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RPD || Editorial: A trilha estreita do segundo turno
Os trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito, instalada no Senado Federal para apurar responsabilidades por eventuais omissões e irregularidades havidas no enfrentamento da pandemia, aproximam-se do fim. Restou claro, do esforço de investigação, a opção consciente do governo pela estratégia da negação, em prol da manutenção, ilusória, da atividade econômica. O acesso à vacina foi postergado, enquanto tratamentos desmentidos pela pesquisa foram promovidos. O resultado foi desastroso, mas além das vidas perdidas e da pauperização dos brasileiros, houve lucros para alguns nesse desastre.
Do ponto de vista político, a Comissão Parlamentar veio a ser o evento mais relevante de 2019 para cá. Pode ser comparada a um enorme lança-foguetes, que bombardeou o governo ininterruptamente desde sua instalação. Muitas das bombas, de explosão imediata, contribuíram para a inflexão negativa da curva de popularidade governamental. Outras, de efeito retardado, ainda estão por explodir, talvez com danos até maiores que aqueles verificados até agora na imagem do Presidente e de seus auxiliares mais próximos.
No entanto, as forças oposicionistas não parecem ter atinado ainda com os movimentos necessários para fazer valer a iniciativa política que chega a suas mãos. A estratégia do governo, por sua vez, está em plena execução. Trata-se do discurso bifronte: de um lado, moderação, para ganhar tempo nas relações com os demais Poderes da República; de outro, radicalização, para manter o núcleo duro de apoio na opinião pública, os vinte por cento de avaliação favorável, indispensáveis para ultrapassar a barreira do primeiro turno e enfrentar a oposição na nova eleição, “zerada”, que o segundo turno representa.
O caminho do Presidente para o segundo turno é estreito e vulnerável. A derrocada econômica, os estertores da pandemia, assim como o rescaldo da CPI, conspiram contra ele. Nesse cenário desfavorável, contudo, duas janelas de oportunidade se mantêm abertas para o sucesso de seu projeto. Primeiro, a coesão dos apoiadores convictos, aqueles imunes a qualquer evidência empírica, motivados pelo medo de conspirações diversas e inimigos tão perigosos quanto imaginários. Segundo, a divisão das oposições, a rejeição recíproca que anima parte de seus integrantes e mantém viva a bandeira da antipolítica, de papel importante para o sucesso eleitoral de 2018.
Do ponto de vista da defesa da democracia, urge estreitar os caminhos eleitorais do governo. Trabalhar para trazer à luz as consequências nefastas das decisões governamentais implementadas nos três últimos anos. Saber travar, de forma simultânea e separada, a luta unitária em defesa das instituições e a disputa eleitoral legítima e respeitosa em torno de divergências programáticas.
RPD || Charge - JCaesar
JCaesar é o pseudônimo do jornalista, sociólogo e cartunista Júlio César Cardoso de Barros. Foi chargista e cronista carnavalesco do Notícias Populares, checador de informação, gerente de produção editorial, secretário de redação e editor sênior da VEJA. É autor da charge publicada pela Revista Política Democrática Online.
RPD || Frederico Bussinger: Arco Norte - Nova fronteira logística, econômica e ambiental
Portos da região se destacam e ganham importância no escoamento de soja e milho. Desafio é tornar a logística mais eficiente
Certamente historiadores e geógrafos encontrarão origens mais remotas. O que pode ser afirmado é que na segunda metade dos anos 1990 a expressão Arco Norte já se tornara usual. E, formalmente, ela parece ter debutado no Plano Plurianual 2000/03 (Programa “Avança Brasil”) para se referir à “região lá em cima; Roraima e Amapá” e embalar um conjunto de ações estruturantes: além de rodovias, portos e hidrovias, também gás e energia elétrica. Isso sob a estratégia de “Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento”.
No passado mais recente, a expressão vem sendo crescentemente utilizada em sentido mais estrito: de “Saída Norte”; conceito mais logístico. Este foi antecedido pelos “Corredores” do plano de ação do biênio 1993/94 (“Reconstruindo as Artérias para o Desenvolvimento”); plano que já sinalizava a intermodalidade e previa dois deles naquela região. Este, por sua vez, foi precedido pelos “Corredores de Exportação”, integrantes dos dois “Plano Nacional de Desenvolvimento – PND” (PND-I e PND-II) dos governos militares (anos 1970/80).
O mapa do Brasil, aprendemos no Primário, já foi dividido no sentido norte-sul pelo Tratado de Tordesilhas (1494). Nas últimas décadas, passou a sê-lo por uma linha leste-oeste que demarca o limite sul do chamado Arco Norte.
A linha do Tratado (Belém-PA a Laguna-SC) foi fixada como fronteira entre dois reinos (Portugal e Espanha); por conseguinte, um referencial geopolítico. Já a do Arco Norte é uma linha imaginária aproximadamente sobre o Paralelo-16S: grosso modo, Cuiabá-MT, Brasília-DF, Ilhéus-BA. Diante do deslocamento da fronteira agrícola brasileira em direção ao noroeste, o conceito se impôs e foi imaginado como referencial logístico prático: seria o centro de uma faixa da qual tempos e custos para acessar os portos do Sul/Sudeste praticamente se equivaleriam aos da “Saída Norte”. Apesar de informal, o termo é usado regularmente pela imprensa, centros de pesquisa, na literatura e, até nas estatísticas oficiais.
A área que o Tratado reservou a Portugal foi de 2,8 milhões de km2 (32% do atual território brasileiro); ao passo que a do Arco Norte é mais que o dobro: 6,4 dos atuais 8,5 milhões de km2 (3/4; 75%). Além de grande número e extensão de unidades de conservação, assentamentos, terras indígenas e quilombolas, essa vasta região abarca diversas sub-regiões com características e vocações mais uniformes; como a emergente MATOPIBA: 73 milhões de hectares dos estados de MA, TO, PI e BA.
A saída do atual quadro de crises superpostas, que vive o país e a população brasileira, o estabelecimento do tal novo-normal e mesmo o futuro do Brasil, certamente passa pelo Arco Norte. Não se trata de miragem: a região já é responsável por parcela significativa da produção energética brasileira, bem como da produção e exportação mineral e agrícola. Só de soja e milho, por exemplo, em 2020, nela foram geradas 148,6 milhões de toneladas (2/3 da produção nacional), e exportadas 42,3 Mt (31,9 %). Nos últimos 10 anos, o aumento da sua produção foi de 2,1 vezes, ao passo que o das exportações, 5,9 vezes!
Consagrou-se, entre nós, o bordão: “Até a porteira a agricultura brasileira é competitiva. O problema está da porteira até o porto”; ou seja, na logística. Os dados acima, porém, recomendam melhores análises e explicações: teria a exportação crescido quase o triplo do crescimento da produção se a logística, de uma forma ou de outra, não tivesse dado conta do recado? Imagine, então, se a logística fosse mais eficiente!
O desafio logístico do Arco Norte, assim, é transitar de uma logística limitada para uma logística mais eficiente. E isso não só para exportações, mas também para o abastecimento da população da região que padece, igualmente, para levar as crianças à escola, ser atendida na limitada rede de saúde... mormente nas épocas de chuva.
Ou seja, a transformação da logística do Arco Norte transcende o mero escoamento de cargas e transporte de pessoas: pode ser instrumento de reordenação da ocupação do território, de mudança do perfil da atividade econômica e da organização social. Na linha dos “Corredores de Desenvolvimento”, difundidos pelo Banco Mundial e outras agências multilaterais.
A Amazônia tem tradição de megaprojetos abandonados, inconclusos, cujos cronogramas se arrastam por anos a fio, e/ou que deixam rastros de destruição não solucionados. Mas, além disso, há vários gargalos e desafios nessa trajetória de transformações: planejamento e gestão multimodal da logística; (des)coordenação das ações dos órgãos públicos; pirataria na navegação e roubo de cargas nas estradas; sincopados bloqueios de estradas e ferrovias; funding para os projetos (em geral bilionários); e estabilidade regulatória (imprevisível). E o estrategicamente mais importante: equilíbrio entre o produzir e o preservar.
Parodiando conhecida marca esportiva: just do it!
*Frederico Bussinger é consultor, engenheiro e economista. Pós-graduado em Engenharia, Administração de Empresas, Direito da Concorrência, e Mediação e Arbitragem. Foi Secretário Executivo do Ministério dos Transportes e Secretário Municipal de Transportes (SP-SP). Presidente da SPTrans, CPTM, Docas de São Sebastião e CONFEA. Diretor do Metrô/SP, Departamento Hidroviário (SP) e CODESP. Presidente do CONSAD da CET/SP, SPTrans, RFFSA; da CNTU e Comitê de Estadualizações da CBTU. Coordenador do GT de Transportes da Política Estadual de Mudanças Climáticas (PEMC-SP). Membro do CONSAD/Emplasa e da Comissão Diretora do Programa Nacional de Desestatização – PND.
RPD || Julia Braga: Inflação de commoditites e dólar
País precisa reavaliar estratégias dos setores de energia e alimentos para superar a crise econômica, política e institucional
O aumento do preço das commodities afeta o mundo inteiro, levando a um quadro de inflação global. No Brasil, a inflação é maior que em outros países. Como explicar essa inflação mais alta que a média global?
O preço da energia para a combustão ou energia elétrica disparou esse ano. São causas desse fenômeno: a demanda do mundo digital da era pandêmica por energia elétrica, um conjunto de fatores climáticos, assim como a rápida transição energética na China, com a troca do carvão pelo gás natural para a geração de energia elétrica. A crise hídrica no Brasil, por sua vez, fez requereu o uso mais intensivo de termelétricas, incluindo aquelas movidas a gás natural.
Como uma commodity é custo de outra commodity, o choque energético eleva os custos em toda a cadeia produtiva, incluindo a produção de alimentos. Em 2020, o preço das commodities agrícolas (grãos e carnes) subiu intensamente (28%), devido à política de segurança alimentar na China, que demandou mais grãos e carnes após a gripe suína de 2019. Em 2021, já acumulam alta similar (28% de janeiro a agosto), devido tanto a problemas climáticos (cada vez mais frequentes e intensos), como ao aumento dos custos de produção.
O Brasil é um importador de insumos e bens intermediários até mesmo para a produção de alimentos, com dependência externa de máquinas e fertilizantes. Os preços dos produtos importados e exportados no Brasil, em dólares, têm grande correlação histórica com a dinâmica dos preços das commodities. Ocorre que esses preços, cotados em dólares, foram majorados pela variação cambial.
O câmbio afeta não só os preços dos bens importados, mas também os do que exportamos. Isso porque ao produtor não interessa vender no mercado interno por um preço inferior ao que poderia ganhar exportando. Para bens homogêneos e transacionáveis com o resto do mundo, vale a lei do preço único nos diversos mercados locais. Assim como ocorre com a regra da paridade internacional da Petrobrás, o exportador converte para o real o preço em dólar praticado nos mercados internacionais. Isto é, o Brasil é tomador do preço que vigora internacionalmente.
O Banco Central mede o impacto conjunto da inflação de commodities e da variação cambial com o índice IC-br. De janeiro de 2020 a agosto de 2021 esse índice acumula alta de 71%, mesma magnitude de 2002, quando a inflação saiu da meta. A decomposição indica que praticamente metade dessa variação é devida ao aumento do preço das commodities (34%), e outra metade, à desvalorização cambial (28%). Isso significa que a variação cambial praticamente duplicou o choque de custos advindo dos preços em dólares das commodities. O que surpreende é a autoridade monetária não ter dado a devida atenção a esse índice.
O aumento da taxa de juros tem o efeito de valorizar ou pelo menos frear a desvalorização cambial. Como mostra a história do Regime de Metas de Inflação, o Banco Central acaba conseguindo trazer a inflação para a meta, mesmo ultrapassando o ano calendário. Mas há um elemento adicional que atrapalha o canal de transmissão da política monetária. Keynes chamava de incerteza forte: quando fica difícil atribuir probabilidade a diferentes cenários. O investidor precisa atribuir probabilidades para calcular risco e expectativa de rentabilidade.
O Brasil acumula uma crise de natureza econômica, política e institucional há mais de 5 anos. Mesmo as empresas brasileiras, diante de tanta incerteza, optam por não internalizar a receita das exportações, deixando esse volume de dólares no exterior, sem impacto no mercado de câmbio. Cabe ao Estado dar previsibilidade aos agentes econômicos. Para isso, não basta anunciar uma meta de inflação, que pode ser descumprida sem ônus ao presidente do banco. É preciso ter planejamento econômico.
A crise também mostra a necessidade de reavaliação das estratégias relativas aos setores energético e de alimentos. Uma prioridade deve ser o incentivo à agricultura familiar, que perdeu parcela significativa no orçamento público desde 2015, devido às regras fiscais de contenção de gastos públicos. Também é necessário debater uma regra de repasse da Petrobrás que permita suavizar, ao menos em algum grau, a forte intensidade das oscilações do preço internacional e da variação cambial (uma das mais voláteis do mundo) ao preço na bomba. Uma sugestão é um programa de recompra de ações dos acionistas minoritários, deixando a Petrobrás com mais poder para interferir no preço. Assim, os investidores não seriam prejudicados e, ao mesmo tempo, o Estado ganharia maior controle de sua política energética.
Essas políticas de caráter estrutural acabam facilitando o canal de transmissão da política monetária. Em contrapartida, como tem sido demandado de bancos centrais no mundo todo, o Banco Central do Brasil pode ter papel mais amplo de atuação em diversas áreas, facilitando o financiamento para o cumprimento de metas ambientais e sociais e as estratégias definidas no planejamento econômico.
Julia Braga é professora associada da Faculdade de Economia da Universidade Federal Fluminense (UFF) e diretora da Associação Keynesiana Brasileira
RPD || Guilherme Casarões: Lições do Afeganistão pós-americano
Retorno violento do Talibã ao controle do país é claro sinal de que a fórmula hegemônica da democracia liberal se tornou disfuncional e contraproducente
A dramática saída norte-americana do Afeganistão marca o fim de uma era. Nos vinte anos de ocupação militar do país, o mundo testemunhou o declínio do poder dos Estados Unidos e a reorganização da ordem mundial em torno de uma superpotência em ascensão, a China. Cabul era a fronteira final de um modelo hegemônico há tempos insustentável. Sua queda para os militantes radicais do Talibã é mais uma evidência, talvez a derradeira, de um mundo diferente em formação.
E que mundo é esse? Trata-se de uma nova-velha ordem mundial, com elementos inéditos, mas diversas características conhecidas de outros tempos. Duas novidades merecem destaque: a primeira é o deslocamento do centro de poder para a Ásia, após cinco séculos de absoluto domínio cultural, militar e político do Ocidente.
A segunda novidade diz respeito às dinâmicas de poder. Vivemos a era do mercado geopolítico, em que Washington e Beijing – e, em menor grau, o eixo Berlim-Bruxelas – mobilizam modalidades variadas de recursos econômicos, políticos ou militares para criar esferas de influência globais, ao passo que países consumidores usufruem de certa liberdade para escolher a qual potência se associar, numa espécie de hegemonia à la carte.
Nesse novo arranjo, estabilidade e prosperidade valem mais que pluralismo e democracia. Se os americanos não se mostram capazes ou interessados em garantir o desenvolvimento local, com certa autonomia, os países buscarão a via chinesa, materializada no ambicioso projeto da Nova Rota da Seda. O pacto é simples: comércio e investimentos em troca de recursos naturais e lealdade política – sem julgamentos morais, receituários prontos ou imposição de valores.
O retorno da velha geopolítica trouxe consigo velhos sentimentos nacionalistas. Despida das amarras ideológicas da Guerra Fria, a disputa hegemônica sino-americana abriu espaço para emergência de movimentos soberanistas que contestam os efeitos da globalização, de fluxos migratórios à exportação de empregos, do multiculturalismo identitário à democracia liberal.
Nacionalistas contemporâneos em geral propõem uma visão de futuro olhando para o retrovisor, baseada no conceito de nacionalismo religioso. Expressam uma tendência, iniciada em regiões periféricas do globo e cada vez mais saliente nas democracias ocidentais, de condicionar o pertencimento nacional a um critério de fé, numa fusão pré-moderna entre identidades política e religiosa.
Sob a ótica do nacionalismo religioso, defendida por líderes mundiais tão distintos quanto Donald Trump, Jair Bolsonaro, Viktor Orbán e Narendra Modi, a religião é o elemento que permite superar tanto um choque intra-civilizações quanto um choque entre civilizações, para remeter à clássica (e controversa) tese de Samuel Huntington. As crises sociais internas seriam superadas pelo cimento social religioso, capaz de fornecer uma bússola moral e assegurar a unidade nacional. Ao mesmo tempo, essas mesmas religiões informariam os novos padrões de alinhamento globais. O resultado seria um mundo fundamentalmente distinto daquele que conhecemos.
Após a retirada norte-americana, o Afeganistão rapidamente passou a incorporar todos os elementos dessa nova-velha ordem. O abrupto colapso das instituições políticas afegãs, cedendo passagem ao violento retorno do Talibã, é mais um claro sinal de que a fórmula hegemônica da democracia liberal se tornou disfuncional e contraproducente.
Na sequência, o imediato reconhecimento russo e chinês do novo governo afegão é revelador da dinâmica da geopolítica concorrencial, ou à la carte. Ao contrário de algumas previsões apressadas, os problemas que a China tem com sua própria população muçulmana não a impediram de encontrar um modus vivendi com fundamentalistas islâmicos além-fronteiras.
Por fim, a gradativa normalização do nacionalismo religioso afegão ao redor do mundo, mesmo à custa de valores democráticos, direitos humanos ou liberdades individuais, sugere que ainda veremos, ao longo desta década que se inicia, outras tentativas de solucionar crises internas pela supremacia da fé.
Bem ou mal, não se poderá contar com o ímpeto das potências ocidentais, enfraquecidas e dedicadas a resolver suas próprias divisões internas, para salvaguardar a democracia liberal em nível global. Se mais movimentos como o Talibã nos aguardam no futuro, caberá a cada sociedade garantir que essa fusão nacionalista religiosa e esse ambiente geopolítico cada vez mais perigoso não coloquem em risco as conquistas políticas das últimas décadas.
Guilherme Casarões é doutor e mestre pela Universidade de São Paulo (USP) e mestre pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) (Programa SAN Tiago Dantas). Leciona Relações Internacionais na Escola Superior de Propaganda e Marketing de São Paulo (ESPM-SP)e na FGV-SP. Pela Contexto é autor do livro Novos olhares sobre a política externa brasileira.
RPD || Lilia Lustosa: Belmondo, Nouvelle Vague e cia
Movimento cinematográfico mostrou uma França mais moderna, dinâmica. Jean Paul Belmondo era seu grande ícone
Em setembro, o mundo perdeu um de seus grandes atores, Jean-Paul Belmondo. Símbolo maior da Nouvelle Vague, movimento cinematográfico francês revolucionário que, inspirado no neorrealismo italiano e no cinema-verdade de Jean Rouch, acabou por influenciar diversos novos cinemas em todo o mundo.
Desde o lançamento de Acossado, naquele março de 1960, o cinema mundial nunca mais seria o mesmo. Não por ter sido esta a pedra fundamental do movimento, mas, mais precisamente, por ter se convertido em uma espécie de manifesto da Nouvelle Vague, ao apresentar na telona estética e temática totalmente novas. O filme, dirigido por Jean-Luc Godard e baseado em argumento de François Truffaut, mandou às favas as regras já consolidadas do cinema comercial, trocou o tripé pela câmera na mão, usou película fotográfica ultrassensível para escapar da obrigatoriedade dos estúdios e ainda transformou bandidos em protagonistas, levando plateias inteiras a torcerem para que Michel (Belmondo), mesmo depois de ter roubado um carro e matado um policial, escapasse para Roma com a bela Patricia (Jean Seberg).
A partir dali, o mundo começava a entender que já não era mais preciso se render à predatória indústria cinematográfica norte-americana, nem à francesa, nem a qualquer outra. E que era possível, sim, realizar bons filmes com poucos recursos, câmeras leves, ao ar livre, equipe reduzida, tratando de temas moralmente questionáveis. Foi a retomada do “cinema de autor”, preconizado pelos vanguardistas dos anos 1920/30.
No Brasil, um dos herdeiros da Nouvelle Vague foi o Cinema Novo, que adotou a câmera na mão como slogan e levantou a bandeira da independência dos grandes estúdios, nacionais e internacionais. A liberdade era o grande lema dos jovens cinemanovistas que viam nessa nova maneira de fazer cinema uma forma de descolonizar também sua cultura. Filmes como Os Cafajestes (1962), de Ruy Guerra, beberam diretamente da fonte do movimento francês, sendo vistos com admiração até mesmo pelos próprios críticos do Cahiers de Cinéma, berço da Nouvelle Vague. No filme de Guerra, Norma Bengell protagonizou o primeiro nu frontal da história do cinema brasileiro. Um escândalo para a época!
Mas o Cinema Marginal também assimilou características da “marginalidade” do movimento francês, levando-os, porém, a um paroxismo nunca visto no Brasil. O crítico e cineasta Jean-Claude Bernardet aponta várias influências de Godard em O Bandido da Luz Vermelha (1968), de Rogério Sganzerla, filme-marco deste movimento que sucedeu o Cinema Novo. Para ele, Acossado teria sido o filme que mais influenciara o cineasta paulista em sua obra. O anti-herói Jorge (Paulo Villaça) tinha muito de Michel-Belmondo, seu suicídio tendo sido moldado, porém, a partir da morte de outro personagem de um filme de Godard, Ferdinand de O Demônio das Onze Horas (1965), também interpretado por Belmondo.
Já nos Estados Unidos, a Nouvelle Vague impulsionou o nascimento da New Hollywood, deixando como herança a liberdade temática adotada a partir de então, com tramas que passavam a dialogar mais diretamente com o contexto sociopolítico daqueles rebeldes anos 60. Tópicos como igualdade racial e de gênero, pacifismo e liberdade sexual passaram a aparecer sem pudor nas telas de cinema. Anti-heróis viraram protagonistas e foram ganhando espaço no coração dos espectadores. Algo impensável até a estreia de Bonnie e Clyde (1967), de Arthur Penn, filme que abriu portas para uma nova geração de cineastas, composta por Scorsese, Coppola, Spielberg, Georges Lucas e outros. Diretores que mergulharam Hollywood em outra dimensão estética, sendo até hoje venerados e idolatrados por um sem-número de cinéfilos mundo afora. Cineastas que influenciaram, por sua vez, outras gerações que seguem trabalhando em busca de novas inspirações e tecnologias que possam revolucionar ainda mais a sétima arte.
Mas, voltando à França e ao grande ícone da Nouvelle Vague, Belmondo nunca hesitou em assumir que não era lá muito fã daquele tipo de cinema que ele considerava “intelectual” demais… Um dos filmes em que mais gostou de atuar foi O Homem do Rio (1964), de Philipe de Broca, uma aventura nada nouvellevaguiana, rodada em Paris e no Brasil, uma espécie de live-action de Tintim, em que Adrien (Belmondo) viaja por terras tupiniquins para salvar sua amada Ignès (Françoise Dorléac), raptada por índios sul-americanos. Certamente, um retrato-clichê de nosso país, mas que serviu para conquistar espaço nas telas e nos corações dos franceses e de todo o mundo.
Merci et au revoir, Belmondo!
*Lilia Lustosa é formada em Publicidade, especialista em Marketing, mestre e doutora em História e Estética do Cinema pela Universidade de Lausanne, França.
RPD || Kelly Quirino: Que projeto de país temos para o futuro?
Erradicar a polaridade política atual e discutir questões estruturais se faz urgente para a construção de um país para o século XXI
Que projeto temos para o futuro do Brasil? Um país estruturado em violência, exploração do trabalho, sexismo e racismo entra na década de vinte do século XXI escancarando seus problemas históricos, e as principais lideranças políticas do nosso país ainda não conseguem apresentar uma resposta para estas demandas.
Começo por esta indagação, porque ao final do século XIX o projeto das nossas elites era modernizar o país. A ciência foi uma aliada para trazer o desenvolvimento e as políticas de imigração europeia para o Brasil ter uma mão de obra assalariada e também embranquecer nosso país, considerado preto demais para época. Era o projeto que até hoje é ostentando na nossa bandeira: “Ordem e Progresso”.
A ideia de desenvolvimento pautado pela implantação da indústria no Governo Vargas, continuada por JK e pelos militares, durante a ditadura, foi responsável pelo chamado milagre econômico brasileiro que colocou o Brasil entre as dez principais economias do mundo.
Ocorre que a exploração do trabalho, a violência e o racismo fizeram com que este projeto desenvolvimentista não fosse usufruído por grupos historicamente marginalizados: negros e indígenas.
Por mais que desde o século XIX José de Alencar já celebrasse a miscigenação como uma identidade nacional – primeiro a partir da exaltação aos indígenas e portugueses –, e Mário de Andrade reconhecendo que a identidade do povo brasileiro era soma dos três povos: indígenas, negros e brancos, no célebre Macunaíma, a riqueza gerada se concentrou nos grupos de homens brancos e continuou mantendo as piores estruturas sociais para negros e indígenas.
Aluísio de Azevedo, em O Cortiço, já apontava que o Estado brasileiro reservava os cortiços como moradia para os pretos no final do século XIX. Na década de 50, do século XX, Carolina Maria de Jesus em O Quarto de Despejo - denunciava os políticos, por negligenciar o povo favelado enquanto ela catava papel para alimentar seus três filhos.
No nosso projeto de país no século XX, os que são considerados cidadãos são privilegiados, e utilizam o discurso da meritocracia, para justificar seus lugares sociais. E pior, não possuem vergonha de ter irmãos pátrios que passam fome, são assassinados diariamente e não possuem moradia e nem trabalho digno.
Nosso projeto de país, criado no século XIX e que foi implementado no século XX não tem vergonha da desigualdade e ainda quer manter privilégios. As obras clássicas fundantes da sociologia brasileira nos ajudam a compreender este fenômeno parcialmente. Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil, defende que o brasileiro é um homem cordial. Avalio que seja cordial com seus iguais: homens, brancos, cristãos, instruídos, heterossexuais. Quem não faz parte disso, é tratado de forma violenta. Daí a importância de trazer a obra de Abdias do Nascimento, para refutar a tese de Buarque de Holanda. Em O Genocídio do Negro Brasileiro, Abdias afirma que o brasileiro não é cordial com as pessoas negras. A cada 23 minutos um homem, jovem e negro é assassinado no Brasil. O Atlas da Violência 2021 aponta que 77% das vítimas de homicídio do nosso país em 2019 eram negras.
Gilberto Freyre em Casa Grande & Senzala defendia que a colonização no país foi harmoniosa, negros e portugueses se relacionavam de forma amistosa, e o sexo entre senhores e negras era consensual. E aqui Lélia Gonzalez, no artigo “Racismo e Sexismo na Cultura Brasileira”, refuta esta tese ao afirmar que as mulheres negras e indígenas no Brasil foram vítimas de estupro, e, no nosso projeto de país, elas são a mulata para transar, a preta para trabalhar e a mãe preta para servir. É preciso trazer à luz na Sociologia brasileira obras como as de Guerreiro Ramos, Clóvis Moura, Abdias do Nascimento, Lélia Gonzalez para compreender o outro lado que Buarque de Holanda e Gilberto Freyre não contemplaram.
E chegamos no século XXI como resultado de tudo isto, em um cenário obscurantista negando a ciência que tanto nos ajudou a sermos um país industrializado, negando que somos violentos, racistas, sexistas e ainda sem um projeto de país. E a pandemia ainda agravou muito mais estas desigualdades econômicas, raciais e de gênero: 14 milhões de pessoas desempregadas e voltamos para o mapa da fome.
Que projeto de país temos para o futuro? Ainda não sabemos. Daí a importância de erradicarmos a polaridade política atual e discutir questões estruturais do nosso país, apontadas no decorrer deste artigo. Se faz urgente a união de vários setores da sociedade brasileira – intelectuais, políticos, organizações, sociedade civil organizada, partidos, sindicatos e as pessoas que estão nas redes sociais para construirmos um projeto de país para o século XXI. Do jeito que estamos, cada dia nos tornamos chacota mundial.
Kelly Quirino é doutora em Comunicação pela Universidade de Brasilia (UnB), Mestre em Comunicação Midiática e Jornalista Diplomada pela Universidade Estadual Paulista. Pesquisa jornalismo, relações raciais e diversidade.
RPD || Alessandro Vieira: A CPI que fez a diferença
Comissão expôs erros e omissões graves da desastrosa atuação do governo Bolsonaro no combate à pandemia
À medida que a CPI da Pandemia se aproxima de seu término, aumenta, na mesma proporção, a cobrança por resultados práticos dos seis meses de depoimentos, quebras de sigilo e milhares de documentos colhidos, em um país que, a essa altura da tragédia, beira os 600 mil brasileiros mortos pelo coronavírus. Você já viu muitas CPIs atravessarem momentos históricos difíceis, mas certamente nunca testemunhou uma comissão parlamentar que fez tanto de fato pelo país - os porões que abriu, as portas que lacrou e, sem falsa modéstia, as vidas que salvou. A CPI tirou o foco do cercadinho e escancarou erros e omissões graves do Governo Federal. Ademais, descobriu indícios da existência de um mecanismo de favorecimento de empresas para desvio de recurso público operando dentro do Ministério da Saúde.
Já tivemos muitas comissões de inquérito, retratos de seus momentos políticos, da realidade do país. Algumas mornas, outras efervescentes. Algumas mero conchavo entre amigos - terminando em 'pizza' -, outras esmagadas pelos tentáculos do Estado. Mas nenhuma - e não tenho dúvida em cravar isso - como a CPI da Pandemia. Uma CPI realizada na era das tecnologias da informação e comunicação e da efervescência das redes sociais, que de forma inédita tem de lidar com o gabinete das fake news, mas também com a checagem de fatos em tempo real. Estamos chegando aos derradeiros dias de trabalho, da CPI das CPIs, como já foi consagrada. E o que lhe garante esse título é o volume de erros, omissões, irregularidades e evidências de crimes de corrupção que estão sendo desvendados à medida que ainda se vive a Pandemia, e que a cada dia novos fatos se revelam.
Mais de 600 mil brasileiros perderam suas vidas – pais, mães, irmãos, amigos, que não retornarão. Algumas ceifadas por falta de vacinas, outras por falta de orientação e comunicação acerca de medidas não farmacológicas e tantas outras pela falta de políticas concretas de gestão e contensão e propagação do vírus. Não há precedente para tal massacre - ainda mais turbinado por um esquema corrupto e desumano, em diversos escalões e com diferentes fardamentos. Mas a CPI da Covid também reflete uma ruptura no que considero ser um momento particularmente baixo da degradação da atividade parlamentar, com o esforço do Executivo para reduzir as Casas Legislativas a um entreposto de emendas e cargos. A CPI da Covid é, mesmo em meio a esse cenário hostil, uma luz no fim do túnel para o povo, mostrando que, mesmo em tempos sombrios, ainda que em menor número, existem pessoas sérias que pensam no Brasil e que lutam pela justiça, pela ciência e pela verdade.
Foram desafios marcantes. Graças ao equilíbrio de seus líderes, e membros mais combativos, a CPI terminará seus trabalhos sem se desviar do caminho. Muito claramente, narramos, ao longo desses meses, um enredo terrível - longe de poder ter um final feliz. Além da omissão fatal do Governo Federal, comprovada nos depoimentos que convocou e documentos que analisou, a CPI expôs a vergonhosa atuação do presidente e de seus subordinados, ele que favoreceu a disseminação da epidemia causada pelo novo coronavírus, sendo incapaz de proteger seu povo - que continua enterrando centenas de brasileiros por dia. Pior: isso não foi casual, foi deliberado, baseado numa crença negacionista, anticiência e antivacina.
A CPI expôs um governo sem um pingo de empatia com seu povo, com os hospitais lotados e os cemitérios cheios passando longe das agendas das autoridades. A CPI seguiu o dinheiro, e o mau-cheiro, chegando aos mais altos escalões da República. Internações, intubações, dores lancinantes, cadáveres em carros frigorífico, covas coletivas, sequelas de todo tipo, tomaram o noticiário, mas não entraram nos amplos salões do Planalto - e de muitos de seus equivalentes locais. Tivemos, tragicamente, o pior governo do mundo contemporâneo no pior momento de nossa história administrativa recente. Com base em provas documentais e depoimentos, a CPI mostra que o governo não foi só inepto, é ganancioso, favorecendo a disseminação da epidemia e o enriquecimento de empresários e políticos aliados. Despejando toda sua ignorância, despreparo, ideologia, ambição, e misturando jalecos com fardas, transformou a política de saúde pública em um genocídio.
Quanto mais avançamos, mais desafios tem a comissão para que a sociedade, num novo momento, por meio de seus mecanismos legais, dê prosseguimento ao que não será possível concluir agora. Por seu tempo de vida, e por nossas próprias limitações, a CPI não conseguirá investigar todos os âmbitos de corrupção. Não acabaremos com a escuridão. Mas certamente teremos jogado muita luz sobre muitas realidades ocultas. E aberto espaços novos para o exercício da cidadania. Nossos frutos estarão espalhados por quem sabe, outras CPIs - spin-offs depois da nossa última temporada - investigações do Supremo Tribunal Federal, do Tribunal Superior Eleitoral, do Tribunal de Contas, do Ministério Público, da Polícia Federal. E, especialmente, em nossas consciências, valores e práticas.
__Esse texto é uma homenagem póstuma a um amigo que, no meio da pandemia, perdemos para a Covid. E que, presente em nossas vidas, nos animou a enfrentar o que enfrentamos. Dor e saudade, Senador Major Olímpio. Um Brasil melhor vai nascer, muito graças a seu espírito.
*Alessandro Vieira é senador da República (Cidadania-SE). Integra o Movimento Acredito e o RenovaBR. Pautou sua campanha política no combate à corrupção e é um dos senadores que mais se destacaram nas sessões da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid.
'Reformas políticas não vão contribuir para resgate do Congresso'
Avaliação é do cientista político Antônio Carlos de Medeiros na revista Política Democrática online de setembro
Cleomar Almeida, da equipe FAP
Pós-doutor em Ciência Política pela The London School of Economics and Political Science, Antônio Carlos de Medeiros disse que o Congresso Nacional não cumpre bem as três grandes funções dos Parlamentos na democracia representativa: a iniciativa de leis; a fiscalização do Executivo e a formação e renovação de elites e lideranças políticas. “As reformas políticas, que estão em pauta, não vão contribuir para o resgate do Congresso Nacional”, afirma.
“Esta baixa relevância, apesar de seu poder atual, é disruptiva para a democracia brasileira”, diz Medeiros, em artigo que publicou na revista mensal Política Democrática online de setembro. A publicação é produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília. Todo o conteúdo pode ser acessado, de graça, na versão flip, disponível no portal da entidade.
Veja, aqui, a versão flip da Política Democrática online de setembro (35ª edição)
Na avaliação do autor do artigo, “o Senado trabalha como se fosse uma Câmara dos Deputados”. “Já a Câmara, como fruto das anomalias criadas pelo Pacote de abril de 1977 e pela Constituição de 1988, teve o número de vagas para Estados com população pequena inflados artificialmente”, analisa.
Segundo Medeiros, há um problema estrutural de superrepresentação dos estados menores e subrepresentação dos estados maiores. “O Pacote reduziu o poder político de São Paulo e dos estados mais urbanizados. Alvejou a democracia representativa”, afirma ele, na revista Política Democrática online de setembro.
É por isso que Medeiros entende que as reformas políticas em pauta não vão contribuir para o resgate do Congresso Nacional. “São retrocessos democráticos. As questões que precisam ser atacadas são de outra natureza, começando pelo sistema híbrido de governo”, sugere ele, no artigo.
O resgate da dimensão republicana da democracia brasileira, conforme o autor, requer reformas que promovam legitimidade na delegação e consensualidade no exercício do poder. “Com a atual forma de funcionamento do Congresso, não se produz nem legitimidade da representação política (os políticos eleitos), nem consensualidade no exercício do poder (governança)”, escreve.
A íntegra do artigo de Medeiros pode ser conferida na versão flip da revista, disponibilizada no portal da entidade.
Os internautas também podem ler, na nova edição, reportagem sobre descaso do governo com a cultura e entrevista exclusiva concedida pelo cientista político Jairo Nicolau, que critica os ataques do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) contra a urna eletrônica e o processo eleitoral brasileiro.
Compõem o conselho editorial da revista o diretor-geral da FAP, sociólogo e consultor do Senado, Caetano Araújo, o jornalista e escritor Francisco Almeida e o tradutor e ensaísta Luiz Sérgio Henriques. A Política Democrática online é dirigida pelo embaixador aposentado André Amado.
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Brasil sob Bolsonaro é sinal de história que deve ser decifrada, diz historiador
Professor da Unesp, Alberto Aggio cita que presidente não foi percebido antes “em sua barbárie”
Cleomar Almeida, da equipe FAP
O professor titular da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e historiador Alberto Aggio diz que “o Brasil sob Bolsonaro é sintoma evidente de uma história que precisa ser decifrada”. “Não pode ser visto como um parêntesis”, afirma, em artigo que publicou na revista mensal Política Democrática online de setembro, produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília.
“Ele já estava aí, mas não foi percebido em sua barbárie e no seu espantoso espelhismo antiglobalista. Não será possível superá-lo, verdadeiramente, apenas apertando os botões da urna eletrônica, embora esse seja um passo necessário e imprescindível”, afirma o historiador, na publicação. O conteúdo dela pode ser acessado, gratuitamente, na versão flip, no portal da entidade.
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De acordo com o artigo, publicado com o título Que país é esse, as interpretações sobre o Brasil compõem tradição de enorme multiplicidade em suas abordagens, a qual, segundo o autor, é nada uniforme e harmônica, produzida em diversos momentos da sua história.
“Uma tradição que ensejou embates inclinados tanto à conciliação quanto ao rechaço a ela. Um paradoxo nem sempre percebido nas disputas políticas e culturais que se desenrolam no presente. Pensar no Brasil nunca foi apenas um exercício acadêmico ou intelectual”, escreve o professor da Unesp, na revista Política Democrática onhttp://fundacaoastrojildo.org.br/revista-pd35/line de setembro.
Na avaliação de Aggio, o Brasil, seguramente, não é para principiantes. “Contudo, não seria absurdo pensar, ultrapassando o senso comum, que tal asseveração poderia ser aplicada a inúmeros países, dos EUA à Rússia, da China ao México, do Afeganistão à Bolívia, apenas para mencionar alguns exemplos. Em todos eles, há incógnitas a serem decifradas, e seus problemas atuais não são nada simples, como temos visto”, diz.
O historiador afirma, ainda, que é preciso estabelecer um questionamento a respeito do exagero de que o Brasil guarda uma excepcionalidade superlativamente distinta de outras experiências históricas, com seus maneirismos típicos dos quais o “jeitinho” ou a “gambiarra” são incensados.
“Além de um ar de troça e menosprezo, há nesse tipo de leitura soberba que visa desacreditar a tarefa do pensamento na compreensão do país bem como do seu lugar no mundo”, observa. “Essa forma de conceber o país é inútil e improdutiva diante dos desafios civilizatórios que temos diante de uma mundialização que se impõe a cada dia. Se o Brasil for apenas isso, estamos fritos”, continua.
A íntegra do artigo de Aggio pode ser conferida na versão flip da revista, disponibilizada no portal da entidade.
Os internautas também podem ler, na nova edição, reportagem sobre descaso do governo com a cultura e entrevista exclusiva concedida pelo cientista político Jairo Nicolau, que critica os ataques do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) contra a urna eletrônica e o processo eleitoral brasileiro.
Compõem o conselho editorial da revista o diretor-geral da FAP, sociólogo e consultor do Senado, Caetano Araújo, o jornalista e escritor Francisco Almeida e o tradutor e ensaísta Luiz Sérgio Henriques. A Política Democrática online é dirigida pelo embaixador aposentado André Amado.
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Sociedade deve proteger Forças Armadas contra corsários, diz Rêgo Barros
Ex-porta-voz da Presidência da República aponta “atuação imoderada” do presidente Jair Bolsonaro
Cleomar Almeida, da equipe FAP
General de Divisão do Exército Brasileiro, doutor em ciências militares e ex-porta-voz da Presidência da República (2019-2020), Otávio Santana do Rêgo Barros chama a atenção da sociedade para a defesa da instituição das Forças Armadas, sem envolvimento de militares nas ações políticas de governo. Ele analisou o cenário em artigo que publicou na revista mensal Política Democrática online de setembro (35ª edição).
Veja, aqui, a versão flip da Política Democrática online de setembro (35ª edição)
A revista é produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília. Todo o conteúdo dela pode ser acessado, gratuitamente, na versão flip, no portal da entidade. O público também pode ver todas as versões anteriores no arquivo digital.
“Cabe à sociedade a intransferível responsabilidade de avaliar adequações que possam ser necessárias ao papel das Forças Armadas. Protegê-las contra corsários em busca de credibilidade. Fortalecê-las como instrumento independente de Estado, peça importante da estabilidade interna e da dissuasão externa tão somente em nome do povo brasileiro”, afirmou ele, em um trecho.
De acordo com o autor, uma discussão sobre o papel das Forças Armadas se instalou para além dos muros dos quartéis. “A atuação imoderada do chefe do Poder Executivo, a incentivar o envolvimento de militares nas ações políticas de governo, potencializou a questão”, disse ele, no artigo publicado na Política Democrática online de setembro. “Somou-se a esse inconveniente, posturas contestáveis dos outros Poderes da República”, continuou.
Rêgo Barros observou, ainda, o Legislativo, com tendência mesquinha de enxergar os interesses paroquiais, e o Judiciário, em suposta cruzada moralizadora, que, segundo ele, ultrapassa o senso cotidiano de equidade. “Formou-se um torvelinho de opiniões divergentes, desamparadas de conhecimento qualificado, que anuvia grupos da sociedade”, escreveu.
O general de Divisão do Exército Brasileiro também afirmou que a incompreensão da sociedade diante da obrigação do profissional das armas em ser pragmático perenizou-se com o correr dos tempos modernos. “O militar é o mais pacifista dos integrantes de uma comunidade. Suas experiências o fazem conhecer a desgraça final dos conflitos humanos e os efeitos deletérios para a sociedade. Justifica-se seu pessimismo”, acentuou.
O militar, de acordo com o ex-porta-voz da presidência, tem o dever de se posicionar publicamente sobre fatos que afetem a missão da organização e o desempenho profissional. “O verdadeiro comandante, vestido da couraça envelhecida de homem das armas, jamais permitirá que seu julgamento seja deformado por conveniências políticas”, disse.
BOLSONARO E OS MILITARES
A íntegra do artigo pode ser conferida na versão flip da revista, disponibilizada no portal da entidade. Os internautas também podem ler, na nova edição, reportagem sobre descaso do governo com a cultura e entrevista exclusiva concedida pelo cientista político Jairo Nicolau, que critica os ataques do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) contra a urna eletrônica e o processo eleitoral brasileiro.
Compõem o conselho editorial da revista o diretor-geral da FAP, sociólogo e consultor do Senado, Caetano Araújo, o jornalista e escritor Francisco Almeida e o tradutor e ensaísta Luiz Sérgio Henriques. A Política Democrática online é dirigida pelo embaixador aposentado André Amado.
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‘Urna eletrônica é motivo de orgulho para todos nós’, diz Jairo Nicolau
Autor de livros sobre política brasileira, professor da UFRJ e da FGV critica ataques de Bolsonaro
Cleomar Almeida, da equipe FAP
Professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Centro de Pesquisa e Documentação da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC/FGV), o cientista político Jairo Nicolau critica os ataques do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) contra a urna eletrônica e ao processo eleitoral brasileiro. Ele concedeu entrevista exclusiva à revista Política Democrática online de setembro (35ª edição), lançada nesta sexta-feira (3/9).
“Esse sistema foi colocado em xeque pelo senhor Jair Bolsonaro. Poderá ser um período grande de desconfiança, de crises políticas graves”, afirmou ele. A revista é produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília. O conteúdo pode ser conferido, gratuitamente, na versão flip, no portal da entidade.
Veja, aqui, a versão flip da Política Democrática online de setembro (35ª edição)
Nicolau é autor de vários livros sobre a política brasileira, como História do Voto no Brasil (Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002) e Sistemas Eleitorais. (Rio de Janeiro: FGV Editora, 2004). O último deles, publicado já durante a epidemia, é “O Brasil dobrou à direita: Uma radiografia da eleição de Bolsonaro em 2018”.
Mestre e doutor em Ciências Políticas no Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), com pós-doutorado na Universidade de Oxford e no King’s Brazil Institute, Nicolau diz que o processo político eleitoral brasileiro é um dos mais eficientes do mundo. “Continuo otimista com relação a nossa urna eletrônica e, agora, com o voto biométrico. É, sem dúvida, motivo de orgulho, não de polêmica, para todos nós, brasileiros”, asseverou.
"A urna eletrônica foi um grande passo para aperfeiçoar o processo de votação no Brasil. É, assim, um sucesso tanto contra a corrupção como na adulteração da vontade do eleitor no momento da votação e, claro, depois na contagem dos votos", avaliou o cientista político, na entrevista à Política Democrática online de setembro.
Segundo o entrevistado, estima-se que a militância do presidente da República, na suspeição do voto digital, possa ter contaminado cerca de um terço do eleitorado. "O estrago é tão lastimável como irreversível. Poderá ser um período grande de desconfiança, de crises políticas graves", lamentou.
Nicolau lembrou que, até há pouco tempo, as fraudes ocorriam em dois momentos. O primeiro deles era na votação propriamente dita. “Todos aqui somos da época da urna de lona, da cédula de papel, e nos lembramos de como era difícil controlar as fraudes, mesas sendo arranjadas para facilitar que certas forças políticas comparecessem para encobrir o comparecimento de uma pessoa, votar no lugar de outra”, afirmou.
A fraude, de acordo com o professor, também ocorria na hora da apuração, quando todas as cédulas eram depositadas sobre mesas situadas em ginásios esportivos. “Pegava-se um uma cédula, lia-se o nome de um e cantava-se o nome de outro. Se não tivesse um fiscal ali, na hora de transformar os votos contados para os boletins de urna, ninguém detinha as fraudes. Fui presidente de sessão eleitoral durante muitos anos e acompanhei as apurações e lembro bem de alguns casos”, afirmou.
Na entrevista à revista Política Democrática online, Nicolau também comentou temas como o sistema político brasileiro, reforma política, fragmentação partidária e processo eleitoral, entre outros.
A íntegra da entrevista pode ser conferida na versão flip da revista, disponibilizada no portal da entidade. Os internautas também podem ler, na nova edição, reportagem sobre descaso do governo com a cultura e artigos sobre política, economia, meio ambiente e cultura.
Compõem o conselho editorial da revista o diretor-geral da FAP, sociólogo e consultor do Senado, Caetano Araújo, o jornalista e escritor Francisco Almeida e o tradutor e ensaísta Luiz Sérgio Henriques. A Política Democrática online é dirigida pelo embaixador aposentado André Amado.
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