Rubens Barbosa

Rubens Barbosa: Desaparecimento do centro - O exemplo do Peru

Quando a classe política e a sociedade no Brasil passarem a se concentrar no pleito de 2022, devem pensar na eleição que ocorreu em abril naquele país

Rubens Barbosa / O Estado de S. Paulo

A um ano das eleições presidenciais, continua forte o ceticismo em relação ao surgimento de um movimento que crie condições para evitar a divisão e superar a radicalização eleitoral. A baixa presença na manifestação de 12 de setembro contra o governo e as pesquisas de opinião reforçam a percepção de que o cenário eleitoral já está consolidado. Muitos consideram como definitiva a predominância de duas candidaturas dos extremos do espectro político nacional, contrapondo duas visões de mundo e de solução para os impasses que a sociedade brasileira enfrenta. A confrontação e o acirramento dos ânimos durante a campanha eleitoral e, depois, com o novo governo, a partir de 1.º de janeiro de 2023, seriam inevitáveis como consequências naturais deste cenário de polarização.

Essa percepção, hoje majoritária, traz à mente o que aconteceu na eleição presidencial que ocorreu no Peru em abril passado. O país viveu uma série de crises políticas, econômicas, sociais e de corrupção (que envolveu a Odebrecht), que trouxe forte instabilidade interna e uma profunda divisão do país. Neste contexto, a campanha eleitoral acirrou a radicalização política e surgiram mais de 15 candidatos à presidência, desde a esquerda radical, com candidato do Partido Comunista, até a extrema-direita, passando por mais de dez candidatos que se apresentavam como distantes dos dois polos políticos.

No primeiro turno, o candidato da esquerda obteve 18% dos votos; a da direita, 13%; e os quatro candidatos de centro mais votados somaram juntos mais de 30%. Dois terços dos eleitores não votaram em nenhum dos dois candidatos e os votos nulos e brancos foram maiores do que os recebidos pelo candidato mais votado. Foram para o segundo turno os representantes dos extremos radicais. A divisão no país aumentou, o segundo turno se realizou num clima de crescente radicalização e a diferença a favor da esquerda foi mínima, o que acarretou contestação do resultado, com pedidos de recontagem de votos e de anulação do pleito sob alegação de fraude.

Depois de mais de um mês, a corte eleitoral confirmou o resultado das urnas e a esquerda tomou posse, formou um governo precário e começou a pôr em ação sua proposta de mudança da Constituição. Em pouco mais de 7 meses no comando do país, o presidente já enfrentou 3 crises políticas, a economia continua desacelerada e os problemas econômicos e sociais se acumulam.

Ao lembrar o que aconteceu no Peru, poderíamos repetir o “eu sou você amanhã”? O exemplo do Peru deveria estar presente a partir do momento em que a classe política e a sociedade brasileira passarem a se concentrar na eleição. O resultado nas eleições da Alemanha também é importante, pois os extremos, à direita e à esquerda, perderam para os moderados do centro.

Os tempos da política vão se impor. Agora não é o momento de discutir nomes. A hora é de criar condições para a união e, sobretudo, a formação de um consenso em torno da ideia de que, para o Brasil, não convém acentuar a divisão e a polarização. Manifestos e pronunciamentos de empresários do setor financeiro, do agronegócio e da indústria defendem essa convergência. Até o fim do ano, muita coisa vai acontecer, inclusive a realização da prévia do PSDB para a escolha do candidato do partido para as eleições de outubro de 2022. Com o resultado da prévia, escolhido o candidato, na etapa seguinte as prioridades serão a busca da unidade partidária e a coordenação com os outros partidos que pretendem lançar seus próprios nomes, como o União Brasil, o PSD e o MDB.

A partir de abril, com o fim do prazo para mudança de partido, até julho, quando ocorrerão as convenções partidárias, começará a decantação dos nomes, longe dos extremos, para a necessária convergência em torno daquele que, nas pesquisas de opinião, estará surgindo como o possível galvanizador do apoio da opinião pública, com expectativa de poder.

Não será fácil superar interesses e vaidades pessoais. As pesquisas até aqui, embora indiquem a polarização entre os extremos, mostram que mais de 50% dos consultados não votariam em nenhum dos dois candidatos. Esses eleitores estão na expectativa do surgimento de um nome que possa apresentar a esperança de um novo governo sem confrontação nem radicalismos, mas com uma visão de futuro para a reconstrução do País, depois da crise da saúde, com a pandemia, e da recuperação da economia, com a volta do crescimento e da renda e a redução do desemprego.

A tendência será o fortalecimento desse movimento, especialmente caso se confirmem as previsões de desaceleração da economia, a queda dos investimentos, da percepção de que a corrupção sistêmica vem aumentando e de que, se um dos candidatos dos extremos vencer, a governança nos próximos anos se tornará ainda mais complicada. De julho até outubro começará efetivamente a discussão de temas que atrairão a atenção do eleitor.

Não interessa à sociedade brasileira a divisão política do “nós e eles”. Para enfrentar os desafios internos e externos, o Brasil necessita de um governo que respeite a democracia e que recoloque o País no caminho do crescimento, com mais educação e emprego e com menos pobreza e fome.

*Presidente do Irice, é membro da Academia Paulista de Letras

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,desaparecimento-do-centro-o-exemplo-do-peru,70003879672


Rubens Barbosa: As transformações globais e a Defesa

É preciso aprimorar as instituições e processos voltados para questões da defesa nacional

Rubens Barbosa / O Estado de S. Paulo

As Forças Armadas no Brasil, para seu fortalecimento, deveriam passar por ajustes e transformações para responder aos desafios das profundas mudanças no cenário internacional. O crescente avanço tecnológico das últimas décadas transformou significativamente os paradigmas dos conflitos e das ameaças, exigindo de todos os países um questionamento permanente de adequação das estruturas de seus instrumentos de defesa e dos conceitos neles vigentes.

O Centro de Estudos da Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) elaborou documento de trabalho sobre a Política e a Estratégia Nacional de Defesa e encaminhou recomendações ao governo e ao Congresso para, num sentido mais amplo, aprimorar as instituições e processos voltados para questões da defesa nacional.

As recomendações abrangem três áreas consideradas relevantes e estratégicas:

Elevação do nível de tratamento pelo poder público dos temas de defesa, desde sua formulação até a implementação de políticas de defesa;

Transformação urgente nas instituições de defesa, de forma a adequá-las às necessidades do País diante dos novos paradigmas de conflitos e torná-las ajustadas às boas práticas internacionais;

Incrementar a participação de profissionais civis nas várias atividades voltadas para o preparo da capacidade militar, tanto as operacionais de combate como as de logística de defesa (industriais e pesquisa e desenvolvimento).

A primeira recomendação do Cedesen para a formulação de uma política nacional de defesa, e não apenas de defesa nacional, seria atribuir ao Conselho de Defesa Nacional (CDN), instituição do mais alto nível no âmbito do Executivo, a responsabilidade pela elaboração de documento abrangendo defesa, segurança e diplomacia e suas interfaces com o desenvolvimento, o que permitiria maior participação dos órgãos diretamente interessados em questões de defesa e segurança. Adicionalmente, para que o Congresso Nacional possa ter melhores condições de acompanhar os principais temas relacionados com a defesa e a segurança nacional, seria essencial a existência de um foro permanente que unisse as duas Casas do Poder Legislativo. Nesse sentido, o Cedesen recomendou o exame da possibilidade de criação de comissão mista de caráter permanente, integrada por deputados e senadores, para tratar de matérias de competência do Congresso Nacional na área de defesa e segurança nacional. Até aqui, cabe ao Ministério da Defesa (MD) a responsabilidade principal de elaboração da Política e da Estratégia Nacionais de Defesa, inclusive do Livro

Branco da Defesa Nacional. Na prática, entretanto, ocorre um reduzido envolvimento de outros órgãos, particularmente dos Ministérios das Relações Exteriores, Justiça e Economia, além, em particular, do próprio Congresso Nacional, como representante do povo brasileiro.

No tocante às mudanças institucionais nas estruturas de defesa, todos os países com alguma relevância econômica e/ou militar no cenário internacional se ajustaram à aceleração do desenvolvimento tecnológico, com a consequente e rápida obsolescência dos sistemas de armas e seus componentes críticos, com impacto na eficácia e sua manutenção. Foi levado em conta o aumento contínuo e significativo do custo dos sistemas de armas, particularmente pela necessária incorporação dos avanços tecnológicos, as restrições orçamentárias crescentes para a função defesa em períodos de paz e o interesse em contar com maior profissionalismo para a execução das atividades de logística de defesa, que se encontram entre as mais complexas que existem.

A recomendação feita pelo Cedesen, semelhante à encontrada nos principais países desenvolvidos, foi no sentido da separação das atividades de operações de combate e afins das de logística de defesa destinadas a aparelhar e apoiar o emprego das unidades combatentes das Forças Armadas. As atividades de aquisição de produtos e sistemas de defesa e de desenvolvimento de atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação específicas para defesa ficariam com um órgão independente das Forças Armadas, mas subordinado diretamente ao MD. Este órgão, que poderia evoluir a partir da Secretaria de Produtos de Defesa (Seprod), seria dotado de um corpo profissional de militares e civis com formação e capacitação adequadas e, no caso dos militares, com carreiras totalmente independentes das carreiras militares. Com relação à participação de profissionais ou especialistas civis, há muito vem sendo apontada a necessidade de sua admissão, no âmbito do Ministério da Defesa e de seus órgãos subordinados. Nesse particular, o Cedesen recomendou que a definição dos cargos e perfis profissionais que mais se adequem a uma ocupação por especialistas civis seja feita no âmbito dos estudos visando à transformação das instituições de defesa.

Na semana passada, o Cedesen realizou encontro (Youtube/cedesen-interesse nacional) para discutir as transformações no MD. As outras duas recomendações serão examinadas publicamente durante o corrente mês. Essas reuniões têm como objetivo ampliar o conhecimento e o envolvimento da sociedade civil no exame de temas de interesse da defesa e da segurança nacional. E o fortalecimento das Forças Armadas.

*Presidente do CEDESEN

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,as-transformacoes-globais-e-a-defesa,70003865892


Rubens Barbosa: Os novos desafios globais e o Itamaraty

Nos últimos anos o País não soube interpretar, segundo seus interesses, o sentido das mudanças

Rubens Barbosa / O Estado de S. Paulo

O discurso do presidente Bolsonaro na ONU recoloca em pauta a função e as atribuições do Itamaraty. A competência e o conselho informado para responder aos desafios que o Brasil está enfrentando foram deixados de lado. O Ministério das Relações Exteriores (MRE) perdeu o lugar que sempre teve como principal auxiliar do presidente na formulação e execução da política externa e de efetivo coordenador dos temas de interesse do Brasil na área externa.

O mundo atravessa um momento de grandes transformações nas áreas política, econômica e social. A geopolítica e a geoeconomia, que foram se modificando na última década, vão passar por uma série de ajustes com a saída dos EUA do Afeganistão. Qual o lugar dos EUA no mundo? Como a China, a nova superpotência comercial, tecnológica e militar, evoluirá? Como se desenvolverá o novo polo dinâmico de crescimento econômico e de comércio exterior? Qual o impacto dos rápidos avanços tecnológicos (5G e Inteligência Artificial)? Como a preocupação global sobre meio ambiente e mudança de clima será traduzida em medidas comerciais restritivas? Como o acirramento da competição global entre China e EUA pela hegemonia política no século 21 afetará os países? Qual o efeito sobre a globalização do reordenamento produtivo, das cadeias de produção, protecionismo, autonomia soberana, revolução energética, crise no multilateralismo? Como a regionalização afetará a geopolítica e a geoeconomia global (fortalecimento das potências regionais e dos acordos regionais)? Qual o futuro papel da América do Sul – continuará na periferia? Quais os riscos criados pelas novas ameaças (terrorismo, ataques cibernéticos, guerra no espaço)?

O Brasil, nos últimos dois anos, não soube interpretar corretamente, segundo seus interesses, o sentido dessas mudanças. Qual será o lugar do Brasil neste mundo que emerge? Como

as grandes transformações econômica, comerciais, tecnológicas e geopolíticas e geoeconômicas poderão afetar o interesse nacional? Como o Brasil se posicionará no contexto hemisférico e regional? Como o Brasil deverá reagir com a ampliação da confrontação entre China e EUA? Como o Brasil poderá contribuir para o fortalecimento da governança global? Como ficarão as políticas em relação às negociações em fóruns multilaterais (o Brasil assume em 2023 lugar no Conselho de Segurança da ONU)? Como implementar os objetivos estratégicos e os interesses do Brasil nas áreas onde pretende ter influência, como América do Sul, Antártica e o Oceano Atlântico até a costa ocidental da África, como definido na Política Nacional de Defesa (quais as implicações militares e políticas do oferecimento de parceria global com a Otan)?

Nossos interesses imediatos do ponto de vista da projeção externa incluem, em especial, a mudança da percepção externa negativa sobre o País, a volta do protagonismo nas negociações sobre meio ambiente e mudança de clima, com uma nova política em relação à proteção da Amazônia, a definição de uma política proativa para a América do Sul, o aperfeiçoamento da inteligência e da promoção no comércio exterior, a reativação da participação do Brasil nos organismos multilaterais (políticos e econômicocomerciais) e posição equidistante no confronto Eua-china, definindo, em cada caso, o interesse nacional acima de considerações ideológicas ou geopolíticas).

O Itamaraty – instituição de Estado, dedicada ao serviço dos interesses permanentes do País – terá de adequar a política externa aos novos desafios internos e externos com dinamismo e inovação. Para operar neste novo cenário, o Itamaraty precisa mais uma vez se renovar, pois nos últimos dois anos deixou de gozar da unanimidade nacional, em razão de interferências indevidas em seu trabalho analítico e em seus processos decisórios. Internamente, terá de promover uma reforma estrutural para corrigir as distorções das mudanças ocorridas em 2019 e fortalecer com pessoal os departamentos e secretarias em Brasília e as embaixadas, onde se concentrarão muitos dos interesses comerciais brasileiros, como a Ásia, o Sudeste da Ásia, a América do Sul e os Brics. A nova gestão à frente do MRE – que busca restabelecer a normalidade e as prioridades nas atividades da Casa – formalizou na presidência da Asean o interesse do Brasil em tornar-se parceiro de diálogo setorial desta associação asiática, em razão do grande interesse comercial para o agronegócio nacional. A criação de mais postos no exterior deveria estar subordinada a essas prioridades.

Os desafios que o Brasil terá de enfrentar nos próximos anos forçarão uma mudança de atitude dos funcionários diplomáticos e do governo como um todo para atender às demandas dos novos tempos. A presença mais ativa e visível do Itamaraty será importante para a recuperação de seu papel de coordenação nas matérias relacionadas com a área externa. Será imperativo dialogar com a academia e a sociedade civil em geral, e, em especial, abandonar posturas defensivas e tendências partidárias e ideológicas que contribuíram para a perda de sua influência e para o isolamento do Brasil num mundo em crescente transformação.

A reconstrução do Itamaraty e da política externa deveria ser uma das prioridades para um novo governo em janeiro de 2023.

*Membro da Academia Paulista de Letras, é presidente do IRICE

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,os-novos-desafios-globais-e-o-itamaraty,70003852533


Rubens Barbosa: Cá e lá, más fadas há

Nos EUA e no Brasil, populismo autoritário e tentativa de deslegitimar eleições

Rubens Barbosa / O Estado de S. Paulo

De retorno dos EUA, não resisto a comentar o cenário doméstico norte-americano no início do governo Biden, em meio à crise da pandemia, e compará-lo com o que se passa no Brasil. Se, no caso do Brasil, uma análise objetiva da situação atual aponta para uma forte preocupação com a evolução dos acontecimentos políticos, econômicos e sociais nos próximos meses e anos, nos EUA a crise apresenta-se mais grave e profunda. Dada sua posição de liderança no mundo, o desdobramento do que acontece nos EUA poderá afetar outros países e mesmo tendências globais.

A divisão da sociedade norte-americana – acentuada nos últimos anos, em especial na campanha política que precedeu a eleição presidencial – está presente nos principais temas em discussão diária nos jornais e na TV. A forma como os EUA saíram do Afeganistão fez aumentar a divisão, com Donald Trump pedindo a renúncia de Joe Biden.

A ameaça à democracia norte-americana é vista como a mais séria desde a guerra civil, em 1861. Sua exteriorização foi concretizada nos acontecimentos de 6 de janeiro, quando o Congresso, em Washington, foi invadido por uma multidão de fanáticos seguidores de Trump, o que começa a ser examinado por uma CPI no Senado. A polarização está presente desde a indicação dos membros republicanos pela presidente do Senado, sob a alegação de que iriam obstruir a busca da verdade sobre o que realmente aconteceu. Trump deu voz à classe média e aos mais pobres das áreas rurais, sobretudo nos Estados do sul, mais conservadores, e ampliou a retórica negacionista que hoje contamina o Partido Republicano. A atitude de negação da ciência e as evidências se estendem desde a recusa à vacinação e ao uso de máscaras, passando pela modificação da legislação eleitoral em 18 Estados para restringir o direito do voto das minorias, sobretudo a negra, até a modificação da regulamentação nas escolas para eliminar as discussões sobre costumes e raça.

A radicalização no Congresso dificulta o avanço da legislação prevendo reformas econômicas para estimular a renda e reduzir o desemprego. O impasse está presente num dos aspectos mais importantes, que são as dotações para obras de infraestrutura em todo o País. Aprovada por um voto no Senado, corre o risco de ser rejeitada na Câmara.

A questão do aumento da compra de armas e a explosão da violência durante a pandemia é outro item controvertido da agenda doméstica. Os números de mortes são os maiores registrados nos últimos anos e a compra ilegal de armas tem facilitado o crime organizado e a luta de gangues nas ruas das principais cidades, além dos atentados em escolas e lugares públicos. O tema está sendo tratado diretamente pelo presidente Biden, dada a gravidade da situação, que se mistura com as novas regras para tentar reduzir a violência das polícias estaduais, impregnadas de preconceito racial. O movimento nacional contra o racismo, que ganhou grande repercussão com a morte de dois negros por policiais, continua a ter papel importante, com a inevitável polarização.

Recentemente, diversos livros foram publicados com relatos das últimas semanas do governo Trump, depois do resultado das eleições. Os relatos mostram o caos reinante na Casa Branca em função da instabilidade emocional de Trump. A desastrosa ação presidencial nesse período foi além de sua denúncia, sem provas, de fraude nas eleições e da tentativa de reverter, com manobras no Judiciário e nos Estados, os resultados das eleições, que até hoje seus seguidores repetem ter sido ganha e que Biden roubou a eleição. As instituições prevaleceram. Integrantes das Forças Armadas saíram em defesa da democracia e as alegações de fraude foram derrotadas na Suprema Corte. Surgiram relatos de que o Alto Comando das Forças Armadas temia que Trump estivesse preparando um golpe de Estado e, como comandante supremo, iria convocá-las para dar-lhe o necessário respaldo. Nas conversas entre os militares, saiu a decisão de um pronunciamento público do chefe do Estado-Maior das Forças Armadas reafirmando a posição de instituição com um órgão de Estado, e não de governo. No âmbito da Defesa havia também o receio de que Trump, num arroubo insano, determinasse um ataque militar ao Irã, o que poderia desencadear grave crise no Oriente Médio. Precaução também foi tomada quanto ao acesso do presidente ao equipamento para uma ação nuclear.

Como se vê, o cenário doméstico nos EUA apresenta grande semelhança, em muitos aspectos, com o brasileiro. A preocupação com o funcionamento das instituições e da democracia não chega ao grau de risco que se percebe hoje no Brasil, por circunstâncias específicas do nosso país. O populismo com características autoritárias e a tentativa de deslegitimar as eleições estão presentes nos dois países. A grande diferença até aqui é a atitude pública de afastamento dos militares norte-americanos da política, enquanto recentemente ocorreu exatamente o contrário no Brasil. Militares da ativa e da reserva, em clara interferência política, fizeram declarações que foram interpretadas como de apoio às ameaças de realização das eleições em 2022 se o Congresso não aprovasse o voto impresso.

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,ca-e-la-mas-fadas-ha,70003819216


Cenário internacional: O Brasil, a OCDE e o meio ambiente

Correções e ajustes serão necessários para preencher os requisitos da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)

Rubens Barbosa / O Estado de S. Paulo

Desde que, em 2017, o Brasil pediu para ingressar na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o cenário internacional transformou-se de forma acentuada. A mudança do clima passou a ser vista como elemento importante para a política macroeconômica. Bancos centrais, reguladores e ministérios de finanças discutem estabilidade macroeconômica, regulação financeira e sustentabilidade fiscal relacionadas aos riscos climáticos. Organizações políticas multilaterais, como o G-7 e o G-20 passaram a incluir meio ambiente e mudança de clima entre suas prioridades e a União Europeia e os Estados Unidos põem esses temas no centro de reformas econômicas voltadas para o crescimento e a recuperação dos prejuízos causados pela pandemia.

No seu relatório anual, a OCDE faz uma avaliação ampla de reformas para promover o crescimento em longo prazo nos 37 países-membros e alguns emergentes, incluído o Brasil. No tocante ao meio ambiente, a estimativa é de que mais de três quartos da população brasileira está exposta a níveis nocivos de poluição do ar, semelhante ao risco de boa parte dos países examinados. A constatação é de que as emissões de gás carbônico ficaram estáveis em anos recentes antes da crise sanitária. Ao lado do exame da política econômica e social, o relatório inclui a “nova prioridade”, envolvendo a política ambiental para o Brasil preservar os recursos naturais e acabar com o desmatamento, reforçando o apelo global. No documento a OCDE mostra a necessidade de reforçar a proteção efetiva dos recursos naturais, incluindo os da floresta tropical amazônica. Defende a manutenção das leis atuais e de proteções capazes de reduzir o desmatamento no passado, combinadas com mais fiscalização para combater o desmatamento ilegal, o que exigirá recursos adicionais. A OCDE recomenda ao governo brasileiro “evitar um enfraquecimento do atual quadro de proteção legal, incluindo as áreas protegidas, o Código Florestal e concentrar-se no uso sustentável do potencial econômico da Amazônia”. Em outro levantamento comparativo, a OCDE indica que medidas adotadas pelo governo brasileiro para ajudar a economia a passar pela crise da covid-19 subiram a US$ 105 bilhões, mas apenas uma fração desse montante, US$ 351 milhões, ou 0,3%, teve efeito claramente positivo para o meio ambiente. Por outro lado, o governo brasileiro ainda não respondeu ao convite da OCDE para participar do Programa Internacional de Ação sobre o Clima, visando a acelerar a ação dos países na descarbonização de suas economias.

Como explica Vera Thorstensen, coordenadora do Centro de Estudos do Comércio Global e Investimento, “a maioria de suas regras é negociada pelos seus membros como recomendações e orientações não obrigatórias. A OCDE exerce sua função por meio de exames contínuos das práticas de seus membros, realizados pelo seu Secretariado, e um sofisticado processo de comparação entre os participantes, por meio de instrumentos de análise e uma métrica de avaliação sofisticada. O resultado é a apresentação dos mais diversos pontos das atividades econômicas dos membros, comparando-os e estimulando-os a cumprir as regras, sob pressão política de seus pares”. No processo de acesso do Brasil à OCDE, o País passará pelo crivo de seus membros, com base nos indicadores verdes da organização, quais sejam, os de sustentabilidade, os de crescimento verde e os de meio ambiente.

É importante entender como funciona o mecanismo de trabalho da OCDE. Como reiteradamente afirmado pelo governo atual, “a entrada do Brasil na OCDE é uma prioridade da política externa e da estratégia de aprimoramento das políticas públicas nacionais e de maior integração do País à economia mundial”. Para alcançar esse objetivo será necessário não só participar ativamente de seus trabalhos técnicos na área econômica, financeira e comercial, mas também levar em conta outras áreas importantes para os países-membros, incluída a ambiental e de mudança de clima. Os indicadores verdes e as recomendações feitas pela organização devem ser acompanhados pelo governo e pela sociedade civil para que o Brasil esteja em conformidade com as regras e possa ser aceito por todos os países-membros.

Não basta participar dos 246 instrumentos legais existentes no âmbito da OCDE. Correções e ajustes na política ambiental serão necessários para preencher os requisitos exigidos pela organização de Paris e serem avaliados positivamente pelos demais países. O combate aos ilícitos na Amazônia (queimadas, destruição da floresta e garimpo) são medidas que só dependem da vontade política do governo.

Se o desafio da mudança de clima não fosse suficiente, em dezembro passado a OCDE passou a monitorar também a corrupção no Brasil. Pela primeira vez em 27 anos de atividades, o Grupo Anticorrupção da OCDE criou um grupo específico, integrado por EUA, Itália e Noruega, para acompanhar o que acontece no Brasil nesse campo. A criação desse grupo coincide sintomaticamente com o esvaziamento da Lava Jato, o que deverá ser objeto de questionamento dos países-membros na próxima reunião do grupo.

*Presidente do IRICE


Rubens Barbosa: China e Brasil

A quinta sessão plenária do 19.º Comitê Central do Partido Comunista da China (PCCh), concluída em 29 de outubro, apresentou as linhas gerais do 14.º Plano Quinquenal econômico e social do país (2021-25), com os objetivos gerais para os próximos cinco anos e o planejamento de médio prazo, até 2035. Mantendo a retórica de “paz e desenvolvimento”, o PCCh traçou as principais linhas estratégicas levando em conta, sobretudo, a crescente competição global.

Os documentos divulgados pelo PCCh, indicam que as lideranças do partido, refletindo as incertezas no cenário global, buscaram mudanças em três áreas: fortalecimento da economia, autossuficiência (mercado interno e indústria) e novas políticas sobre mudança de clima.

A visão de futuro dos líderes chineses abandona a ênfase no crescimento econômico com o aumento do PIB e passa a enfocar “o aumento significativo no poderio econômico e tecnológico” até 2035, com foco em questões estruturais e qualidade de vida. No comunicado final do plenário do Congresso não se fixa uma taxa de crescimento para 2035, somente se menciona o objetivo de alcançar, em termos de PIB per capita, o nível de países moderadamente desenvolvidos. Manter o foco no crescimento faz sentido para a China num momento de competição com os EUA, no que o comunicado chama de “profundos ajustes no equilíbrio de poder internacional”. Uma grande economia vai “assegurar que a China tenha recursos necessários para a defesa nacional e a pesquisa cientifica”. Em vista da gravidade da crise pandêmica, a China teve de adiar o projeto da Rota da Seda (Belt and Road Initiative), com um custo de US$ 1 trilhão em mais de cem países, como uma forma de projetar seu poderio econômico além-fronteiras.

As sanções dos EUA e as restrições à compra de semicondutores pelas empresas chinesas forçaram mudanças na atitude da liderança do PCCh no tocante à dependência de tecnologia do exterior e à necessidade de buscar a autossuficiência em áreas consideradas estratégicas. As vulnerabilidades da China foram exploradas geopoliticamente pelos EUA, apesar dos custos econômicos e da oposição da indústria. O plenário do partido afirmou que “autossuficiência em ciência e tecnologia é um pilar estratégico do desenvolvimento nacional” e demandou que “importantes avanços sejam conseguidos em tecnologias críticas” para que a China se torne “líder global em inovação”. Essa determinação já estava presente no plano “Made in China 2025”, adotado em 2017, para o avanço na política industrial, com resultados concretos em duas áreas nas quais o país mostra agora liderança global: tecnologia 5G e 6G e inteligência artificial.

A liderança chinesa passou a ver na política ambiental e de mudança de clima uma forma de ganhar prestígio global e obter benefícios econômicos. A proteção ambiental tem sido uma prioridade crescente para as autoridades chinesas, como indica o acordo de cooperação assinado com os EUA visando a uma posição comum na COP-26, quando se discutirá o Acordo de Paris. Na Conferência do Clima em abril, Xi Jinping anunciou que a China fixou que o pico das emissões de gás carbônico será em 2030 e, em 2060, será atingida a meta de emissão zero. Embora ambiciosos, os objetivos anunciados indicam envolvimento crescente da China nas discussões sobre políticas ambientais, com potenciais reflexos sobre outros países.

Enquanto a China faz seu planejamento com visão de futuro, o Brasil, perdido na crise da pandemia, não tem e não discute medidas e políticas de médio e longo prazos. A economia registrou queda de 3,1% em 2020 e se projeta em 2021 um crescimento de cerca de 2,5%, ou 3% em estimativas mais otimistas. As questões fiscais, a ausência de reformas, a queda no crescimento do comércio exterior e nos investimentos externos não prenunciam uma saída em V, como repetido pelo ministro da Economia. Por outro lado, o baixo crescimento da economia nos últimos anos, agravado pela pandemia, fez o Brasil deixar de ser uma das dez maiores economias do globo, segundo o Ibre/FGV. Em termos de PIB em dólares, este ano Canadá, Coreia do Sul e Rússia devem ultrapassar o Brasil, que cairá para a 12.ª posição, depois de ter chegado em 2011 ao 7.º lugar no mundo.

A preocupação aumenta quando se verifica não haver um plano claro de saída da crise atual, nem prioridades para avanços econômicos, sociais e tecnológicos. Sem maior discussão, o governo divulgou a Estratégia Federal de Desenvolvimento para o Brasil no período de 2020 a 2031, com cinco eixos: econômico, institucional, infraestrutura, ambiental e social. Trata-se um uma medida positiva, mas tímida, que apenas esboça essa preocupação. O Congresso e a sociedade civil deveriam ser chamados a participar da análise e discussão dessa estratégia. Dois aspectos chamam a atenção no documento do governo federal: a ausência de clara prioridade para a inovação e a tecnologia, como está fazendo a China, e a inexistência de metas claras no tocante à preservação da Floresta Amazônica e à mudança de clima, duas das vulnerabilidades do Brasil no atual cenário internacional.

*Presidente do Irice, é membro da Academia Paulista de Letras

Fonte:

O Estado de S. Paulo

https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,china-e-brasil,70003710546

 


Rubens Barbosa: Em busca do ouro

O Brasil tornou-se o centro das facilidades da lavagem de dinheiro com o minério ilegal

Uma das afirmativas do presidente Jair Bolsonaro na conferência do clima foi a de “eliminar o desmatamento ilegal da Amazônia até 2030”. O combate às práticas ilícitas na região incluem as queimadas e o garimpo. A intenção presidencial foi considerada “encorajadora” pelo presidente Joe Biden, e “construtiva” por John Kerry, mas ambos dizem aguardar medidas concretas e “sólidas” nesse sentido.

O governo Bolsonaro poderia iniciar o cumprimento dessa promessa com ações para reprimir a exploração de ouro e diamantes, uma das atividades mais lucrativas e que mais prejuízos trazem à floresta e às comunidades indígenas. A busca pelo ouro na Amazônia está enraizada em práticas ilegais, que hoje respondem por cerca de 16% da produção do País, com a extração em áreas proibidas e sem nenhum tipo de controle. Essa ilegalidade pode ser muito maior, já que não há como contabilizá-la com exatidão. Cerca de 320 pontos de mineração ilegal foram identificados em nove Estados da região. A área para a pesquisa de ouro já ocupa 2,4 milhões de hectares. Desde 2018 houve um aumento no número de solicitações nesses territórios, com um recorde de 31 registros em 2020.

Em unidades de conservação, os pedidos para a pesquisa de ouro já ocupam 3,8 milhões de hectares. No total são 85 territórios indígenas afetados pelos pedidos de pesquisa para o ouro e 64 unidades de conservação. Só na Terra Indígena Yanomami, entre os Estados do Amazonas e de Roraima, são 749 mil hectares sob registro. Na Terra Indígena Baú, no Pará, a segunda em extensão de processos, 471 mil hectares estão registrados, ocupando um quarto de seu território.

Os municípios da Amazônia Legal arrecadaram em 2020, pela extração de ouro, 60% mais do que em todo o ano de 2019 e 18 vezes acima do valor registrado há dez anos. Em Rondônia acaba de ser aprovada lei que legaliza 200 mil hectares de terras griladas em duas unidades de conservação, Jaci-Paraná e Guajará-Mirim.

Os Institutos Escolhas e Igarapé acabam de divulgar importantes estudos sobre a exploração do ouro na Amazônia. Os resultados desses trabalhos mostram corrupção, desmatamento, violência, contaminação de rios e destruição de vidas, sobretudo de populações indígenas. A extração desses minérios não é capaz de transformar a realidade local no longo prazo e manterá a região pobre, doente e sem educação. Ao não trazer desenvolvimento econômico, a exploração de ouro e diamantes abre a discussão sobre as alternativas econômicas que poderiam gerar riqueza e bem-estar duradouros.

O trabalho do Escolhas foi enviado à Comissão de Valores Mobiliários e ao Banco Central, que lançou um conjunto de ações de responsabilidade socioambiental, para responder à pressão de investidores e instituições financeiras no Brasil e no exterior por incentivos que favoreçam negócios sustentáveis e combatam o desmatamento. Esse compromisso do setor financeiro nacional pode ajudar a limpar o setor de mineração de ouro no Brasil e fazer que esse metal ilegal não consiga ingressar no mercado. Exigir lastro de origem legal e de conformidade ambiental é um imperativo constitucional e deve ser um compromisso ético e moral do setor financeiro nacional.

De acordo com a Constituição federal, pelos artigos 176 e 231, a mineração em terras indígenas só pode ser feita mediante lei do Congresso Nacional e com consulta às comunidades, mas hoje não existe legislação que regulamente a atividade dentro dos territórios. Por iniciativa do senador Fabiano Contarato, o Projeto de Lei 836/2021 prevê a criação de um sistema de validação eletrônica para comprovar a origem do ouro adquirido pelas instituições financeiras e permitirá o cruzamento de informações com outras bases de dados, como a de arrecadação de impostos e de produção da Agência Nacional de Mineração (ANM). Pretende-se que, para efetivar a transação, seja exigida a comprovação de que o ouro tenha sido extraído de área com direito de lavra concedido pela ANM e que a pessoa física ou jurídica que estiver fazendo a comercialização seja titular do direito de lavra ou portadora de contrato com quem tenha esse direito. Além disso, o vendedor terá de apresentar a licença ambiental da área.

A criação de um marco de controle sobre a atividade de exploração de ouro ganha ainda mais urgência quando se observam tentativas de regulação da atividade contrárias à Constituição, como é o caso da Lei 1.453, de 8 de fevereiro de 2021, sobre o licenciamento para a atividade de lavra garimpeira no Estado de Roraima, ou a aprovada em Rondônia. A norma estadual dispensa a apresentação do estudo de impacto ambiental e relatório de impacto ambiental (EIA/Rima), em violação de preceitos constitucionais (artigos 23, 24, 223), para favorecer a continuidade das atuais práticas danosas à sociedade, aos povos indígenas e ao meio ambiente em geral.

O Brasil tornou-se o centro das ramificações criminosas e das facilidades da lavagem de dinheiro com o ouro ilegal. As terras indígenas e as unidades de conservação na Amazônia Legal estão ameaçadas pela busca do ouro, apesar de a atividade ser proibida. O ilícito na Amazônia tem de ser coibido pelos governos federal e estadual e o Congresso tem de fazer a sua parte.

*Presidente do IRICE


Rubens Barbosa: O Brasil e a diplomacia epistolar

Cartas não definirão a política externa dos EUA com o Brasil; mas terão influência quando as negociações bilaterais começarem

Nos últimos dois anos, a ausência de uma política externa atuante que acompanhasse as mudanças que estão acontecendo no mundo deixou um vazio que rapidamente foi ocupado por agentes subnacionais, como governadores, pelo Congresso, presidentes das duas Casas e presidentes da Comissão de Relações Exteriores e pela sociedade civil.

Nunca antes na história deste país verificou-se quase semanalmente troca de correspondência de brasileiros e americanos (Congressistas, ex-ministros e sociedade civil) com Joe Biden e com autoridades de seu governo e do Congresso, em Washington, tendo como foco a política ambiental brasileira, e tratando de temas de interesse da relação bilateral.

 Além da correspondência entre os presidentes Bolsonaro e Biden, a maioria das cartas, críticas às política ambientais e de direitos humanos na Amazônia, pediu para o governo americano não levar adiante a cooperação em todas as áreas, inclusive de Defesa (Base de Alcântara), com o Brasil, enquanto o governo brasileiro não mudar a narrativa e as medidas internas que estão permitindo o aumento dos ilícitos na Amazônia pelo desmatamento, pelas queimadas, pelo garimpo e pelo tratamento dispensado às comunidades indígenas.

Nos últimos dias, com a aproximação da cúpula do clima, multiplicaram-se as manifestações de artistas, personalidades nacionais e estrangeiras, mostrando o grau de interesse fora do Brasil sobre o futuro da Amazônia. 

Na área oficial, Bolsonaro escreveu uma carta a Biden antecipando sua fala no dia 22 com algum avanço na narrativa seguida até aqui, mas com a referência ao apoio financeiro em troca de promessa de redução de desmatamento em 2030. John Kerry reconheceu a mudança de tom do governo brasileiro, mas cobrou resultado de curto prazo, dando oportunidade para o embaixador dos EUA, em conversa em grupo fechado, pedir resultados concretos e verificáveis.

As cartas não definirão a política externa dos EUA em relação ao Brasil, pois há muitos outros interesses econômicos, políticos e comerciais em jogo. Certamente, contudo, elas terão influência quando as negociações bilaterais começarem efetivamente, já que até aqui o que ocorreu foram diálogos em nível técnico, evitando qualquer confrontação direta.

A inusitada troca de missivas entre a sociedade civil brasileira e personalidades internacionais sobre a Amazônia mostra a urgência de o Brasil voltar a ter uma política externa com foco no meio ambiente e na mudança de clima, como ocorreu até fins de 2018. A apresentação de Bolsonaro amanhã talvez seja a última oportunidade para o Brasil voltar a apresentar-se como protagonista na discussão global sobre mudança de clima e para indicar uma mudança séria e profunda de rumo na política ambiental.

*Foi Embaixador do Brasil nos EUA e atualmente é presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE)


Rubens Barbosa: Questão religiosa

Estamos diante de um problema político sério que a direita evangélica traz para a democracia

Estamos vivendo tempos estranhos. A sociedade está dividida e polarizada, anestesiada e paralisada, até pelas dificuldades decorrentes da pandemia. A perplexidade aumenta na medida em que, entre muitos outros exemplos, se verifica a maneira como a grave crise do combate à covid-19, fora de controle, está sendo conduzida; pela ameaça de um enfrentamento fratricida pela facilitação da venda e do porte de armas e munições; pela inexplicada crise militar com a demissão da cúpula da Defesa; pelo desmonte do combate à corrupção; pela crescente influência das milícias e do tráfico de drogas; pela chocante visibilidade da desigualdade social; pela falta de perspectivas e de uma visão de futuro para o País.

A tudo isso se junta agora a surrealista discussão sobre atividades religiosas coletivas em templos e igrejas durante a pandemia. As apresentações terrivelmente evangélicas feitas no STF pelo advogado-geral da União e pelos advogados que defendiam a abertura dos templos e igrejas trouxeram à tona, mais uma vez, a questão da laicidade do Estado brasileiro. Até o presidente reforçou a defesa de cultos e missas presenciais como um direito inerente a maioria, ignorando as ameaças à vida e a Constituição.

Estado é laico é o que promove oficialmente a separação entre Estado e religião. A partir dessa separação, o Estado não deveria permitir a interferência de correntes religiosas em assuntos estatais, nem privilegiar uma ou algumas religiões sobre as demais. Essa situação existe no Brasil desde a Proclamação da República, em decorrência do disposto na Constituição de 1891, em que se explicita a rejeição da união entre o poder civil e o poder religioso, pondo fim ao regime do padroado, que concedia privilégios à Igreja Católica e no qual se confundiam o Estado e a Igreja. No laicismo, cabe ao Estado garantir a liberdade e a igualdade de todos, independentemente dos valores morais e religiosos.

Mesmo com maioria até aqui católica, o Brasil é oficialmente um Estado laico, neutro no campo religioso, não apoiando nem discriminando nenhuma religião. Apesar de citar Deus no preâmbulo, a Constituição federal é clara ao vedar à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público. Dessa forma, a liberdade religiosa na vida privada é assegurada, desde que separada do Estado. É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias.

Na minha visão, a separação Igreja-Estado foi um avanço e está na base da formação dos Estados modernos. Com a República, o Estado brasileiro tornou-se um Estado moderno, no qual não se busca a satisfação espiritual, mas a expansão dos direitos humanos e das liberdades individuais.

Ao contrário do que se ouviu nos últimos dias, o Estado brasileiro não se pode manifestar religiosamente. Como já foi dito por ministro do STF, “os dogmas de fé não podem determinar o conteúdo dos atos estatais” e “as concepções morais religiosas – unânimes, majoritárias ou minoritárias – não podem guiar as decisões de Estado, devendo, portanto, se limitar às esferas privadas”.

Nos últimos anos, o que se viu foi o contrário. A ameaça à Constituição não é uma preocupação. Embora não se constituindo em movimento único, pois há divergências entre elas, a influência das igrejas evangélicas, em especial a Universal, aumentou significativamente e ganhou força política real.

Sua eficiente arrecadação entre fiéis seduzidos e sua capacidade televisiva e radiofônica, além da mídia impressa e de partidos políticos, estão a serviço de um projeto político. Não é segredo para ninguém que os evangélicos buscam alcançar, sem intermediários, o poder máximo da República, depois de eleger prefeitos, governadores, senadores, deputados e ministros das Cortes de Justiça. A Igreja Universal ataca a Igreja Católica e exerce uma ação voltada para assumir a hegemonia do Estado.

Não se pode negar a competência e a eficiência da atuação da militância evangélica, instalada agora em diferentes órgãos públicos federais, na defesa de sua agenda de costumes, social, financeira e mesmo política, como estamos vendo nas ações do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos e na política externa, nos últimos dois anos.

Pela primeira vez na História do Brasil, as igrejas evangélicas atuam de maneira coordenada para chegar ao comando do poder político. Em política não existe vazio. Se alguns setores ganham espaço, outros perdem. É surpreendente que representantes da alta hierarquia da Igreja Católica, em especial, não se tenham manifestado até aqui em defesa do Estado laico e da separação clara do Estado e da religião.

Estamos diante de um problema político sério que a direita evangélica traz para a democracia e afeta liberais, conservadores e progressistas. Trata-se, na realidade, de um problema de dominação por uma minoria e de reação contra o pluralismo


Rubens Barbosa: Mercosul, 30 anos

Bloco precisa de um freio de arrumação para resgatar os objetivo iniciais

O Tratado de Assunção, que criou o Mercosul, comemora 30 anos esta semana. Como mecanismo de abertura de mercado e liberalização de comércio, o Mercosul está estagnado e se tornou irrelevante do ponto de vista comercial, representando hoje apenas 6,2% do intercâmbio total do Brasil, depois de ter subido a quase 16% do comércio exterior total nos anos 1990.

Nas quase três décadas de existência, o processo de integração dos países do Cone Sul alternou períodos de forte expansão e estagnação, tanto do ponto de vista econômico quanto institucional. Em geral, do ponto de vista do setor privado, o exercício foi positivo, no sentido de que os empresários passaram a se envolver nas negociações de acordos comerciais e a voltar sua atenção para nosso entorno como mercado para seus produtos manufaturados.

Desde o início o Mercosul enfrentou desafios para sua construção. Uma de suas características ao longo de todos esses ano foi a incerteza quanto à sua consolidação e ao seu futuro. A ideia de formar um mercado comum em quatro anos, a partir de 1991, como previsto no tratado, simboliza o grau de ambição não respaldada na realidade de todo o processo. A consolidação e o futuro do Mercosul sempre ficaram na dependência da evolução econômica e comercial de seus membros e de decisões políticas que afetaram a evolução natural do bloco. Por mais de dez anos, politizado, transformou-se em fórum político e social e aceitou a Venezuela como membro pleno.

A situação atual não é diferente. Há desafios políticos e técnicos que tornam o processo de integração sub-regional ainda mais incerto.

No campo político, os presidentes da Argentina e do Brasil, por motivações ideológicas, não se falam há dois anos. As conversas continuam em nível técnico, mas o apoio do mais alto nível inexiste. No ano passado a Argentina anunciou que deixaria de participar das negociações dos atuais acordos comerciais e das futuras negociações do bloco, para depois recuar e informar que continuaria nas negociações do Mercosul, mas em ritmo diferente dos demais membros. A justificativa principal argentina foi de que estava tomando a decisão para evitar os efeitos negativos da pandemia. Posteriormente, a Argentina decidiu que não participaria das negociações com a Coreia do Sul para não afetar a sua indústria. As negociações para a inclusão de açúcar e automotriz continuam fora do Mercosul, pela resistência argentina.

Com relação à Tarifa Externa Comum (TEC) – tão perfurada que justifica a qualificação do bloco como união aduaneira imperfeita –, o Brasil em 2109 propôs uma redução de 50% e agora aceita discutir a redução a cerca de 10%, sempre com a oposição da Argentina. O acordo de livre-comércio mais importante, negociado com a União Europeia, está paralisado por objeções de alguns países europeus em razão da política de meio ambiente brasileira. Estão em negociação ou sendo preparados acordos com Efta, México, Canadá, Líbano, Cingapura, Coreia do Sul, América Central, Reino Unido, Indonésia e Vietnã.

Este ano, por iniciativa do Uruguai, foi revivida a proposta de flexibilizar o Mercosul para permitir a seus membros, individualmente, concluir acordos de livre-comércio com outros países. Pretende-se que na reunião de cúpula virtual prevista para 26 de março essa ideia comece a ser examinada. Mas a discussão vai ser longa em função de interesses concretos que dificultam a superação de questões técnicas (como ficaria a TEC, o Tratado de Assunção teria de ser renegociado?) e políticas (fim da união aduaneira e volta a uma área de livre-comércio?).

Cabe registrar recentes avanços significativos: os acordos comerciais com os demais países da América do Sul formaram uma área de livre-comércio na região; o Estatuto da Cidadania, acordo sobre previdência social, educação, circulação na fronteira, residência, passaporte comum; negociação com diversos países de acordos de facilitação de comércio, de cooperação de investimento, de comércio eletrônico e de compras governamentais. Em termos institucionais, redução de órgãos, simplificação da burocracia interna e enxugamento do orçamento do Mercosul.

O fortalecimento do Mercosul, em termos econômicos, requer vontade política para entender o que está acontecendo no mundo e reagir adequadamente. Além da flexibilização e da redução da TEC, novos temas precisam ser discutidos, como cadeia produtiva regional, acumulação de origem, autonomia regional soberana, 5G e estratégia de negociação conjunta. O Protocolo de Ouro Preto, que criou a união aduaneira, em 1994, prevê em seu artigo 47 que os países-membros poderão convocar uma conferência diplomática para examinar sua estrutura, seu funcionamento e sua operação. Convocada pela primeira vez, essa conferência poderia, com visão de futuro, discutir políticas e medidas para fortalecer e revigorar o Mercosul.

Apesar das incertezas e dos desafios, nenhum país-membro está preparado para pagar o preço de pôr em risco a existência do Mercosul. Depois de 30 anos, o Mercosul precisa de um freio de arrumação para resgatar os objetivos iniciais de livre-comércio interno e maior inserção externa.

EX-COORDENADOR NACIONAL DO MERCOSUL (1991-1994)


Novas relações do Brasil e EUA estão “apenas no início”, diz Rubens Barbosa

Em artigo publicado na revista Política Democrática Online, presidente do Irice analisa relação diplomática entre os dois países

Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP

O presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e embaixador aposentado, Rubens Barbosa, diz que o presidente dos Estados Unidos, o democrata Joe Biden, adotou atitude de não confrontação com o governo Jair Bolsonaro (sem partido). A análise foi publicada em artigo que produziu para a revista Política Democrática Online de março.

A revista mensal é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania. A versão flip, com todos os conteúdos, pode ser acessada gratuitamente na seção de revista digital do portal da entidade.

Confira a Edição 29 da Revista Política Democrática Online

Biden e Bolsonaro, segundo Barbosa, iniciaram conversas sobre diversos temas das relações bilaterais. Entre os assuntos estão diferenças em relação a clima, direitos humanos e democracia podem prejudicar o Brasil.

De acordo com o artigo publicado na revista Política Democrática, a divulgação de uma série de documentos cobrando medidas duras contra o Brasil procurou influir na política externa do governo Biden.

Crítica à política ambiental

“O documento assinado por ex-altos funcionários e negociadores norte-americanos critica a política ambiental brasileira e reclama medidas contra o Brasil, caso não haja mudança nas políticas de proteção à Amazônia e de mudança de clima”, escreve o presidente do Irice.

Segundo ele, o trabalho “Recomendações sobre o Brasil para o Presidente Biden e Para a Nova Administração”, encaminhado por professores norte-americanos, brasileiros e diversas ONGs, faz duros reparos a política ambiental, direitos humanos e democracia.

Além disso, de acordo com Barbosa, o documento pede a suspensão da cooperação com o Brasil em diversas áreas como Defesa, comércio exterior, meio ambiente e outras.

O autor do artigo na revista da FAP lembra que o presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado também enviou carta ao presidente Bolsonaro e ao Ministro Ernesto Araújo, pedindo explicações e retratação de declarações, julgadas favoráveis a invasão do Congresso de Washington.

Correspondência ao Senado

Por fim, segundo o embaixador, um grupo de deputados norte-americanos enviou correspondência ao Senado requisitando a suspensão de alguns programas de cooperação na área de defesa pelos problemas com os quilombolas no Centro de Lançamento de Alcântara.

“O conteúdo dos documentos e dessas correspondências, combinado com a divulgação da política ambiental do presidente Biden, com referência específica à Amazônia, gerou preocupação pelos eventuais impactos sobre o Brasil”, observa o presidente do Irice.

Na avaliação de Barbosa, “as relações com os EUA, que começaram tranquilas, terão muitos outros capítulos em 2021”. “Estamos apenas no início”, analisa.

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Brasil corre risco de ter maior número absoluto de mortes por Covid, diz revista da FAP

Face deletéria de Bolsonaro é destaque da Política Democrática Online de março

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RPD || Rubens Barbosa: Biden e o Brasil

De forma pragmática, Biden adotou uma atitude de não confrontação com o governo Jair Bolsonaro, iniciando conversas sobre diversos temas das relações bilaterais. Diferenças em relação a clima, direitos humanos e democracia podem prejudicar o Brasil 

A divulgação de uma série de documentos cobrando medidas duras contra o Brasil procurou influir na política externa do governo Biden. O documento assinado por ex-altos funcionários e negociadores norte-americanos critica a política ambiental brasileira e reclama medidas contra o Brasil, caso não haja mudança nas políticas de proteção à Amazônia e de mudança de clima. O trabalho “Recomendações sobre o Brasil para o Presidente Biden e Para a Nova Administração”, encaminhado por professores norte-americanos, brasileiros e diversas ONGs, faz duros reparos a política ambiental, direitos humanos, democracia e pede a suspensão da cooperação com o Brasil em diversas áreas como Defesa, comércio exterior, meio ambiente e outras.

O presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado também enviou carta ao presidente Bolsonaro e ao Ministro Ernesto Araújo pedindo explicações e retratação de declarações, julgadas favoráveis a invasão do Congresso de Washington. Por fim, um grupo de deputados norte-americanos enviou correspondência ao Senado requisitando a suspensão de alguns programas de cooperação na área de defesa pelos problemas com os quilombolas no Centro de Lançamento de Alcântara. O conteúdo dos documentos e dessas correspondências, combinado com a divulgação da política ambiental do presidente Biden, com referência específica à Amazônia, gerou preocupação pelos eventuais impactos sobre o Brasil.

Do lado do governo brasileiro, houve três ações concretas para tentar evitar medidas contra o Brasil. A carta do presidente Bolsonaro a Biden em que manifesta “disposição a continuar nossa parceria em prol do desenvolvimento sustentável e da proteção do meio ambiente, em especial a Amazônia, com base em nosso Diálogo Ambiental, recém-inaugurado”. O telefonema do Ministro Araújo com o Secretário de Estado Blinken e a reunião telefônica entre o Chanceler e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, com John Kerry. O setor privado também se manifestou com Nota da Câmara Americana de Comércio e da US Chamber sobre as perspectivas favoráveis para o intercâmbio comercial.  

A forma como Biden no início de sua gestão vai tratar o Brasil foi definida pelas recentes declarações das porta-vozes da Casa Branca e do Departamento de Estado, segundo as quais “a prioridade é manter o diálogo e buscar oportunidades para trabalhar conjuntamente com o governo brasileiro em questões em que haja Interesse Nacional comum pois existe uma relação econômica estratégica entre os dois países e o governo Biden não vai se limitar apenas a tratar de áreas em que haja discordância, seja em clima, direitos humanos, democracia ou outros”.  

Nessa primeira fase do relacionamento com o Brasil, Washington decidiu adotar uma atitude de não confrontação, demandada pela ala progressista do Partido Democrata, e iniciar as conversas sobre diversos temas das relações bilaterais. Foi uma atitude pragmática, vista pelo governo brasileiro como um avanço positivo na relação bilateral. Durante os meses de março e abril, a convite do governo norte-americano, o Brasil deve participar, a nível presidencial, nas conferências sobre Clima e sobre Democracia (com forte ênfase nos Direitos Humanos), além da Cúpula das Américas, na Florida. Nesses encontros, todos os assuntos mais importantes no contexto das relações bilaterais e hemisféricas deverão ser tratados.

Dependendo das posições defendidas por Bolsonaro, começarão a aparecer as diferenças de políticas entre Brasília e Washington, em especial. Vão surgir, também, com força, nessa fase, as diferenças na área de mudança de clima e preservação da floresta Amazônica. Tudo vai depender da reação do governo brasileiro (defensiva ou com ajuste na retórica e em anúncios de medidas com resultados verificáveis). A posição defensiva – que tem mais chances de prevalecer – poderá ter “consequências econômicas”, como disse Biden.

No telefonema com John Kerry, Araújo e Salles concordaram em iniciar encontros regulares para examinar formas de colaboração mútua e como transferir recursos ao Brasil para preservação da floresta amazônica. O problema reside no fato de Bolsonaro e Ernesto Araujo acreditarem em que a situação está sob controle e que avançará “business as usual”, como mencionado na carta a Biden, o que não deverá acontecer, na minha visão. Assim, os desdobramentos das políticas de Biden devem começar pelo meio ambiente, em relação à preservação da Amazônia e das comunidades indígenas, passando para as questões de Direitos Humanos, comércio (SGP e restrições a produtos brasileiros), defesa (Alcântara) e outras áreas de cooperação. 

As relações com os EUA, que começaram tranquilas, terão muitos outros capítulos em 2021. Estamos apenas no início.  

*Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE).