Rosângela Bittar
Rosângela Bittar: A arrogância dos fortes
Sérgio Moro vai lapidando seu perfil político apenas com o culto à personalidade
À falta de um presidente que respeite a sociedade e compreenda a natureza de sua função, o Brasil precisa muito de um ministro da Justiça. Autêntico, daqueles que cuidam dos assuntos do equilíbrio político, econômico e social do povo e das instituições que o governam. E, no caso de acumular a Segurança Pública, cuide do ambiente da criminalidade descontrolada e impune em todos os grupos, inclusive o policial, sob seu comando.
Porém, o atual ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, vai lapidando seu perfil político apenas com o culto à personalidade, como se tivesse vindo ao governo só para ser homenageado. A sua arma principal de ação no Executivo é a popularidade que brande ao menor sinal de crítica. Ela lhe dá direito a erros sucessivos e o último foi exemplar.
Na crise de segurança com o motim da Polícia Militar do Ceará, mostrou-se perdido e contraditório. Nunca Moro foi menos ministro da Justiça do que nesse labirinto em que se meteu. Foi ao local, mas disse não ter visto descontrole onde tinham sido assassinados 240 cidadãos, um recorde. A seguir, fez uma distinção que até agora carece de exegese: o motim é ilegal, mas os policiais não são criminosos. Quando juiz em Curitiba, era mais preciso nas tipificações.
Não providenciou a prorrogação da medida de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), era sua função convencer o presidente a despolitizar a questão e manter o apoio ao Estado governado pelo PT. Ao contrário, recrudesceu: quando governadores ameaçaram suprir a tarefa do governo federal, o ministro da Justiça acusou-os de politizar a movimentação. Já ultrapolitizada pelo governo federal.
Os amotinados foram líderes da campanha de Bolsonaro no Estado. O coronel que Moro enviou para chefiar seus homens da Força Nacional é subordinado ao general cearense secretário da Segurança Pública do Ministério da Justiça. O mesmo que, candidato ao governo cearense, disputou e perdeu a eleição para o atual governador em apuros. O coronel elogiou, em assembleia de amotinados, a coragem dos revoltosos, numa aprovação reverente aos grevistas armados. Isso deve ser científico, e não político, no conceito Moro de administração.
E, para encerrar, uma troca de insultos com o ex-governador do Ceará Ciro Gomes, cujo irmão, senador e ex-governador Cid Gomes, foi baleado no confronto. A retórica dos Gomes é conhecida, um ministro fazer duelo verbal de baixo nível sobre ação de sua pasta, não. Só com a popularidade no coldre, Moro enfrenta o presidente, o Congresso, o Supremo, os governadores. Não aceita decisões e mobiliza um poder contra o outro para modificá-las a seu gosto.
A figura do juiz de garantias é outro exemplo clássico: não conseguindo suprimi-la pelo veto do presidente, correu por fora e foi salvo por manobra expressa de um ministro do Supremo com quem tinha ligação anterior, com firma reconhecida: “In Fux we trust”. O juiz de garantias é importante no sistema jurídico, mas uma questão pessoal para Moro e sua corporação, que refutam qualquer tipo de revisão e controle.
Para corrupção no governo e ameaças à integridade constitucional, fatores muito presentes no primeiro ano de mandato, não há ministro da Justiça. Moro está se perdendo pela autossuficiência, diz uma autoridade. Ou pela arrogância dos fortes, quem sabe. O apoio incondicional dos militares deixa o ministro à vontade. Moro foi salvo da demissão, duas vezes, pelos generais (Fernando Azevedo (Defesa), Augusto Heleno (GSI) e Luiz Ramos (Governo). A aversão ao PT e a Lula os une no apoio irrestrito ao ministro juiz.
O presidente vive o dilema insolúvel de ter um ministro, de quem desconfia, irremovível. Moro sabe disso e parece disposto a manter o jogo. Não há bola de cristal que projete Bolsonaro dormindo com o inimigo num eventual segundo mandato
Rosângela Bittar: Ciranda, cirandinha
Na ciranda do Jair que ama Sérgio, que ama Jair, também tem passe livre o Paulo
Por que Sérgio Moro, juiz conhecido no exterior, popular no Brasil, primeiro lugar na confiança do eleitorado, carcereiro de políticos e empresários, está engolindo tanto sapo?
O presidente Jair Bolsonaro, em cujo governo ele foi alçado à política, o desautoriza, contraria e confronta. Demite quem ele contratou, desfaz negociações, não veta quando ele pede, veta quando não pede. E o ministro da Justiça vai ficando, altivo, como se com ele não fosse, oferecendo explicações para justificar cada revés.
Uma hipótese a considerar é que Moro precisa tanto do governo quanto Bolsonaro precisa dele. O presidente, ao trazê-lo para perto, sugou sua credibilidade, identificou-se com o combate à corrupção, criou uma película de proteção ao redor dos seus que, mesmo frágil, oferece resistência.
Moro mantém o posto para continuar nutrindo seu portfólio de realizações com vistas ao futuro. Agora, na política. Seja como candidato a cargo executivo ou legislativo, seja ministro do Supremo Tribunal Federal ou autoridade internacional em qualquer organismo. O temido juiz de Curitiba extrapola o figurino da primeira instância.
Moro precisa da visibilidade, da proeminência, do holofote, que o credenciam a tudo.
Na ciranda do Jair que ama Sérgio, que ama Jair, também tem passe livre o Paulo, de quem Sérgio e Jair dependem para o sucesso seguinte. Já marcando seus pontos nas pesquisas de popularidade, o ministro da Economia também é um exímio engolidor de sapos: uma demissão de autoridade do seu gabinete, um passo atrás na reforma, um reajuste de preço sustado. Mas Paulo Guedes também está na posição da dependência mútua. Ele tem uma ideia na cabeça e um superministério na mão. Bolsonaro lhe proporcionou a condição de agir incondicionalmente, e ele usa a carta-branca.
E não chia quando contrariado: dois meses depois de perder o amigo e secretário que defendeu a CPMF, demitido pelo presidente, ao estilo indireto e público, Guedes encontrou um substituto e passou a defender a CPMF digital. Faz que não é com ele, um efeito do método de sobrevivência na selva. Afinal, as transações financeiras em pouco tempo serão todas digitais, portanto é melhor brigar por algo que vai existir do que por algo que tem os dias contados.
Paulo depende de Jair para realizar seu plano, e Jair depende do sucesso de Paulo para se reeleger. Se rompida essa corrente, Sérgio Moro, que já faz política em tempo integral, estará garantido. Para os incrédulos sobre o apetite e chances de Guedes, há o exemplo de Fernando Henrique Cardoso. Basta repeti-lo.
Guedes tem tudo para chegar aonde quiser e, embora não pareça gostar da política e dos políticos (até este traço em comum tem com Bolsonaro e Moro), é política o que faz, também em tempo integral.
São fatores de uma conta de somar, não de dividir. A estratégia de contrapor um ao outro – Moro a Guedes e vice-versa – está fadada ao fracasso, por enquanto. Este entrelaçamento pertence a um movimento, o bolsonarismo, cuja existência e força não se pode negar. Já com três protagonistas, está em vantagem quanto ao lulismo, ainda sem peça de reposição.
Um quarto nome, com a inclusão de Hamilton Mourão, o general vice-presidente que muitos citam como destaque no bolsonarismo, ou um quinto sócio-atleta que ainda poderá surgir, será resultado da porta entreaberta precocemente.
Hoje é o presidente quem comanda. Ele decide quando apoiar e quando queimar, quando afagar e quando agredir. Suas regras são aceitas. Se os empresários saúdam Bolsonaro, estão apoiando Guedes; se o eleitorado manifesta crença no presidente, é a paixão por Moro que se transfere.
Nas condições atuais, o candidato do bolsonarismo, em 2022, ainda é Jair Bolsonaro, mas há alternativas, como se vê. Que outro movimento pode dizer o mesmo?
Rosângela Bittar: Roletas tímidas
Chamadas de intermediárias, as eleições municipais sinalizam o futuro
Este é o ano da graça das eleições municipais, quando o humor dos eleitores será testado numa espécie de ensaio geral para a próxima disputa nacional. No momento, não se identificam fenômenos, nem naturais, nem construídos.
Uma volta ao passado não seria surpreendente, menos ainda uma demonstração, contra a corrente, de sentimento antibolsonarista. Bem como a presença do presidente, com vitórias importantes em capitais, reunindo vantagens a serem levadas à próxima campanha. Tudo ainda é possível.
As roletas estão começando a rodar, ainda tímidas, e ninguém fez apostas relevantes, por enquanto. A desconfiança é ampla, geral e irrestrita.
É que, se prefeitos e vereadores constroem o poder nacional, a recíproca não é necessariamente verdadeira. Por isso a cautela nas previsões.
A polarização vai se manter? Lula estará solto? O presidente Jair Bolsonaro conseguirá criar seu partido a tempo de seus candidatos disputarem pela nova sigla? Os temas em discussão serão de interesse apenas local? A ideologia vai prevalecer, como agora, ou a vida real irá predominar? Só vendo. O que é certo, em qualquer tempo e país, é que, chamadas de intermediárias, as eleições locais sinalizam o futuro.
Aqui também. Em 2016, o PT perdeu substância nas eleições municipais deixando aos adversários 60% das prefeituras que administrava. Houve influência negativa do fato na eleição seguinte de deputados e senadores, que definiram o financiamento do partido. Em 2018, destroçado pelas denúncias de corrupção, o PT chegou à campanha presidencial se arrastando em visita ao líder preso e ainda por cima sem um candidato de consenso.
Retornando a 2016: naquela eleição não havia sinal de um Jair Bolsonaro ou de um partido chamado PSL que viriam, em 2018, vencer a disputa presidencial. Houve sinais para uns, não para todos. Prepara-se agora o presidente para a campanha da reeleição, em 2022, sem definir que impacto buscará nas municipais deste ano.
Se a divisão nacional do eleitorado persistir nas eleições locais, o apoio do presidente será valioso, principalmente para ajudar um dos lados a se manter na liderança tocado pelo antipetismo e pela luta ideológica. Esses, Bolsonaro terá a seu lado no futuro. Se não, candidatos a prefeitos e vereadores podem se dispersar e procurar, cada um, seu séquito, seu financiador e sua aposta. As chamadas nominatas para vereador (listas de candidatos disponíveis à escolha do eleitorado) terão que ser diversificadas e com gente muito boa, é o que recomenda a regra não escrita da eleição sem coligação proporcional.
Há uma máxima preferida de cientistas políticos de formação diversa: deputados, senadores, governadores, presidente da República não são importantes para eleger prefeitos e vereadores. Seu peso está na capacidade de apoiar financeiramente os candidatos e passar-lhes prestígio, quando o têm. Mas prefeitos e vereadores são excelentes e imprescindíveis cabos eleitorais para deputados, senadores, governadores. É melhor respeitar este entrelaçamento de funções.
“Uma vez que toda eleição municipal é intermediária entre uma nacional anterior e uma nacional subsequente, ela revela um pouco da anterior e um pouco do que ocorrerá no futuro”, assinala o cientista político e sociólogo Antonio Lavareda. Para o professor David Fleischer, da UnB, “um partido que elege mais prefeitos elegerá mais deputados dois anos depois e vice-versa”. Assim, terá fundo partidário bem maior.
O professor e cientista político Paulo Kramer impõe nuances: “Essa hiperpolarização, com campanha em redes sociais, fatores novos condicionando as eleições, colocaram tudo de cabeça para baixo. Tínhamos indicadores seguros no passado, de que a eleição municipal era armação do cenário para as eleições nacionais. Agora isto não está tão claro.”
Rosângela Bittar: Fresta estreita para epifania
Com umidade de deserto, Brasília sentiu uma brisa...
Finalmente, neste ano, uma semana leve, agradável e refrescante em Brasília, sob um sol de 35 graus (aqui é ardente) e umidade relativa do ar de 10%. Mas deu para curtir. As pessoas com arma na cintura saíram da cena política para aterrorizar, mais além, quem por desventura tivesse parentes indefesos internados em um hospital paulistano. Ainda bem que não houve imprevisto capaz de levar um filho a sacar para defender? exigir? intimidar? os circunstantes do leito de seu amado pai. Dramático, mesmo.
Fora da cena, também, perdeu-se acolá a insatisfação de preposto da República com a lentidão da democracia para resolver radicalmente os problemas, dele certamente. Convite ao golpe? O pai chora a incompreensão com o extremado filho. Dramático, mesmo.
Gigantes do início do governo, que andavam meio adormecidos, foram despertados para, com sua manifestação de ódio, tentar retomar o lugar deixado vago e panfletar o planeta. Dramático, mesmo.
Brasília, então, abriu a guarda e viveu dez dias relaxantes, nos quais não se ouviram provocações de ministros performáticos que dão asas a bobagens para agradar a plateia interna; nem puderam ser percebidos os efeitos das humilhações impostas a superministros que engoliram sapos lançados em rota interestadual. Todo o governo foi discreto.
Houve a distensão possível estando longe Jair Bolsonaro, seus cabos e sua tonitroante campanha eleitoral permanente e ininterrupta.
Mas diante da realidade, na qual somos todos obrigados a cair, que voltou ontem ao seu lugar, no centro da cena, viu-se que a fresta aberta pela ausência do protagonista não foi usada por ninguém. Os opositores de Bolsonaro se esconderam. Por leniência ou estratégia.
Nem o PT que, segundo a mais recente pesquisa eleitoral do Datafolha, venceria Bolsonaro se 2018 fosse hoje, tendo à frente o mesmo Fernando Haddad. Um equívoco de raiz que anula o valor da enquete para fins de prospecção do quadro eleitoral de 2022.
O adversário de Bolsonaro não é necessariamente Fernando Haddad, mas todos os demais que estiveram na última disputa e mais alguém que se habilite até lá. Sequer está escrito que o PT seguirá com Haddad: atenção a Rui Costa, o único a dar o ar da graça no cenário político aproveitando o silêncio momentâneo da campanha de reeleição.
A razão de Haddad ter sido tão lembrado na pesquisa pode ter sido o que os experts chamam de efeito questionário. As perguntas foram elaboradas em torno de uma reiteração do voto de 2018 e logo depois de uma série de lembranças sobre declarações e comportamentos estapafúrdios de Jair Bolsonaro.
As respostas podem ter sido afetadas por isso e deram maioria a Haddad. O pouco valor do resultado encontrado se evidencia também por outras respostas que até mostram um Bolsonaro um pouco mais forte do que estava em 2018, e não um pouco mais fraco, como parece.
Como esta, por exemplo: ao pedido de avaliação do Bolsonaro até o momento, depois de oito meses de governo, 29% dos entrevistados lhe deram ótimo e bom; a seguir vem outra pergunta, como o eleitor acha que vai ser o Bolsonaro daqui para a frente, e 45% acharam que será ótimo e bom. São 45% otimistas com relação ao governo Bolsonaro.
Portanto, é preciso ponderar, medir e pesar os dados sobre a suposta vitória de Fernando Haddad sobre Bolsonaro se a eleição de 2018 se repetisse agora. E talvez isso explique a discrição com que o PT está conduzindo a construção da sua campanha. Sem se precipitar para aproveitar esse tipo de brecha deixada por Bolsonaro.
Não sendo a disputa Bolsonaro contra PT, e está claro que não será, onde andam as outras forças políticas que certamente estarão em cena e porque também não aproveitaram o vazio do palco para brilhar?
Na interpretação do cientista político e sociólogo Antonio Lavareda, uma das mais fortes razões seria por estratégia mesmo. Ninguém pode com o candidato que tem o poder, a caneta e a visibilidade, Lavareda cita uma outra pesquisa recente, a da FSB para a “Veja”, única que mediu a disputa em primeiro turno de 2022 e nominou os candidatos.
Bolsonaro aparece com 35% (teve 34% no primeiro turno de 2018), portanto, estaria com seu eleitorado intacto. Haddad conseguiu 17%, menos do que os 21% que teve em 2018. Em seguida estão Ciro Gomes e Luciano Huck, com 11% cada um, João Amoêdo com 5% e João Doria com 3%.
Tirando Bolsonaro e Haddad, pode-se ver o potencial de um grande centro esquerda de 30%. Uma massa de eleitores que, eventualmente, faria uma dessas opções ou outra que vier a ganhar impulso. Talvez, e os exercícios provam isso, o PT fique fora do segundo turno de 2022, diferentemente do que ocorreu em 2018. Por isso a dificuldade em compreender, neste momento, a hipótese de vitória do seu candidato sobre o candidato à reeleição.
Mais uma razão para os candidatos aproveitarem o vácuo e começar a aparecer de uma forma mais efetiva e, no entanto, se esconderam. “Provavelmente esses atores levam em conta o seguinte: o bolsonarismo tem todas as principais armas para assumir a liderança do ponto de vista da visibilidade pública. O presidente tem o controle da agenda do país”, diz Lavareda. Ou seja, seria uma luta desgastante e inglória, por enquanto.
Uma frase do presidente, um Twitter do filho, são manchetes obrigatórias na mídia, e eles abusam da sua condição privilegiada nessa fase atual da campanha da reeleição. É quase impossível disputar com isso. Na desigualdade, só se complicarão, e a hipótese é começarem uma campanha, no ano da eleição, com sentimento de derrota.
A campanha presidencial agora só favorece quem tem visibilidade máxima. As forças políticas adversárias, unidas, devem encontrar momento mais propício para iniciar a corrida a 2022. Que tradicionalmente é o dia seguinte à abertura das urnas de 2020, a eleição para escolha de prefeitos e vereadores.
Só então poderão assumir feições mais nítidas, chamar a atenção para seus projetos de centro-esquerda, lançar os nomes à avaliação preliminar do eleitorado. Por enquanto, e mais uma vez, a realidade se impõe.
Rosângela Bittar: Toffoli governará com o colegiado
Existem várias divisões no STF, se olhar além da Lava-Jato
É como implicar com a modelagem feita por especialistas no cabelo do Neymar: aquelas ondas descoloridas na ponta não lhe tiram um pingo da força do chute, ao contrário, não se pode negar que ficou bonito, além do fato de que os brasileiros gostam de parecer os louros europeus do "football". Não se deve valorizar em demasia o currículo do ministro Antonio Dias Toffoli, o que se faz para depreciá-lo, enfatizando, como se tem feito desde que assumiu uma cadeira do Supremo Tribunal Federal, à exaustão, o fato de ter sido reprovado em dois concursos públicos.
Isso é o passado. O presente é que o ministro está no lugar certo na hora certa: em setembro assumirá a presidência do STF, para onde foi indicado pelo governo, sabatinado pelo Senado e nomeado por Lula. Seu direito de presidir um Poder da República está intacto e, como tal, pode ser o terceiro na linha sucessória do presidente da República.
Toffoli tem se abrigado muito bem no silêncio. Não quer sentar-se na cadeira de presidente do STF antes da hora pois, apesar de ser sua por convenção e estatuto, a liderança da Corte tem que passar por alguns formalismos, como uma eleição com votos dos ministros.
Faltam menos de três meses para assumir o cargo que lhe cabe por rodízio, sendo vice-presidente, mas se recusa a antecipar planos, opiniões, considerações ou mudanças que imprimirá ao funcionamento da Corte. "Vice não fala, vice não opina, vice tem apenas que ter juízo", diz, para recusar entrevista. Discrição que vem administrando há mais de um ano, e bem pois não se ouvem controvérsias em torno de suas opiniões mundanas, fora dos artigos e incisos.
É difícil, mas não foi impossível, reunir fragmentos de conversas prospectivas com colegas e auxiliares em que já deixou antever um pouco mais do que pensa sobre o funcionamento do Supremo.
Assim, se sabe que Toffoli prepara uma mudança de mecanismos e procedimentos que, sendo aparentemente superficiais e meramente administrativos, podem se revelar inovadores.
Gostaria, por exemplo, que o STF funcionasse como um colegiado mesmo, abolindo decisões de cima para baixo, de seu presidente, para tomar caminhos que todos achem adequados.
Isso significa, por exemplo, que não terão mais lugar na Corte os pitos que o ministro Luís Roberto Barroso tem dado aos seus pares, como acabou de fazer no caso de seu voto vencido na questão da condução coercitiva. A pretexto de defender a Lava-Jato, Barroso explicou a decisão da Corte como sendo uma "manifestação simbólica daqueles que são contra o aprofundamento das investigações". Para, em seguida, acrescentar o oposto sobre a mesma decisão: "A condução coercitiva era uma nota de pé de página nesse contexto, portanto não acho que essa mudança seja relevante Acho que foi mais uma manifestação simbólica daqueles que são contra o aprofundamento das investigações", disse durante o seminário "E agora, Brasil?", realizado por "O Globo". E a alfinetada, conclusiva, segundo reportagem de Marcos Grillo e Miguel Caballero: "Essa votação teve só um papel simbólico que, por seis votos a cinco, de certa forma, se enviou uma mensagem de menos apoio a esse processo de transformação do Brasil".
Ou seja, em minoria, desta vez, uma raridade nos últimos tempos, Barroso inconformou-se e desancou a maioria, a seu ver, conservadora.
Com tão notória divisão será um pandemônio a administração da Corte pelo sistema colegiado. O futuro presidente Dias Toffoli, quando precisou definir-se sobre o desequilíbrio entre as duas forças do STF, recusou a existência do racha. Ao responder dias desses sobre de que lado se colocava entre os dois times o ministro driblou a casca de banana. Disse que a divisão não existe.
Isso é culpa da especulação de quem? Da imprensa! A tese de Toffoli é que há quatro anos a imprensa só tem olhos para a Lava-Jato, e só reporta a convicção dos ministros nas decisões sobre a operação de combate à corrupção. Mas existem muitas outras questões, sociais, econômicas, tributárias, em que os grupos se recompõem de forma diferente do que ocorre nos processo da Lava-Jato. Portanto, não existiriam dois blocos monolíticos, mas vários, agregados de uma forma a depender dos processos. Se a análise for do ponto de vista tributário e econômico, então, aí mesmo é que cada votação é diferente da outra. Nesses casos daria para notar não o sal e o açúcar do julgamento politizado, mas decisões com filosofias jurídicas diferentes nos aspectos penal, tributário, econômico.
Há pouco tempo, é o exemplo que vem sendo dado contra a existência da divisão, houve uma votação sobre reforma trabalhista e os aliados incondicionais na Lava-Jato, Edson Fachin e Roberto Barroso, foram cada um para um lado.
Isso quer dizer que é possível a presidência colegiada, uma espécie de Supremo Coletivo. Que seria o modelo adequado para fazer as tarefas básicas que é preciso vencer: decidir a pauta, crucial no STF, dar maior eficiência aos julgamentos e reduzir os estoques de processos.
Caricatura
Todo mundo pode tudo quando resolve, em determinado momento da vida, jogar as convenções para o alto. Mas há sempre um limite para não ficar mal falado, o do bom-senso. A pretexto de transmitir reivindicações da tropa, o general Villas Boas, Comandante do Exército, chamou os candidatos a presidente da República ao seu gabinete para uma entrevista, um lobby ou seja lá o que pretendia dos encontros com os políticos que para lá correram. Representar a corporação e entregar os desejos da soldadesca é a melhor das hipóteses para explicar tal iniciativa. Para doutrinar ou para qualquer outra coisa, é um desses tipos de comportamento que extrapolam esses limites. Se quer camuflar uma reunião com Bolsonaro, que os militares consideravam uma "caricatura" até há pouco tempo e agora estão vendo que é para valer, tendo viabilidade eleitoral, é melhor não procurar desculpa.