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Revista Política Democrática Online || Alexandre Strapasson: Das relações entre o humano e a natureza num país em transe

A história ambiental nos mostra que a visão de meio ambiente global não é recente. Paradoxalmente, é crescente o número de pessoas adeptas a teorias sem qualquer fundamento científico, como as da terra plana e da mudança do clima como sendo uma farsa

Nós, humanos, passamos por longo processo de coevolução com o planeta e aqui permanecemos, em constante equilíbrio dinâmico, juntamente com outras espécies. Esse equilíbrio, porém, está cada vez mais ameaçado pela exploração desenfreada de recursos naturais, muito acima da capacidade de resiliência dos ecossistemas terrestres. Temos desafiado vários limites globais, tais como a disponibilidade de fertilizantes rochosos, a exemplo de fósforo e potássio, as escassas reservas de lítio e terras raras, e a alteração de balanços biogeoquímicos, principalmente dos fluxos de carbono, pressionando o sistema terrestre ao máximo e de forma acelerada. Espécies têm sido extintas a taxas alarmantes, algumas delas sem sequer termos conhecido. A mudança do clima já tem dado sinais claros de que caminhamos para uma nova era geológica, saindo do Holoceno para o Antropoceno, termo não-oficial, caracterizado por ter a humanidade como agente transformador do ambiente global.

A história ambiental mostra-nos que a visão de meio ambiente global não é recente. A mitologia maia, por exemplo, já propunha o conceito de galáxia. Os incas falavam em Terra Mãe, a Pacha Mama, geradora de vida. Os gregos referiam-se a Gaia. Com as descobertas científicas dos últimos séculos, tais como a evolução darwiniana, os avanços da astronomia, da física de partículas, da engenharia genética, da computação e da química industrial, ampliou-se a compreensão de mundo. Paradoxalmente, é crescente o número de pessoas, inclusive personalidades políticas, adeptas a teorias sem qualquer fundamento científico, como as da terra plana e o movimento antivacinas. E da mudança do clima como sendo uma farsa promovida por uma suposta esquerda global, ao passo que o que se observa são grupos hegemônicos preocupados em não perder seus espaços.

Por outro lado, as discussões geopolíticas sobre sustentabilidade global são relativamente recentes. Merecem destaque as discussões do período pós-Segunda Guerra na controversa Conferência de Bretton-Woods, a criação das Nações Unidas, a Conferência de Estocolmo sobre Meio Ambiente Humano, os relatórios do Clube de Roma e o relatório Brundtland, intitulado “Nosso Futuro Comum”, além da Rio-92, onde foram criadas três das mais importantes convenções das Nações Unidas: Clima, Diversidade biológica e Combate à desertificação. Na Rio-92, também foi proposta a primeira agenda mundial para o desenvolvimento sustentável, a chamada Agenda 21, que posteriormente deu origem aos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) e, mais recentemente, à Agenda 2030 e seus Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

O Brasil vinha, historicamente, ocupando posição de liderança internacional na agenda ambiental. Agora, contudo, caminha na contramão do que fora construído arduamente em gestões anteriores, em prol de uma retórica agenda desenvolvimentista, com muito improviso e sem um projeto de nação. Pergunta-se, portanto, a quem interessa a destruição ambiental? Certamente não a um agronegócio moderno, que vê o meio ambiente como algo integrado à produção agrícola, mas sim a uma elite atrasada e a interesses locais muitas vezes ligados a crimes de lavagem de dinheiro, exploração ilegal de madeira, grilagem de terras, corrupção de agentes públicos e garimpo ilegal.

Apesar da histórica liderança do Brasil no cenário internacional, a agenda ambiental não tem sido tratada como algo de maior relevância na política interna, exceto em situações extremas, talvez por falta de consciência de parte da própria população. Basta observarmos que, nas eleições presidenciais de 2018, temas relacionados ao meio ambiente raramente foram debatidos na mídia televisiva pelos candidatos, penso que com receio de soarem pouco pragmáticos a uma população mais preocupada com as elevadas taxas de desemprego, violência urbana, corrupção e precarização dos serviços de saúde pública.

Passadas as eleições, o que temos observado é um “empoderamento” de contraventores, por meio de narrativas nas quais a conservação é tida como empecilho ao progresso, quando deveria ser parte do próprio progresso. Casualmente, verifica-se também aumento dos números de incêndios florestais criminosos e do desmatamento ilegal em áreas críticas, comprometendo não só a imagem do país, mas também a sustentabilidade dos biomas e as metas de mitigação da mudança do clima. O Brasil tem mais de 50% de seu território ainda ocupado por florestas, em grande parte localizadas nas regiões Norte e Nordeste, onde as taxas de desmatamento voltaram a crescer, tanto na Amazônia, quanto no bioma Cerrado, sobretudo em áreas de expansão agrícola na região do Matopiba, abrangendo parte dos Estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. Além disso, o uso do solo está cada vez mais interconectado globalmente via mercados agrícolas e novos padrões de consumo de alimentos. Uma mudança de uso da terra no Brasil pode afetar dinâmicas de uso do solo em outros países e vice-versa, via preços e custos de produção internacionais, num efeito chamado telecoupling, ou seja, somos parte de um ambiente global em rede.

Território é uma construção sócio-histórica e sua ocupação desenfreada tem resultado numa escalada de conflitos agrários, com aumento da pobreza rural, concentração de renda e violência contra povos indígenas e comunidades quilombolas. O geógrafo Milton Santos propunha o conceito de território-usado, buscando entender como ele é utilizado, por que e para quem. O atual modelo de desenvolvimento não tem ouvido os povos tradicionais, nem tampouco as minorias em ambientes urbanos, com recorrentes aumentos de processos de gentrificação e petrificação, da poluição atmosférica e de desastres ambientais, como enchentes e deslizamentos, afetando principalmente as comunidades de baixa renda. Daí surge o conceito de racismo ambiental, cunhado pela população negra norte-americana, na década de 60.

Liberdade requer responsabilidade. Livre mercado requer inclusão social e conservação ambiental. Portanto, o meio ambiente deveria fazer parte de qualquer agenda de desenvolvimento, incorporando questões ambientais à política econômica, como algo natural e não como uma externalidade dos negócios. Para isso, é preciso avançar em novos arranjos regulatórios e promover o fortalecimento das instituições, seja em governos de direita ou de esquerda, pouco importa. Quando as instituições não funcionam, todo o sistema entra em colapso. A situação é crítica. O Ministério do Meio Ambiente somente abriu seu primeiro concurso público para servidores de carreira há cerca de 15 anos, sendo, ainda assim, um concurso temporário. Recentemente, presenciamos o desmantelamento da estrutura de órgãos ambientais federais, como Ibama e ICMBio, e uma crescente narrativa de provocação internacional.

É preciso reverter esse quadro e retomar o diálogo em busca de soluções. O pagamento por serviços ambientais, por exemplo, tem grande potencial de expansão, ao mudar a lógica de “poluidor-pagador” para “conservador-recebedor”, envolvendo empresas, estados, municípios e comunidades locais, por meio de novos modelos financeiros. Outro exemplo é a criação de novas oportunidades de negócio e renda em regiões precárias, por meio da estruturação da cadeia produtiva de produtos florestais, do uso sustentável de unidades de conservação, bem como da utilização de sistemas agrícolas mais integrados ao meio, como a integração lavoura-pecuária-floresta e o manejo integrado de pragas.

A expansão de varas ambientais também poderia dar mais celeridade e eficiência à execução de penas e à recuperação de danos; elas, porém, ainda estão presentes em poucas cidades do país. Há vários outros exemplos de possíveis políticas públicas. A chave está em alinhar desenvolvimento econômico à conservação ambiental, com distribuição de renda e inclusão social. Termos como economia e ecologia compartilham o mesmo prefixo “eco”, que significa casa. Como cuidamos de nossa casa? Que casa queremos? Há vários caminhos possíveis, mas precisamos saber para onde queremos ir, para então realinhar as velas.

* Pesquisador do Imperial College de Londres, engenheiro agrônomo e Ph.D. em Ciências Ambientais, com pós-doutorado pela Universidade de Harvard.


Revista Política Democrática Online || André Amado: Anima mundi

Livrarias online como a Amazon e sebos virtuais vieram para ficar, avalia André Amado em artigo para a Revista Política Democrática Online. Eles prosperaram exatamente sobre os espaços deixados pela retirada paulatina, resignada ou indignada das livrarias físicas, reais, como as conhecíamos antes da explosão da internet

Podemos espernear, reclamar com o bispo, xingar todo mundo, mas não tem saída: as Amazons, as Estantes Virtuais e assemelhados da vida vieram para ficar. Prosperam exatamente sobre os espaços deixados pela retirada paulatina, resignada ou indignada das livrarias, como nós as conhecemos antes da explosão da internet. Há vantagens, pelo menos no caso da Amazon: cada livro vem acompanhado de estrelas, de uma a cinco, que indicam a média das avaliações dos leitores. É útil, sobretudo quando se trata de autores pouco conhecidos ou de obras menos divulgadas de escritores prolíficos.

Os problemas começam na hora de namorar os livros, isto é, fazer o que, em inglês, se chama browse, percorrer estante por estante da livraria, examinar as lombadas, extrair um que outro volume, ler o índice (nos livros editados em francês, o índice vem lá no final), conferir os comentários sobre a obra na contracapa e assim, perdido no tempo, sintonizar-se de corpo e alma com a sensualidade, o cheiro e o conteúdo dos livros. O gesto de comprar é acessório. O mero exercício do browsing já nos enriquece.

Nada haverá de substituir, no entanto, a figura do livreiro, nas livrarias onde ainda se tem consciência de que ali se vendem livros, não cosméticos, sapatos ou cebolas. Não é provável que ele tenha lido tudo aquilo, mas dá a impressão de que sim, estando, portanto, autorizado a identificar o que vale a pena ou não levar. Se você insistir em um Sidney Sheldon ou algo pelo estilo, ele faz negócio, só que o sorriso é de mercador. Se, contudo, você consultá-lo, como a um sommelier em um restaurante francês, sobre qual vinho cairá melhor com o prato escolhido, receberá, de graça e com charme, bons conselhos para suas leituras durante um bom tempo.

Em agosto último, tendo chegado cedo à Livraria da Travessa, em Ipanema, para participar de uma homenagem a Luiz Alfredo Garcia-Roza, aproveitei para browse. Antonio Bento, o livreiro daquele templo, veio ajudar-me. Saí com três livros estupendos: Lições de literatura russa, de N. Nabokov, reunindo suas aulas na Universidade de Cornell e no Wellesley College; A tentação do impossível. Victor Hugo e os Misérables, obra que buscava sem êxito em Brasília; e A casa, a nostalgia e o pó, de Pascoal Farinaccio, para mim um famoso “quem”.

Centro-me neste último livro, cujo título nunca me teria levado a retirá-lo da estante. Trata-se de um ensaio crítico sobre Il Gattopardo, de Giuseppe Tomasi di Lampedusa; a adaptação cinematográfica homônima feita por Luchino Visconti; e A menina morta, de Cornélio Penna. Não ousaria perguntar quem já leu os dois romances, sendo, decerto, maior o número de pessoas que assistiram à obra de Visconti (1963), estrelada por Burt Lancaster e Claudia Cardinale.

Pois o livro de Farinaccio merece toda leitura. Como tema comum e central aos três ensaios, está o declínio das classes poderosas da segunda metade do século XIX. O ângulo, porém, a meu ver, mais interessante, é a análise que desenvolve entre as pessoas e as coisas, melhor dito, entre os personagens e os objetos que os cercam. O autor explora o conceito de “anima mundi” (animação, doação de alma às coisas), desenvolvido pelo psicólogo americano James Hillman, de quem destaco alguns aforismas:

– Há alma em todas as coisas.

– Todas as coisas exibem rostos, o mundo não é apenas uma assinatura codificada para ser decifrada em busca de significado, mas uma fisionomia para ser encarada. Como formas expressivas, as coisas falam... Se anunciam, “olhem, estamos aqui”. Nos observam independentemente do modo como as observamos, de nossas perspectivas, do que pretendemos fazer com elas e de como as utilizamos.

- A “alma” das coisas materiais é dada em sua superfície... Um objeto presta testemunho de si mesmo na imagem que oferece, e sua profundidade está na complexidade dessa imagem... À medida que a coisa ganha alma, vale dizer, vida, ela nos chama a atenção e nos atrai para si. Esse processo de “animação” das coisas é uma relação de mão dupla em que o sujeito e o objeto se iluminam reciprocamente. A alma do objeto corresponde e une-se à nossa. (O autor cita o exemplo de uma balconista que propõe uma garrafa de cor laranja porque “é mais feliz”, profundidade psíquica do objeto, decorrente da imaginação material da vendedora).

Para reforçar sua teoria, Farinaccio recorre, também, a Remo Bode, filósofo italiano, para quem:

– Cada geração é circundada por uma paisagem específica de objetos... que podem ter sido considerados em determinado período como modernos (ex.: máquina de escrever), em época posterior, uma velharia... Tornados anacrônicos, terminam em sótãos, nas cantinas, no banco de penhores, nos negócios de brechó, antiquários e depósitos. Reencontrados ou comprados, emanam um eflúvio de melancolia, flores murchas que para renascer necessitam de nossas atenções.

Como se ainda precisa de mais ilustrações, acrescenta trechos da escritora Virginia Woolf:

– O olhar recai em um vaso sobre a lareira, o vaso detona uma série de lembranças... O olho tem esta estranha propriedade: repousa apenas na beleza; como uma borboleta, busca o colorido e se delicia com o caloroso.

– A beleza atrai, chama a atenção e faz com que o observador aprecie e tome gosto pela materialidade do mundo, ele o traz então para dentro de si, i.e., inspira o mundo externo tornando-o também interno.

– As vidas e os personagens dos donos dos lugares em que se entra por primeira vez deixaram sua atmosfera e, tão logo entramos, nos deparamos com uma onda de emoção... aqui gente discutiu, sua raiva ainda permeava o ar.

Depois dessa rica Introdução, Farinaccio dedica-se ao estudo crítico detalhado das três obras mencionadas, sempre dessa ótica inusitada do diálogo entre as pessoas e os objetos, entre as pessoas e os lugares, abordagem que, de repente, é capaz de explicar por que tanto nos sensibilizam mecanismos que reativam objetos e lugares adormecidos em nossa memória.

Obrigado, Antonio Bento. Grande leitura.


Revista Política Democrática Online || Eduarda La Roque: Democracia e inclusão

É preciso que saíamos das metodologias setoriais em “caixinhas” para abordagens em rede, para que possamos desenvolver um modelo de desenvolvimento que seja sustentável e inclusivo que garanta a sobrevivência da democracia em nosso país

A sobrevivência da democracia só será possível se conseguirmos desenvolver um modelo de desenvolvimento que seja sustentável e inclusivo, o que requer justamente que saíamos das metodologias setoriais em “caixinhas” para abordagens em rede, que integrem temas através de circuitos integrados.

Antecipei esse ponto de vista em artigo “Democracia e Informação”, constante do livro Política: nós também sabemos fazer, lançado em março de 2018, bem antes do hoje presidente Jair Bolsonaro representar chances reais de ganhar a eleição. Disse, então, que “regimes democráticos só sobreviverão com uma maior coesão social a partir de um alinhamento mínimo com relação a valores – ética e transparência acima de tudo –, ao invés da visão polarizada entre esquerda e direita. A direita culpando o Estado pela ineficiência do sistema, e a esquerda culpando a ganância do mercado pelas mazelas sociais. Ambos com razão. O tecido social fica esgarçado, e aumenta significativamente o risco de ascensão de ditadores”.

Deu no que deu. À margem dos riscos que hoje vivemos no Brasil à democracia, centro-me no tema da “Inclusão”, um termo bem aberto. Inclusão de quem? Trata-se de uma pauta de direitos humanos ou de economia? De ambos, obviamente, e de vários aspectos mais. Em seminário de que participei recentemente[1], foquei minha apresentação na inclusão dos mais pobres na economia e na cidadania, através de um modelo de desenvolvimento territorial baseado no conceito de prosperidade. Mas gostaria de realçar que o Brasil tem de encarar de frente a questão das desigualdades, de renda, de oportunidades. Uma proposta progressista de Brasil deve colocar como prioridade número um o combate às desigualdades estruturais que vivemos, tais como a pobreza, o racismo, o machismo, a homofobia.

Integrar as políticas públicas nos territórios de uma forma participativa é o único caminho viável para o desenvolvimento sustentável, que significa um processo de melhoria da qualidade de vida dos cidadãos, principalmente para os mais vulneráveis. Um território pode ser uma favela, um bairro, uma cidade, uma microrregião do Estado. Dois casos foram apresentados: o de fracasso da UPPSocial no Rio de Janeiro (relatado em meu artigo “Confronting inequalities”, em Shaping Cities in an Urban Age, LSE, 2018) e o Modelo de Desenvolvimento Regional Sustentável do Espírito Santo, que está em construção.

O modelo de desenvolvimento territorial é composto por três etapas. A composição de um conselho de atores envolvidos e comprometidos com o desenvolvimento do território; a pactuação de metas de desenvolvimento holísticas; e uma matriz de responsabilidades para alcançar e monitorar as metas. Para dar certo, depende de representatividade dos atores, informação qualificada e empoderamento do conselho. Precisamos de uma meta, um guia; daí a importância dos indicadores econômicos e sociais. São eles que pautam toda a informação, a composição do saber da sociedade e os rumos dos países e entes subnacionais.

O PIB per capita não é suficiente para medir o grau de desenvolvimento de um país, muito menos do Estado ou da cidade. É impactado por atividades relacionadas à indústria extrativa, sem penalizar a desigualdade nem o desgaste do meio ambiente, além de não computar adequadamente a economia criativa. A alternativa proposta por Amartya Sen, o Índice de Desenvolvimento Humano, é adequada para ranquear os países ou municípios, mas não tão boa para avaliar os resultados de política pública num prazo mais curto, pois variáveis como renda média, expectativa de vida e nível de escolaridade demoram a reagir. Para avaliar o resultado na ponta das políticas públicas, foi criado pela Rede de Progresso Social, o IPS (índice de progresso social), que aborda aspectos sociais, de direitos e ambientais.

Para além do IPS, propõe-se, no caso do Espírito Santo, a elaboração do IPES, índice de prosperidade do Espirito Santo, para avaliar a melhoria de qualidade de vida dos cidadãos, medida através de uma composição de sete “ativos” da sociedade: econômico, social, ambiental, cívico (que inclui as questões de governança), urbano, cultural e humano.
Ampliar nosso conceito de riqueza para contemplar outros tipos de ativos que não só os econômicos. E considerar métricas que considerem as desigualdades ao invés de adotar como metas variáveis de média tais como o PIB e a renda per capita. Por estes indicadores, o Brasil é um país de renda média, mas, se extrairmos o 1% mais rico da população, somos um país bem pobre. Uma unidade a mais de renda entre os mais pobres certamente geraria mais bem-estar no sistema do que entre os ricos. E consumo também. Para voltar a fazer o bolo crescer, será necessário começar por distribuir.
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[1] “Os Desafios da Democracia: um programa político para o século XXI”, promovido pela Fundação Astrogildo Pereira, em São Paulo, em 24 de agosto de 2019.

 


Revista Política Democrática Online || Fernando Lyra: Um país à margem do mundo

Bolsonaro teve – e perdeu – a chance de se fazer respeitar com o discurso de abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas. Repleta de fatos distorcidos e visões de mundo extremistas, a fala do presidente brasileiro envergonhou o País perante o mundo

Poucas vezes o discurso de abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU), historicamente feito pelo Brasil, foi tão esperado pela comunidade internacional. Após nove meses de governo, período em que a imagem do Brasil se desgastou continuamente em face de uma política externa marcada pelo sectarismo, nacionalismo exacerbado e um conceito de soberania que ignora conceitos básicos de interdependência entre nações, o presidente Bolsonaro teve – e perdeu – a chance de se fazer respeitar. Com um discurso repleto de mentiras, fatos distorcidos e visões de mundo extremistas, envergonhou o País perante o mundo.

Já na semana anterior, observaram-se no mundo inteiro massivas manifestações de jovens em cobrança de ações dos governos para enfrentar a mudança do clima. Era véspera do início da Cúpula da Juventude sobre Clima e da Cúpula do Clima, eventos promovidos pela Organização das Nações Unidas, previamente à AGNU. Mas, ao contrário do histórico protagonismo exercido pelo País nos foros multilaterais ambientais, o que se observou foi a melancólica ausência do Brasil, agora olhado como pária ambiental por todas as nações relevantes do planeta, buscando, de forma patética, convencer formadores de opinião a mudarem suas próprias opiniões sobre a destruidora política ambiental brasileira.

O mesmo presidente da República que abriu a AGNU não se dispôs a perfilar-se, no dia anterior, junto a outros chefes de Estado, para expressar as visões e ambições do Brasil em relação ao tema que, globalmente, é o que mais tem mobilizado cidadãos, empresas e governos em todo o mundo: a mudança do clima. Melhor assim: não haveria muito o que falar. Há poucos dias, seu chanceler, Ernesto Araújo, que antes de tomar posse já havia descrito a mudança do clima como um dogma, explicitou em discurso num centro de estudos conservador norte-americano o que o novo governo pensa: não acredita no aquecimento global como resultado da ação humana; as queimadas e alertas de desmatamento no Brasil são superdimensionados e a mudança do clima é um pretexto para a ditadura e a perda da soberania nacional. Suas falas foram ridicularizadas até mesmo em conservadores meios americanos, de sorte que talvez fosse melhor, mesmo, o Brasil não falar nada na Cúpula sobre Clima.

Enquanto isso, o presidente despachou seu ministro do Meio Ambiente para um road show nos Estados Unidos e Europa. O ministro, que recentemente declarou: “nós falhamos na comunicação; esse é o ponto mais importante”, levou a sério sua crença e resolveu comunicar a atores governamentais e à mídia internacional uma visão distorcida da realidade oferecida pelo novo governo: exibir o Brasil como um líder mundial em conservação ambiental, apresentar dados que mostram a maior parte do território nacional preservado como florestas e relatar como os agricultores brasileiros fazem enorme esforço de conservação sem ganhar nada em troca.

Foto: Alan Santos/PR

 

A fórmula tem sido a mesma em todos os encontros: o ministro se vale de dados distorcidos, alguns números escolhidos a dedo e outros simplesmente errados. Se a ideia era esclarecer a verdade sobre a atual política ambiental brasileira, pode-se considerar a missão do ministro um sucesso: ninguém acredita nele. Até mesmo os insuspeitos órgãos conservadores de imprensa que o entrevistaram, escolhidos a dedo, apresentaram reportagens demolidoras em que contrastavam as falas do ministro com a realidade que hoje o mundo inteiro conhece. A reportagem da agência Associated Press, após entrevista com o ministro, ironizou: “em julho, o presidente brasileiro Jair Bolsonaro descartou preocupações globais sobre incêndios na maior floresta tropical do mundo, dizendo: ´a Amazônia é do Brasil, não sua. Agora, o governo do presidente de extrema direita tem nova mensagem: está tudo bem e a floresta tropical está aberta para investimentos privados”.

A ironia não é gratuita. Durante a mesma viagem, o ministro do Meio Ambiente relatou à imprensa, após encontro no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a futura criação de um novo fundo, a ser operado pelo banco, sem oferecer qualquer tipo de detalhes sobre países ou entidades doadoras, recebedoras, valores ou prazo para entrar em funcionamento. Disse apenas que será “um fundo que contempla países e setor privado, tanto na ponta de doação como na do recebimento dos investimentos, para desenvolvimento, pesquisa e desenvolvimento de atividades (...) um mecanismo importante para avançar na bioeconomia”.

Seria irônico se não fosse uma irresponsabilidade como agente público. A governança do BID requer que todos os projetos com valores minimamente expressivos sejam aprovados pelos seus doadores, o que inclui países como França, Noruega, Áustria, entre outros. Enquanto isso, o governo brasileiro está implodindo o Fundo Amazônia, hoje paralisado, que tem governança 100% nacional, sem doadores sentados à mesa e com recursos destinados prioritariamente a órgãos governamentais. Qual é o sentido, agora, de se alardear um fundo com governança multilateral em que diversos países, doadores ou não, estarão deliberando sobre projetos a serem implementados na Amazônia brasileira? E os argumentos em prol da soberania nacional?

A pá de cal da semana foi o discurso do presidente Bolsonaro. Ele até tentou as palavras mágicas, “nós cuidamos da Amazônia”, “nós nos preocupamos com o meio ambiente e com os nossos índios”, mas, a exemplo do que acontece com seu ministro do Meio Ambiente, não se trata de uma mera questão de comunicação. Em uma intervenção com forte viés ideológico, criticou outros países, desancou a mídia e negou responsabilidade no aumento do desmatamento da Amazônia... não convenceu ninguém.

O Brasil se tornou chacota nos meios diplomáticos. A fala do presidente confirmou, nos que tinham dúvidas, o desprezo do atual governo por temas que nos eram preciosos, como meio ambiente, direitos humanos, multilateralismo, e nos posicionou no espectro das Nações Unidas como um país de governante autoritário, sem capacidade de atuar construtivamente em busca de consensos, um paiseco satélite dos Estados Unidos. Ele sequer tentou disfarçar, parecer simpático, afável e contemporizador... ele foi apenas ele mesmo. E, nisso, podemos elogiá-lo. Hoje não há, no mundo, dúvidas sobre o tipo de governante que preside o Brasil. E ele não está à altura do País que somos.

 


Revista Política Democrática Online || Lilia Lustosa: Por uma praia sem filtros

Decisão do presidente Jair Bolsonaro, determinando que todas as produções candidatas a receber financiamentos do governo deverão passar doravante por um “filtro”, mostra que o mar cinematográfico brasileiro não está pra peixe

Nem a onda de prêmios importantes recebidos por filmes brasileiros neste ano em Cannes serviu para acalmar a tempestade que se vinha formando no meio cinematográfico de nosso país. Nem Bacurau (2019), de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, que levou o prêmio máximo do júri, nem A vida invisível de Eurídice Gusmão (2019), de Karim Aïnouz, ganhador do prêmio Un Certain Regard, foram capazes de diminuir a vontade do presidente Jair Bolsonaro de controlar o conteúdo do que é financiado pelos cofres públicos.

Definitivamente, o mar cinematográfico brasileiro não está pra peixes, muito menos pra surfistas! Que diga Marcus Baldini, diretor de Bruna Surfistinha (2011), filme que virou símbolo do que não pode mais ser financiado pelo governo brasileiro. Bruna Surfistinha, baseado em O Doce Veneno do Escorpião: o diário de uma garota de programa, e que tem como um dos autores de seu argumento o próprio Karim Aïnouz, conta a história real de Raquel Pacheco, uma menina de classe média que foge de casa aos 17 anos para tornar-se prostituta. Estrelado por Deborah Secco em 2011, o filme foi um sucesso de bilheteria, levando 2,2 milhões de espectadores às salas de cinema do país. Além disso, gerou 500 empregos diretos e indiretos, rendendo R$ 20 milhões em bilheterias e R$ 10 milhões em impostos para o Estado brasileiro. O montante investido pelo Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) foi de R$ 557.963, com retorno de 54,18% desse valor (fonte: FSA).

Apesar do retorno financeiro relativamente alto dessa obra (para os padrões nacionais), segundo o presidente Bolsonaro, “em respeito às famílias brasileiras”, filmes como esse não mais serão financiados pela Agência Nacional do Cinema (ANCINE), já que, para ele, dinheiro público não pode ser usado para “filme pornográfico”. Aliás, o presidente determinou que todas as produções candidatas a receber financiamentos do governo deverão passar doravante por um “filtro”. O recente caso da suspensão do edital de chamamento a projetos de séries para a TV Pública comprova não se tratar apenas de uma fala retórica de nosso presidente. Com linha de crédito do Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE) e participação da ANCINE e da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), o edital tinha entre as categorias de investimento uma dedicada à diversidade, com temas LGBT.

Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

 

Para Onyx Lorenzoni, Ministro da Casa Civil e hoje responsável pelo Conselho Superior de Cinema (CSC), o “filtro” deve ser principalmente financeiro. Segundo ele, a atual política pública de incentivo ao cinema não tem medido os resultados obtidos, gerando obras sem relevância para a economia do país. Até que aí ele pode ter um ponto! É preciso de fato preparar de uma vez por todas o terreno para que as produtoras brasileiras se tornem independentes, que sejam capazes de se retroalimentar, de fazer girar a economia, sem interferência do Estado. Mas para isso é preciso, antes de mais nada, que haja público para o filme brasileiro, o que implica redução do preço das entradas para produções nacionais e, sobretudo, aprimoramento da distribuição dessas obras, que, até hoje, têm de se espremer nas brechas das programações dos Multiplex, dominados pelos filmes norte-americanos. Questão antiga, tão batalhada pelos cinemanovistas nos anos 60, levada a sério pela Embrafilme nos anos 70/80, interrompida nos anos 90 pelo Governo Collor, e jamais resolvida por governo algum.

Nossa indústria cinematográfica, apesar de seus tantos anos de existência, ainda engatinha, necessitando até hoje de políticas de reserva de mercado e de incentivo financeiro do Estado. Etapa que já poderia ter sido vencida, houvéssemos nós nos planejado melhor, nos organizado melhor e, sobretudo, acreditado no potencial do cinema brasileiro anos atrás.

Depois de o Cinema Novo ter fracassado no quesito diálogo com o público (apesar de ser o responsável pelo primeiro passo rumo à descolonização do nosso cinema), os filmes dos anos 70/80 conseguiram repetir a façanha do período da Chanchada, atraindo a atenção e simpatia dos brasileiros. Na época da Embrafilme (1969-1990), tivemos o período de melhor desempenho da história do cinema nacional, a produção brasileira chegando a ocupar a faixa de 30% do mercado até 1984. Tínhamos linhas de financiamento e reserva de mercado para produções brasileiras (chegando a 140 dias de exibição obrigatória de filmes nacionais), e, consequentemente, público nas salas de cinema. Esse poderia ter sido o início da consolidação da nossa indústria cinematográfica, para estarmos agora com uma indústria robusta, independente, diversificada. Mas não soubemos tirar proveito dessa maré positiva. Faltaram vontade política, habilidade financeira e competência empresarial.

Interessante lembrar que essa fase mais produtiva da nossa indústria cinematográfica foi justamente o período da chamada Pornochanchada, um subgênero da Chanchada, só que mais picante! Filmes que exaltavam a sensualidade e a sexualidade brasileiras, bem-humorados, por vezes debochados, mas que nem por isso deixavam de retratar a realidade de nossa sociedade. Filmes que tinham o aval e o financiamento do governo brasileiro, em pleno período de ditadura militar, e que enchiam as salas de cinema do país. Filmes que certamente não passariam pelo “filtro Bolsonaro”. Talvez pelo “filtro Lorenzoni” (será?), já que seus números eram excelentes, sendo inegável seu retorno financeiro para o Brasil. Dizem as más línguas que essa flexibilidade da censura com relação à “moral” dos filmes em plena ditadura acontecia justamente para distrair o povo de coisas realmente graves, que eram, portanto, omitidas por nossos governos. Pode ser. Mas foi a melhor fase do cinema brasileiro em termos de produção.

E o que dizer do que está acontecendo hoje no Brasil?

Numa época de presumível democracia como a que vivemos, parece que estamos presenciando uma censura ainda mais pesada do que aquela dos anos de chumbo. Pelo menos no que diz respeito às questões “morais” presentes nos filmes. Mas quem garante que não virão em seguida os “filtros” de conteúdo político, ideológico, religioso? O tal “filtro” de resultado financeiro de Lorenzoni parece ser por enquanto o menos relevante.

Foto: Reprodução

 

Diante de tal quadro, nos questionamos se filmes como Dona Flor e seus Dois Maridos (1976), de Bruno Barreto, uma das maiores bilheterias de todos os tempos (10,7 milhões de espectadores), mas que mostrava uma jovem e sensual Sonia Braga na cama com dois homens, passariam pelo “filtro Bolsonaro”. E que dizer de A Dama do Lotação (1978), de Neville d’Almeida, um dos maiores clássicos da Pornochanchada? Filme que levou 6,5 milhões de espectadores às salas de cinema, estrelado pela mesmíssima Sonia, e que conta a história de uma mulher recém-casada que, violentada pelo marido na noite de núpcias, decide adotar o prazer da traição como vingança, entregando-se a desconhecidos com quem esbarra no ônibus. Não, esse certamente não passaria pelo “filtro”! E Xica da Silva (1976), de Cacá Diegues (3,1 milhões de espectadores), que mostra uma escrava usando seus atributos femininos para conseguir sua alforria? E Eu te amo(1981), de Arnaldo Jabor (3,4 milhões de espectadores), que aborda temas como prostituição e homossexualidade? E Toda Nudez será castigada (1973), do mesmo Jabor (1,7 milhões de espectadores)? Certamente, não. Nem os bons números parecem ser suficientes para abrir os buracos do “filtro” da “moral e dos bons costumes” impostos pelo presidente.

Em um momento em que vemos o cinema brasileiro retomar o prestígio internacional - o que gera automaticamente, aumento de prestígio nacional (colonizados que somos!) - e que deveríamos estar aproveitando o momentum para (re)conquistar o público brasileiro e dar continuidade à Retomada iniciada em meados dos anos 1990, vemos tudo desmoronar outra vez! As ameaças de extinção da ANCINE, caso os tais “filtros” não sejam implementados, lembram-nos o fim drástico da Embrafilme e o consequente quase-fim do cinema brasileiro. Encontramo-nos, então, diante de uma espécie de “(não) vale a pena ver de novo”, em que tememos uma vez mais pela sobrevivência do cinema brasileiro.

Em época de tsunamis, os surfistas têm duas opções: ou se recolhem, aguardando o retorno da calmaria para poder voltar a pegar suas ondas; ou, criam coragem, mergulham de cabeça e tentam furar a onda gigante! Minha aposta é nos corajosos!

 


Revista Política Democrática Online || Sérgio C. Buarque: Eficiência econômica e igualdade de oportunidades

Até os anos 30, o Estado detinha, na média dos países, apenas 6% do PIB. Atualmente, essa fatia passa de 30% na maioria das nações desenvolvidas e flutua entre 35% e 45% nas social-democracias da Europa

Na segunda metade do século XX, o capitalismo passou por uma transformação radical, quando o Estado passou a se apropriar de parcela crescente dos excedentes econômicos, ganhando, desta forma, papel ativo na economia e na sociedade. Até os anos 30, o Estado detinha, na média dos países, apenas 6% do Produto Interno Bruto (PIB). Atualmente, essa participação passa de 30% do PIB na maioria das nações desenvolvidas e flutua entre 35% e 45% nos países social-democratas da Europa, com poder enorme de investimentos e gastos na oferta de serviços públicos e em segmentos da competitividade, e grande capacidade de regulação do mercado.

Este fortalecimento do Estado acompanhou mudança mais profunda na economia capitalista: o aumento acelerado da produtividade do trabalho, decorrente das grandes inovações tecnológicas e organizacionais, gerando elevados excedentes econômicos. A velocidade e a extensão deste aumento do excedente econômico permitiram a elevação de salários, a redução da jornada de trabalho e o crescimento da parcela apropriada pelo Estado, sem comprometer a acumulação de capital. Na verdade, estes movimentos favoreceram a acumulação de capital pela formação de um mercado de massa e pela alta demanda dos elevados gastos públicos.

O desenvolvimento é um processo complexo e resultado de múltiplos fatores, circunstâncias históricas e escolhas políticas. Mas não seria exagero afirmar que o desenvolvimento depende, antes de tudo, da relação entre o Estado e o mercado e da forma como ambos atuam, com suas diferentes e complementares contribuições para a geração e a distribuição da riqueza. O mercado é o espaço de concorrência que favorece a eficiência econômica e estimula a inovação, fator decisivo para o aumento da produtividade do trabalho. A promoção da justiça social e da igualdade de oportunidades são responsabilidades do Estado, com o provimento dos serviços públicos à sociedade. Mas, para isso, o Estado depende da eficiência do mercado e de sua contribuição para o aumento da produtividade.

A crise e o atraso econômico e social do Brasil decorrem, em grande medida, da combinação perversa entre um Estado pesado, falido e incompetente, socialmente injusto e apropriado por corporações e grupos de interesses, e um mercado ineficiente e travado pelo protecionismo, pelos elevados encargos sociais e pelo caótico sistema de incentivos e subsídios que distorcem a concorrência. O Estado brasileiro foi se apropriando, nas últimas décadas, de parcelas crescentes da economia apesar da quase estagnação da produtividade de trabalho e, portanto, dos excedentes econômicos. Com cerca de 35% do PIB, o Estado brasileiro tem um peso muito próximo aos de países altamente desenvolvidos como a Alemanha, com 36,7% do PIB. A Coreia do Sul, com uma produtividade do trabalho três vezes superior à do Brasil, tem carga tributária de apenas 24,3% do PIB. Mesmo assim, o Índice de Desenvolvimento Econômico (IDH) sul-coreano alcançou 0,891, muito superior ao do Brasil (0,744), evidenciando a ineficiência do Estado brasileiro.

Qualquer proposta de desenvolvimento do Brasil deve contemplar, portanto, a reestruturação do Estado, com a reorientação dos investimentos e gastos públicos e o aumento da eficiência governamental, e a liberalização do mercado, com o destravamento do ambiente de negócios e a ampliação da concorrência. A reestruturação do Estado deve levar a menos Estado na economia (incluindo ampla privatização), com muito mais Estado na oferta de serviços públicos, privilegiando os ativos sociais, principalmente o conhecimento (educação e qualificação profissional). E a liberalização do mercado deve contemplar a reforma tributária e a abertura planejada da economia para aumentar a exposição à concorrência internacional, forçando a inovação, fator decisivo para o aumento da produtividade.

Para a retomada do desenvolvimento, o Brasil tem de lidar com passivos econômicos e sociais, especialmente a dramática deficiência da educação, ao mesmo tempo em que se prepara para os desafios das próximas décadas. De imediato, o Brasil deve equacionar a grave crise fiscal que está estrangulando a capacidade de investimento público, mesmo porque não pode aumentar a carga tributária, já muito alta e desproporcional à produtividade da economia. Mas, para estruturar o futuro, escapando da armadilha das emergências, o Brasil precisa de uma profunda reformulação do Estado, racionalizando e reorientando as despesas públicas, e de uma ampla liberalização do mercado para aumentar a eficiência econômica e elevar a produtividade do trabalho. Já estamos muito atrasados neste mundo em alta velocidade por caminhos tão fascinantes como incertos.

 


Caetano Araújo avalia perspectivas do Cidadania na sociedade

Análise de sociólogo foi publicada na oitava edição da revista Política Democrática online

Há um novo partido na política brasileira, segundo o sociólogo e consultor legislativo do Senado Caetano Araújo, em artigo publicado na oitava edição da revista Política Democrática online, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira). “Nos últimos meses, o Partido Popular Socialista deu a largada no rumo de sua própria transformação, num processo que pretende, ao mesmo tempo, maior pluralidade interna e maior convergência política”.

» Acesse aqui a oitava edição da revista Política Democrática online

De acordo com o autor, de um lado, há o propósito de abrir-se para os novos movimentos da sociedade, de caminhar na direção de uma maior diversidade política dos seus filiados. “Ao mesmo tempo, também está manifesta a intenção da convergência política, o propósito de definir os pontos centrais de uma agenda transformadora, com capacidade de congregar a todos”, avalia.

Araúo diz que, hoje, dois congressos depois do início do processo, a composição do partido continua a se ampliar, o nome já é outro, Cidadania, e está prevista, até o final de 2019, a definição dos pontos fundamentais do programa e do estatuto da nova sigla. “Esse será o debate fundamental. Há espaço na sociedade brasileira para um partido com o histórico, o projeto e os objetivos do Cidadania? Qual é esse espaço? Se esse espaço existe, o que fazer para ocupá-lo?”, questiona o consultor legislativo do Senado.

A resposta a essas e outras perguntas, segundo ele, fará a diferença entre mais uma sigla no quadro partidário e um partido de peso, representante de uma corrente de opinião importante no país. “A questão da integração na nova ordem mundial, que separa integracionistas ou cosmopolitas de isolacionistas, mostra-se fundamental em cada enfrentamento político ou eleitoral, principalmente na Europa e nos Estados Unidos, afirma, em outro trecho.

Estão em jogo, conforme avalia o sociólogo, o alcance dos organismos de regulação internacional e a participação neles; os processos de integração regional; e a política adequada face aos fenômenos da migração e dos refugiados. “Por diversos caminhos, dos quais o mais premente é a mudança climática, corremos o risco permanente de uma catástrofe ambiental e o enfrentamento político dessa questão divide, no mundo inteiro, sustentabilistas e negacionistas. A questão central aqui é a mudança da economia mundial, na direção de fontes de energia renováveis, em substituição ao petróleo e o carvão”.

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Demonização da esquerda já se aproxima de uma escalada muito perigosa, avalia Davi Emerich

Em artigo na Revista Política Democrática Online, jornalista alerta para a escalada contra a esquerda no Brasil de Bolsonaro, que já chega a limites perigosos

O governo Jair Bolsonaro, cuja legitimidade é inquestionável, apresenta-se com três núcleos programáticos bastante distintos, que não necessariamente mantém relações diretas entre si: o da economia e de suas reformas, as questões de segurança e de combate à corrupção e, terceiro, o chamado de valores. A avaliação, feita pelo jornalista Davi Emerich é tema de artigo publica na sexta edição da Revista Política Democrática Online.

» Confira a aqui a Revista Política Democrática – Edição 06

Para Emerich, que também é mestre em Comunicação Social pela Universidade de Brasília (UnB), neses primeiros meses de gestão fica cada vez mais claro que o presidente deixou nas mãos de Paulo de Guedes e Sérgio Mouro a tocata dos dois primeiros, sem interferir em demasia no processo e chegando a trazer alguns problemas ao Ministério da Economia como ocorreu quando problematizou a reforma da Previdência.

"O projeto de valores não, o presidente resolveu assumi-lo diretamente, erigindo-o em coluna dorsal da administração para manter a sua base original mobilizada, na expectativa de que uma certa direita possa hegemonizar no tempo a política, o estado, a inteligência e a cultura nacionais", avalia Emerich.

Dessa forma, "a escalada da demonização da esquerda, parece que feita de forma criteriosa, precisa ser bem entendida por todas as forças democráticas nacionais e, também, pelos militares", acredita Emerich. "Omissão, confronto estéril ou oposicionismo reto não são um bom caminho. É hora da unidade de todo o campo democrático para que não tenhamos desastres políticos e sociais mais à frente", conclui.

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Política Democrática: André Amado estabelece ‘difícil diálogo com Roland Barthes’

Íntegra do artigo em primeira pessoa pode ser conferido na quinta edição da revista Política Democrática online

Cleomar Almeida

O diretor da revista Política Democrática online, André Amado, que também é embaixador aposentado e escritor, leva ao público um artigo em primeira pessoa, no qual estabelece um diálogo com o filósofo francês Roland Barthes, considerado o pop-star do pensamento parisiense dos anos 1960. Confira trechos abaixo:

Há alguns meses, comentei com um amigo – agora ex-amigo, e vocês entenderão porquê – meu projeto de fazer um doutorado em literatura. Reconheci, de antemão, imensa insegurança quanto aos fundamentos da teoria literária e pedi ajuda.

Sem hesitar, ele sugeriu-me ler, entre outros, o Mimesis, de Erich Auerbach, e um artigo de Roland Barthes, “L ́effect de réel” (“O efeito de real”). Não quis discutir, quem sou para questionar um Barthes?, mas, no meu francês, deveria ser “L ́effect de réel” e não “de”. Deixei passar. Compensava a expectativa de que, em se tratando de um artigo, seria, como de fato logo comprovei, curto.

» Acesse a íntegra do artigo na edição de fevereiro da revista Política Democrática online

Mergulhei na leitura. Não entendi coisa alguma, além de registrar a existência de um barômetro no meio da sala da sra. Aubain, cena retirada de um livro de Gustave Flaubert. Uma certeza eu tinha: a insignificância da minha conclusão ofendia a grandeza do afamado pensador francês. Decidi compartilhar a perplexidade com meu amigo. De novo sem hesitar, ele respondeu, Ora, André, se você cogita de fazer um doutorado em literatura tem de começar entendendo Roland Barthes, e desligou. Aceitei o argumento, mas, nem por isso, mantive A amizade.

Tempos depois, envolvido em preparar a projetada tese, tropeço num texto de um cholar americano, Dennis Foster1, e leio: “Roland Barthes defendeu que detalhes descritivos, como o barômetro da sra. Aubain – que resistiu a todas as tentativas de enquadramento em uma teoria de uma dada ordem de obra simbólica – não significava nada mais do que a realidade... Trata-se de um expediente comum em bons autores para distrair a atenção do leitor com pistas falsas e, bem assim, retardar a decifração do enigma central da história”.

 

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Política Democrática: ‘Crise ética decorre da democracia’, diz Manoel Martins Araújo

Professor de Direito Constitucional afirma que crise é também de crescimento e de amadurecimento do regime

Cleomar Almeida

O professor de Direito Constitucional da UFF (Universidade Federal Fluminense) Manoel Martins Araújo diz que a crise ética da sociedade decorre da própria democracia. “E temos, nos instrumentos da democracia, as ferramentas para sua superação”, afirma, em artigo publicado na quinta edição da revista Política Democrática online, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira).

» Acesse aqui a edição de fevereiro da revista Política Democrátia online

“Lembremos que a crise decorre da constatação e repulsa pela sociedade da odiosa prática delitiva da corrupção, deletéria dos recursos do Estado tão importantes para a satisfação de necessidades básicas da população”, escreve ele, para continuar: “Aquilo que antes era sabido, mas digamos, tolerado, passou a ser repudiado pela sociedade e combatido pelas instituições competentes pela adequada aplicação da lei”.

Na avaliação do autor, os avanços democráticos, principalmente no acesso às informações e na circulação das ideias, ampliando o controle social, são os ingredientes subjetivos da crise: a sociedade repele a cultura da impunidade, rechaçando, também, a corrupção. “O nó górdio está no fato de que a sociedade, não obstante o funcionamento eficiente do Judiciário e do Ministério Público, não acredita que as nossas instituições políticas serão capazes de enfrentar o desafio de dar um basta à impunidade”, ressalta.

A crise, de acordo com Araújo, também é de crescimento e de amadurecimento da democracia. “ E resultará, ao que tudo indica, na depuração do nosso ordenamento jurídico e político, adequando as ansiedades da sociedade a institutos que, hoje, desafiam os princípios do Estado Democrático de Direito”.

O professor observa também que a discussão sobre o foro privilegiado segue em conflito com o princípio da isonomia. “Tal instituto aparentemente desafia tal princípio, sempre suscitando críticas à sua instituição”, diz. “As constituições democráticas, na verdade, adotam como princípio a vedação à instituição de juízos especiais ou de exceção, admitindo-se o foro privilegiado como garantia ao exercício de funções cujos titulares devem ser protegidos contra ações políticas que podem ter, nos julgamentos judiciais, mecanismo de pressão”, pondera.

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Política Democrática online mostra relação de milícias no RJ com o caso Marielle

Assassinatos de vereadora e de seu motorista completam um ano sem elucidação nesta quinta-feira (14/3)

Cleomar Almeida

O poder das milícias no Rio de Janeiro e seu suposto envolvimento nos assassinatos da vereadora Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes, são destaques da quinta edição da revista Política Democrática online. Os crimes completam, nesta quinta-feira (14/3), um ano sem elucidação. Em vídeo, fotos e textos, a reportagem reforça a cobrança por Justiça, liderada por familiares das vítimas e movimentos sociais, e detalha a teia de atuação dos grupos criminosos, também formados por agentes da segurança pública, em comunidades pobres do Estado.

» Acesse aqui a edição de fevereira da revista Política Democrática online

Com o título “Caso Marielle expõs o poder de milícias no RJ”, a reportagem divulga, com exclusividade, que, de 2013 a 2018, 2018, 835 militares foram expulsos da corporação, no total, por diversas irregularidades – incluindo envolvimento comprovado com milícias e prática de crimes –, 312 (37,3%) deles só no ano passado, quando foi registrada a maior baixa do período. Os dados foram repassados pela corregedoria e pelo coordenador de comunicação social da PM-RJ, coronel Mauro Fliess.

As milícias extorquem as populações de favelas. Cobram por suposta segurança e ligações clandestinas de água, energia e TV a cabo. Estipulam comissões ilegais sobre venda de botijões de gás, água, materiais de construção e transporte. Fazem grilagem de terras, assim como a extração de pedra e saibro nas reservas ambientais da União. Orquestram a eleição de políticos aliados. Matam qualquer um que representar ameaça ou resistência aos projetos de manutenção e aumento do poder de seus integrantes sobre populações pobres, que se tornam ainda mais vulneráveis diante do fortalecimento desses grupos.

Foto: Cleomar Almeida/FAP

“No momento em que vi Marielle no caixão, inerte, fiquei anestesiada pela dor. Não tenho como explicar, ela foi abatida como uma coisa qualquer. Foi um filme de terror”, desabafa a advogada Marinete da Silva, de 67 anos, mãe da vereadora assassinada (foto acima). “Tem hora que paro e parece que a ficha ainda não caiu, mas preciso ser forte para cuidar do nosso filho”, diz Agatha Arnaus, viúva do motorista.

A reportagem conta o drama das famílias das vítimas. Elas esperam por justiça e cobram agilidade das investigações, realizadas pela Polícia Civil e Ministério Público do Rio de Janeiro. A Polícia Federal também atua sobre o caso.

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Política Democrática: ‘Voto aberto implica desautorizar competência básica do Legislativo’, analisa Arlindo Fernandes

Dirigente da FAP destaca a importância do voto secreto para a autonomia da Câmara e do Senado

Cleomar Almeida

Adoção do voto aberto, a partir do princípio constitucional da publicidade, implica desautorizar a competência básica da Casa Legislativa: a de fazer suas leis internas. É o que diz o advogado e especialista em legislação eleitoral Arlindo Fernandes, em artigo publicado na quinta edição da revista Política Democrática online, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira).

» Acesse aqui a quinta edição da revista Política Democrática online

Na avaliação de Arlindo, que também é especialista em Direito Constitucional pelo IDP (Instituto de Direito Público) e dirigente da FAP, existem bons argumentos para que seja secreta a eleição dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, assim como a dos demais membros das respectivas mesas.

“Repousam no princípio da separação dos poderes, pois voto secreto ajudaria a preservar a autonomia da Casa parlamentar, especialmente diante do Poder Executivo; e no direito individual que o cidadão-eleitor tem a votar secretamente, pois o deputado federal ou senador se acharia, nesse momento, na condição de eleitor”, analisa Fernandes, no artigo.

De acordo com o autor, há também o argumento fundado no direito positivo: os regimentos internos de ambas as Casas, expressão de sua autonomia, determinam que a votação será secreta. “E a leitura que o STF indica ter desse assunto, embora dividida, admite o tema como inserto nas competências próprias do Poder Legislativo, a chamada matéria ‘interna corporis’”, destaca ele.

A Casa Parlamentar e cada congressista, ao votar de forma secreta, protege-se contra eventuais retaliações advindas de outros Poderes e de interesses econômicos privados. “Ademais, como o regimento interno contempla o voto secreto e a Constituição é silente, adotar o voto aberto a partir do princípio constitucional da publicidade implica desautorizar a competência básica da Casa Legislativa”, reforça ele.

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