Rubens Barbosa

Rubens Barbosa: Defesa – uma questão de segurança nacional

PND e END respondem aos novos desafios de um mundo em rápida transformação…?

Depois de pouco mais de 30 anos, o mundo volta à era de competição entre superpotências, com o declínio da dominação dos EUA e o crescimento tecnológico, comercial e militar da China. Como evitar que a crise entre os EUA e a China seja transplantada para a América do Sul e interfira no interesse nacional? Como o Brasil deveria tomar posição, em termos de defesa, em seu entorno geográfico e área de influência? Qual seria o papel do Brasil como uma das dez maiores economias do mundo, a quinta em território e a sexta em população? Como enfrentar o déficit de inovação tecnológica em face da rápida obsolescência dos equipamentos militares e dos projetos especiais das três Forças?

Os documentos Política (PND) e Estratégia Nacional de Defesa (END) procuram responder aos desafios percebidos pelo atual governo e mostrar, em linhas gerais, o planejamento das prioridades para a defesa do País. Voltados prioritariamente para ameaças externas, eles estabelecem objetivos para o preparo e o emprego de todas as expressões do poder nacional.

Os objetivos gerais mencionados na PND são: garantir a soberania, o patrimônio nacional e a integridade territorial; assegurar a capacidade de defesa para o cumprimento das missões constitucionais das Forças Armadas; promover a autonomia tecnológica e produtiva na área de defesa; preservar a coesão e a unidade nacionais; salvaguardar as pessoas, os bens, os recursos e os interesses nacionais situados no exterior; ampliar o envolvimento da sociedade brasileira nos assuntos de defesa nacional; contribuir para a estabilidade regional e para a paz e a segurança internacionais; incrementar a projeção do Brasil no concerto das nações e sua inserção em processos decisórios internacionais.

A END, por sua vez, orienta os segmentos do Estado brasileiro quanto às estratégias e medidas que devem ser implementadas para que esses objetivos sejam alcançados. Trata das bases sobre as quais deve estar estruturada a defesa do País, assim como indica as articulações que deverão ser conduzidas, no âmbito de todas as instâncias dos três Poderes, e da interação dos diversos escalões condutores dessas ações com os segmentos não governamentais.

Os documentos apresentados ao Congresso Nacional para exame e deliberação respondem aos novos desafios de um mundo em rápida transformação e à perda de protagonismo no entorno estratégico? É importante ressaltar, de inicio, a dificuldade de examinar essa matéria, pela falta de uma cultura de defesa e pelo fato de os objetivos nacionais carecerem de uma grande estratégia, com visão de médio e longo prazos. Além disso, em tempos de paz, sem ameaça de conflito plausível e iminente, qual deveria ser a atividade principal da Defesa: preparação para operação de combate ou melhoria da logística de defesa para aumentar sua capacidade de dissuasão?

A área de influência do Brasil, como definido na PND, abrange América do Sul, Antártida e Oceano Atlântico até a costa ocidental da África. A referência à integração regional amplia o entorno por incluir a América Central e a América do Norte. Não há referência nos documentos às consequências para o Brasil do fim do Conselho de Defesa, com o desaparecimento da Unasul, nem ao status de aliado estratégico dos EUA extra-Otan, tendo em mente as restrições do Brasil à nova doutrina dessa organização, que ampliou sua atuação para o Atlântico Sul. Nem aos objetivos da designação de oficial-general para o Comando do Sul, com sede em Miami.

As rápidas transformações tecnológicas exigem um esforço para estimular a Base Industrial de Defesa a pesquisar para complementar as aquisições externas. As três áreas ressaltadas na END (cibernética, energia nuclear e espaço) deveriam merecer estímulos, como ocorre nos EUA e na Otan, para que a produção nacional supere as vulnerabilidades cada vez maiores de nossos materiais bélicos e responda aos novos desafios de inteligência artificial. A política de defesa deve nortear a política militar. As políticas de defesa e militar deveriam enquadrar-se dentro de uma política mais ampla: a política externa, que define o lugar do Brasil no mundo.

O documento menciona diversas vezes a criação de uma carreira civil, como a de analista, por exemplo, no Ministério da Defesa, mas até agora não se levou adiante essa política, que iria arejar a discussão hoje restrita ao meio militar das três Forças. Nessa mesma linha, a criação de um Centro de Defesa e Segurança, iniciativa do então ministro Raul Jungmann, anunciada recentemente, deverá trazer contribuição importante para o debate sobre os temas de defesa e de segurança nacional.

Por sua importância, a PND e a END deveriam ser elaboradas por um conselho de alto nível integrado pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República e por representantes da Câmara dos Deputados, do Senado e do Itamaraty. O resultado deveria ser amplamente debatido pelo Congresso Nacional – ao contrário do que vem ocorrendo desde 1996, quando foram apresentados pela primeira vez – e por think tanks da sociedade civil que examinassem as prioridades para a defesa e os meios para alcançá-las.

*Presidente do IRICE


Situação da Amazônia pode contaminar relação entre Brasil e EUA, diz Rubens Barbosa

Em artigo publicado na revista Política Democrática Online de agosto, embaixador analisa reflexos de possível eleição de Joe Biden

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

Diante de uma provável vitória de Joe Biden nas eleições dos Estados Unidos, o presidente Jair Bolsonaro está seguindo o conselho de John Bolton, ex-secretário de Segurança Nacional de Trump, que recomendou ao Brasil fazer pontes com o candidato democrata. “O desafio geopolítico talvez seja o dilema mais sério para o governo brasileiro, caso Trump seja derrotado”, analisa o presidente do Irice (Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior), o embaixador Rubens Barbosa, em artigo que produziu para a revista Política Democrática Online de agosto.

Clique aqui e acesse a revista Política Democrática Online de agosto!

A revista é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília. Todas as edições podem ser acessadas, gratuitamente, no site da instituição. De acordo com Barbosa, “o tema da Amazônia, em vista da prioridade ambiental democrata, se sair do âmbito da burocracia e ganhar relevância na opinião pública, poderá contaminar a relação bilateral e afetar o financiamento e infraestrutura por parte de instituições públicas e privadas internacionais”.

No artigo publicado na revista Política Democrática Online, o embaixador diz que o Brasil vai ter de decidir se fará uma opção, evitada pela maioria dos países europeus e asiáticos, por um dos lados ou se preferirá permanecer equidistante nessa disputa.

Barbosa também questiona: “Eventual oposição à tecnologia chinesa no 5G e apoio à proposta dos EUA na OMC (Organização Mundial do Comércio) sobre a participação apenas de países de economia de mercado – o que excluiria a China – indicariam que o Brasil teria escolhido seu lado. Os EUA convencerão o Brasil a ficar contra a China?”.

De acordo com o presidente do Irice, levando em conta que a disputa entre as duas potências está apenas começando e durará por muitas décadas, manter-se equidistante parece ser a melhor atitude na defesa do interesse nacional.

O alinhamento com os EUA, segundo Barbosa, nem sempre explicitado nas relações bilaterais, torna-se automático quando se trata de votações de resoluções sobre costumes, mulheres, direitos humanos, saúde e sobre o Oriente Médio nos organismos multilaterais, como a ONU (Organização das Nações Unidas), OMS (Organização Mundial da Saúde) e OMC.

“Em muitos casos, o Brasil fica isolado com EUA e Israel e, na questão de costumes, apenas com países conservadores (Arábia Saudita, Líbia, Congo, Afeganistão)”, escreve o autor. “O tema da Amazônia, em vista da prioridade ambiental democrata, se sair do âmbito da burocracia e ganhar relevância na opinião pública, poderá contaminar a relação bilateral e afetar o financiamento e infraestrutura por parte de instituições públicas e privadas internacionais.

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Rubens Barbosa: Brasil atropelado

EUA lançam candidato à presidência do BID, quebrando uma tradição de 60 anos

Com sede em Washington, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) foi criado em 1959. Embora com participação acionaria majoritária dos EUA, ficou estabelecido que a presidência sempre caberia a um nacional da região e a vice-presidência, a um norte-americano. Nos últimos 60 anos essa regra não escrita (antigamente se dizia acordo de cavalheiros) foi mantida: o BID, um bem-sucedido banco de fomento econômico e social das Américas, foi presidido por chileno, mexicano, uruguaio e colombiano.

Na sucessão do atual presidente havia a expectativa de que Brasil ou Argentina pudessem apresentar candidatos, o que de fato foi feito. O Brasil lançou Ricardo Xavier, de pouco peso político, para a presidência do BID. O ministro da Economia, Paulo Guedes, havia avisado o secretário do Tesouro, Steven Mnuchin, da apresentação do nome brasileiro, na expectativa de que o Brasil pudesse pela primeira vez eleger o novo presidente. Mnuchin, contudo, com um telefonema acabou com a pretensão do Brasil ao informar que o governo de Washington havia decidido lançar para presidente do BID Mauricio Claver Carone, diretor para assuntos de América Latina no Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca, quebrando uma tradição de 60 anos. Na contramão do interesse brasileiro, em nota oficial conjunta Ministério da Economia e Itamaraty se alinharam aos EUA, ao afirmarem “ter recebido positivamente o anúncio do firme comprometimento do governo dos Estados Unidos com o futuro do BID por meio da candidatura norte-americana à presidência da instituição”. E completou a nota alinhada ao governo americano: “O Brasil e os Estados Unidos compartilham valores fundamentais, como a defesa da democracia, a liberdade econômica e o Estado de Direito. O Brasil defende uma nova gestão do BID condizente com esses valores”.

Os EUA sempre preservaram sua influência no BID pelo poder do voto, cerca de 30%, nas decisões, mais do dobro dos outros países latino-americanos maiores acionistas. O anúncio de Washington não causou nenhuma reação dos governos, pela ausência de lideranças afirmativas na região. Os principais países encontram-se vulneráveis e sem capacidade de reagir. A Argentina, pela delicada situação econômico-financeira e social, em meio a um processo de negociação de sua dívida externa para evitar mais um default; o México, por ter um passivo de atritos com os EUA nas áreas comercial, de imigração, da construção do muro separando os dois países; o Brasil, concentrado em seus problemas de saúde e políticos internos.

A reação política à medida de Washington veio inicialmente de cinco ex-presidentes latino-americanos, que lançaram uma declaração em que condenam a indicação de um norte-americano para a presidência do BID. “A proposta de nomeação não anuncia bons tempos para o futuro da entidade, o que nos leva a expressar nossa consternação com essa nova agressão do governo dos Estados Unidos ao sistema multilateral, com base nas regras acordadas pelos países-membros”, destaca o documento assinado pelos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso (Brasil), Ricardo Lagos (Chile), Julio Maria Sanguinetti (Uruguai), Juan Manuel Santos (Colômbia) e Ernesto Zedillo (México).

Além da declaração dos presidentes, há também a que foi assinada por todos os ex-chanceleres, ex-ministros da Fazenda e vários do Planejamento brasileiros. A reação dos países começou timidamente com manifestação do governo chileno pedindo que a eleição fosse adiada por seis meses, depois da eleição presidencial dos EUA. México, Peru e União Europeia, associada ao BID, passaram a apoiar a iniciativa chilena.

Em seguida, ampliando a articulação contra a escolha de um norte-americano para a presidência do BID, conhecidas personalidades politicas somente dos EUA, entre as quais ex-secretários do Tesouro e do USTR, divulgaram carta contra a indicação de Trump e pedindo o adiamento da eleição para março de 2021, argumentando que com a eventual vitória de Joe Biden a indicação seria anulada. Na semana passada, em nota conjunta do Ministério da Economia e do Itamaraty, o governo brasileiro associou-se à declaração de um grupo de países favoráveis à manutenção da eleição virtual nas datas previstas (12 e 13 de setembro), assim como instou todos os países-membros a cumprirem as resoluções aprovadas. Essa nota foi resultado da pressão de Washington e indica o temor de que os que propugnam pelo adiamento da eleição estejam ganhando força. O resultado até aqui é imprevisível.

A crescente presença da China na América do Sul está na raiz da decisão de Washington de apresentar candidato à presidência do BID, contra um representante brasileiro, e pode ser indício de um renovado interesse político dos EUA em conter Beijing pela pressão financeira sobre os países da região. Seria a volta da Doutrina Monroe (América para os americanos) e do corolário Roosevelt (speak softly and carry a big stick).

Não é do interesse brasileiro apoiar medidas que tragam para nosso entorno geográfico preocupações geopolíticas globais com a volta da confrontação entre superpotências e a pressão por alinhamentos absolutos, deixando de lado o interesse da Nação, e não apenas do governo da vez.

*Presidente do IRICE


RPD | Rubens Barbosa: As eleições nos EUA e o Brasil

Diante de uma provável vitória de Joe Biden, Bolsonaro está seguindo o conselho de John Bolton, ex-secretário de Segurança Nacional de Trump, que recomendou ao Brasil fazer pontes com o candidato democrata. O desafio geopolítico talvez seja o dilema mais sério para o governo brasileiro, caso Trump seja derrotado

As pesquisas de opinião oscilam, mas passou a haver chance real de Joe Biden vencer as eleições presidenciais de novembro, com mudanças significativas nas políticas econômica, ambiental e externa nos EUA. A incerteza deriva do sistema eleitoral dos EUA, no qual o presidente é eleito não por voto majoritário, mas por um colégio eleitoral, formado por delegados dos 51 estados, alguns dos quais divididos, como Pensilvânia, Michigan, Flórida, com resultados imprevisíveis, pela mudança de sua maioria em cada eleição.

O Partido Democrata, no governo, implementará uma política econômica com forte viés nacionalista, para recuperar o dinamismo da economia e reduzir o desemprego, com grande ênfase em políticas ambientais (Green New Deal). Os EUA deverão assinar o Acordo de Paris e voltarão a dar prioridade aos organismos multilaterais, com o consequente retorno à Organização Mundial de Saúde, ao fortalecimento da OMC e da ONU. Temas como salvar o acordo nuclear com o Irã, o reingresso no acordo comércio com a Ásia (TPP), a relação com a Europa (OTAN) e a saída do Reino Unido da União Europeia estarão altos na agenda.

As crescentes tensões geopolíticas entre os EUA e a China deverão continuar e mesmo ampliar-se nas áreas comerciais, tecnológicas e militares, pois Beijing é tratada hoje como um adversário pelo establishment norte-americano. A presença da China na América do Sul poderá trazer o conflito geopolítico para a região. A decisão do governo de Washington, de apresentar candidato para a presidência do BID, contra um candidato brasileiro, pode ser o indicio de um renovado interesse político dos EUA para conter Beijing na América do Sul.

Qual o impacto sobre as relações Brasil-EUA?

Em uma de suas lives semanais, o presidente Jair Bolsonaro comentou o cenário da eleição presidencial americana. Confirmou que torce por Donald Trump, mas que vai tentar aproximação, caso Joe Biden seja o vencedor. "Se não quiserem, paciência", simplificou. Bolsonaro ouviu e está seguindo o conselho de John Bolton, ex-secretário de Segurança Nacional de Trump, que recomendou ao Brasil fazer pontes com o candidato democrata, ao contrário do tratamento que está sendo dado ao presidente Fernández, da Argentina.

"Caso Biden seja eleito, vai terminar a relação especial com Trump por influência ideológica. Em termos institucionais, o relacionamento bilateral, de baixa prioridade, deve continuar nas mesmas bases em que ocorre hoje"

Nesse contexto, é importante ter em mente a distinção entre a relação pessoal Bolsonaro-Trump e a institucional entre as burocracias brasileira e norte-americana. Caso Biden seja eleito, vai terminar a relação especial com Trump por influência ideológica. Em termos institucionais, o relacionamento bilateral, de baixa prioridade, deve continuar nas mesmas bases em que ocorre hoje. Mesmo no governo Trump, o Comitê de Orçamento da Câmara, um relatório do Departamento de Estado e carta de deputada democrata criticaram o governo brasileiro e pediram que não seja negociado nenhum acordo comercial com o Brasil, que haja sanções contra Brasília por conta das políticas ambiental e de direitos humanos, e que seja vetada ajuda na área de defesa ao Brasil como aliado da OTAN.

Um futuro governo democrata tenderá a ampliar essas críticas e afastar-se das posições brasileiras nos foros internacionais. O alinhamento com os EUA, nem sempre explicitado nas relações bilaterais, torna-se automático quando se trata de votações de resoluções sobre costumes, mulheres, direitos humanos, saúde e sobre o Oriente Médio nos organismos multilaterais (ONU, OMS, OMC). Em muitos casos, o Brasil fica isolado com EUA e Israel e, na questão de costumes, apenas com países conservadores (Arábia Saudita, Líbia, Congo, Afeganistão). O tema da Amazônia, em vista da prioridade ambiental democrata, se sair do âmbito da burocracia e ganhar relevância na opinião pública, poderá contaminar a relação bilateral e afetar o financiamento e infraestrutura por parte de instituições públicas e privadas internacionais.

O desafio geopolítico talvez seja o dilema mais sério para o governo brasileiro, caso Biden vença a eleição. O Brasil vai ter de decidir se fará uma opção (evitada pela maioria dos países europeus e asiáticos) por um dos lados ou se preferirá permanecer equidistante nessa disputa. Eventual oposição à tecnologia chinesa no 5G e apoio à proposta dos EUA na OMC sobre a participação apenas de países de economia de mercado – o que excluiria a China – indicariam que o Brasil teria escolhido seu lado. Os EUA convencerão o Brasil a ficar contra a China? Levando em conta que a disputa entre as duas potências está apenas começando e durará por muitas décadas, manter-se equidistante parece ser a melhor atitude na defesa do interesse nacional.


Rubens Barbosa: As eleições presidenciais nos EUA e o Brasil

Bom senso recomenda menos ideologia e geopolítica e mais interesse nacional

Em 90 dias o mundo conhecerá o futuro presidente dos EUA. As pesquisas de opinião pública indicam hoje uma vitória de Joe Biden sobre Donald Trump, com margem de cerca de 10 pontos porcentuais. Esse número daria a vitória a Biden caso a eleição fosse majoritária. Cabe, porém, um elemento de cautela, visto que nos EUA a eleição para presidente é decidida em colégio eleitoral, composto por delegados de todos os Estados, eleitos a partir dos resultados nas votações locais. Refletindo a profunda divisão da sociedade americana, a eleição deverá ser decidida nos Estados que oscilam entre conservadores e democratas, (Pensilvânia, Michigan, Wisconsin, Flórida, Idaho) e Trump ameaça contestá-la.

A mudança do cenário eleitoral nos últimos três meses deveu-se à percepção negativa sobre a forma como Donald Trump vem conduzindo as medidas contra a pandemia, a queda no crescimento econômico, o aumento do desemprego e sua reação aos movimentos raciais que se espalharam por todo o país. Passou a haver, assim, uma chance de Joe Biden vencer as eleições de novembro, com mudanças significativas nas políticas econômica, ambiental e externa.

O Partido Democrata, no governo, tentará uma política econômica que recupere o dinamismo da economia e reduza o desemprego. Deverá prevalecer viés nacionalista, que incluirá forte componente ambiental (Green New Deal), modificações no sistema de saúde e busca de liderança no combate à pandemia. Os EUA voltarão a dar prioridade aos organismos multilaterais, com o retorno à Organização Mundial de Saúde, o fortalecimento da OMC e a adesão ao Acordo de Paris. As crescentes tensões geopolíticas entre EUA e China, no governo democrata, deverão continuar e mesmo ampliar-se. Nesse contexto, deverão aumentar a pressão sobre governos autoritários e a defesa da democracia, agravando as tensões nas áreas comercial, tecnológica e militar, pois Beijing é tratada hoje como adversário pelo establishment norte-americano.

Como ficariam as relações Brasil-EUA com um presidente democrata?

Numa de suas lives semanais, o presidente Jair Bolsonaro, ao comentar o cenário da eleição presidencial americana, confirmou que torce por Trump, mas vai tentar aproximação caso Biden seja o vencedor. “Se não quiserem, paciência”, simplificou. Bolsonaro ouviu e está seguindo o conselho de John Bolton, ex-secretário de Segurança Nacional de Trump, de buscar fazer pontes com o candidato democrata.

Costumo fazer distinção entre a relação pessoal Bolsonaro-Trump e a relação institucional entre as burocracias brasileira e norte-americana.

Caso Biden seja eleito, vai terminar a relação pessoal estabelecida com Trump por influência ideológica. Manifestação de Eduardo Bolsonaro a favor de Trump recebeu imediata resposta de deputado democrata, presidente da Comissão de Relações Exteriores: “A família Bolsonaro precisa ficar fora da eleição dos EUA”.

Em termos institucionais, o relacionamento bilateral continuará a ter baixa prioridade e o novo presidente poderá até fazer alguns gestos para afastar o Brasil da China. As críticas continuarão, como vimos recentemente, quando, por conta da política ambiental e de direitos humanos em relação aos índios, Comitê de Orçamento da Câmara, relatório do Departamento de Estado e carta de deputada democrata criticaram o governo brasileiro e pediram que não seja negociado nenhum acordo comercial com o Brasil, haja sanções contra Brasília e seja vetada ajuda na área de defesa ao Brasil como aliado da Otan. O alinhamento com os EUA, nem sempre concretizado nas relações bilaterais, tornou-se automático nas votações de resoluções sobre costumes, mulheres, direitos humanos, saúde e sobre o Oriente Médio nos organismos multilaterais (ONU, OMS, OMC). Em muitos casos o Brasil fica isolado com EUA e Israel e nas questões de costumes fica acompanhado de países conservadores, como Arábia Saudita, Líbia, Congo e Egito. Com a mudança na política de Biden nos organismos multilaterais, o Brasil tenderá a ficar ainda mais isolado, sem a companhia dos EUA.

A geopolítica será o dilema mais sério para o governo brasileiro caso Biden vença a eleição. A crescente presença da China na América do Sul está na raiz da decisão de Washington de apresentar candidato a presidência do BID contra um representante brasileiro, e pode ser indício de um renovado interesse político dos EUA para conter Beijing com pressão financeira sobre os países da região. Seria a volta da Doutrina Monroe. O apoio brasileiro à proposta dos EUA para discutir se países que não são economia de mercado podem ser membros da OMC – o que, na prática, excluiria a China – e uma eventual decisão contra a empresa chinesa na licitação do 5G indicariam que o Brasil teria escolhido seu lado no confronto. Será que os EUA levarão o governo brasileiro a se chocar com a China? Não convém ao Brasil ajudar a trazer a disputa geopolítica para a região, nem tomar partido por um dos lados numa longa disputa que está apenas começando. Permanecer equidistante é o que defende o vice-presidente Hamilton Mourão.

Menos ideologia e geopolítica e mais interesse nacional é o que o bom senso recomenda nesse momento de incerteza nos rumos da relação Brasil-EUA.

*Presidente do IRICE


Rubens Barbosa: Relações entre civis e militares

Seria importante comandantes das FFAA se dissociarem de atos contra as instituições

As relações entre civis e militares ao logo da História republicana nunca foram bem resolvidas. O pensamento e as atitudes de cada lado se aproximam ou se distanciam por interesses comuns ou por questões ideológicas momentâneas.

Não faltam exemplos de cada uma dessas situações, a começar da Proclamação da República, passando pelo tenentismo, pelo período Vargas, pelo movimento de 64 e, agora, com a forte presença militar num governo civil eleito democraticamente. Nos últimos 35 anos, cabe ressaltar, as Forças Armadas cumpriram exemplarmente seu papel constitucional, mas não se pode negar a ocorrência de tensões, de tempos em tempos, em grande medida por desconhecimento da sociedade civil de suas atividades, prioridades e ações.

No tocante à política interna, do lado militar ainda não foi claramente resolvida a diferença da ação política entre militares da ativa e da reserva. Do lado civil, para ficar nos tempos mais contemporâneos, desde as “vivandeiras de quartéis” até hoje, com os que pedem a intervenção das Forças Armadas e o fechamento do Congresso e do STF, prevalece a tentativa de ignorar os limites do papel dos militares na política.

Do lado militar, não está explicitada claramente a separação entre o profissionalismo das Forças Armadas como instituição do Estado, sem manifestação de apoio a partidos ou grupos políticos, e a atuação política de militares que, ao passarem para a reserva, incorporam valores civis e deixam de representar a instituição.

Do lado civil, Congresso e sociedade deveriam ter maior presença nas discussões sobre questões de interesse das Forças. A Estratégia e a Política Nacional de Defesa, que deverão ser submetidas a exame do Congresso, deveriam ser discutidas em profundidade e merecer a atenção da classe política, ao contrário de até aqui.

A ideia de um centro para o estudo das relações civis e militares, de defesa e segurança, sugerida pelo ministro Raul Jungmann e apoiada pelo Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), viria a preencher uma lacuna com a criação de um fórum privado para exame e discussão de temas relacionados com a despolitização das Forças Armadas, fortalecimento do controle civil e papel dos militares no processo decisório do Estado brasileiro.

No atual governo surgiu uma situação diferente dos governos anteriores a partir de 1985. Superado o período de governos militares, nos últimos 30 anos podem ter surgido tensões esporádicas, mas recentemente elas se acentuaram pela participação de grande número de militares da reserva e da ativa em cargos públicos no governo federal (mais de 2.900) e pelo estímulo de setores governamentais a ataques a instituições democráticas. No início julgou-se que os militares no governo poderiam servir de anteparo e de fator de moderação de políticas extremadas com forte viés ideológico, em especial na política externa, com graves e potenciais repercussões para os interesses brasileiros. Com o passar do tempo cresceu a dubiedade de afirmações de militares ministros (“consequências gravíssimas”, “esticar a corda”, “não cumprem ordens absurdas, como a tomada de poder por outro Poder da República por conta de julgamentos políticos”, sempre ressaltando o respeito à Constituição) e a percepção de que as Forças Armadas estão associadas ao governo e o apoiam. Isso resultou no desgaste da instituição e na crescente rejeição de ideias antidemocráticas.

Diferentes interpretações sobre o papel das Forças Armadas, estimuladas tanto por setores civis como por militares, trouxeram a público a discussão sobre o poder moderador dos militares, à luz do artigo 142 da Constituição. O presidente do STF, Dias Toffoli, havia se manifestado no sentido de que “as FFAA sabem muito bem que o artigo 142 da Constituição não lhes confere o papel de poder moderador”. O voto do ministro Luiz Fux, ao fixar regras e limites de atuação das Forças Armadas, conforme a Constituição, tudo indica, deverá ser respaldado pelo plenário do STF. A nota assinada pelo presidente da República, pelo vice-presidente e pelo ministro da Defesa aceita essa interpretação, ao lembrar que “as FFAA destinam-se à defesa da pátria, à garantia dos Poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”. A decisão da Suprema Corte poderá ser a pedra angular do novo relacionamento entre civis e militares.

Militares em funções políticas de ministros e altos funcionários do governo observam seguidamente que as atitudes políticas de militares com postos no governo são de lealdade e não podem ser confundidas com a postura isenta das Forças Armadas como instituições de Estado. É do vice-presidente, militar da reserva, a afirmação de que “precisa acabar essa história de que as FFAA estão metidas na política”.

Essas afirmações seriam corroboradas pelo silêncio dos comandantes das três Forças, militares profissionais em função no Ministério da Defesa. Para encerrar de vez esse capítulo seria importante que os comandantes das três Forças se manifestem publicamente, dissociando-as de demonstrações contra as instituições, caso venham a se repetir. Com isso ficaria claro o não envolvimento da instituição na política interna e seu total respeito à Constituição.

*Embaixador, com tese de mestrado sobre as relações entre civis e militares na London School of economics (1972)


Rubens Barbosa: A Amazônia em tempos de globalização

Em ambiente e clima, o Brasil perdeu a voz e a visibilidade no mundo que teve desde a Rio-92

Destravando a Agenda da Bioeconomia na Amazônia foi tema do encontro live organizado pelo Instituto Escolhas e pelo Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), na semana passada. Tivemos a oportunidade de tratar da questão da bioeconomia e da proteção da Floresta Amazônica como fator de projeção do Brasil no cenário internacional. Questões mais que nunca atuais e relevantes em vista da percepção externa do País extremamente negativa.

É indubitável que o meio ambiente entrou definitivamente na agenda global e um dos focos principais é a preservação da Floresta Amazônica. As imagens relacionadas a desmatamento, queimadas e garimpo ilegal na Amazônia em 2019 ganharam repercussão mundial. A retórica e algumas medidas e políticas governamentais contribuíram para a escalada da opinião pública internacional contra o Brasil, agravada agora pela maneira como é vista a condução das políticas em relação à pandemia e à confrontação política interna.

As preocupações com a preservação do meio ambiente e com a mudança do clima passaram a ter um impacto que vai além das sanções políticas, como no passado. Agora, com a entrada em cena da figura do consumidor e com a inclusão de políticas ambientais nas negociações de acordos comerciais, as consequências são econômicas e comerciais. Atraem restrições às exportações, boicotes e a inclusão de cláusulas específicas de desenvolvimento sustentável nos acordos comerciais, como ocorreu nas negociações do Mercosul com a União Europeia (UE). E Parlamentos europeus já estão votando moções contra o acordo com o Mercosul. O plano de recuperação da UE, depois da covid-19, inclui uma política industrial e uma política ambiental (Green Deal), que preveem punição a empresas que importarem produtos provenientes de áreas de desmatamento florestal.

Desde a conferência sobre meio ambiente realizada no Rio em 1992 o Brasil se tornara um ator relevante, com grande influência nas discussões e na implementação de políticas de meio ambiente e mudança de clima, como resultado do trabalho coordenado do Itamaraty e do Ministério do Meio Ambiente. O cenário atual mudou e o Brasil perdeu voz e a posição de visibilidade no mundo que ocupou nessa área nos últimos quase 30 anos.

O que fazer para transformar a percepção negativa do Brasil no exterior e evitar consequências contrárias aos interesses concretos do setor do agronegócio, o mais visado e prejudicado pela crescente importância que as exportações de produtos primários adquiriram no comércio exterior brasileiro? Nos primeiros cinco meses de 2020 mais de 65% das exportações brasileiras foram de commodities.

Restabelecer a credibilidade externa com o reconhecimento dos erros cometidos, recuperar a narrativa com resultados concretos de medidas e políticas adotadas e voltar a participar ativamente das discussões nos fóruns internacionais sobre a agenda de meio ambiente e mudança de clima são algumas das atitudes a tomar para que Brasil possa reverter essa percepção externa.

Vão na direção correta as recentes medidas do governo relacionadas ao restabelecimento em novas bases do Conselho da Amazônia, sob a coordenação do vice-presidente Hamilton Mourão, a abertura de negociações com a Noruega e a Alemanha para a volta da governança e do funcionamento original do Fundo Amazônia e a decisão de enviar o Exército para apoio ao Ibama e ao ICMbio no combate a ações ilegais de desmatamento, queimadas e garimpo ilegal na região. O Ministério da Economia está estudando um plano para o desenvolvimento econômico da região com o objetivo de discutir o regime de incentivos fiscais da União, inclusive no contexto da reforma tributária. A proposta de associar a Zona Franca de Manaus à biodiversidade da Floresta Amazônica poderia inicialmente complementar as atividades industriais hoje existentes.

De parte da sociedade civil, foi encaminhada ao governo, via presidência do Conselho da Amazônia, proposta do Instituto Escolhas e do Irice de um plano integrado da bioeconomia na Amazônia visando a utilizar os recursos naturais e humanos da região para estimular a economia e o emprego. O plano abre a possibilidade concreta de uma política consistente em curto, médio e longo prazos, com apoio de empresas nacionais e estrangeiras, além de governos e instituições financeiras internacionais. Estudo da OCDE mostra que até 2030 a contribuição da biotecnologia pode subir a mais de US$ 1 trilhão, distribuído entre os setores de saúde, produção primária e industrial. Por outro lado, a iniciativa da diplomacia ambiental que o Irice está desenvolvendo vai produzir um levantamento objetivo e transparente dos compromissos assumidos pelo Brasil em todos os acordos incluídos no capítulo de desenvolvimento sustentável do acordo Mercosul-União Europeia e o grau de cumprimento deles.

A defesa do interesse nacional aconselha, como defende o vice-presidente Mourão, uma narrativa transparente com a apresentação de resultados concretos e uma mudança de postura, com o abandono da atitude defensiva e com políticas e medidas para a defesa da Floresta Amazônica, acima de ideologias e partidos.

*Presidente do IRICE


Rubens Barbosa: Bom senso acima de tudo

Acima de partidos e ideologias, o interesse nacional deve ser a tônica na recuperação

Análises e estudos das principais organizações internacionais indicam que a pandemia pode estender-se por um período maior que o antecipado. A vacina contra a covid-19 promete tardar para ser comercializada.

A recessão global vai ser profunda e demorada. As consequências sobre a economia e o comércio internacional poderão ser devastadoras, com grave queda do crescimento e do desemprego global.

A recuperação do Brasil não vai ser rápida, nem o País sairá mais forte, como alguns anunciam. Os efeitos sobre o Brasil hão de perdurar por muito tempo caso medidas drásticas não sejam tomadas. É tempo de repensar nossas vulnerabilidades e aproveitar para passar o Brasil a limpo, de modo a modernizá-lo com menor desigualdade regional e social. E também definir o lugar do Brasil no mundo, como uma das dez maiores economias, inserido de forma competitiva nos fluxos dinâmicos do comércio internacional.

O Executivo – levando em conta o pacto federativo – tem um compromisso inadiável com a aprovação e execução de reformas (sobretudo a tributária e a administrativa) e com medidas regulatórias, simplificação e desburocratização para aumentar a competitividade da economia, tornar mais ágeis as agências reguladoras e tornar efetivas as prometidas desestatizações e vendas de centenas de empresas estatais/paraestatais e concessões de serviços públicos.

Será indispensável um trabalho conjunto e coordenado com o Congresso para avançar nas medidas legislativas essenciais para criar condições de atrair investimentos do setor privado interno e externo. Com a tendência a maior informalidade e pobreza na saída da pandemia, será inevitável, na área social, discutir como tornar permanente o programa de auxílio emergencial para dar proteção a quase 80 milhões de beneficiários. A gravidade da crise, que afetou a todos, exigirá menos atritos entre os Poderes e mais agilidade e rapidez dos legisladores para discutir essas agendas ainda este ano.

Em vista do impacto da crise sobre a economia em todos os países, haverá crescimento do papel do Estado como indutor do investimento público e privado. A exemplo do que ocorre nos EUA e na Europa, o governo central deverá aumentar seu gasto para estimular a recuperação da economia, com impacto fiscal inevitável pela flexibilização de medidas de contenção fiscal, mas com políticas para o controle das contas públicas em médio prazo (âncora fiscal). No caso do Brasil, à luz das políticas liberais do governo, a ênfase está posta na importância da participação do setor privado na fase de recuperação. O envolvimento do setor privado e de organismos financeiros internacionais, contudo, não será automático e dependerá de condições mínimas de segurança jurídica para o investimento, de prioridade em relação a projetos de concessão e obras públicas e de sinalização clara de transparência no trato com o governo.

A ausência de liderança e de uma clara visão estratégica de médio e longo prazos para a condução do processo de recuperação do País pode impedir que medidas duras sejam tomadas para fazer o Brasil superar o impacto da crise. Não existe vácuo em política. Alguém terá de ocupar esse espaço.

O grupo de trabalho criado pelo Executivo e presidido pela Casa Civil deveria ser o catalisador dos esforços visando à recuperação da economia e liderar, em nome do presidente da República, a efetiva coordenação entre representantes dos três Poderes, dos órgãos reguladores e outros que interferem no processo administrativo.

As atividades desse grupo começaram a ser tratadas na famosa reunião ministerial agora tornada pública. Seu âmbito poderia ser ampliado e envolver, além do Executivo, nos próximos três meses, outros segmentos da sociedade: Congresso, economistas, empresários, trabalhadores e instituições técnicas especializadas. O Ministério da Economia começa a traçar cenários e a fazer estimativas para o day after, que – se espera – devem estar articulados com o grupo de trabalho.

Será importante conseguir um consenso mínimo para acelerar a implementação de políticas e de medidas essenciais com o objetivo de retomar o crescimento, reduzir o desemprego e aperfeiçoar as funções do Estado.

Não se pode esperar a adesão de todos ao programa que vier a ser aprovado, pela radicalização das posições em vista da divisão política existente hoje. É sintomático – e um desafio para outras forças políticas – que o PT tenha decidido engajar-se nessa discussão e dar inicio à formulação de projeto de retomada econômica, criação de empregos, reestruturação do Estado e da soberania nacional. O bom senso aconselha que o interesse nacional, acima de partidos e ideologias, com visão de médio e longo prazos, deva ser a tônica das discussões.

Caso a situação política não permita avançar com essa agenda, a alternativa será o aprofundamento da crise econômica, política e social, com a paralisia dos governos federal e dos Estados e municípios, com alto custo para a população.

Nada é mais difícil de executar, mais duvidoso de ter êxito ou mais perigoso de manejar do que dar início a uma nova ordem de coisas, já ensinava Maquiavel. Essa lição de realismo deveria ser seguida hoje pelos formuladores de políticas em Brasília.

*Presidente do instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE)


Rubens Barbosa: Moro, as borboletas, as cobras e as lagartixas

Um ano atrás, em seu discurso de posse, o ministro de Minas e Energia, almirante Bento Albuquerque, que tão bem conhece o setor nuclear brasileiro, disse que o atual governo pretende “estabelecer um diálogo objetivo, desarmado e pragmático com a sociedade e com o mercado sobre o programa nuclear, fonte estratégica da matriz energética brasileira. O Brasil não pode se entregar ao preconceito e à desinformação desperdiçando duas vantagens competitivas raras que temos no cenário internacional – o domínio da tecnologia e do ciclo do combustível nuclear e a existência de grandes reservas de urânio em nosso território”.

No pós-pandemia, a redução das vulnerabilidades nacionais vai ser um dos desafios para o governo. Levando em conta as novas circunstâncias globais e a necessidade de o Brasil ter capacidade de assegurar suprimento de suas necessidades essenciais com base na produção local, além da manutenção da política que permita o monitoramento de materiais nucleares, torna-se urgente que sua exploração e comercialização sejam privatizadas.

Dada as características estratégicas da utilização desses minérios, seria importante associar o setor privado aos trabalhos da empresa Indústrias Nucleares do Brasil (INB), estatal responsável pela política de lavra e comercialização do urânio e das terras raras. As restrições orçamentárias, agravadas pelo esforço de reconstrução do País, certamente vão continuar a afetar a capacidade de investimento da empresa estatal. A perspectiva de aumento da produção deles será facilitada pela eventual parceria com o setor privado na exploração mineral. A solução dessa dificuldade vem sendo buscada e uma das possibilidades é a formação de consórcio entre a INB e empresas privadas. Existe uma série de situações intermediárias em que a venda do urânio secundário extraído pela INB poderia ser lucrativa tanto para o minerador como para a estatal. A solução deste impasse não precisaria passar pela revogação do monopólio, mas provavelmente necessite de alteração na legislação.

A recessão global pós-covid-19 pode abrir uma janela de oportunidades. A retomada da economia global e o gradual retorno do mercado externo representarão incentivos para o investimento privado. O Brasil possui a segunda maior reserva global de terras raras, considerado mineral estratégico, e a sexta maior de urânio, embora ainda o importemos para o abastecimento das duas usinas nucleares em funcionamento. Além desse minério, a demanda global por terras raras para diversificar as fontes de seu suprimento coloca o Brasil em posição privilegiada não só para atrair novas tecnologias, como também para participar de um promissor mercado externo para o urânio enriquecido. O interesse externo pelas reservas brasileiras é grande. Impõe-se a aprovação de regras claras de longo prazo que defendam o interesse nacional e possam atrair investimento para a exploração dessa riqueza.

Outro setor que merece idêntico interesse é o de utilização da tecnologia nuclear na saúde – a especialidade denominada medicina nuclear, responsável por milhares de diagnósticos que mudam a perspectiva e a conduta clínica de pacientes oncológicos, cardiológicos e mesmo neurológicos, e que recentemente começou a dar importante contribuição ao tratamento de pacientes oncológicos, com soluções mais adequadas para os casos de metástase do câncer de próstata, por exemplo. A produção e a comercialização de uma série de radioisótopos essenciais à medicina nuclear continuam sob o monopólio da União e sob dois órgãos, o Ipen e o IEN, autorizados a produzir para uso médico todos os demais radioisótopos. O ideal seria universalizar a oferta dos procedimentos da medicina nuclear, de forma a permitir que agentes privados produzam e comercializem os radioisótopos de uso médico, com o controle da CNEN.

O Congresso deveria examinar com urgência a flexibilização do monopólio para a produção de radiofármacos. A Constituição prevê, no artigo 21, XXIII, b), a autorização para a comercialização e utilização de radioisótopos para pesquisa e usos médicos, agrícolas e industriais. A produção e o desenvolvimento de radiofármacos no Brasil está longe de atender adequada e rapidamente à medicina nuclear, com prejuízo da população, seja na distribuição, seja na oferta de novos produtos. A flexibilização do monopólio, entre outras vantagens e benefícios, favorece maior desenvolvimento de novos radiofármacos, resolve o conflito de atribuições da CNEN, que vem historicamente questionando a produção x fiscalização, e permite a participação de empresa internacional como supridora regular do 99Mo e outros radiofármacos. O Brasil pode se transformar em fornecedor importante desses insumos médicos no mercado global.

O governo brasileiro constituiu o Comitê de Desenvolvimento do Programa Nuclear Brasileiro, que, entre outras funções, deve analisar a conveniência de flexibilizar o monopólio da União na pesquisa e na lavra de minérios nucleares, coordenado pelo Ministério de Minas e Energia, e ainda na produção de radiofármacos, sob coordenação do Ministério da Ciência e Tecnologia, conforme previsto na PEC 517/2010.

PRESIDENTE DO INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS E COMÉRCIO EXTERIOR (IRICE)


Rubens Barbosa: O Brasil depois da covid-19

Sociedade civil deveria começar a discutir estratégias internas e externas de médio prazo

Como é natural, a quase totalidade das análises e dos comentários na imprensa falada, escrita, nas TVs e na mídia social se concentra hoje nos grandes desafios internos para superar a crise provocada pelo coronavírus. Depois de a pandemia passar, o Brasil e o mundo serão outros.

Do ângulo interno, os desafios econômico-financeiros, sociais, de logística, de modernização do Estado, do fim dos privilégios, da violência e da corrupção vão ter de ser enfrentados como nunca antes. O Brasil deverá ser reconstruído. O orçamento de guerra determinou despesas indispensáveis para atender aos trabalhadores formais e informais e as empresas afetadas pela quase paralisia da economia doméstica e global. Como tratar o déficit publico e fiscal? Como sair da recessão? Como gerar crescimento e reduzir as desigualdades e o desemprego? Como ficará o equilíbrio federativo? A sociedade brasileira vai ter de enfrentar um período de decisões profundas sobre as prioridades nacionais, as contas públicas, o funcionamento do Estado, a reativação da economia, a reindustrialização, enfim, essas e outras vulnerabilidades que, diante da crise, ficaram evidentes.

As incertezas são crescentes. Segundo os ministros de comércio exterior do G-20, a economia global em 2020 poderá reduzir-se em 5% ou 6% e o comércio externo, entre 5% e 30%. Como evoluirão a economia e o comércio internacional? Como as duas maiores potências globais, EUA e China, serão afetadas? Como evoluirá a governança global - ONU, OMC, BM, FMI e OMS, entre outros organismos? Como evoluirão a globalização e a dependência dos países e das empresas da capacidade industrial da China nas cadeias produtivas globais? A interdependência vai prevalecer ou as tendências e políticas nacionalistas e isolacionistas dominarão? Como ficará a disputa entre China e EUA pela hegemonia global no século 21? Como reagirão os países emergentes, potências médias, entre as quais se inclui o Brasil? Como os países enfrentarão a desigualdade entre as nações e dentro de seus territórios, cada vez mais uma ameaça à estabilidade política e econômica? Qual será, no mundo, o lugar desse Brasil que emergirá? Como as grandes transformações econômicas, comerciais e políticas afetarão os interesses nacionais? Como o Brasil se posicionará no contexto hemisférico e regional? Como o Brasil deveria reagir se a confrontação EUA-China continuar a se ampliar? Como o Brasil poderá contribuir para o fortalecimento da governança global? Como ficarão as políticas em relação ao meio ambiente e à mudança de clima em face da nova importância nas negociações comerciais, como Mercosul-União Europeia?

Levando em conta o peso da economia nacional, em especial no setor do agronegócio, e a necessidade de melhorar a competitividade do setor industrial e de serviços, com a tendência de descentralização da produção industrial da China, é provável que surjam oportunidades de investimento. Para isso - para competir com países em melhor posição, como Vietnã e outros asiáticos - os problemas internos políticos, econômicos e sociais deveriam ser rapidamente enfrentados para fortalecer a capacidade produtiva nacional. O Brasil vai depender de uma sólida base nacional para competir e para isso deverão ser adotadas medidas efetivas para reindustrialização e aumento da competitividade.

Controlada e superada a crise pandêmica, será importante ter uma visão estratégica de médio e longo prazos das perspectivas relativas à economia e à projeção externa do País. Todos os países vão estar afetados por crises em cascata. Como o Brasil poderá aproveitar as oportunidades e reduzir os riscos de modo a ter uma voz fortalecida no cenário internacional?

Não será fácil chegar a um consenso, pela polarização ideológica, pela divisão da sociedade brasileira e pela ausência de lideranças expressivas que possam inspirar essas discussões. O mundo não vai esperar pelo Brasil. A paralisia dos principais atores políticos e a falta de visão estratégica e de futuro levarão à marginalização e, mais uma vez, o País poderá perder uma oportunidade histórica para se afirmar como potência média a ser ouvida na defesa de seus interesses.

Em vista disso, a sociedade civil - empresários, trabalhadores, academia, junto com o Congresso, o Judiciário e o Executivo - deveria começar a discutir uma estratégia de médio prazo nas áreas interna e externa.

Pensando no Brasil em primeiro lugar e deixando de lado ideologias, os Ministérios da Economia, Agricultura, Itamaraty, SAE, Meio Ambiente e Infraestrutura, em especial, além da Escola Superior de Guerra, e os (poucos) think tanks existentes deveriam somar esforços e iniciar uma discussão com propostas e ações visando ao emprego e ao crescimento para serem postas em vigência em caráter emergencial no pós-pandemia. Um conselho gestor da reconstrução poderia ser criado para coordenar as “medidas de guerra”, que deverão ser tomadas - é bom lembrar - no período que antecede as eleições presidenciais de 2022.

O Brasil é uma das dez maiores economias do mundo e devemos agir como tal, tendo como objetivo, pelo menos, manter o País nessa categoria.

Desde já, mãos à obra!

*Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE)


Rubens Barbosa: O impacto geopolítico do coronavírus

O mundo pós-pandemia deve emergir com novas prioridades, num novo cenário global

A epidemia do coronavírus – a pior dos últimos cem anos – terá profundas consequências sobre um mundo globalizado, sem lideranças alinhadas e pouco solidárias entre si. O impacto econômico e social vai ser profundo, com o custo recaindo nos mais pobres, fracos e idosos e em países menos preparados e desenvolvidos.

Os efeitos sobre os países e sobre a economia global estão sendo sentidos e deverão agravar-se antes de melhorar.

Como a geopolítica global poderá ficar afetada pela epidemia? O que poderá mudar no cenário global?

Duas observações iniciais. A crise atual mostrou que as fronteiras nacionais desapareceram com as facilidades do transporte aéreo e o imediatismo das comunicações. E que as políticas econômicas domésticas estão intimamente influenciadas pelo que acontece no resto do mundo. Nenhum país ou continente é uma ilha. Por outro lado, a extensão e a repercussão da crise, em larga medida, deriva do peso da China na economia global. No inicio da década, quando se disseminou a Sars, o país representava 4% da economia global, hoje representa 17%. A China é a segunda economia mundial, o maior importador e exportador do mundo e, para culminar, transformou-se num centro de suprimento de produtos industriais para as cadeias globais de valor.

Quais as consequências na relação entre os EUA e a China, as duas superpotências atuais? Nos últimos anos cresceu a competição entre os dois países pela hegemonia global no século 21. Os EUA, ao se isolarem e ampliarem ações confrontacionistas, protecionistas, nacionalistas e xenófobas, dificultam a interdependência dos países, como ocorre com a globalização. Enquanto os EUA apontam a China como adversária estratégica e criticam o governo pela condução da epidemia (vírus chinês), Beijing, ao invés de fechar as fronteiras, como fez Washington, favorece a abertura e a ampliação do comércio externo e manda médicos e equipamentos para a Itália, a Espanha e o Brasil a fim de ajudar a combater o coronavírus. A guerra fria econômica, a nova fase da confrontação, evidencia-se pela iniciativa chinesa da Rota da Seda, pela competição nas redes 5G e por conflitos sobre propriedade intelectual e inovações tecnológicas.

A pandemia poderá também ter efeito relevante no cenário interno dos dois países com consequências geopolíticas. Xi Jinping disse que caso a epidemia se prolongue haverá o risco de instabilidade econômica e social no país. A maneira como, de início, Donald Trump conduziu a crise epidêmica em seu país foi muito criticada e sua popularidade caiu. As prévias do Partido Democrata vêm definindo Joe Biden como o candidato contra Trump, com apoio do centro moderado. Caso essa tendência se firme, pela primeira vez seria possível pensar numa derrota do atual presidente. O resultado da eleição, em novembro, poderá ter efeitos importantes na geopolítica global caso haja uma mudança da atitude do governo de Washington em relação ao mundo.

Outra questão é como países e empresas reagirão para reduzir sua dependência do mercado e da produção de partes e componentes chineses nas cadeias produtivas. A tendência poderá ser uma gradual redução dessa dependência e alguns países mais preparados e organizados, como o Vietnã e alguns outros asiáticos, poderão sair ganhando com investimentos para substituir a China. Em médio prazo, a projeção externa das grandes economias vai depender de sua base produtiva nacional e de sua competitividade.

A estabilidade política e econômica global poderá ser significativamente afetada pela vigilância biométrica, que poderá vir a ser implantada para evitar epidemias futuras. A preocupação com a saúde poderá levar à invasão da privacidade, com possíveis reflexos em políticas totalitárias. Quanto à dramática queda do crescimento dos EUA e da China, as projeções apontam para uma redução norte-americana de 4% no primeiro trimestre e 14% no segundo. Para a China as estimativas de crescimento não são maiores que 3,5% para 2020. Caso os EUA entrem em recessão e as projeções sobre a China se confirmem, não se pode afastar a possibilidade de recessão e, no pior cenário, de uma depressão, talvez mais dramática que a de 1929, por não ficar limitada ao setor financeiro. Como os países emergentes, produtores agrícolas, sairão de um cenário tão dramático como esse?

A Europa está debilitada pela saída do Reino Unido e viu a situação humanitária, social e econômica agravada pela crise em alguns países, como Itália e Espanha. Em cenário dramático como o atual, é possível prever que o continente sairá com seu poder relativo diminuído.

O Brasil, uma das dez maiores economias do mundo, terá de se ajustar rapidamente à nova geopolítica global, sob pena de perder mais uma vez a oportunidade de se projetar como potência média em ascensão.

Em outros momentos da História, movimentos tectônicos transformaram o equilíbrio de poder entre as nações e os rumos da economia. O mundo pós-coronavirus deverá emergir com novas prioridades e com um novo cenário geopolítico, com a Ásia – em especial a China – em melhor posição para ocupar um crescente espaço político e econômico.

*Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE)


Foto: Beto Barata\PR

Rubens Barbosa: Novos ventos no Planalto

A recomposição do equilíbrio de poder enfraquece a influência do grupo ideológico

Os ventos no Palácio do Planalto poderão mudar com a nomeação do general Braga Netto para a chefia da Casa Civil e do almirante Flávio Rocha para a Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE).

A Casa Civil, que deve coordenar todas as ações do governo federal, sai fortalecida e tem o potencial de transformar a maneira como o Executivo lida com o Legislativo e o Judiciário. Com uma reviravolta nas atribuições ministeriais, a SAE passa a ter a responsabilidade da elaboração de subsídios para a formulação do planejamento estratégico e de ações externas de governo.

Agora vinculada diretamente ao presidente da República, a SAE foi significativamente fortalecida. As atribuições da Assessoria Internacional passam para a SAE, que deverá assistir o presidente da República no desempenho de suas atribuições e, especialmente, na realização de estudos e contatos por ele determinados em assuntos que subsidiem a coordenação de ações com organizações estrangeiras; assistir o presidente da República, em articulação com o gabinete pessoal do presidente, na preparação de material de informação e de apoio, de encontros e audiências com autoridades e personalidades estrangeiras; preparar a correspondência do presidente com autoridades e personalidades estrangeiras; participar, em articulação com os demais órgãos competentes, do planejamento, da preparação e da execução das viagens presidenciais internacionais; e encaminhar e processar as proposições e os expedientes da área diplomática, em tramitação na Presidência. O assessor internacional, Felipe Martins, passa a ser subordinado do chefe da SAE, o almirante Flávio Rocha.

A recomposição do equilíbrio de poder no Planalto enfraquece a influência do grupo ideológico e familiar. Será interessante acompanhar a reação do núcleo olavista palaciano à decisão presidencial. A mudança de cadeiras tem o potencial de facilitar a busca de maior racionalidade e de resultados para as iniciativas na área internacional, além do relacionamento com o Congresso e o Judiciário, sujeitos a fortes turbulências na semana passada.

Cabe ressaltar a volta dos militares ao centro do processo decisório do atual governo. Logo depois da posse, houve a ocupação de importante espaço por militares, que exerceram um papel moderador. Depois de um período de baixa visibilidade, o retorno dos oficiais-generais, três deles da ativa, desperta a expectativa de que algumas ênfases devam mudar. Se a eles se acrescentar o papel do vice-presidente como coordenador do Conselho da Amazônia, tem-se a extensão do poder e da influência da militarização do Planalto. A instituição, contudo, procura se manter independente das ações do governo como um todo.

E de esperar também um discurso mais conciliador com o Congresso e o Judiciário e uma ação menos ideológica do Itamaraty na política externa. O interesse nacional acima da pregação ideológica. Isso não significa que a retórica do atual governo vá mudar. Ela deve continuar para alcançar objetivos políticos internos do interesse presidencial, mas é possível especular que foram criadas condições para que o governo possa desenvolver políticas internas e externas mais pragmáticas com visão de médio e longo prazos.

Os mais de dez militares, nas funções públicas que ocupam atualmente, têm reiterado suas convicções democráticas, apesar de alguns excessos retóricos, e atuam acima de interesses clientelísticos ou partidários, como vimos nesse primeiro ano de governo.

Resta saber como a alta assessoria militar do presidente vai enfrentar os desafios a que está sendo submetida.

A coordenação com o Congresso Nacional no encaminhamento, discussão e votação das reformas tributária e administrativa e as políticas a serem aprovadas em âmbito federal no Conselho da Amazônia serão talvez os desafios mais importantes do grupo militar. A política ambiental e as ações na Amazônia, tendo em vista a mudança no cenário internacional e a vinculação de empréstimos e investimentos e de boicote de consumidores a políticas de desenvolvimento sustentável, deverão estar no centro das preocupações do Planalto nos próximos anos. Até pela necessidade de convencimento de alguns governos e parlamentos europeus para a ratificação do acordo do Mercosul com a União Europeia.

Na área externa, pelos efeitos internos e externos imediatos, podem ser lembradas as tratativas com o novo governo da Argentina, em especial no comércio exterior e no processo de integração regional; com Israel no tocante à mudança da embaixada para Jerusalém, de interesse dos evangélicos; as incerteza acerca do alinhamento com os EUA à luz das eleições presidenciais norte-americanas e de decisões que poderão ter efeito sobre o relacionamento com a China, como, por exemplo, a estratégica e urgente decisão sobre a licitação do 5G; e, pelas relações entre as Forças Armadas dos dois países, a Venezuela, onde o Brasil poderia ter papel relevante nas negociações para a democracia, sem abrir mão da posição crítica ao governo de Maduro – como estão fazendo os EUA e o Canadá.

*Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE)