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Diplomata, Jorio Dauster é dedicado à literatura desde a década de 1960
Em artigo publicado na revista da FAP de dezembro, autor relata um pouco de sua vida em primeira pessoa
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
Mais reconhecido por seu trabalho empresarial e diplomático, Jorio Dauster se dedica à literatura desde a década de 1960, traduzindo grandes autores, como Salinger e Nabokov. Em artigo publicado na revista Política Democrática Online de dezembro, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), ele conta uma pouco de sua jornada no mundo das palavras.
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A seguir, confira trechos do artigo de Dauster:
Já lá vão mais de seis décadas, quando eu passava uns tempos em Washington na casa de minha irmã, recebi das mãos do cunhado um pocket book fininho, com umas duzentas páginas, que já era culto nos Estados Unidos. Comecei a ler naquela noite mesmo e não sei a que horas fui dormir, fascinado com a história do rapaz de dezessete anos que, expulso da escola, vaga por três dias em Nova York tentando evitar o confronto com os pais. Eu próprio, como algumas dezenas de milhões de adolescentes em todo o planeta, reconheci no angustiado protagonista todas aquelas dúvidas e aflições que o mundo adulto nos impõe em termos de acomodação a uma realidade muitas vezes envolta em hipocrisia e falsidade.
Estou falando, obviamente, de Holden Caufield, a figura icônica que J.D. Salinger eternizou em sua obra-prima The Catcher in the Rye, lançada em 1951. Terminada a leitura, senti uma vontade irreprimível de traduzir o livro, provocado até mesmo pelas três últimas frases: “É engraçado. A gente nunca devia contar nada a ninguém. Mal acaba de contar, a gente começa a sentir saudade de todo mundo.”
Já no Brasil, preparando-me para o exame do Instituto Rio Branco, reencontro um velho colega, Álvaro Alencar. Conversa vai, conversa vem, descubro que ele também quer ser diplomata e deseja traduzir o Catcher. Coincidência dupla, planos de trabalho conjunto que renderam muitas rodadas de chope e nem uma página de texto. Fast forward na fita da memória e, passados mais alguns anos, já ambos no Itamaraty, resolvemos pôr mãos à obra quando nos dizem que um colega mais antigo, Antônio Rocha, também está vertendo o livro. Fomos procurá-lo para anunciar a “competição”, e o tranquilo Rocha, ele próprio escritor, nos deseja boa sorte, pois apenas fazia aquilo por amar o texto e como grande exercício literário. Obviamente, foi recrutado ali mesmo para a rara e curiosa tarefa de uma tradução a seis mãos!
Por conta de nossas tarefas profissionais, não sei quanto tempo levou para que cada qual apresentasse o terço do texto que lhe coube por sorteio. O fato é que, por ser considerado à época subversivo, depois do golpe de 31 de março, eu fui chamado de Genebra, onde participava da I Conferência de Comércio e Desenvolvimento, e posto em casa durante seis meses enquanto ocorriam inquéritos e coisas do gênero no Itamaraty.
Como meus dois companheiros de tradução já haviam sido removidos para o exterior, dediquei incontáveis horas daquele recesso forçado a repassar a versão brasileira frase por frase, tratando de homogeneizar a linguagem dos três num livro que é intrinsecamente coloquial, pois representa de fato o depoimento gravado do Holden na clínica de repouso em que foi internado para se recuperar de seu evidente nervous breakdown.
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Em artigo na revista da FAP de dezembro, especialista mostra importância das pesquisas de intenção de voto
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
Especialista em pesquisas de mercado e opinião por mais de 40 anos, o psicólogo Ciro Gondim Leichsenring diz que a divulgação de resultados das pesquisas eleitorais tem significativa relevância na intenção de voto. “A posição dos candidatos no ranking de preferências do eleitorado produz efeitos, positivos e negativos, na arrecadação de recursos, na mobilização partidária, na formalização de alianças. Lembremo-nos do voto útil”, analisa, em artigo que publicou na revista Política Democrática Online de dezembro.
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Todos os conteúdos da publicação, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), são disponibilizados, gratuitamente, no site da entidade. De acordo com o especialista, que é ex-presidente do Conselho da Sociedade Brasileira de Pesquisas de Mercado e vice-presidente executivo da mesma instituição, cada um dos elementos, isoladamente ou em articulação com os demais, influencia a escolha do eleitor, contribuindo para a sua decisão final.
“Nesse contexto, as pesquisas estão sempre correndo contra o tempo em relação ao movimento do eleitorado, pois, de um dia para o outro, tudo pode mudar sem que as pesquisas, defasadas temporalmente, possam captar o sentido da mudança”, observa, ressaltando a importância das pesquisas, embora algumas tenham projetado resultados diferentes dos que foram apurados nas urnas, nas eleições deste ano.
Pesquisas de intenção de voto, segundo Leichsenring, são eventos estáticos dentro de um processo dinâmico, que é a consolidação da decisão de voto pelo eleitor. “A decisão é um caminho que se revela por aproximações sucessivas. No início das campanhas eleitorais, as possibilidades de escolha apenas se insinuam para o eleitor típico, com baixo nível de engajamento político”, diz. “À medida que a campanha evolui, o eleitor gradualmente vai ajustando suas escolhas com as informações recebidas, até chegar à decisão final, que pode até mesmo ser a de não votar, anular o voto ou votar em branco”, acrescenta.
Em outro trecho, o especialista cita dados de 30 pesquisas, concluídas em média dois dias antes da última eleição, divulgados no site Poder 360 (Ibope, 26 e Datafolha, 4), que revelaram que apenas 15 tiveram acertos dentro da margem de erro. “Nenhum resultado coincidiu exatamente com os números das urnas. No entanto, em 26 casos, o nome do vencedor foi apontado corretamente e, em 3, apontaram empate, registrando-se apenas um erro na indicação do vencedor”, avalia.
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Após sofrerem nas mãos de criminosos, vítimas precisam enfrentar longa via-crúcis em busca de justiça
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
“Fiquei travada. Ele começou a passar a mão em mim e falou para eu ficar quietinha, senão eu seria demitida por justa causa”. O relato é de uma das vítimas de estupro no Brasil, onde uma longa via-crúcis desestimula e intimida mulheres a denunciar criminosos. É o que mostra reportagem especial da revista Política Democrática Online de dezembro, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília e que disponibiliza todos os conteúdos da publicação em seu site.
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No total, conforme mostra a reportagem, 66.123 pessoas registraram boletim de ocorrência de estupro e estupro de vulnerável em 2019, de acordo com a 14ª edição doAnuário Brasileiro de Segurança, lançado em outubro deste ano. Em média, no ano passado, uma pessoa foi estuprada a cada 8 minutos, no país. É um dado maior que o revelado em 2015, quando a média era de um estupro a cada 11 minutos.
De acordo com o levantamento, no ano passado, 85,7% das vítimas eram do sexo feminino. Em 84,1% dos casos, o criminoso era conhecido da vítima: familiares ou pessoas de confiança, como ocorreu no episódio que abre esta reportagem por se tratar de um patrão da vítima, com o qual ela tinha vínculo de trabalho havia 10 anos.
No Anuário Brasileiro de Segurança Pública, as pesquisadoras relatam que o número de estupro é ainda muito maior do que o registrado. A subnotificação ganha força diante de situações em que as vítimas não procuram as autoridades por medo, sentimento de culpa e vergonha ou até mesmo por desestímulo por parte das autoridades.
Em setembro deste ano, o próprio Judiciário foi palco de um caso que desestimula vítimas. A jovem promoter Mariana Ferrer, de 23, vítima de estupro, foi humilhada pelo advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho, defensor do acusado, o empresário André Camargo de Aranha. “Não adianta vir com esse teu choro dissimulado, falso, e essa lábia de crocodilo”, disse o advogado à vítima, em audiência por videoconferência, sob a vista grossa do juiz Rudson Marcos, da 3ª Vara Criminal de Florianópolis. O promotor Thiago Carriço de Oliveira sustentou a tese de estupro sem intenção. O acusado foi inocentado.
Somente após a repercussão negativa do caso na imprensa, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que classificou como “grotescas” as cenas da audiência, instauraram procedimentos para investigar as condutas do juiz e do promotor por suposta omissão. A Ordem dos Advogados do Brasil em Santa Catarina (OAB-SC) também abriu investigação para avaliar a conduta de Gastão Filho. A reportagem não conseguiu contato dos três investigados.
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Em artigo publicado na revista da FAP de dezembro, ex-ministro critica falta de protagonismo do Congresso
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
Ex-ministro da Reforma Agrária, Defesa Nacional e Segurança Pública e ex-deputado federal, Raul Jungmann afirma que dialogar e liderar as Forças Armadas na definição de uma defesa nacional adequada ao Brasil é um imperativo para o país como nação soberana. “Construir essa relação, levar a sério nossa defesa e as Forças Armadas, assumir as responsabilidades que cabem ao poder político e as nossas elites é também uma questão democrática, incontornável e premente”, diz, em artigo que publicou na revista Política Democrática Online de dezembro.
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Todos os conteúdos da publicação, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), são disponibilizados, gratuitamente, no site da entidade. Em seu artigo, Jungmann lembra que, em novembro de 2016, o então presidente Michel Temer enviou ao Congresso Nacional a Política e a Estratégia Nacionais de Defesa e o Livro Branco da Defesa Nacional, que, à época, tinha coordenado na qualidade de ministro da Defesa.
Dois anos depois, em 18 de dezembro de 2018, o então presidente do Senado e do Congresso, senador Eunício Oliveira, enviou à Presidência da República os textos, para sanção. Considerando que seu governo estava praticamente findo, Temer deixou para seu sucessor a assinatura presidencial que sancionaria os referidos textos. O presidente Jair Bolsonaro, entretanto, entendeu que a Política, a Estratégia e o Livro Branco eram projetos do governo anterior, e não os sancionou.
“Resultado, até hoje vigem os textos de 2012, até que os projetos em tramitação, referentes ao quadriênio de 2020 a 2024, sejam aprovados. Nós fomos o relator do que hoje é a Lei Complementar 136, que no seu bojo trazia uma novidade histórica”, afirma Jungmann. “Pela primeira vez, o Congresso Nacional passaria a apreciar e, portanto, a ter o controle das diretrizes, objetivos e rumos da defesa nacional – algo que não consta da nossa Constituição Federal”, acrescenta, na revista Política Democrática Online de dezembro.
Ao negociar as emendas à proposta original com o ministro Nélson Jobim, imaginava-se o potencial que teria a análise das mais elevadas decisões quanto a nossa defesa e segurança por parte do parlamento e o diálogo histórico que se travaria entre o poder político e os militares, num claro avanço democrático. “Em vão”, diz o ex-ministro.
Ao longo de dois anos de tramitação, os textos de 2016 não foram objeto de nenhuma audiência pública, de acordo com o autor do artigo. “Seu parecer, emitido pela Comissão Mista de Inteligência, e não pelas Comissões de Relações Exteriores e Defesa Nacional das duas casas do Congresso, era, claramente, uma colagem das propostas, sem críticas ou aprimoramentos dignos de nota”, acentua.
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‘Projeto da frente democrática deve ser mantido’, diz José Álvaro Moisés
Em entrevista à revista da FAP de dezembro, professor da USP afirma que ‘bolsonarismo não vai se desmilinguir’
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
O professor do Departamento de Ciência Política da USP (Universidade de São Paulo) José Álvaro Moisés diz que o projeto da frente democrática deve ser mantido, já que, segundo ele, a premissa é que “o bolsonarismo não vai se desmilinguir por conta própria”. “Isso é uma presunção em relação a um governo que não tem rumo, tem muitos defeitos e muitas vezes comete crimes de responsabilidade que quase potencializam seu impeachment”, afirma, em entrevista exclusiva concedida a Caetano Araújo e Vinicius Müller, publicada na revista Política Democrática Online de dezembro.
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Todos os conteúdos da publicação, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), são disponibilizados, gratuitamente, no site da entidade. Coordenador do Grupo de Trabalho sobre a Qualidade da Democracia do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, Moisés explica que o bolsonarismo não vai se desmilinguir por conta própria porque, segundo ele, seria como se os bolsonaristas abrissem mão de governar. “Isso não vai acontecer”, afirma.
O professor da Unesp avalia que existe hoje, no Brasil, um vácuo de lideranças democráticas e progressistas capazes de interpretar o momento e os desafios do país e que possam se opor com chances reais de vencer o presidente Jair Bolsonaro nas eleições de 2022. Ele é especialista em temas como transição política, democratização, cultura política e sociedade civil.
Moisés publicou diversos livros de análises políticas como “Os brasileiros e a democracia” (Ed. Ática, SP 1995),"Democracia e confiança: Por que os cidadãos desconfiam das instituições públicas?" (edUSP), “O papel do Congresso Nacional no presidencialismo de coalizão” (2011), e "Crises da Democracia: O Papel do Congresso, dos Deputados e dos Partidos (2019), entre outros.
Na avaliação do entrevistado, o grande desafio da oposição para superar o bolsonarismo - tanto os partidos de centro-esquerda como os da esquerda - é o de se constituir em uma força com reconhecimento da sociedade para garantir a sobrevivência da democracia e, ao mesmo tempo, adotar estratégias adequadas para a retomada do desenvolvimento do País. De acordo com o cientista político, isso envolve o enfrentamento das desigualdades sociais e a necessidade de promover o crescimento econômico.
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Em artigo publicado na revista de dezembro da FAP, engenheiro diz que país tem grande potencial de desenvolvimento da bioeconomia
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
“O Brasil deveria buscar inserção positiva na economia mundial através da diversificação e agregação de valor à sua pauta de exportações e do investimento em inovação e tecnologia e nas novas oportunidades que estão surgindo na transição para uma economia de baixo carbono”. A análise é do engenheiro de produção e assessor econômico da liderança da Rede no Senado, Bazileu Margarido, ex-presidente do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), em artigo que publicou na revista Política Democrática Online de dezembro.
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Todos os conteúdos da publicação, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), são disponibilizados, gratuitamente, no site da entidade. De acordo com Margarido, há um cardápio extenso de atividades econômicas que deveriam ser incentivadas para a recuperação da economia depois da pandemia da Covid-19.
“O Brasil tem grande potencial de desenvolvimento da bioeconomia, das fontes distribuídas de energia renovável e limpa, da agricultura de baixo carbono, da exploração sustentável de florestas nacionais, da universalização do saneamento ambiental, entre outras”, assinala. De 2003 a 2007, ele foi chefe de gabinete da então de meio ambiente, Marina Silva, antes de se tornar presidente do Ibama, de 2007 a 2008.
Segundo Margarido, esses investimentos têm capacidade para gerar milhões de empregos verdes e atrair capital externo ávido por um portfólio de atividades sustentáveis. Isso, segundo ele, para satisfazer as exigências de um novo consumidor, mais consciente dos limites das bases naturais que dão sustentação ao desenvolvimento.
“Insistir na ocupação da Amazônia pela grilagem de terra, por pastos para criação extensiva de gado e pela mineração ilegal só vai nos levar ao atraso e ao isolamento político e econômico”, alerta o engenheiro. Ele também é mestre em economia e, de 2001 a 2002, foi secretário de Fazenda de São Carlos (SP).
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‘Despreparado para o exercício do governo’, diz Alberto Aggio sobre Bolsonaro
Em artigo publicado na revista mensal da FAP, professor da Unesp avalia o que chama de ‘Ano 2’ do presidente
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) mostra-se “despreparado para o exercício do governo, sequer consegue ganhar uma posição no contexto dramático de combate à pandemia, empreendendo ‘gestão’ desastrosa que não evitou os mais de 180 mil mortos em menos de 12 meses”. A afirmação é do historiador e professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista) Alberto Aggio, em artigo que produziu para a revista Política Democrática Online de dezembro.
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Todos os conteúdos da publicação, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), são disponibilizados, gratuitamente, no site da entidade. Em seu artigo, Aggio também critica incapacidade do governo diante de “questões mais estruturais como as reformas tributária e administrativa que vão ficando para as calendas”.
“Sem liderança e sem rumo, a filiação de Bolsonaro a algum partido do Centrão tornou-se disputa rasa, quase um leilão, com vistas a um transformismo que garanta ao presidente um ‘novo’ protagonismo em 202’”, diz o professor da Unesp, em outro trecho de sua análise na Política Democrática Online de dezembro. “Num cenário ainda difuso, já se pode divisar, contudo, outros transformismos em projeção, todos visando alcançar o poder nas próximas eleições”, assevera.
Se, no Ano 1, o governo foi uma usina de péssimas ideias, no Ano 2 a imagem é de desolação, de acordo com o artigo do historiador. “2022 já começou e aos brasileiros importa superar a pandemia que nos assola bem como a crise que desorganiza a nação depois da sanha destruidora que se instalou no poder”, afirma Aggio, para acrescentar: “Só assim se poderá conceber em que termos avançaremos para o futuro, depois da breve – assim esperamos – ‘era Bolsonaro’”.
Em seu artigo, o professor da Unesp lembra que, no final do ano passado, publicou um artigo com o título “Bolsonaro, Ano 1”. “Mobilizei, intencionalmente, a demarcação temporal recorrendo àquilo que Benito Mussolini estabeleceu para a Itália quando instituiu o fascismo. Contava-se a sequência dos anos da ‘Era Fascista’, com início em 1922, ano da tomada do poder com a ‘Marcha sobre Roma’. Como todo aspirante a ‘revolucionário’, Mussolini acalentava a ideia de alterar o tempo histórico”, explica.
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Revista da FAP analisa o resultado das eleições em direção diferente a da polarização de 2018; acesso gratuito no site da entidade
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
O recado das urnas em direção oposta à da polarização de dois anos atrás, o desastre da gestão governamental de Bolsonaro que gerou retrocesso recorde na área ambiental e a incapacidade de o presidente exercer sua responsabilidade primária, a de governar, são destaques da revista Política Democrática Online de dezembro. A publicação mensal foi lançada, nesta quinta-feira (17), pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), que disponibiliza a íntegra dos conteúdos em seu site, gratuitamente.
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No editorial, a publicação projeta o que chama de “horizonte sombrio”. “Na situação difícil que se desenhou em 2020, é preciso reconhecer que o governo obteve vitórias inesperadas. Conseguiu, de maneira surpreendente, eximir-se da responsabilidade pelas consequências devastadoras, em termos de número de casos e de óbitos, da progressão da pandemia em território nacional”, diz um trecho.
Em entrevista exclusiva concedida a Caetano Araújo e Vinicius Müller, o professor do Departamento de Ciência Política da USP (Universidade de São Paulo), José Álvaro Moisés, avalia que existe, no Brasil, um vácuo de lideranças democráticas e progressistas capazes de interpretar o momento e os desafios do país e que possam se opor com chances reais de vencer Bolsonaro nas eleições de 2022.
Moisés, que é coordenador do Grupo de Trabalho sobre a Qualidade da Democracia do IEA (Instituto de Estudos Avançados) da USP, o grande desafio da oposição para superar o Bolsonarismo é o de se constituir em uma força com reconhecimento da sociedade. Isso, segundo ele, para garantir a sobrevivência da democracia e, ao mesmo tempo, adotar estratégias adequadas para a retomada do desenvolvimento do País.
Outro destaque é para a análise do historiador e professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista) Alberto Aggio, que avalia que “o Ano 2 – como dizem os jovens – ‘deu mal’ para Bolsonaro”. Ao final de 2020, diz o autor do artigo, o destino o presidente é cada vez mais incerto, com popularidade declinante e problemas políticos de grande magnitude. “Com a derrota de Donald Trump nas eleições presidenciais norte-americanas, perdeu seu principal referente ideológico”, afirma Aggio.
“O isolamento internacional do País é sem precedentes, depois de desavenças com a China e a União Europeia. Sob pressão, Bolsonaro estará forçado a uma readequação na política externa. Não haverá futuro caso não se supere a redução do Brasil a ‘País pária’ na ordem mundial, admitido de bom grado pelo chanceler Ernesto Araujo”, acrescenta o professor da Unesp.
Ex-ministro da Reforma Agrária, Defesa Nacional e Segurança Pública e ex-deputado federal, Raul Jungmann analisa, em seu artigo, a necessidade de dialogar e liderar as Forças Armadas na definição de uma defesa nacional adequada ao Brasil. Isso, segundo ele, “é um imperativo da nossa existência enquanto nação soberana”. “Construir essa relação, levar a sério nossa defesa e as FFAA, assumir as responsabilidades que cabem ao poder político e as nossas elites, é também uma questão democrática, incontornável e premente”, assevera.
O conselho editorial da revista Política Democrática Online é formado por Alberto Aggio, Caetano Araújo, Francisco Almeida, Luiz Sérgio Henriques e Maria Alice Resende de Carvalho.
Veja lista de todos os conteúdos da revista Política Democrática Online de dezembro:
- José Álvaro Moisés: ‘O Bolsonarismo entrou em crise porque ele não tem conteúdo nenhum’
- Cleomar Almeida: Vítimas enfrentam longa via-crúcis no combate ao estupro
- Charge de JCaesar
- Editorial: Horizonte sombrio
- Rodrigo Augusto Prando: A politização da vacina e o Bolsonarismo
- Paulo Ferraciolli: RCEP, o maior tratado de livre-comércio do mundo
- Paulo Fábio Dantas Neto: Em busca de um centro – Uma eleição e dois scripts
- Bazileu Margarido: Política ambiental liderando o atraso
- Jorio Dauster: Do Catcher ao Apanhador, um percurso de acasos
- Alberto Aggio: Bolsonaro, Ano 2
- Zulu Araújo: Entre daltônicos, pessoas de cor e o racismo
- Ciro Gondim Leichsenring: Adivinhando o futuro
- Dora Kaufman: Transformação digital acelerada é desafio crucial
- Henrique Brandão: Nelson Rodrigues – O mundo pelo buraco da fechadura
- Hussein Kalout: A diplomacia do caos
- João Trindade Cavalcante Filho: O STF e a democracia
- Raul Jungmann: Militares e elites civis – Liderança e responsabilidade
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RPD || Reportagem Especial: Vítimas enfrentam longa via-crúcis no combate ao estupro
Medo e preconceito desestimulam mulheres a denunciar crime em busca de justiça
Cleomar Almeida
“Fiquei travada. Ele começou a passar a mão em mim e falou para eu ficar quietinha, senão eu seria demitida por justa causa”. A cena permanece na cabeça de uma mulher de 32 anos, que, conta, saiu para confraternização de trabalho e foi estuprada, em 2019, pelo patrão, de 47 anos, no banheiro feminino, onde a entrada dele era proibida. “Quando o vi lá dentro, com a calça aberta, fiquei sem chão. Ele pensou que eu estava bêbada, mas não estava e lembro tudo”, afirma.
Depois do episódio, relata, a vítima foi embora para casa imediatamente e, desesperada, contou o caso a uma de suas amigas de trabalho, que duvidou dizendo que ela estava com “alguma alteração mental”. Enquanto a mulher era estuprada no banheiro, os demais colegas de trabalho sorriam e bebiam à mesa lá fora. Ela pediu para não ter a identidade divulgada e preferiu não divulgar a dele também. Ele foi inocentado, mesmo com imagens de circuito interno provando o momento em que ele entrou no banheiro feminino atrás dela.
Ao ser desacreditada pela própria amiga, a vítima iniciaria uma longa via-crúcis para superar um caminho onde haveria mais preconceito e dúvidas de seu relato do que acolhimento. Na manhã do dia seguinte, ela viu o segundo obstáculo em uma delegacia de polícia em Brasília, onde teve que contar o episódio no primeiro balcão para pegar uma senha e, depois, repeti-lo com detalhes para o escrivão, sem receber qualquer acolhimento de psicóloga ou outra profissional especializada. “É uma violência multiplicada, porque a gente é obrigada a se expor e sempre é colocada em dúvida”, lamenta.
A vítima, secretária-executiva, é uma das 66.123 pessoas que registraram boletim de ocorrência de estupro e estupro de vulnerável em 2019, de acordo com a 14ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança, lançado em outubro deste ano. Em média, no ano passado, uma pessoa foi estuprada a cada 8 minutos, no país. É um dado maior que o revelado em 2015, quando a média era de um estupro a cada 11 minutos.
Os dados foram compilados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, baseados em informações das Secretarias Estaduais de Segurança Pública e Defesa Social dos Estados. De acordo com o levantamento, no ano passado, 85,7% das vítimas eram do sexo feminino. Em 84,1% dos casos, o criminoso era conhecido da vítima: familiares ou pessoas de confiança, como ocorreu no episódio que abre esta reportagem por se tratar de um patrão da vítima, com o qual ela tinha vínculo de trabalho havia 10 anos.
No Anuário Brasileiro de Segurança Pública, as pesquisadoras relatam que o número de estupro é ainda muito maior do que o registrado. A subnotificação ganha força diante de situações em que as vítimas não procuram as autoridades por medo, sentimento de culpa e vergonha ou até mesmo por desestímulo por parte das autoridades.
Em setembro deste ano, o próprio Judiciário foi palco de um caso que desestimula vítimas. A jovem promoter Mariana Ferrer, de 23, vítima de estupro, foi humilhada pelo advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho, defensor do acusado, o empresário André Camargo de Aranha. “Não adianta vir com esse teu choro dissimulado, falso, e essa lábia de crocodilo”, disse o advogado à vítima, em audiência por videoconferência, sob a vista grossa do juiz Rudson Marcos, da 3ª Vara Criminal de Florianópolis. O promotor Thiago Carriço de Oliveira sustentou a tese de estupro sem intenção. O acusado foi inocentado.
Somente após a repercussão negativa do caso na imprensa, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que classificou como “grotescas” as cenas da audiência, instauraram procedimentos para investigar as condutas do juiz e do promotor por suposta omissão. A Ordem dos Advogados do Brasil em Santa Catarina (OAB-SC) também abriu investigação para avaliar a conduta de Gastão Filho. A reportagem não conseguiu contato dos três investigados.
“As chocantes imagens do vídeo mostram o que equivale a uma sessão de tortura psicológica no curso de uma solenidade processual", afirma o conselheiro do CNJ Henrique Ávila, no pedido que originou a investigação no órgão. Nenhuma das três apurações internas foi concluída ainda.
“O estupro é o único crime em que a vítima é quem sente culpa e vergonha. Pelas estimativas existentes, esse número pode ser até dez vezes maior, mas nos faltam estudos e pesquisas sobre o problema”, afirmam as pesquisadoras Samira Bueno e Isabela Sobral, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. “O Brasil ostenta números obscenos de violência de gênero”, alertam elas, no documento.
No caso da secretária-executiva desta reportagem, o acusado foi absolvido porque a Justiça entendeu que o exame de corpo de delito não comprovou que a conjunção carnal foi praticada pelo acusado nem identificou qualquer resquício de sêmen na roupa da vítima. No entanto, a lei define que estupro é “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”. Neste caso, o Ministério Público aguarda julgamento de recurso.
Em linhas gerais, a violência sexual pode ser definida como qualquer ato ou contato sexual onde a vítima é usada para a gratificação sexual de seu agressor sem seu consentimento, por meio do uso da força, intimidação, coerção, chantagem, suborno, manipulação, ameaça ou aproveitamento de situação de vulnerabilidade, seja em ato tentado seja em ato consumado.
No Brasil, a seção do Código Penal que trata dos crimes relacionados à violência sexual é denominada “Dos crimes contra a dignidade sexual”. Essa nomenclatura foi garantida pela Lei 12.015, de 2009, que substituiu a terminologia “crimes contra os costumes”. Além da mudança no nome, a lei trouxe um conjunto de importantes avanços no entendimento sobre os crimes relacionados à violência sexual no país.
O primeiro deles é a junção do crime de atentado violento ao pudor ao crime de estupro, conforme prevê o artigo 213. Esta modificação incluiu outros tipos de “ato libidinoso” ao conceito de estupro, antes restrito à conjunção carnal. Outra alteração foi a mudança na redação do artigo 213 do Código Penal, de forma que não se especificasse o gênero da pessoa passível de sofrer um estupro. Pela redação original, o crime de estupro podia ser praticado somente contra mulheres. Além disso, a lei incluiu o artigo 217-A, o estupro de vulnerável, entendido como a conjunção carnal ou ato libidinoso com qualquer pessoa menor de 14 anos.
Apesar dos avanços na lei, especialistas entendem que ainda pesa na sociedade uma perspectiva moralizante em torno das vítimas, muitas vezes culpabilizadas pela violência sofrida por causa do tipo de roupa que usavam e o fato de estarem na rua em determinado. Além disso, o machismo também tem reflexos sobre as relações conjugais, como se não fosse possível a uma mulher casada recusar uma relação sexual com seu cônjuge, como se o sexo fosse uma obrigação do matrimônio.
Na avaliação das pesquisadoras do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o combate ao crime de estupro deve ser alçado, com urgência, não só a uma prioridade governamental, mas incluído efetivamente no rol de ações reconhecidas pelas polícias como integrantes de suas missões e tarefas. “As polícias não podem continuar a achar que este é um tema privado ou que pouco podem fazer”, afirmam. Quem se sentir em risco ou for vítima pode ligar para o 180, número da Central de Atendimento à Mulher. A ligação é gratuita e sigilosa.
Ataques às vítimas são frequentes, criticam advogadas
Ataques às vítimas em julgamento de estupro têm sido cada vez mais frequentes no Brasil, segundo advogadas ouvidas pela Política Democrática Online. Muitas vezes, ressaltam, a própria investigação caminha para culpar as mulheres, fazendo a Justiça desacreditar delas, e os criminosos atribuem as acusações a alguma situação mal resolvida entre eles.
A advogada Jéssica Póvoa, que há 15 anos atua em defesa de mulheres estupradas no Paraná, diz ser comum a tentativa de desconstrução da imagem das vítimas. “Normalmente, questiona-se a roupa ou o comportamento delas, na tentativa de convencer o juiz de que elas consentiram com o ato”, afirma. “A vítima, infelizmente, se vê em uma situação em que é constrangida e obrigada a se defender, já que passa a se sentir acusada e não mais uma vítima", diz ela.
Em outros casos, segundo a advogada Aline Ribeiro, de uma organização não-governamental (ONG) em defesa de mulheres vulneráveis na Bahia, o acusado e os seus advogados exploram características pessoais da vítima que nada tem a ver com o processo criminal, numa tentativa de desviar o foco do Judiciário. “É uma excrescência jurídica porque, muitas vezes, a vítima, de fato, sai como errada ou louca”, lamenta a defensora.
Professora de Direito Penal e advogada há 22 anos, Maria do Socorro Cruz diz que, infelizmente, é comum advogados usarem a estratégia de desmerecer a vítima para endossarem tese de defesa em julgamento de crimes sexuais. "Sem qualquer escrúpulo, busca-se inverter o ônus da prova, sempre para intimidar a vítima ainda mais, fazendo-a acreditar que ela viu muita coisa ou que nada ocorreu”, critica.
“Em geral, o Brasil é muito punitivista, acusatório, um país que prende muito, mas, quando se fala de crimes contra a mulher, toda essa preocupação com a inocência do acusado aparece. Principalmente quando o que se tem como prova é a palavra da vítima”, observa o advogado Raimundo Sabino, de Goiás.
‘Estupro é normalizado em nosso país’, diz jornalista em livro recém-lançado
“Estupro é crime, mas é algo tão comum e normalizado em nosso país, que quem o sofre acha que é culpado por ele, uma vez que a sociedade em si também alimenta essa mentalidade.” A afirmação é da jornalista Ana Paula Araújo, em seu recém-lançado livro Abuso: a cultura do estupro no Brasil (320 páginas, Globo Livros). Na obra, a autora aborda o medo e a vergonha das vítimas, que muitas vezes são julgadas e culpabilizadas pela sociedade e pelo poder público, o que, frequentemente, dificulta as denúncias.
Para detalhar como a cultura do estupro está enraizada no país, a jornalista – apresentadora do telejornal Bom dia, Brasil – realizou mais de cem entrevistas com vítimas, familiares, criminosos, psiquiatras e diversos especialistas no assunto. “Vi homens que acham o estupro absurdo, mas pensam que o que fizeram foi só um momento. Não se dão conta de que são estupradores”, afirmou à imprensa.
Foram quatro anos de pesquisa sobre o tema. Ela observou que, além de muitas vítimas não relatarem os casos às autoridades, as que conseguem forças para denunciar precisam lidar com um processo doloroso, que inclui desde os exames até o preconceito de médicos, policiais, parentes e amigos.
Na obra, Ana Paula mostra como os abusos sexuais são naturalizados no Brasil e de que forma as mulheres são vistas na sociedade depois que são violentadas. “As vítimas são ainda mais inibidas quando os casos ocorrem dentro da própria casa com pessoas próximas, como pais, padrastos e tios”, conta. Em muitos desses casos, os abusos sexuais são tão normalizados dentro do ambiente familiar, a ponto de a vítima se questionar sobre se o que aconteceu realmente foi um crime.
A própria jornalista perdeu a conta das vezes em que foi apalpada em locais lotados. Em um desses casos, tinha 18 anos e estava saindo da faculdade, em Niterói, região metropolitana do Rio de Janeiro, rumo à casa da tia, na Vila da Penha, na Zona Norte, quando acordou no ônibus com a mão de um passageiro em sua coxa. E o rosto do homem quase colado ao seu. Sua reação foi xingá-lo e mandá-lo viajar em pé.
"Contei esse episódio porque é bem trivial na vida de todas as mulheres que usam o transporte público ou por aplicativo", disse a apresentadora carioca à imprensa. Formada em comunicação pela Universidade Federal Fluminense (UFF), destacou-se, em 2010, durante a cobertura da ocupação do Complexo do Alemão, quando ficou por oito horas ininterruptas no ar. Esse trabalho rendeu a ela e à equipe de jornalismo da Globo o prêmio Emmy Internacional.
Ana Paula afirma que cresceu ouvindo que deveria tomar cuidado e ficar atenta com homens. No entanto, segundo ela, a vida a ensinou que os homens é que precisam respeitar as mulheres e aprender o que é consentimento.
RPD || José Álvaro Moisés: 'O Bolsonarismo entrou em crise porque ele não tem conteúdo nenhum'
As eleições municipais de 2020 passaram o recado que vai na direção oposta da polarização ocorrida em 2018, que permitiu a eleição de Bolsonaro: Guinada ao Centro e criação de frente democrática progressista como itens necessários para vencer o Bolsonarismo em 2022
Por Caetano Araújo e Vinicius Müller
O professor do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP) e Coordenador do Grupo de Trabalho sobre a Qualidade da Democracia do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, José Álvaro Moisés, avalia que existe hoje, no Brasil, um vácuo de lideranças democráticas e progressistas capazes de interpretar o momento e os desafios do País, e possam se opor com chances reais de vencer o presidente Jair Bolsonaro nas eleições de 2022.
Entrevistado especial desta 26a edição da Revista Política Democrática Online, o cientista político é especialista em temas como transição política, democratização, cultura política e sociedade civil. Publicou diversos livros de análises políticas como “Os brasileiros e a democracia” (Ed. Ática, SP 1995) ,"Democracia e confiança: Por que os cidadãos desconfiam das instituições públicas?" (edUSP), “O papel do Congresso Nacional no presidencialismo de coalizão” (2011), e "Crises da Democracia: O Papel do Congresso, dos Deputados e dos Partidos (2019), entre outros.
Para José Álvaro Moisés, o grande desafio da oposição para superar o Bolsonarismo - tanto os partidos de centro-esquerda como os da esquerda - é o de se constituir em uma força com reconhecimento da sociedade para garantir a sobrevivência da democracia e, ao mesmo tempo, adotar estratégias adequadas para a retomada do desenvolvimento do País. De acordo com o cientista político, isso envolve o enfrentamento das desigualdades sociais e a necessidade de promover o crescimento econômico.
Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista do cientista político José Álvaro Moisés à Revista Política Democrática Online:
Revista Política Democrática (RPD): Os resultados das eleições municipais apontam para uma transferência da liderança e das bandeiras carregadas historicamente por Lula e pelo PT aos candidatos de uma 'nova esquerda', como Boulos e Manuela D´Ávila?
José Álvaro Moisés (JAM): Muito obrigado pela questão que aborda um tema de grande importância. Certamente, é uma perspectiva que se abre para os próximos anos e, nesse sentido, entender esse processo é muito importante para nos. Não tenho certeza se a liderança do Boulos tem solidez suficiente para substituir o que foi a do Lula. Isso se deveria, se ocorresse, ao envolvimento do PT e do próprio Lula com corrupção, ainda que saibamos pouco sobre como foi isso? Quando foi? Quais as provas, etc. Penso que parte do eleitorado brasileiro já deu uma resposta a essa questão. Por isso, emergiram Boulos e algumas outras lideranças jovens de esquerda, com algum conteúdo novo. Mas não acho ainda inteiramente claro qual é o rumo que vão tomar.
A pergunta projeta para o futuro uma possibilidade que não sei se já temos suficientes elementos para responder com clareza. Será que é sólido? Penso que essa possibilidade está vinculada ao fato de que eleitores jovens e uma parte da classe média tem, digamos assim, uma atitude de rejeição em relação às políticas do PT, ao seu hegemonismo, à questão da corrupção e a todas as questões que ficaram sem resposta em tempos recentes, e que podem ter encontrado na liderança de Boulos em São Paulo, Manuela D'Ávila em Porto Alegre e, no caso de Recife, em nomes como de João Campos e da Marília Arraes, uma possibilidade alternativa em relação a esquerda representada pelo PT.
RPD: Após a polarização que se consolidou no país a partir de 2013, parece haver um reajuste do processo eleitoral e político que mostra certo esgotamento desta polarização, algo como um refluxo. Haveria, assim, uma crise dupla, tanto do bolsonarismo quanto da 'esquerda'?
JAM: Primeiro, acho sim que o bolsonarismo entrou em crise. O eleitor passou um recado que vai na direção oposta à polarização de 2018. Não quero entrar no mérito do impeachment da Dilma, mas creio que a polarização começou ali e que, de alguma maneira, se consolidou no resultado de 2018 com a ideia de que o Bolsonaro ocuparia um vazio que tinha sido deixado não só pela esquerda, mas também por todos os líderes democráticos. Vejo, assim, a adesão à candidatura de Boulos e à dos outros jovens líderes de esquerda que mencionei mais como resposta à ansiedade e ao espaço que uma parte da classe média e segmentos esclarecidos abriram em relação ao que aconteceu com o PT. Contudo, o processo eleitoral de 2020 não fez um debate sobre a natureza dessa nova esquerda; muitos aderiram a ela porque foi uma alternativa que pareceu se contrapor ao que está aí, ao bolsonarismo.
À luz dessas considerações, não consigo responder com segurança à pergunta. Quer dizer, não vejo com clareza o que esta nova esquerda vai projetar, ou mesmo até onde é possível falar de uma nova esquerda. Creio, no entanto, que ela não vai encarnar o contraponto que permitiria que o bolsonarismo se reconstituísse. Acho que o bolsonarismo entrou em crise porque não tem conteúdo, afora as questões clássicas de defesa da ditadura, da tortura e de expressão de uma mentalidade autoritária, de uma visão radicalizada em relação à questão da segurança e tudo o mais que sabemos.
RPD: Neste novo arranjo, mais ao centro e produzido por um certo refluxo, quais seriam os principais temas e atores políticos que se destacam?
JAM: O bolsonarismo refluiu da posição de extrema direita para o centro porque teve muitas derrotas no Congresso e por causa da crescente rejeição de parte dos eleitores. Está tentando migrar para um centro-direita para se salvar.
Quanto as forças democráticas, também fomos, em certo sentido, mais para o centro. Os resultados da eleição apontaram nessa direção pelo lado das forças democráticas e progressistas. Agora, no caso do bolsonarismo - que está tentando ir para o centro - o problema consiste em saber onde ele vai encontrar um possível ponto de solidez ou de consolidação no conjunto dos partidos. A candidatura mais clara quanto a isso, como sabemos, são os partidos do Centrão, especialmente o Progressistas, o Republicanos e talvez o PSD.
Mas o grande risco que vejo nesse quadro é o de o setor democrático e progressista, incluindo a esquerda democrática, não perceber inteiramente a natureza desse jogo. Não podemos cometer o equívoco de eventualmente deixar que o DEM seja atraído para o lado de Bolsonaro, o DEM e algumas outras forças, como o PSD de Gilberto Kassab - um caso mais difícil -, mas no caso do DEM, a possibilidade de se reposicionar em torno do bolsonarismo seria péssimo para o objetivo de levar o governo a uma derrota em 2022.
Assim, não tenho dúvidas quanto ao refluxo do bolsonarismo na direção de um centro-direita. E, por isso, agir para trazer os liberais para o diálogo com o campo da perspectiva progressista é parte do objetivo de derrotar o bolsonarismo, um desafio seríssimo para os democratas.
Nesse sentido, temo que a nova esquerda não seja capaz de perceber a natureza desse desafio e tente, a reboque de uma alegada solidez ao se supor capaz de substituir a figura de Lula, constituir uma alternativa para disputar diretamente com Bolsonaro, o que não acredito que teria sucesso. Creio que a média do eleitor brasileiro não aceitaria uma solução desse tipo.
O ideal seria sermos capazes de compor uma frente democrática de setores liberais - a centro-direita liberal - com a centro-esquerda e, assim, construir uma solida alternativa capaz de enfrentar o bolsonarismo com sucesso. O bolsonarismo buscará sua solidez em torno do Centrão, vale dizer, do PP, Republicanos e talvez o PSD, mas seria bom que não fosse ajudado a ir além disso.
RPD: Qual espaço para partidos tradicionalmente do centro, principalmente da centro-esquerda - como o PSDB - neste novo centro político que parece se consolidar a partir de uma inclinação mais à centro-direita?
JAM: Acho que o papel do PSDB é exatamente o de construir essa alternativa. Quer dizer, alguém na centro-esquerda, que esteja fora da centro-direita, tem, de alguma maneira, de fazer isso, levantar a bandeira de que é importante trazer o DEM para esse campo. Aliás, como disse o Rodrigo Maia, o centro não é um ponto único, o centro são vários pontos, e se nós quisermos trabalhar esse campo teremos de buscar o que você chamou de um equilíbrio capaz de unificar esses pontos do centro. Esse é o grande desafio que está posto tanto para uma parte da esquerda democrática, como para o PSDB. O papel da esquerda progressista, nesse sentido, é levantar o tema da frente para enfrentar Bolsonaro, insistir no tema e chamar para o diálogo as outras forças, e mostrar o quanto isso é fundamental para vencermos o bolsonarismo. A meu ver, esse é o caminho que nós deveríamos propugnar para que a esquerda democrática e progressista desempenhe sua missão nessa conjuntura.
RPD: A construção de uma ampla frente democrática contra Bolsonaro continua na ordem do dia para as forças de oposição?
JAM: Minha premissa é que o bolsonarismo não vai se desmilinguir por conta própria. Isso é uma presunção em relação a um governo que, em realidade, não tem rumo, tem muitos defeitos e muitas vezes comete crimes de responsabilidade que quase potencializam seu impeachment. Mas se desmilinguir por conta própria seria como se eles abrissem mão de governar. Isso não vai acontecer. E é por isso que o projeto da frente democrática tem de ser mantido.
Algo que me surpreendeu nas eleições municipais deste ano foi o recado passado pelos eleitores. Rejeitaram as polarizações extremas e as perspectivas que preconizavam raciocinarmos politicamente com dois extremos. Além disso, também chamaram a atenção para a existência de um espaço de diálogo alternativo situado no centro. Deste ponto de vista, recolocaram o tema da frente na ordem do dia, como o revelam, de um lado, a sinalização de Ciro Gomes em relação ao DEM e, de outro, as conversações de Luciano Huck com algumas lideranças, inclusive com Sergio Moro. Um dos desafios dessas iniciativas é não qualificá-las de partida como sendo de esquerda ou de seu contrário, ainda que em política muito dependa da identidade dos atores que conduzirão as bandeiras.
Afora isso, a frente não poderá ser estritamente eleitoral. Terá de ser suficientemente abrangente para estabelecer as pontes que permitam construir uma alternativa de sentido positivo em torno de temas que os eleitores priorizam. Um deles é o enfrentamento da corrupção, o compromisso dos partidos com o seu combate. Outro é o enfrentamento das desigualdades, ou seja, quais desigualdades e como enfrenta-las? Será preciso buscar a maneira de mobilizar e interpelar o eleitor nessa direção. Desse ponto de vista, quem pode desempenhar esse papel são as forças democráticas progressistas. Esse é o desafio que teremos de enfrentar, e é preciso ter clareza de que esse é o problema fundamental da constituição da tão mencionada frente democrática.
RPD: Qual o papel do PSDB como operador da frente democrática, considerando seu movimento recente em direção à direita do espectro político?
JAM: Penso que a coalisão que se formou em torno da candidatura do Bruno Covas indica um caminho e teve sucesso porque apontou na direção de uma aliança possível, em face de um esforço de alguns dos partidos de se reformularem, não tanto no sentido de uma recuperação de suas práticas tradicionais, mas no sentido de uma reacomodação em relação ao sentimento critico dos eleitores, ainda que um ponto débil do processo tenha sido a escolha do vice. Mas Bruno fez uma campanha clara e a coalisão o projetou como uma nova liderança no PSDB.
Contudo, para se entender o papel que esse partido pode jogar em um plano mais amplo temos de pensar que há um problema aí. Qual é o problema? É que, por uma parte, o PSDB está sob algum efeito de hegemonia do governador João Dória, que não se caracteriza propriamente como uma opção progressista, está mais no campo de uma direita um pouco mais civilizada que Bolsonaro, mas que não tem preocupação, por exemplo, de manter a identidade social democrata do PSDB. Ao passo que, de seu lado, Bruno fez questão, na campanha, não só de fazer referência a lideranças históricas do PSDB, mas também a atores que precisamente representam esse conteúdo social-democrático. Não sabemos se isso levara a algum conflito, e tampouco se prosperarao as iniciativas de diálogo com o DEM com vistas a formação de uma frente democrática de conteúdo progressista. Nem mesmo sabemos, enfim, se o PSDB vai organizar-se para enfrentar Bolsonaro. Ainda é cedo para termos uma resposta em um sentido ou outro. Mas o importante é que as possibilidades estão abertas, quer dizer, inclusive a possibilidade de se constituir uma alternativa que vá na direção de uma aliança do PSDB com o DEM, incluindo, quem sabe, o MDB, como se fez no passado. A pergunta, portanto, é se em 2022 vai-se repetir o cenário de 2018, com candidaturas isoladas, ou se vai -se trabalhar na perspectiva de uma nova coalisão. Mas ainda não temos elementos suficientes para responder com segurança essas questões.
RPD: Até que ponto é possível supor que o debate ancorado em temas haverá de se sobrepor à tradicional “fulanização” das disputas eleitorais?
JAM: Eu não sei se estamos, digamos assim, colocando mais ênfase nos temas fundamentais e menos nos personagens, ou na chamada “fulanização”. Não sei se temos suficiente material para dar uma resposta certa sobre isso. Acho que ambos aspectos estão se misturando nesse momento. O grande tema segue sendo o da formação da frente capaz de derrotar Bolsonaro. Nesse sentido, a temática da fulanização indaga, de alguma maneira, se temos um fulano - ou um nome ou alguns nomes - que unifique as forças democráticas, mas não vejo isso colocado. Desse ponto de vista, um dos desafios mais importantes que teremos será selecionar e definir quem poderá oferecer a alternativa capaz de construir a frente democrática com as características que precisamos que ela tenha, ou seja, de enfrentamento de Bolsonaro e seu conteúdo e, ao mesmo tempo, de enfrentamento da questão central dos progressistas, relativa a questão das desigualdades abismais que caracterizam a sociedade brasileira.
No momento, ainda não temos os nomes que se encaixam nesse projeto. O que indica, portanto, que parte do nosso desafio, além de construir a frente, além de enfrentar os divisionismos tradicionais de nossas forças e as tentativas de hegemonismo, implica em definir os critérios necessários para permitir indicar quem será capaz de mobilizar a sociedade e oferecer suficiente credibilidade para que os eleitores digam: "Nesse contexto, com essa experiência, com as características da coalisão formada, podemos depositar confiança nessa pessoa". Mas nenhum movimento político cria uma liderança em um curto espaço de tempo. Em certo sentido, esse processo terá de se dar com as lideranças que estão se apresentando nessa fase em torno dos nossos desafios, mas ainda não está claro quem construirá o consenso necessário para conduzir a empreitada de enfrentar o bolsonarismo. É tarefa das forças democráticas encontrar essa pessoa.
RPD || Editorial: Horizonte sombrio
Na situação difícil que se desenhou em 2020, é preciso reconhecer que o governo obteve vitórias inesperadas. Conseguiu, de maneira surpreendente, eximir-se da responsabilidade pelas consequências devastadoras, em termos de número de casos e de óbitos, da progressão da pandemia em território nacional. Colheu os frutos do programa de transferência de renda decidido no âmbito do Congresso Nacional, na forma de elevação do percentual de aprovação junto aos eleitores. Finalmente, operou com sucesso a mudança radical de uma estratégia de confronto das instituições, que teria o golpe como único corolário possível, para o funcionamento novo, na forma de “governo parlamentar”, com apoio dos partidos classificads como “centrão”.
Ao fim do ano, contudo, dois contratempos relevantes para os projetos governamentais emergiram. Em primeiro lugar, a derrota de Trump nas eleições americanas, retirando de cena o único contraponto possível aos retrocessos procurados deliberadamente nas relações com a China e a União Europeia. Em segundo lugar, a derrota contundente da grande maioria dos candidatos que obtiveram o apoio presidencial explícito nas eleições municipais de novembro. Aparentemente, em muitos casos o apoio declarado do Presidente teria funcionado como “beijo da morte”, afundando candidaturas até promissoras até aquele momento.
Ambos os revezes acontecem às vésperas da passagem para um ano que promete elevar os problemas do país e do governo a outro patamar. No que respeita ao enfrentamento da pandemia, tudo indica que a incapacidade do governo federal para obter vacinas em quantidade suficiente e planejar sua aplicação ordenada no conjunto da população será desvelada. A situação que se avizinha é a de comparação cotidiana, completamente desfavorável para nós, com países que conseguirão vacinar a tempo sua população.
Na perspectiva econômica, por sua vez, a situação inspira cuidados. O fracasso em conter a pandemia impede uma retomada consistente. Por outro lado, não é viável manter o auxílio no montante atual e a comparação nesse caso acontecerá entre o cidadão de 2020 que recebia um tanto e o de 2021, que passará a receber uma fração desse montante.
Comparações desfavoráveis geralmente são fonte de insatisfação, com potencial para evoluir para rejeição e fúria no plano da política. Num quadro com essas características, índices de popularidade são os primeiros a desaparecer e, na sua ausência, o debate sobre o abreviamento do mandato presidencial pode tomar assento na agenda da política. À luz da experiência recente, esse é o cenário mais provável, num cenário de aprofundamento das diversas crises. No entanto, na perspectiva da experiência mais antiga, que anima setores relevantes do governo, a situação de tempestade poderia, paradoxalmente, reunificar os defensores da ordem a qualquer custo em torno do fortalecimento político do Presidente da República.