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Rogério Furquim Werneck: Não há narrativa crível de aprovação da Previdência

Quem tem de ser assombrado com o espectro de uma reforma pífia é Bolsonaro

Incutir no país o senso de urgência requerido para que a reforma da Previdência seja aprovada tem sido o grande desafio da equipe econômica do governo. E é natural que a campanha de persuasão tenha exigido certo grau de atemorização da opinião pública e do Congresso com as perspectivas desoladoras com que se defrontará o país, caso uma reforma abrangente, com potência fiscal adequada, se mostre, afinal, inviável.

Ao dar força redobrada à campanha conduzida pela equipe econômica do governo anterior, Paulo Guedes vem obrigando o país a fazer uma reflexão incômoda, procrastinada há décadas, sobre a insustentabilidade do quadro fiscal. E é inegável que boa parte da quebra de resistência à reforma adveio da disseminação de uma compreensão mais clara do que poderá ocorrer, caso os gastos previdenciários não possam ser contidos.

A esta altura do jogo, contudo, seria um erro supor que o segredo da viabilização de uma reforma da Previdência com potência fiscal adequada seja nova escalada de atemorização do país com cenários de fiasco da reforma. De um lado, há boas razões para crer que a tática de amedrontamento já tenha passado do ponto. Que seus efeitos colaterais já a tornaram disfuncional. De outro, parece claro que o verdadeiro entrave remanescente à aprovação da reforma não será removido pela aterrorização da opinião pública com os possíveis desdobramentos da não aprovação.

Na sexta-feira passada, o país foi alvoroçado pela divulgação de uma entrevista de Paulo Guedes à revista “Veja”. Tendo alertado que “se não fizermos a reforma, o Brasil pega fogo”, o ministro ameaçou: “Se só eu quero a reforma, vou embora para a casa... pego o avião e vou morar lá fora”. As reações de Bolsonaro não tardaram. De início, em tom defensivo: “Paulo Guedes está no direito dele. Ninguém é obrigado a ficar como ministro meu.” E, em seguida, fazendo coro com Guedes: “Se for uma reforminha ou não tiver reforma, não precisa mais de ministro da Economia, porque o Brasil pode entrar em um caos econômico. Ele vai ter que ir para a praia, vai fazer o que em Brasília?” (O GLOBO, 25/5)

Não se sabe que propósito podem ter tido explicitações tão espalhafatosas da extensão da insegurança do governo com a aprovação da reforma. Certamente não ajudaram a torná-la mais provável. Mas seus efeitos colaterais danosos saltam aos olhos. Ao brandir a iminência do caos, ajudaram a atrofiar ainda mais o que restava do já raquítico crescimento da economia. Levará algum tempo até que se possa entender com clareza por que o círculo virtuoso de recuperação da economia, antevisto no início do ano, se mostrou tão decepcionante. Mas, entre as possíveis explicações, não poderá deixar de constar o efeito deletério da atemorização exagerada do país a que o governo recorreu, para viabilizar a reforma da Previdência. Não tendo conseguido produzir uma narrativa crível de aprovação da reforma, o governo tentou compensar essa falha com uma atemorização desmesurada, que teve impacto devastador sobre decisões de investimento.

E por que o governo não conseguiu produzir uma narrativa crível? Porque não teve como explicar como seria contornado o verdadeiro entrave à aprovação da reforma. A principal dificuldade que vem sendo enfrentada pela reforma não advém mais da falta de senso de urgência da opinião pública e do Congresso e, sim, da gritante incapacidade do governo de mobilizar o vasto apoio parlamentar de centro direita com que poderia contar.

Bolsonaro ainda não conseguiu entender que, no Brasil, presidencialismo de coalizão não é opção. E, sim, a única forma possível de governar o país. É esta falha de entendimento que tem impedido o governo de construir uma narrativa crível de aprovação da reforma da Previdência.

Não adianta tentar compensar essa deficiência com uma escalada de aterrorização da opinião pública, dos investidores e do Congresso. Quem tem de ser assombrado com o espectro de uma reforma pífia é o próprio Bolsonaro. E é melhor que seja atemorizado intramuros. Não em público.


Rogério L. Furquim Werneck: Presidencialismo de improvisação

A argamassa que dará solidez à bancada governista pode ser feita de material perfeitamente publicável

De olho na tramitação da reforma da Previdência no Congresso, o País está em busca de uma métrica que permita aferir, ao fim e ao cabo das votações, o grau de sucesso logrado pelo esforço de aprovação da reforma.

Há quem se pergunte se a reforma será ou não aprovada. Não é a indagação que deveria ser feita. É quase certo que, de uma forma ou de outra, alguma reforma será aprovada. A questão relevante é se a reforma afinal aprovada terá a profundidade e a abrangência requeridas para caracterizar mudança substancial e convincente do regime fiscal que hoje tem o País.

O que está em jogo é em que medida a sociedade brasileira, por meio do Congresso, está de fato disposta a mudar o estado de coisas que nos trouxe ao atoleiro fiscal em que estamos metidos. Mudanças superficiais ou pouco abrangentes não configurarão disposição suficiente para sair do atoleiro.

Isso significa que a métrica requerida para aferir o grau de sucesso do esforço de reforma não pode ser reduzida ao simples valor do impacto fiscal acumulado que a reforma afinal puder propiciar ao longo de um período de dez anos, como passou a ser usual em análises da reforma da Previdência.

Outras dimensões de ordem qualitativa também terão de ser consideradas. Será bom ter em conta, por exemplo, os componentes da proposta original rejeitados pelo Congresso. Uma reforma que deixe os interesses de corporações especialmente poderosas intocados implicará mudança menos convincente do regime fiscal que uma reforma mais abrangente, ainda que de impacto fiscal um pouco menor.

O certo é que, para viabilizar uma reforma da Previdência que possa de fato sinalizar mudança substancial e convincente do atual regime fiscal, o governo terá de conseguir aprovar grande parte da proposta que encaminhou ao Congresso. E a verdade é que, por enquanto, o Planalto ainda parece muito longe de ter garantido o apoio parlamentar que será necessário para aprovar uma reforma desse fôlego. Deixar que a votação no Congresso corra solta não impedirá a aprovação da reforma. Mas redundará numa reforma pífia, muito mais acanhada do que a necessária.

Falta ao governo, antes de mais nada, capacidade de fazer a poderosa máquina política do Planalto operar de forma harmônica e eficaz, não só para dar rumo ao ministério, como para formar e manter uma base parlamentar compatível com o que o Poder Executivo pretende extrair do Congresso.

É difícil que essas deficiências possam ser sanadas sem que a Casa Civil passe a ser tripulada por um político de peso, com trânsito fácil no Congresso e com autonomia e traquejo condizentes com o desafio que terá pela frente.

Falta, também, ao Planalto perceber que, com a fragmentação partidária que hoje se observa no Congresso, o governo só conseguirá formar uma base parlamentar confiável se estiver disposto a restaurar uma forma decente de presidencialismo de coalizão. Bolsonaro precisa entender que a argamassa necessária para dar solidez à bancada governista pode ser feita de material perfeitamente publicável.

Diante da alarmante precariedade da articulação do Planalto com o Congresso, há quem se agarre à autoilusão de que, no esforço de aprovação da reforma da Previdência, a coordenação da coalizão governista poderia ficar a cargo dos presidentes da Câmara e do Senado. Há até quem venha dando alento ao devaneio de que o deputado Rodrigo Maia poderia atuar como uma espécie de “primeiro-ministro”.

Nada mais fantasioso. Sem deixar de reconhecer a importância crucial do papel que, sem nenhuma dúvida, poderá desempenhar na aprovação da reforma, o presidente da Câmara não terá como substituir o Planalto na complexa tarefa de montagem e manutenção de uma base governista confiável.

Em vez de ficar tentado a fazer de conta que o regime é parlamentarista, o governo precisa urgentemente abandonar a improvisação e equipar-se para jogar seriamente o jogo do presidencialismo. E, com o Congresso fragmentado como está, o único jogo possível é o do presidencialismo de coalizão.

*Economista, doutor pela Universidade Harvard, é professor titular do Departamento de Economia da PUC-Rio


Rogério L. Furquim Werneck: Desordem unida

Governo precisa reformatar com urgência sua articulação com o Congresso Nacional

Na semana passada, o País acompanhou atônito a eclosão de ruidosos desentendimentos no seio do que se supunha ser o núcleo duro do governo. O que mais impressiona é como um presidente com formação militar deixou que uma escalada de desavenças palacianas menores escancarasse a tal ponto a cizânia que se estabelecera no Planalto, justo quando se esperava que o governo estivesse cerrando fileiras para enfrentar a grande batalha parlamentar cujo desfecho selará seu destino.

O episódio mostrou que a cúpula do governo continua operando como potente amplificador de crises. E não parece ser só uma questão de incontinência dos irmãos Bolsonaro. A personalidade peculiar do presidente e a desalentadora complacência com que vem tratando as destrambelhadas intromissões dos filhos em questões de Estado são partes cruciais do problema. E, por enquanto, nada indica que tais dificuldades estejam prestes a desaparecer.

No início desta semana, a crise palaciana parecia ter sido superada, com a substituição do titular da Secretaria-Geral da Presidência da República por mais um militar. Mas, já na terça-feira, a divulgação de trocas de mensagens entre Gustavo Bebianno e o presidente voltou dar alento à crise.

Paralisado por desavenças, o Planalto mostra-se alarmantemente despreparado para enfrentar com sucesso a batalha da reforma da Previdência, como bem mostrou a acachapante derrota, de 367 a 57, que sofreu na Câmara há poucos dias. Três semanas após o reinício das atividades do Congresso, o governo parece ter avançado pouco ou nada na montagem de uma base parlamentar respeitável, com as dimensões requeridas para aprovação de uma reforma da Previdência com a abrangência e a profundidade que o Ministério da Economia vem acertadamente contemplando.

Quanto a isso, nota-se gritante descompasso entre, de um lado, a rapidez com que o Ministério da Economia avançou na negociação da proposta de reforma dentro do governo e, de outro, a letargia que vem marcando as articulações políticas que deveriam redundar na construção de uma base governista confiável.

Não há dúvida de que a mobilização do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, com o esforço de aprovação da reforma é um dos maiores trunfos com que conta o governo. Mas será preciso bem mais do que o apoio de Maia para montar uma base aliada que possa dar conforto ao governo na tramitação da reforma. E, para isso, o Planalto terá de se dotar de uma capacidade de articulação política que ainda não tem.

Com a destituição de Bebianno, Onyx Lorenzoni passou a ser o derradeiro civil a ocupar cargo de primeiro escalão no Planalto. Mas parece cada dia mais claro que o ministro-chefe da Casa Civil não tem perfil adequado para dar conta da desafiadora articulação política que se fará necessária para a aprovação da reforma da Previdência.

Na excelente entrevista que concedeu ao Valor na semana passada (14/2), o ex-deputado Roberto Brant, que teve papel destacado na aprovação das reformas previdenciárias dos governos FHC e Lula, lembrou que “o maior adversário da reforma”, na Comissão Especial por ele presidida, em 2003, foi seu colega de partido Onyx Lorenzoni. O precioso depoimento de Brant sobre as dificuldades de tramitação da reforma merece ser lido com atenção tanto no Planalto como no Ministério da Economia.

Diante do atraso na montagem da base aliada, há quem argua que, como a reforma só deverá ser votada na Câmara em meados do ano, o governo ainda tem tempo de sobra. Ledo engano. Para que a reforma não seja mutilada já nas etapas iniciais de tramitação, é fundamental que desde o início sua aprovação pareça factível. O que só ocorrerá se as reais dimensões da base aliada puderem ser nitidamente vislumbradas tão logo quanto possível.

O governo não tem tempo a perder. Precisa encerrar de vez as desavenças internas e reformatar a toque de caixa sua articulação com o Congresso. Terá o Planalto disposição e agilidade para promover a tempo as mudanças que se fazem necessárias?

*Economista, doutor pela Universidade Harvard, é professor titular do Departamento de Economia da PUC-Rio


Rogério Furquim Werneck: A costura da reforma da Previdência

O maior desafio tem sido conceber uma proposta que seja passível de aprovação no Congresso

‘Agora vou mudar minha conduta/ Eu vou pra luta pois eu quero me aprumar”. É como Noel Rosa inicia “Com que roupa?”, uma de suas músicas de maior sucesso, lançada em 1930, que o compositor via como metáfora de “um Brasil de tanga, pobre e maltrapilho”. Talvez por isso, há quem ache que a melodia do primeiro verso evoca a do verso inicial do Hino Nacional.

Passados quase 90 anos, o tema não poderia ser mais atual. Conseguirá o Brasil mudar sua conduta? Será o país capaz de conter sua desastrosa inconsequência fiscal e, afinal, restringir os gastos públicos a limites condizentes com a carga tributária que a sociedade se dispõe a aceitar para financiar os três níveis de governo? Com que proposta de reforma da Previdência o governo pretende deflagrar sua primeira grande batalha pela mudança do insustentável regime fiscal que hoje tem o país?

A concepção e o detalhamento da reforma têm sido uma operação complexa, que vem tendo lugar há vários meses, desde o fim de outubro. Um passo inicial de grande importância foi dado pelo próprio ministro da Economia. Ao se desapegar de ideias preconcebidas e resistir à tentação de reinventar a roda, Paulo Guedes pôde tirar bom proveito de duas décadas de reflexão coletiva que redundaram na proposta de reforma do governo Temer e, mais recentemente, na proposta mais ambiciosa de Arminio Fraga e Paulo Tafner.

Na concepção da reforma, o ministro de Economia se vê obrigado a conciliar ousadia e viabilidade política. De um lado, a reforma tem de ser profunda e abrangente, para que possa fazer diferença no descalabro fiscal que hoje vive o país. De outro, tem de ter passagem, não só no âmbito do Poder Executivo, como no Poder Legislativo, que terá a palavra final sobre as mudanças propostas.

Não tem sido fácil explorar os limites do possível dentro do próprio governo, em cujo núcleo convivem visões muitos distintas sobre o grau de ousadia que deveria pautar a reforma. As recentes declarações desencontradas da cúpula do governo, acerca do teor da proposta de reforma que teria sido preparada pelo ministério da Economia, mostram que a discussão interna ainda não foi encerrada.

O maior desafio, contudo, tem sido conceber uma proposta de reforma que seja passível de aprovação no Congresso. Fragmentado, menos experiente e desprovido de grandes lideranças como agora está. E, quanto a isso, não deve haver ilusões. A resistência mais vigorosa à reforma advirá da enorme influência que o funcionalismo público ainda tem sobre deputados e senadores.

Como já argumentei em artigo publicado neste mesmo espaço há cerca de um ano, tal influência não decorre apenas da preocupação de cada parlamentar com a parcela do seu eleitorado constituída por servidores públicos. Isto pode até explicar o comportamento das bancadas do PT e de outros partidos de esquerda, ou de representantes ostensivos de corporações específicas do funcionalismo, como, por décadas, foi o caso de Jair Bolsonaro, na Câmara.

Pode também explicar o comportamento de parlamentares oriundos de unidades da Federação em que grande parte do eleitorado é composta por funcionários públicos e seus familiares, como é o caso do novo presidente do Senado. Mais da metade dos eleitores de Davi Alcolumbre reside em Macapá, cidade em que o funcionalismo público detém um terço de todos os empregos formais.

Para a maior parte dos parlamentares, contudo, as razões da resistência à reforma parecem ser bem mais simples e diretas. Com frequência, o parlamentar está enredado por complexa teia de interesses de toda uma extensa parentela de funcionários públicos — quase sempre bem posicionados —, tanto em Brasília como nos estados: cônjuge, pais, irmãos, cunhados, filhos, genros, noras, sobrinhos e netos.

Falta ainda um mapeamento mais objetivo das reais proporções desse enredamento que, em boa hora, poderiam ser levantadas pela mídia ou por esforços de pesquisa mais ambiciosos.

Conseguirá o Brasil superar tais resistências e, afinal, começar a mudar sua conduta?


Rogério Furquim Werneck: Atalhos e mágicas

Em meio à grave crise fiscal que vive o país, a perda da receita proveniente de encargos sobre a folha terá de ser compensada

Com o país à espera da proposta de reforma da Previdência que o governo afinal submeterá ao Congresso, a Secretaria Especial da Receita vem adiantando alternativas de reforma tributária com que vem trabalhando. Duas delas causam preocupação.

O governo quer desonerar a folha de pagamentos. Mundo afora, a Previdência Social vem sendo financiada com encargos sobre a folha. Mas o governo está convencido de que são os encargos sobre a folha que vêm preservando a informalidade no mercado de trabalho e entravando a expansão do emprego.

Em meio à grave crise fiscal que vive o país, a perda da receita proveniente de encargos sobre a folha terá de ser compensada. A questão é encontrar fonte alternativa de financiamento numa economia já escandalosamente sobretaxada. Algo mais terá de ser onerado para que a folha seja desonerada. Quem arcará com a tributação compensatória que terá de ser imposta? Não é uma indagação que parece preocupar o governo. O que se aventa em Brasília é recorrer a tributos primitivos, de coleta fácil. Impostos cumulativos, cobrados em cascata, altamente ineficientes e com incidência sabidamente difusa e incerta.

A contribuição patronal sobre a folha seria preferencialmente substituída ou por um imposto de alíquota única incidente sobre faturamento das empresas ou por um “imposto sobre pagamentos, que atingiria todo o fluxo de caixa das empresas”, como esclareceu o secretário especial da Receita (“Valor”, 21/1). Tanto uma alternativa como outra representariam retrocessos lamentáveis, na contramão do esforço de reforma tributária que hoje se faz necessário no país.

Contribuição patronal cobrada sobre faturamento das empresas não chega a ser novidade. Foi introduzida pela inesquecível equipe de Dilma Rousseff, num arranjo de alíquotas fixadas caso a caso, ao sabor da grita e do lobby de cada setor. Implantada inicialmente em setores escolhidos a dedo, teve de ser estendida a muitos outros, sob pressão do Congresso.

A experiência configurou deplorável degradação do sistema tributário, na contracorrente de anos de esforço de eliminação da tributação cumulativa no país. E, não obstante o louvável empenho da equipe econômica do governo Temer, a cobrança de contribuições patronais sobre faturamento não pôde ser completamente eliminada. Subsiste ainda em setores com mais influência no Congresso. É espantoso que volte agora a ser contemplada pelo governo.

Tampouco chega a ser novidade a tributação sobre movimentação financeira, agora disfarçada sob o manto de um “imposto sobre pagamentos, que atingiria todo o fluxo de caixa das empresas”, talvez para escapar da notória ojeriza de Jair Bolsonaro à CPMF, forjada no embate de 2007, quando o Congresso, em boa hora, negou-se a aprovar a prorrogação da cobrança do tributo proposta pelo presidente Lula.

Nunca é demais lembrar, recorrendo a uma conta simples, o que há de errado com a CPMF. Quando deixou de ser cobrada em 2007, com alíquota de 0,38%, a contribuição permitia arrecadar R$ 38 bilhões. Dividindo-se a arrecadação pela alíquota chega-se à fabulosa base fiscal sobre a qual incidia a contribuição. Nada menos do que R$ 10 trilhões. Valor correspondente a quase quatro PIBs da economia brasileira em 2007.

A mágica decorre da incidência em cascata da CPMF, que dá lugar a uma base fiscal fictícia, sem contrapartida econômica real, em contraste com o que ocorre com formas mais civilizadas de tributação, que incidem sobre renda, consumo, valor adicionado, folha de pagamento e riqueza. Uma alíquota “pequena” sobre uma base gigantesca e artificial. O sonho da tributação populista. É inacreditável que, a esta altura, ainda haja quem continue a defender a recriação de tributos sobre movimentação financeira.

São propostas impensadas, que pecam pelo escapismo, ao tentar passar ao largo da complexidade do problema. Não há atalhos e soluções mágicas no duro caminho de racionalização do sistema tributário que o país tem pela frente.


Rogério Furquim Werneck: O governo Temer no retrovisor

Presidente conseguiu recrutar uma equipe econômica altamente respeitada, de excelente nível

Daqui a não mais que um mês, todos os olhos estarão voltados para o novo ocupante do Palácio do Planalto. E o governo Temer estará relegado ao retrovisor.

Levará algum tempo até que o país consiga desenvolver uma visão equilibrada do desempenho de Michel Temer, ao longo dos quase 32 meses em que ocupou a Presidência da República, quatro deles como interino. Mas nada impede que, ainda em meio às intensas controvérsias que Temer continua a despertar, sejam aqui recapitulados fatos essenciais de sua polêmica atuação no Planalto.

Fazendo bom uso da larga experiência que adquirira em três mandatos como presidente da Câmara, Temer logo conseguiu converter a ampla coalizão que respaldara o impeachment de Dilma Rousseff em sólido apoio a seu governo no Congresso. Tendo entregue boa parte dos cargos de primeiro escalão a parlamentares especialmente influentes, viuse posteriormente obrigado a afastar vários deles na esteira de denúncias de corrupção.

Não obstante todos os temores de que lhe seria difícil atrair gente competente que, naquelas circunstâncias, se dispusesse a lidar com o descalabro que lhe deixara a antecessora, Temer conseguiu recrutar uma equipe econômica altamente respeitada, de excelente nível. O que, para o país, fez toda a diferença.

Foi notável a rapidez com que a nova equipe conseguiu restaurar a credibilidade da política econômica. Restabelecido o controle sobre a inflação, taxas de juros puderam ser rapidamente reduzidas, abrindo espaço para a recuperação do nível de atividade que, afinal, pôs fim a três longos anos de recessão.

No front fiscal, anos de descarada contabilidade criativa cederam lugar a um padrão inédito de transparência na gestão das contas públicas, que finalmente revelou, com toda a nitidez que se fazia necessária, a real extensão do atoleiro fiscal em que o país fora metido.

Foi um grande feito da equipe econômica ter convencido o país e os mercados financeiros de que o ajuste fiscal requerido, da ordem de 5% do PIB, poderia ser feito aos poucos, ao longo de vários anos, desde que não houvesse dúvida acerca da determinação de levá-lo adiante.

A reconstrução da Petrobras, o desmantelamento do custoso esquema de concessão de crédito subsidiado que havia sido montado no BNDES, a imposição de um teto constitucional à evolução do gasto público federal e a submissão ao Congresso de um projeto ambicioso de reforma da Previdência ajudaram a dar credibilidade à ideia do ajuste fiscal gradual.

Em meados de maio de 2017, não faltava quem apostasse que o projeto de reforma da Previdência estava prestes a ser aprovado no Congresso. Foi quando sobreveio o deprimente escândalo do porão do Jaburu, que obrigaria Temer a gastar a maior parte do capital político que ainda lhe restava para se manter no cargo. Quando, quase no final de 2017, conseguiu bloquear a última denúncia da Procuradoria-Geral da República no Congresso, constatou que já não tinha mais como arregimentar o apoio requerido para a aprovação da reforma da Previdência.

Na esteira de um longo processo de fragilização, agravado por novas acusações de corrupção, Temer chegou ao final do mandato com níveis inauditos de impopularidade, incapaz de ter influência relevante na eleição do seu sucessor. Mas nada disso empanou o mérito de sua equipe econômica, cuja credibilidade e competência permitiram que o país atravessasse período tão tumultuado com surpreendente estabilidade econômica.

Noticia-se que Jair Bolsonaro está convencido de que “quem ferrou o Brasil foram os economistas”. Já é tempo de quem lhe incutiu essa ideia estapafúrdia dar o dito por não dito e esclarecer que se tratava de uma mistificação. Para começar, pode fazer ver ao presidente eleito quão notável foi o papel desempenhado pelos economistas que participaram do governo Temer. E, desde já, alertá-lo para as dificuldades que terá o novo governo para conseguir tripular a Fazenda e o Banco Central com uma equipe comparável à que agora está prestes a sair de cena em Brasília.


Rogério Furquim Werneck: Desatino tucano

É fácil perceber quão irresponsável foi a decisão do Senado de aprovar aumento salarial dessa proporção ao STF

Não há como subestimar a gravidade da irresponsável decisão do Senado de aprovar a concessão de um aumento salarial de mais de 16% aos ministros do Supremo Tribunal Federal, com o país na alarmante situação fiscal em que está.

O episódio merece atenção por ter deixado mais do que claras as colossais dificuldades que terão de ser superadas para que o esforço de ajuste fiscal que hoje se faz necessário seja levado a bom termo. Não há como ter ilusões. Nem quanto à extensão da inconsequência que ainda permeia boa parte da elite do Legislativo e do Judiciário, nem quanto à voracidade das corporações mais bem aquinhoadas do funcionalismo público.

É preciso não perder de vista as reais proporções da crise fiscal com que se defronta o Brasil. A cada ano, os três níveis de governo vêm extraindo da economia cerca de 33% do PIB em tributos e gastando mais de 40% do PIB. Na esteira do aumento recorrente de endividamento que tal desequilíbrio vem exigindo, a evolução da dívida pública como proporção do PIB tornou-se insustentável. Desarranjo fiscal tão grave vem condenando a economia a um crescimento anêmico e mais de 12 milhões de pessoas, ao desemprego.

Para que esse processo possa ser sustado e revertido, será necessário um esforço de ajuste fiscal de nada menos que 5% do PIB. Algo da ordem de R$ 350 bilhões. Se houver um plano de jogo crível, é perfeitamente possível que o ajuste possa ser feito ao longo de vários anos. Mas, para que isso seja viável, é preciso pôr em marcha um programa abrangente de austeridade fiscal em que cada bilhão fará diferença.

Visto dessa perspectiva, é fácil perceber quão irresponsável foi a decisão do Senado de aprovar um aumento salarial dessa proporção que, computado o efeito cascata, poderá engendrar gastos fiscais adicionais de até R$ 4 bilhões. Sem falar nas dificuldades que a tal prodigalidade trará a qualquer esforço mais amplo de contenção das folhas salariais dos três níveis de governo.

Não foi surpreendente que, em meio ao amadorismo com que a equipe do presidente eleito vem acompanhando a tramitação de matérias de seu interesse no Congresso, a suposta bancada bolsonarista no Senado tenha votado alegremente a favor da medida.

Mas o mais espantoso foi a decisão ter contado com o apoio maciço do PSDB. Dos 12 senadores tucanos, só Fernando Flexa Ribeiro (PA) não estava presente. O único que votou contra foi Ricardo Ferraço (ES) que, lamentavelmente, deverá deixar a Casa em breve, por não ter conseguido se reeleger. Os dez senadores restantes votaram todos a favor do aumento.

Diria um cínico que, entre esses dez, há gente enrascada que, de modo algum, consideraria a possibilidade de fazer qualquer desfeita ao Judiciário. Pode até ser. Mas o que dizer dos votos favoráveis de senadores que não padecem de dificuldades desse tipo, como Tasso Jereissati (CE) e Antonio Anastasia (MG), dois ex-governadores perfeitamente aptos a entender o impacto nefasto que a medida deverá ter sobre as contas da União e, indiretamente, sobre as combalidas finanças dos Estados?

O PSDB não se emenda. Voltou a apoiar pautas-bom bano Congresso. Desta vez, no Senado. O partido precisa entender que, se perder de vez o respeito do seu eleitorado mais ilustrado, não há muito que o futuro possa lhe reservar. É fundamental que se engaje de forma séria e determinada no gigantesco esforço de ajuste fiscal que o país tem pela frente.

Em entrevista concedida em meio à euforia da vitória de Bolsonaro, Paulo Guedes anunciou que pretende “enterrar o modelo social-democrata” (“Exame”, 28/10). É pouco provável que consiga. Mas tudo indica que, na toada em que vai, o PSDB não lhe será um problema. Muito pelo contrário.

Parte importante do partido parece tomada de incontrolável furor adesista, pronta a obliterar qualquer linha divisória que possa separar os tucanos do bolsonarismo, seja lá o que isso signifique ou vieras ignificar. Outra parte, como se viu, parece entregue ao desatino e em modo de autodestruição. Até quando?


Rogério Furquim Werneck: Plantando vento

Programa do PT parece ideário de agremiação nanica. E Bolsonaro preocupa pelo primitivismo de suas ideias

A se julgar pelas intenções de voto, estamos marchando para uma infausta disputa, em segundo turno, entre Jair Bolsonaro e Fernando Haddad, cujo desfecho, seja qual for, dá razões de sobra para temer pelo futuro do país.

Quanto ao PT, é assustador que o partido continue deixando claro que nada aprendeu e nada esqueceu. Apresentou-se à eleição presidencial com um programa econômico completamente irresponsável, na contramão do que precisa ser feito, que mais parece ideário de uma agremiação nanica de oposição do que plataforma de um partido com chance efetiva de ter de governar o país a partir de janeiro.

Rumores de que Haddad estaria pronto a dar o dito por não dito e amenizar aspectos mais alarmantes do programa, talvez até com anúncio de uma equipe econômica supostamente sensata, apenas confirmam a recorrência da surrada artimanha do PT de esticar o discurso populista até o limite do possível, e só abandoná-lo quando passa a ser disfuncional.
O problema é que a insistência nesse velho ardil tem tornado os ditos por não ditos cada vez menos críveis. Ainda mais agora, quando, ao candidato ungido, faltam convicção, estatura, autonomia e ascendência sobre as lideranças do seu próprio partido, para lhes impor a brusca reorientação que se faria necessária no discurso econômico do PT.

Preocupa ainda, e sobretudo, o projeto restauracionista do PT, ao largo de qualquer reconhecimento dos erros que deixaram o partido no centro da Lava-Jato e operações similares. Muito pelo contrário, o que se contempla é um metódico e rancoroso cerceamento dos supostos responsáveis pelas agruras por que teve de passar boa parte da cúpula do PT: mídia, órgãos de controle, Ministério Público e Judiciário. Em entrevista recente ao jornal “El País”, José Dirceu não poderia ter sido mais claro: “...é uma questão de tempo pra gente tomar o poder... que é diferente de ganhar uma eleição.”

Tampouco faltam razões para preocupação com a eleição de Bolsonaro. Do primitivismo de suas ideias à truculência do seu discurso autoritário. Da sua falta de compromisso com a democracia a seu flagrante despreparo para o exercício do cargo de presidente da República.

Para relevar a confessada incapacidade do candidato de juntar três frases que façam um mínimo de sentido sobre qualquer tema relacionado à política econômica, eleitores de Bolsonaro agarram-se à fantasia de que o candidato governará sob a estrita tutela de Paulo Guedes. E apostam no sucesso da catequese que vem sendo feita há meses por Guedes, para extirpar do candidato suas bolorentas convicções clientelistas, nacionalistas e estatizantes e transformá-lo em um paladino do liberalismo econômico.

Os que se esforçam, a todo custo, para acreditar na ideia de que Bolsonaro poderá ser manipulado por Paulo Guedes talvez devam se perguntar se, no precário casamento de conveniência que se estabeleceu entre os dois, o manipulado, por enquanto, não tem sido de fato Guedes, e não Bolsonaro.

Seja como for, caso Bolsonaro seja eleito, não faltará no seu entorno quem queira fazer a cabeça do novo presidente. E as soluções complexas e politicamente custosas contempladas por Guedes logo passarão a enfrentar acirrada concorrência. Como tantas vezes já se viu, ao cabo de outras eleições presidenciais, choverão propostas de remendos, atalhos e soluções fáceis, bem mais condizentes com as ideias equivocadas que o capitão vem acalentando ao longo dos seus 63 anos, e que estão longe de terem sido extirpadas pela catequese de Guedes. Dessa perspectiva, é difícil vislumbrar com clareza o que de fato acabará fazendo Bolsonaro na área econômica. E, quanto a isso, não há autoengano que possa ajudar.

Impermeável a todos esses temores, a maioria do eleitorado, dividida em duas hostes aguerridas, à extrema direita e à extrema esquerda do espectro político, parece firmemente determinada a plantar vento nas urnas de domingo. Sem sombra de preocupação com o que, afinal, poderá ser colhido.

O Brasil não merece tamanha inconsequência.

Leia mais: https://oglobo.globo.com/opiniao/plantando-vento-23127949#ixzz5T9tyPoPw
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Rogério Furquim Werneck: Retrocesso populista

Governo está impotente diante da chantagem imposta à sociedade, pronto a sacrificar avanços na política econômica

Levará algum tempo até que se possa ter compreensão clara do vertiginoso retrocesso por que passou a condução da política econômica no país, em menos de dez dias, a partir da segunda-feira, 21 de maio. Mas na história completa desse desastre não poderá faltar a constatação de que atores políticos importantes já vinham desfraldando bandeiras populistas desde a semana anterior.

Já no início da tarde da sexta-feira, 18, a Agência Estado reportava que o ministro de Minas e Energia, Wellington Moreira Franco, se permitira declarar que era preciso repensar a política de preços de combustíveis. Não foi uma manifestação isolada. Na manhã da segunda-feira, 21, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, cumprindo o que adiantara na véspera pelo Twitter, anunciou, em conjunto com o presidente do Senado, Eunício Oliveira, a criação de uma comissão geral do Congresso para debater “as sucessivas elevações de preços de combustíveis” (Agência Estado). No mesmo dia em que os protestos de caminhoneiros começaram a ganhar corpo país afora.

Tais fatos deixam mais do que claro que, tendo em vista a estreita ligação de Moreira Franco com o Planalto e a patente insegurança do presidente com o Congresso, a equipe econômica e a Petrobras estavam fadadas a entrar totalmente “vendidas” no jogo pesado que teve lugar na semana passada. Sem chance de contar com o respaldo do Planalto.

Quaisquer que possam ter sido suas intenções, ao se dispor a reabrir a caisam xa de Pandora da política de preços de combustíveis, o governo logo perdeu controle da situação. Começou a semana acuado e terminou-a rendido.

Ainda é cedo para se avaliar com nitidez a real extensão do retrocesso populista em curso. Mas uma avaliação preliminar já revela uma perda devastadora de credibilidade da mudança do regime fiscal. A reconstrução da Petrobras, fundada na institucionalização de uma política clara, coerente e duradoura de preços de derivados, era um dos pilares da credibilidade dessa mudança.

Tal política estava bem fundamentada na lógica de formação de preços de bens transacionados internacionalmente em uma economia aberta. Na ideia de que preços internos de derivados devem estar alinhados a preços externos. Exatamente como ocorre com outras commodities, como trigo, soja, alumínio ou celulose. Como derivados podem ser importados ou exportados, esse alinhamento tem a dupla virtude de gerar preços que dão a quem demanda tais produtos noção correta do que sua decisão custa à economia, e de manter o poder de mercado da Petrobras sob controle.

Mas os caminhoneiros estão convencidos de que fazem jus a um subsídio. E o curioso é que querem que o diesel seja subsidiado para que posamenizar as agruras que agora enfrentam, em decorrência de outro programa de subsídio: o generoso financiamento subsidiado de caminhões promovido pelo BNDES, durante o governo passado, por insistência das montadoras. Combinada à recessão, a expansão excessiva da frota deprimiu fretes. E muitos caminhoneiros vêm enfrentando dificuldades para pagar os caminhões que adquiriram a prazo.

Esse problema de excesso de oferta só será resolvido com a retomada do crescimento da economia. Subsídio não é a solução. E torna a retomada mais difícil. Nas atuais condições, o mais provável é que a concorrência acirrada entre os caminhoneiros faça com que o subsídio ao diesel acabe em boa parte repassado aos demandantes de serviços de transporte rodoviário, não obstante a absurda tabela de preços mínimos de frete exigida pelos grevistas.

Seja como for, o que agora se vê é um governo fragilizado, impotente diante da chantagem que foi imposta à sociedade, pronto a sacrificar avanços de grande importância na condução da política econômica, para conceder subsídios indefensáveis, em meio ao alarmante quadro fiscal que enfrenta o país. Subsídios que, só em 2018, deverão montar a cerca de R$ 14 bilhões.

O que ainda não se sabe é que novas pilhagens sofrerão o Tesouro e o país, nos próximos meses, na esteira do sucesso que tiveram os caminhoneiros.

* Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC-Rio