhão dos cofres da Petrobras em propina, a pretexto de auxiliar na campanha eleitoral.

Os operadores da “doação” também confirmaram tudo. Mas, lapso dos lapsos, não há recibo. Que mancada!

Talvez a “insignificância” da quantia, num contexto em que já se ultrapassou o trilhão em desvios (se contabilizados os empréstimos-doações do BNDES aos países bolivarianos e a ditaduras africanas), não justifique maior rigor. Foi só um milhão…

A notícia positiva (será?) é que Antonio Palocci fechou acordo de delação premiada com a Polícia Federal. Pode ser um golpe mortal contra Lula, Dilma e o PT. Ou não.

* Ruy Fabiano é jornalista