rodrigo pacheco
Gabriela Prioli: Quem ganhar vai perder
Bolsonaro vai sorrir amarelo para o centrão?
Quando seu candidato ganhou a eleição à presidência da Câmara, Bolsonaro perdeu um ponto de sustentação da sua narrativa. E ele sabe disso, por isso a reação de afastamento: "eu apenas fiquei na torcida".
Jair existe na reação porque a sua presidência —ou a sua existência— não tem plano de ação. A estratégia é colocar a culpa nos outros. Foi assim até agora e tem funcionado.
O problema é que Arthur Lira não me parece ter qualidade essencial para que alguém seja considerado aliado do plano egocêntrico do capitão: a disposição para servir de muleta para o presidente. Alguém imagina Lira num vídeo como o de Regina Duarte na sua saída da Secretaria de Cultura? O sorriso amarelo de uma existência que se coloca a serviço do mito? Eu não. Manda quem pode, obedece quem tem juízo.
Isso significa que Lira não poderá fazer concessões aos arroubos e discursos simbólicos de Jair? É claro que não. Fará, desde que a realidade se oriente em direção àquilo que é interesse do centrão. O sorriso amarelo pode se tornar o de Jair.
A pandemia produzirá os seus efeitos agravados pela péssima gestão de um presidente negacionista que boicota até a vacina. Um possível sucesso na pauta dos costumes segura Bolsonaro até a página dois. Se a economia afunda, não há conservadorismo que segure a insatisfação. Quando a hora do descontentamento chegar, o centrão, se lhe parecer conveniente, pode dizer: a culpa não é nossa, é do presidente, que não nos deixou fazer nada. Para isso, claro, precisam apresentar uma nova liderança.
O desafio dos que se contrapõem à agenda de Bolsonaro é compreender o resultado das eleições de 2018 e dos primeiros anos de governo com menos espanto e mais estratégia. Construir um denominador comum. A eleição na Câmara mostrou quantos votos se fazem com a frente ampla que a gente não construiu: um segundo lugar com menos da metade dos votos. Vitória no primeiro turno.
Que fique o recado para pensarmos 2022.
Bruno Boghossian: Ministros do STF veem 'dois anos difíceis' com aliança Bolsonaro-Centrão
Com aliados no Congresso, integrantes do tribunal acreditam que presidente voltará a 'se soltar'
Os sinais emitidos depois do casamento de Jair Bolsonaro com o centrão fizeram com que ministros do Supremo erguessem a guarda. A ala que enxerga o tribunal como um contrapeso necessário aos planos mais audaciosos do presidente prevê “dois anos difíceis”, nas palavras de um deles.
O comportamento de Bolsonaro nos próximos meses vai mostrar de que maneira o governo pretende aproveitar a rede de proteção que foi estendida a seu favor no Congresso. Com a saída de um opositor que lhe impôs alguns freios no comando da Câmara, a expectativa é que o presidente volte “a se soltar”.
No ano passado, Bolsonaro se viu ameaçado por investigações que cercavam seu grupo político e abandonou o espírito conflituoso com o Legislativo e o Judiciário. Agora, um grupo de ministros do STF prevê novos episódios de tensão com o Palácio do Planalto. A diferença é que, em algumas brigas, o centrão deverá ficar ao lado do presidente.
Os choques com o Supremo podem voltar a ocorrer não só nos acenos autoritários e decretos ilegais de Bolsonaro, mas também nas pautas aprovadas em parceria entre o Planalto e o Congresso. Além da agenda das armas e de retrocessos no meio ambiente, integrantes do STF preveem disputas no tribunal em torno de mudanças na Lei da Ficha Limpa e na Lei da Improbidade.
Essa ala do Supremo acredita que Arthur Lira (PP) vá pavimentar boa parte das propostas de Bolsonaro entre os deputados. Já Rodrigo Pacheco (DEM) é visto como um potencial aliado para barrar alguns desses planos, embora o senador também tenha interesses políticos em jogo.
Para alguns desses magistrados, a única barreira de contenção possível teria sido um atropelo à Constituição para autorizar a reeleição de Rodrigo Maia (DEM) na Câmara e Davi Alcolumbre (DEM) no Senado. Vencidos no julgamento, eles dizem que a decisão do tribunal foi um erro que abriu caminho para a permanência de Bolsonaro no poder a partir da próxima eleição.
Míriam Leitão: Festa, mentiras e videotapes
Quem tem 35 prioridades no meio de uma crise desta dimensão não tem nenhuma. Mas foi essa a lista que o presidente Jair Bolsonaro entregou ontem ao Congresso. Quem acha que o importante é o homescholling não tem ideia da tragédia que está acontecendo na educação brasileira, com 47 milhões de estudantes longe das escolas. Quem acha que o importante é liberar armas num país em que há um milhão de civis armados, como este jornal informou, quer alimentar a formação de milícias no Brasil.
Na abertura do ano legislativo, a oposição recebeu o presidente com gritos de “genocida” e “fascista”, e os governistas responderam com “mito, mito”. O presidente Bolsonaro, diante disso, afirmou que foi deputado por 28 anos e nunca desrespeitou as autoridades. Ele disse que fuzilaria Fernando Henrique e exaltou torturadores de Dilma Rousseff. Só para citar duas agressões das muitas com as quais ele cimentou sua notoriedade. No seu discurso, ele falou uma coleção de mentiras. O espaço é curto para listá-las. Falarei de uma. Bolsonaro disse que concedeu mais títulos de terra do que os distribuídos nos 14 anos anteriores. Mentira. A média anterior era três mil títulos distribuídos por ano. A pesquisadora Brenda Brito, do Imazon, conta que em 2019 houve “um apagão fundiário”. Foram apenas seis títulos. No blog, publiquei nota com gráficos. Os dados foram obtidos pela ONG graças à Lei de Acesso à Informação.
Os novos presidentes da Câmara e do Senado, o deputado Arthur Lira (PP-AL) e o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), foram ao Palácio do Planalto ontem cedo e fizeram declaração pelo combate à pandemia e seus efeitos econômicos. A cena pública estava correta, as palavras eram boas, mas era impossível não compará-las com o que fora feito pelo deputado Arthur Lira e outros parlamentares e ministros.
A festa espalha vírus promovida pelos vitoriosos da Câmara dos Deputados, com a presença de dois ministros, foi um ultraje. Organizar esta festa é crer na impunidade. Participar dela, sem máscara, dançando e se aglomerando entre 300 pessoas é uma demonstração de que para esses ministros e parlamentares a vida dos brasileiros não tem valor. A festa em plena pandemia, como escrevi no blog, é um tapa na cara do país.
A primeira urgência na pauta do Congresso é ter um orçamento, porque sem isso alguns serviços essenciais podem entrar em colapso. O Ministério da Economia quer o orçamento aprovado até março. Na lista do Ministério há também a PEC Fiscal e a aprovação de marcos legais. Entre eles, o do petróleo, que permitirá que se possa ter concessão em áreas onde há o modelo de partilha. Os outros marcos são de ferrovias, cabotagem e do setor elétrico.
Nenhum desses é simples. Para se ter ideia, o senador Rodrigo Pacheco prometeu colocar hoje para votar a MP do setor elétrico, antes que ela caduque na semana que vem. Ela reduz os incentivos às novas fontes renováveis, solar, eólica, biomassa, e cria um encargo na conta de luz para financiar a interminável e caríssima Angra 3.
A atenção de Jair Bolsonaro está em outros pontos da sua lista de prioridades. Quer aumento de armas nas mãos dos extremistas que o apoiam e a retenção de crianças e adolescentes em casa, sob o argumento medieval de que só os pais sabem o que deve ser ensinado.
Há momentos no Brasil em que a dúvida é quanto mais podemos piorar. Certamente um passo na decisão da piora aguda é pensar no nome da deputada Bia Kicis (PSL-DF) para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Ela é protagonista de uma série infindável de agressões ao direito, à ciência e à democracia. Propagadora de mentiras. Em plenário, defendeu a intervenção militar em caso de divergência entre poderes, dizendo que este é o sentido do artigo 142. Está sendo investigada por envolvimento em atos que pediam o fechamento do Congresso e do Supremo. Que uma pessoa que proponha rasgar a Constituição seja cogitada para a Comissão que deve zelar pelos princípios constitucionais é uma anomalia que ilustra os tempos atuais.
O senador Rodrigo Pacheco, lembrando JK, falou muito em pacificação. Soa bonito. Juscelino fez alianças com adversários pela frente ampla, mas sabia com quem não deveria buscar a pacificação. Com a ditadura militar, que o cassou e que inspira Bolsonaro.
Merval Pereira: Os caminhos até 22
O presidente Bolsonaro descreve uma rota de escape em sua trajetória política, movendo-se para longe de sua origem, deixando a incoerência como sua marca, o que não chega a ser novidade entre nós. Eleito à Presidência da República em situação radicalizada, identificada pelos cientistas políticos como um ponto fora da curva, tentará a reeleição a bordo de uma coligação partidária comandada pelo “Centrão”, expressão máxima da baixa política que fingiu abominar durante a campanha presidencial.
Quis, sem sucesso, governar prescindindo dos partidos e das instituições democráticas. Perdeu seu primeiro ano de mandato com tentativas golpistas, alimentando uma turba extremista. Conflitos com o Congresso e com o Supremo Tribunal Federal (STF) provocaram crises institucionais, que só abandonou quando a prisão de seu ex-auxiliar, o ex-PM Fabrício Queiroz, pôs em risco seus filhos, especialmente o senador Flávio Bolsonaro, investigado pelas “rachadinhas” quando era deputado estadual.
Buscou cordialidade com o Supremo quando os processos sobre fake news e manobras antidemocráticas chegaram dentro do Palácio do Planalto, no gabinete do ódio. Livrou-se de Sergio Moro, um ministro simbólico de seu pseudo-empenho em combater a corrupção, e foi se blindar justamente no avesso do avesso disso. O Centrão tem a pretensão de domá-lo, para transformá-lo de líder político tosco e autoritário em candidato populista e sensível às necessidades do povo.
Na posse, o novo presidente da Câmara, deputado Arthur Lira, sublinhou a necessidade de auxiliar os necessitados (leia-se auxílio emergencial) e repetiu: “Vacinar, vacinar, vacinar”. Os políticos já sabem que o negacionismo tira votos de Bolsonaro e querem dar-lhe um banho de humanismo. Escancarada a inutilidade dos partidos — só Bolsonaro já esteve em dez deles —, assim como a pandemia escancarou a desigualdade social, ambos fenômenos bem brasileiros, o presidente que só pensa naquilo busca a reeleição com nova roupagem, mas disposto a conservar seus eleitores extremistas.
Uma engenharia política semelhante à de 2018, mas naquela ocasião não havia candidato na centro-direita que fosse competitivo. Bolsonaro engoliu o eleitorado do PSDB no Sudeste e obrigou que os fisiológicos do Centrão aderissem a ele em meio à campanha. O fantasma do petismo uniu diversas correntes em torno de Bolsonaro, e continuará sendo assim caso a centro-esquerda não se organize.
A eleição para as presidências da Câmara e do Senado mostrou que os partidos de centro-direita já estão tomando o caminho da adesão, oficial ou camuflada, ao governo Bolsonaro. A esquerda está dominada pelo petismo, talvez até com Lula na cabeça da chapa, o sonho de consumo de Bolsonaro. Provavelmente Moro será considerado parcial com o voto de minerva do ministro Nunes Marques.
O PSDB parece se desmilinguir, e não é à toa que o ex-presidente Fernando Henrique insiste na candidatura de Luciano Huck. Um grupo de tucanos já abriu conversas com o Cidadania, mas quer que surja daí um novo partido, com outro nome, o que não agrada a Roberto Freire, seu presidente. Rede e Partido Verde já conversam também sobre fusão com o Cidadania, que pode até mesmo receber o deputado federal Rodrigo Maia. Juntamente com ACM Neto, o ex-presidente da Câmara mantinha contato constante com Huck, o que ficou prejudicado pelos recentes movimentos do DEM.
Com o desmantelamento do bloco de centro-esquerda que se tentava formar, com PSDB, DEM e MDB e Cidadania, para lançar Huck, Freire tenta manter a possível candidatura em pé. Huck tem acesso ao eleitorado nordestino, o que lhe coloca à frente de outros candidatos do mesmo grupo, como João Doria. Mas é o que bolsonaristas consideram “adepto de uma agenda identitária de esquerda”, um liberal-progressista que não seria bem aceito pelos liberais-conservadores e conservadores. Pode transformar-se na alternativa à polarização entre PT e Bolsonaro. Mais palatável para eleitores liberais do que Ciro Gomes, que também disputa, desde 2018, esse espectro da centro-esquerda.
William Waack: O que sempre fomos
Depois de tantas mudanças, a política brasileira se parece tanto ao que sempre foi
O que é o governo Bolsonaro dominado pelo Centrão? É a política brasileira como sempre foi nas últimas décadas, a ponto de se duvidar se realmente tivemos uma alternância de poder de esquerda para direita. Talvez a periodização à qual historiadores costumam recorrer indique como último grande divisor de águas na política brasileira o processo de redemocratização do período entre 1985 e 1989 (sim, quatro anos decisivos).
Visto com uma distância de três décadas, o que se iniciou ali foi uma tentativa fracassada de estabelecer no Brasil um estado de bem-estar social aos moldes do sul da Europa, sem que cuidássemos que nossa economia de baixa produtividade e competitividade conseguisse financiar gastos públicos que subiram sempre acima da inflação, não importa qual fosse o governo. O encontro com a verdade chama-se crise fiscal.
Com maior nitidez desde aquele período grupos diversos foram capturando a máquina de Estado – ou ampliaram o domínio já existente (como ocorre com a elite do funcionalismo público, espalhada por autarquias, estatais e Judiciário). A política foi se reduzindo à negociação entre grupos esparsos, com cada vez menos direção central, para acomodar às custas dos cofres públicos interesses setoriais e regionais dos mais variados. Dentro de um ambiente de ideias que o sociólogo Bolívar Lamounier chama de “maçaroca ideológica”.
O “desenho” do nosso sistema de governo, que opõe o vitorioso num plebiscito direto (o presidente da República) a um Legislativo fracionado e de baixa representatividade (mas cheio de prerrogativas), com partidos dominados por caciques, “funcionou” nesses moldes até a quebra dos cofres públicos. A atuação desses “donos do poder” foi muito facilitada pelo fato de os setores privados da economia brasileira não terem sido capazes de desenvolver um “projeto nacional”, uma visão de conjunto que fosse muito além do que sempre foi o “norte” para gerações de empresários e banqueiros: garantir a amizade e a proximidade do rei.
A reforma de Estado ensaiada por FHC foi tímida, assim como as privatizações. O projeto petista do “nacional-desenvolvimentismo” (para dar um rótulo aos 13 anos) era uma obra conjunta com o Centrão, entendido como esse conjunto de forças políticas setoriais, regionais, unidas apenas no intuito de se apoderar de pedaços da máquina pública. Como se constata nos índices, a tal “preocupação pelo social” tão propalada naquele período não alterou fundamentalmente o País em termos de sua desigualdade e misérias relativas.
Ironicamente, a política brasileira parece ter mudado tanto nos últimos quatro anos (desde o impeachment de Dilma) para desaguar no mesmo lugar: no papel essencial dessas forças do Centrão, agora carregando consigo um presidente de escassa capacidade de liderança e que não entendeu onde reside seu poder: na possibilidade de ditar a agenda política, e não na tinta da caneta em suas mãos (que, aliás, encolheu bastante nos últimos dois anos).
Ao celebrar o entendimento político com os dois novos homens do Centrão no comando do Legislativo, Bolsonaro voltou a escancarar o fato de não ter estratégia nem saber o que quer, além de se reeleger. Trinta e cinco prioridades entregues ao Congresso é o mesmo que dizer que não tem nenhuma. Nessa “shopping list”, em parte a pedidos de seu ministro da Economia, estão matérias prometidas desde sempre (como reformas administrativa e tributária, além de privatização de estatais) que não progrediram basicamente pela incapacidade ou falta de interesse político por parte do chefe do Executivo.
É possível que o dia 1.º de fevereiro de 2021, data da oficialização do comando do Centrão nas principais esferas da política, talvez sirva aos historiadores no futuro para marcar o fim de um intenso período nessa linha do tempo, o da onda disruptiva de 2018. É também a data da dissolução da força-tarefa da Lava Jato, sem a qual essa onda é impossível de ser entendida. Talvez os historiadores no futuro considerem que não foi mera coincidência.
Afonso Benites: A receita de Bolsonaro para vencer no Congresso de braços dados com o Centrão
O deputado Arthur Lira e o senador Rodrigo Pacheco são favoritos para ganharem as presidências do Legislativo na próxima segunda-feira. Com popularidade de presidente em queda, mas ainda alta, impeachment fica em segundo plano
Ao custo de quatro ministérios e da liberação de dezenas de bilhões de reais em emendas parlamentares, o presidente Jair Bolsonaro está em vias de ter aliados no comando da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Seus candidatos, respectivamente, Arthur Lira (Progressistas-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG), caminham para serem eleitos para as presidências das duas Casas na próxima segunda-feira, dia 1º de fevereiro. Caso se confirmem essas vitórias, Bolsonaro abraça de vez a velha política que sempre criticou. E exatamente da maneira que prometeu que não o faria, liberando recursos, negociando cargos por apoio. Não é uma vitória menor para um presidente que enfrenta queda de popularidade, ainda que mantenha um patamar alto de apoio. Com ela, Bolsonaro consegue deixar um eventual processo de impeachment em stand by e pode progredir com sua pauta conservadora no Legislativo. Nesse sentido, estão previstos projetos de lei que pretendem ampliar o armamento da população, o avanço da proposta de prisão após condenação em segunda instância e a que vincula as polícias militares à União.
Na Câmara, na tentativa de frear o avanço de Bolsonaro, o principal adversário de Lira na disputa, Baleia Rossi (MDB-SP), usou seu padrinho político, o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para denunciar a compra de votos em troca de emendas parlamentares. Nos últimos dias, Maia tem dado seguidas declarações criticando o Palácio do Planalto. Afirmou que Bolsonaro liberaria 20 bilhões de reais em emendas extraorçamentárias para os parlamentares. E chegou a ligar para o ministro Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, para reclamar da tentativa de interferência do Governo.
“A forma com o Governo quer formar maioria não vai dar certo, porque essas promessas não serão cumpridas em hipótese alguma. Não há espaço fiscal”, reclamou Maia. “Todos estão legitimados para exercer suas funções, nenhum parlamentar pode ser prejudicado por ser a favor ou contra o Governo”.
Outro concorrente ao cargo e que tem chances quase nulas de vencer, o deputado Alexandre Frota (PSDB-SP), reforçou esse avanço do Governo entre os congressistas. “Os deputados estão se vendendo para o Bolsonaro. Claramente trocam votos por cargos, por emendas”, disse ao EL PAÍS. Uma reportagem publicada nesta quinta-feira pelo jornal O Estado de S. Paulo mostrou que, nas últimas semanas, o Governo já abriu a torneira para abastecer prefeituras e governos indicados pelos parlamentares nas emendas extraorçamentárias. Foram 3 bilhões de reais destinados a afilhados de 250 deputados e de 35 senadores.
Com apoio dos partidos de esquerda, Rossi insiste no discurso da independência do Legislativo. A expectativa na Casa é que ele atinja cerca de 200 votos. Para ser eleito são necessários ao menos 257, entre os 513 deputados. Já Lira, conta com aproximadamente 240. Nessa contabilidade, deve haver segundo turno. Há pelo menos outros seis concorrentes ―Frota, Luiza Erundina (PSOL-SP), André Janones (AVANTE-MG), Fábio Ramalho (MDB-MG), Marcel Van Haten (NOVO-RS) e Capitão Augusto (REP-SP).
Além das emendas palacianas, Lira tem dito aos seus eleitores que terá o poder de indicar até quatro ministros, além de seu séquito de assessores. É o que se chama de ministérios com porteiras fechadas onde é possível administrar primeiro, segundo e terceiro escalões. Na conta estariam os ministérios da Saúde, do Turismo e mais dois que ainda estão sendo discutidos. Para acomodar o grupo de Lira, o Centrão, há ainda a possibilidade de se recriar o Ministério da Previdência, que hoje está sob o guarda-chuva da Economia.
“O Lira joga com a máquina do Governo em seu favor, que culminaria até em uma reforma ministerial”, diz o cientista político Leonardo Barreto. Como seu ativo, ainda é apontado o fato de conhecer “a alma dos deputados do baixo clero”, como diz esse especialista, e por ser um “cumpridor de acordos”. “É aquela coisa de fio do bigode. Por isso, o Centrão está hermético com ele”.
Os ventos do Centrão
Em Brasília, o Centrão costuma seguir dois ventos: o da aprovação/rejeição popular e o do dinheiro. Onde houver recursos, lá estará esse grupo. A eleição de Eduardo Cunha (MDB-RJ) e de Rodrigo Maia para a presidência da Câmara, assim como o impeachment de Dilma Rousseff (PT) da Presidência da República tiveram a digital desse grupo fisiológico. Na prática, isso quer dizer que, nas atuais circunstâncias, uma destituição de Bolsonaro dificilmente ocorrerá com Lira no comando da Câmara. Já há ao menos 63 pedidos de impeachment esperando a análise do presidente da Casa. Só haverá uma mudança de rumos se as duas condições primeiras para o Centrão mudem: as promessas ao grupo não seja cumpridas e Bolsonaro sofrer uma desidratação severa de aprovação.
Ainda assim, o termo impeachment voltou ao vocabulário de Brasília, ao menos como instrumento de pressão. Nesta quarta, o vice-presidente Hamilton Mourão afirmou que irá exonerar o chefe da assessoria parlamentar da Vice-Presidência da República, Ricardo Roesch, depois que o site Antagonista revelou que ele trocou mensagens com o chefe de gabinete de um deputado federal sobre articulações no Congresso Nacional para um eventual impedimento de Bolsonaro. É bom estarmos preparados”, diz uma das mensagens. Roesch diz que as mensagens não são suas, mas Mourão não cedeu: “Esse assessor avançou o sinal”.
Na quarta-feira, Bolsonaro admitiu que tinha o objetivo de influir na eleição da Câmara. Disse ainda que Lira seria “o segundo homem na linha hierárquica do Brasil” ―na verdade, é o terceiro e com problemas porque é réu em ações penais, e Bolsonaro pulou justamente o vice Mourão da sua conta. Quando indagado sobre essa afirmação do mandatário, Lira disse que “na presidência da Câmara ninguém influi”. “Se eleito, serei independente, altivo, autônomo e harmônico”, afirmou o parlamentar nesta quinta.
Baleia é classificado como uma pessoa com pouca experiência e que ficou presa a Maia, que demorou a definir o seu candidato. “Em seu favor ele tem apoio de 20 dos 27 governadores que entendem que ele terá mais condições de encaminhar uma reforma tributária que seja benéfica aos Estados”, avalia Barreto.
As diferenças entre eles podem ser vistas nas postagens que fazem nas redes sociais. O discurso de Lira é dirigido aos deputados. “Para simplificar: eu sou o candidato da palavra cumprida e do aperto de mão”, disse em uma mensagem o membro do PP. Enquanto que Baleia fala para o público externo e reforça a necessidade de se desvincular do Planalto. “Quem se incomoda com o protagonismo da Câmara nos últimos tempos, na verdade, deseja um Parlamento de joelhos para o Executivo. Somos diferentes”, afirmou.
Dobradinha Bolsonaro-Alcolumbre
No Senado, a atuação do presidente conta com o apoio e a articulação do atual presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP). O candidato deles, Rodrigo Pacheco, já conta com apoio de mais de 45 dos 81 senadores, o que seria suficiente para garantir a eleição. O número pode ultrapassar os 50 votos. Parte desse suporte ocorreu porque o MDB rachou e abandonou a própria candidata, Simone Tebet (MDB-MS). Neste caso, a cisão ocorreu porque Pacheco e Alcolumbre negociaram com emedebistas um cargo na Mesa Diretora e a presidência de comissões relevantes da Casa, como a de Constituição e Justiça.
Nesta quinta-feira, ela manteve sua candidatura, dizendo que seria uma candidata independente. Reforçou que o jogo atual é muito pesado. E, sem citar nomes afirmou: “Quererem transformar o Senado da República em um apêndice do Executivo”. A imagem de sua entrevista coletiva simbolizava exatamente o momento em que ela vive. Estava sozinha. No dia em que o MDB anunciou que apresentaria o seu nome para a disputa, ela estava cercada de correligionários.
Dois anos atrás, quando abriu mão de ser candidata para apoiar o atual presidente em uma apertada disputa com Renan Calheiros (MDB-AL), Tebet ouviu as seguintes palavras de Alcolumbre da tribuna do Senado: “Se você tivesse vencido em sua bancada, eu não estaria aqui [disputando a presidência]”. No mesmo discurso, disse que ela era “gigante, uma guerreira”. Agora, foi ele quem articulou para derrubá-la.
“Ela é a candidata de um grupo que diz ser diferente e que ajudou a eleger Alcolumbre. Agora, esse grupo está órfão, depois que o atual presidente cedeu aos antigos grupos que sempre comandaram o Senado”, diz o cientista político Leonardo Barreto.
A união Pacheco/Alcolumbre/Bolsonaro conseguiu ainda reunir antagonistas na política nacional. No mesmo barco estão o senador Flávio Bolsonaro (REP-RJ), filho do presidente e investigado pelo esquema de rachadinhas, Ciro Nogueira, o presidente do PP que é investigado por corrupção, e estridentes opositores do Planalto, como senadores do PT, da REDE e do PDT, que volta e meia bradam por impeachment.
Para o líder do PT no Senado, Rogério Carvalho (PT-SE), essa insólita união é pontual, representa um rechaço de seu partido a Simone Tebet e a uma aprovação à garantia que Pacheco teria dado à oposição para ocupar espaços em comissões e ter voz no plenário. “Uma coisa é a política eleitoral daqui para fora. A outra é a que ocorre aqui. Nossas diferenças ideológicas não estão em jogo nesta eleição”, afirmou Carvalho.
Andrea Jubé: O aliado que não falava “javanês”
Rodrigo Pacheco ganhou fama de “não confiável”
Um verso de Chico Buarque dita o ritmo da eleição para as novas Mesas Diretoras da Câmara e do Senado. “Não se afobe não, que nada é pra já”, ensina o compositor na letra de “Futuros amantes”. Vale para a poesia e para a política: um gesto precipitado pode arruinar uma estratégia.
Se a história se repete como tragédia ou farsa, a tendência é que os tabuleiros de cada uma das Casas se aclarem somente no fim de janeiro. No ano passado, a bancada do MDB no Senado se reuniu somente na véspera da eleição para definir o candidato da sigla à sucessão, e por um voto Renan Calheiros (AL) venceu Simone Tebet (MS).
O embate no MDB foi apenas o primeiro lance de uma sequência de jogadas dramáticas que culminaram na vitória de Davi Alcolumbre (DEM-AP), em resultado que só pode ser alcançado na noite do dia 2 de fevereiro, um sábado. No dia da eleição, Alcolumbre sentou-se na cadeira de presidente e passou a conduzir a sessão de votação, ainda sem tornar pública a sua candidatura.
A certa altura daquela sessão, a senadora Kátia Abreu (PP-TO), aliada de Renan, aproximou-se de Alcolumbre e lhe cobrou ao pé do ouvido quando ele se declararia candidato. Em resposta, ouviu que, até aquele momento, com a sessão em curso, seu grupo não havia definido se o candidato seria ele, ou Tasso Jereissati (PSDB-CE).
Somente no dia seguinte, Alcolumbre assumiu que era candidato. Um enredo incrementado por lances cinematográficos, como o roubo da pasta da presidência por Kátia Abreu, as acusações de “usurpador”, a oposição a Renan abrindo os votos, a revelação de 82 cédulas de votação, em um colégio de 81 eleitores.
A recordação desses fatos se impõe para contextualizar a avaliação de senadores experientes de que Alcolumbre se precipitou ao lançar o nome de Rodrigo Pacheco (DEM-MG) para sucedê-lo. “O Senado não é a República do Amapá, não dá pra ele simplesmente tirar um nome do paletó, e tem que ser alguém do DEM para parecer que ele ganhou”, criticou um senador.
Com cinco titulares, o DEM é uma das menores bancadas do Senado. O MDB tem a maior bancada, com 13 integrantes, e contaria com a prerrogativa de indicar o presidente da Casa. Alcolumbre elegeu-se em 2019, egresso de uma bancada reduzida, em circunstâncias muito singulares: surfou na onda bolsonarista de rejeição à “velha política”. Beneficiou-se da revelação dos votos, quando a sessão secreta favoreceria Renan. Para completar, teve o apoio do Planalto, escancarado com a declaração do voto do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ).
Mas a resistência a Rodrigo Pacheco vai além de pertencer ao DEM. “Ele tem um passado esquisito”, diz um senador do grupo de Alcolumbre, que enumera razões para que muitos colegas, principalmente do MDB, rejeitem o apoio ao mineiro.
Quando Pacheco ainda integrava os quadros do MDB, e era presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) na Câmara, designou um relator independente, que recomendou a abertura de processo de impeachment contra o então presidente Michel Temer. Sua situação no MDB ficou insustentável, e Pacheco abrigou-se no DEM em 2018.
Já como senador, Pacheco é acusado de descumprir acordos quando foi relator na CCJ do projeto que pune abuso de autoridade de juízes e procuradores. “Na hora H, ele se tremeu todo e não entregou o relatório combinado”, reclama um colega.
Outro motivo de desconfiança é porque Pacheco é pré-candidato ao governo de Minas Gerais. Alguns colegas receiam que ele use o cargo para fazer “populismo”. A pré-candidatura também pode empurrar o PSD para o colo do MDB, porque o partido quer eleger Alexandre Kalil, prefeito reeleito de Belo Horizonte, governador em 2022.
Por todas essas razões, até mesmo aliados de Alcolumbre acham que ele foi com muita sede ao pote ao tirar o nome de Pacheco da cartola.
Em paralelo, a resistência ao nome do DEM estimulou o movimento do MDB para restabelecer a regra da proporcionalidade no Senado, para que a distribuição dos espaços - a começar pela presidência da Casa - respeite o tamanho das bancadas.
A regra se aplicaria, da mesma forma, à divisão de cargos na Mesa Diretora, nas comissões, e até mesmo na indicação de relatores.
Confiante no resgate dessa regra, o MDB pretende atrair as lideranças das outras grandes bancadas, como Podemos, PSD, PSDB, PP e PT. “Quando se prioriza a regra da proporção, os espaços de cada partido ficam garantidos”, justifica um senador.
Nesse contexto, outras lideranças do Senado, como Flávio Bolsonaro, o presidente do PP, Ciro Nogueira (PI), entre outros, tentam construir nos bastidores uma candidatura de consenso que una o grupo de Alcolumbre e o MDB.
O Planalto não faz oposição a Pacheco, tampouco aos postulantes do MDB, que ganharam o apelido de “os três mosqueteiros”: Eduardo Braga (AM), Eduardo Gomes (TO), e Fernando Bezerra (PE).
Se essa construção for bem sucedida, em movimento que fica para janeiro, o DEM sai perdendo, se o escolhido não for Pacheco, mas não Alcolumbre.
Embora o nome do deputado e presidente do Republicanos, Marcos Pereira (SP), seja lembrado, Alcolumbre é visto por ministros como o melhor perfil para assumir a articulação política no ano que vem, no lugar do general Luiz Eduardo Ramos. “Não quero ser ministro”, disse Pereira à coluna.
Um ministro não palaciano disse à coluna que Davi Alcolumbre tem o melhor perfil para se tornar ministro da Secretaria de Governo. “Alcolumbre não fala javanês, ele fala a língua do presidente”, justificou, alegando que ambos fazem política da mesma forma.
Uma alusão ao conto de Lima Barreto, “O homem que sabia javanês”, de 1911. Na história, o protagonista Castelo, até então desempregado, consegue uma colocação de professor ao fingir que conhecia o idioma da ilha de Java.
Três vezes deputado federal, eleito presidente do Senado no primeiro mandato, com boa relação com Bolsonaro, Alcolumbre é visto em alas do governo, e no Centrão, como alguém que fala “politiquês” melhor que o general.