rodrigo pacheco
Luiz Carlos Azedo: O retrato da (in)governança
“A crise sanitária escancara a incapacidade de o governo pôr em movimento, de forma coordenada e a partir de amplos consensos, as políticas públicas do país”
A foto divulgada pelo presidente Jair Bolsonaro no Twitter, na noite de domingo, com as sete pessoas mais importantes da República –– excluídos o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, e vice-presidente Hamilton Mourão ––, após uma reunião fora da agenda no Palácio da Alvorada, diz muito mais sobre o que se deixa de fazer do que sobre qualquer outra coisa. Embora os assuntos tratados, segundo o post, fossem muito relevantes: vacina, auxílio emergencial, emprego e situação da pandemia. As conclusões da reunião são um mistério.
Quem são as autoridades na foto? Além de Bolsonaro, os generais Braga Neto (Casa Civil), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e Eduardo Pazuello (Saúde), todos sem máscara, a atitude mais negativista possível em relação à pandemia; os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e o ministro da Fazenda, Paulo Guedes, esses com máscaras. Evidentemente, a foto sinaliza força política, os pilares da governabilidade: a união entre os generais do Palácio do Planalto e os chefes do Legislativo, além do homem que toma conta do cofre da União, em torno do presidente da República.
Mais governabilidade, impossível. Entretanto, a foto é o retrato da crise de governança em que o país está sendo lançado. A reunião não apontou um rumo. Muito pelo contrário, a crise sanitária se agrava, a escassez de vacinas retarda a imunização em massa, permanece o impasse sobre a PEC Emergencial, a economia desanda. Não foi à toa que o dia de ontem foi pautado pelas manifestações de governadores e prefeitos cobrando mais responsabilidade do governo federal e do Congresso no enfrentamento da crise sanitária. Na semana passada, como em outras, não era essa a prioridade de Bolsonaro e das principais lideranças do Poder Legislativo.
Há uma grande diferença entre governabilidade e governança. A expressão “governance” é uma invenção do Banco Mundial (Bird), focada na existência de um “Estado eficiente”. É a maneira pela qual o poder é exercido na administração dos recursos sociais e econômicos de um país visando ao desenvolvimento, ou seja, a sua capacidade de planejar, formular e implementar políticas e cumprir funções. Ao formular o conceito, o Bird considerou dois aspectos: o desenvolvimento sustentado, o que inclui equidade social e direitos humanos, e os procedimentos governamentais, entre os quais a articulação público-privada e a participação dos interessados nas decisões.
Pintando meio-fio
A alta burocracia do governo federal foi treinada para operar os dois conceitos, com os quais Bolsonaro não tem intimidade. Demorou para valorizar a governabilidade, que se refere à dimensão estatal do exercício do poder, suas condições sistêmicas, como as relações entre os poderes e a intermediação de interesses. A governança, porém, ainda é como aquele caviar do samba de Barbeirinho e Marcos Diniz, consagrado na voz de Zeca Pagodinho: “Nunca vi, nem comi/ eu só ouço falar”.
A governança não se restringe aos aspectos gerenciais e administrativos do Estado. Refere-se a padrões de articulação e cooperação entre atores sociais e políticos e arranjos institucionais, coordenação e regulação de transações dentro e através das fronteiras do sistema econômico e do mundo social, como o consórcio que prefeitos estão formando para fazer o que o governo não faz: comprar vacinas. A crise sanitária escancara a incapacidade de o governo pôr em movimento, de forma coordenada e a partir de amplos consensos, as políticas públicas do país.
Infelizmente, os generais que comandam o Palácio do Planalto não trabalham com os demais entes federados e a sociedade na base da cooperação e coordenação (como recomenda a moderna doutrina militar). Sob o comando de Bolsonaro, operam de forma prussiana, vertical, hierarquizada, de cima para baixo, como quem manda pintar de branco o meio-fio dos quarteis ou tomar ivermectina e cloroquina contra a covid-19. Além de um centro, essa visão das coisas tem um método: manda quem pode, obedece quem tem juízo. O resultado é que o país está paralisado, sem rumo, como o coelho hipnotizado pela serpente.
Rodrigo Pacheco: 'Tem de mudar a política externa, não dá para manter embate com outros países'
Presidente do Senado não defende a saída de ministro Ernesto Araújo, mas afirma que o Brasil não pode fechar portas. Senador evita confronto com Governo, e avalia que só pode ver responsabilidade do presidente na crise da saúde se houver um processo contra ele
Afonso Benites, El País
Rodrigo Pacheco (Porto Velho, 44 anos) teve uma ascensão meteórica na política. Em seis anos, deixou de atuar como advogado para se eleger deputado federal em 2014, pelo MDB, e senador em 2018, pelo DEM de Minas Gerais. Hoje ocupa a presidência do Senado Federal e do Congresso Nacional, e é o terceiro na linha sucessória do país. Chegou ao cargo com apoio de bolsonaristas e petistas. Em um momento em que o Brasil é marcado por extremismos, Pacheco tenta ser uma voz dissonante. Busca pacificar a relação entre as instituições. E entende que, mesmo diante de um Governo radical, extremista de direita como é o de Jair Bolsonaro, a sua função não é a de buscar pos, mas a “de colocar água na fervura, não colocar mais gasolina”. O novo presidente do Senado tem uma voz grave, na qual mede palavra por palavra. Calcula o peso de cada frase. Se acha que foi mal colocada ou dá margem à interpretação distinta da que queria passar, a refaz rapidamente.
Em entrevista ao EL PAÍS em seu gabinete na última sexta, 26, Pacheco evita a todo momento criticar o Executivo, diz que não analisou nenhum crime de responsabilidade eventualmente cometido por Bolsonaro, apesar de haver mais de 60 pedidos de impeachment contra ele na Câmara, e evita apontar erros do Governo no combate à pandemia de coronavírus. Apesar disso, deixa alguns recados nas entrelinhas, quando diz ter “verdadeira adoração pela divergência”, algo incomum entre as autoridades do Planalto. “É a divergência que nos permite construir soluções adequadas. O ponto de vista único, rígido, engessado, que não ouve quem está ao seu redor, tende a dar errado”, diz Pacheco, cuja prioridade neste momento no Senado são os projetos relacionados à vacina contra covid-19, auxílio emergencial e reformas econômicas.
Pergunta. A gestão Bolsonaro tem demonstrado uma incapacidade no combate à pandemia de coronavírus. Como avalia a atuação do Governo Bolsonaro nessa área?
Resposta. O Governo enfrentou obstáculos, enfrentou dificuldades. O que tenho como proposta é de olhar para frente, estabelecer essa boa relação com o ministro da Saúde, com o qual eu tenho conversado, para poder dar soluções como foi de um projeto que eu apresentei e dá segurança jurídica para a União contratar com laboratórios assumindo cláusulas muito restritivas. E também tentando ajudar nesse cronograma da vacina. O cronograma do ministro Eduardo Pazuello assegura que, até a metade do ano, metade da população brasileira estará vacinada, e a outra metade até o fim deste ano. Então, vamos contribuir para que isso possa acontecer. Nós precisamos muito da vacina e eu tenho confiado no Ministério da Saúde.
P. Levando em conta que no ano passado o Ministério da Saúde abriu mão de contratar 70 milhões de doses da Pfizer dá para confiar nesse prazo de que até o fim do ano todos estarão vacinados?
R. Até onde eu sei, o Governo não abriu mão das vacinas da Pfizer no ano passado. Na negociação com a Pfizer surgiram dificuldades de cláusulas do laboratório que são muito restritivas e gerariam insegurança jurídica.
P. O senhor concorda, de verdade, com esse argumento? Só o Brasil e mais dois países não aceitaram essas cláusulas da Pfizer.
R. Eximir a indústria de eventual problema com a vacina. Isso está escrito no contrato. A opção do Governo federal foi de amadurecer essa relação e identificar um ajuste normativo, que veio através do projeto que apresentei para dar autorização da União para assumir esses riscos da vacina. Eu tenho absoluta convicção que, se as cláusulas da Pfizer fossem parecidas com as demais indústrias, o Governo teria adquirido a vacina dela. O Governo desejava a vacina da Pfizer, como deseja ainda. Mas precisa fazer esses ajustes normativos para garantir a segurança jurídica para isso. É o que estamos buscando adiantar o máximo possível.
P. Muitos dos discursos extremistas refletem no combate à pandemia. Há um desincentivo ao uso de máscaras, de distanciamento social. Na sua visão, como isso impactou na quantidade de casos e mortes por covid-19?
R. A pandemia, na verdade, é algo tão grave e desconhecido que fez com que houvesse reações múltiplas de crenças, de percepções, de impressões. Há pessoas que superestimaram, há pessoas que subestimaram. Há pessoas que obedeceram, outras desobedeceram a ciência e as recomendações médicas. A pandemia trouxe um cipoal de informações diferentes que é muito difícil se ter uma conclusão de que, se houvesse uma posição uniforme de todos, teríamos mais ou menos mortes. É uma reflexão difícil de ser feita. Obviamente esse passado é inesquecível, com esse número de mortos. Considero que esse passado será julgado pelas instâncias judicial, política, moral, mas temos de pensar no futuro. O futuro nos exige um pacto social, um compromisso recíproco de dar solução a esse problema. A solução para a pandemia no Brasil não tem outro nome, é vacina. E [um compromisso de] como nós fazemos para ter vacina em grande escala no Brasil, que eu sei que é a vontade do Ministério da Saúde, do Governo brasileiro, do povo brasileiro e do Congresso Nacional.
P. Empresas privadas devem comprar vacina?
R. Devem, sim. Tenho um projeto (534/2021 aprovado no Senado) que prevê a possibilidade de pessoas jurídicas de direito privado adquirirem vacinas. Contudo, enquanto não houver imunização dos grupos prioritários do programa nacional de imunização, o produto dessa aquisição pela iniciativa privada deve ser integralmente doado ao Sistema Único de Saúde (SUS). É a filantropia, a ajuda do setor privado ao Estado brasileiro.
P. O senhor tem conversado com empresários sobre esse tema. Qual é o retorno?
R. Esse grupo de empresários só quer ter essa autorização para fazer um contrato com a Pfizer e com outras empresas para poder adquirir vacinas e doar para o SUS. É um grande pacto social e nacional dentro desse propósito comum em busca de solução pela vacina. Depois, em um segundo momento, quando estiverem vacinados os grupos prioritários, se pode pensar em uma metodologia para poder comprar e imunizar sua comunidade, sua empresa e doar a metade para o SUS, que é a regra exposta no projeto. E, lá na frente, quando todos estiverem imunizados e eventualmente precisarem renovar doses de vacinas, vai poder se comercializar como toda e qualquer vacina.
Auxílio emergencial
P. No atual cenário, quais são as prioridades para o Senado?
R. Sob o ponto de vista de conceitos, as prioridades são: saúde, desenvolvimento social e crescimento econômico do Brasil. Especificando isso, eu resumiria em vacina, auxílio emergencial e reformas econômicas.
P. A PEC Emergencial, que discute uma série de medidas fiscais, sugere a retirada da Constituição do piso obrigatório de despesas com saúde e educação. Como vê essa sugestão?
R. A ideia de desvinculação não pode ser de pronto demonizada ou criticada como se fosse de tirar dinheiro da saúde e da educação. Não é essa a lógica. Quando se fala de desvinculação se fala da possibilidade do gestor público ter, com conhecimento de sua realidade local, a possibilidade de aplicar recursos a partir das necessidades de sua população. Contudo, nós devemos reconhecer que há um déficit de educação no Brasil muito grave. Também devemos reconhecer que há um déficit de saúde muito grave. De modo que a compreensão e o sentimento que tem sido manifestada por líderes partidários, por senadores, por segmentos da população e por governadores é de que este não seria o momento de se fazer essa desvinculação. Nem sequer de unificar os pisos de saúde e educação, 25% e 15%, para poder ter o remanejamento entre esses dois segmentos. É um ponto que vai ser tratado pelo Senado. O relator, senador Márcio Bittar, ao manter no seu texto, provavelmente será destacado para entender qual é o sentimento da maioria em relação à desvinculação. Há um movimento, neste momento, muito contrário à essa regra.
P. Com a pandemia, e nesse cenário de colapso da saúde, o Congresso já não deveria ter votado a volta do auxílio emergencial?
R. O que ficou ajustado com o ministro da Economia, Paulo Guedes, é que o auxílio emergencial é uma realidade que precisa ser implementada no Brasil. No entanto, havia a necessidade de ter uma responsabilidade fiscal com a votação de proposta de emenda constitucional que está tramitando desde 2019, a PEC Emergencial. Esses são os compromissos recíprocos que nós fizemos. Queremos ter o auxílio, mas queremos ter essa proposta da responsabilidade fiscal, materializada na PEC Emergencial.
Fuga do extremismo
P. Quando, em 2016, votou a favor da abertura do processo de impeachment de Dilma Rousseff, o senhor analisou juridicamente um crime de responsabilidade dela. O senhor não vê nenhum crime de responsabilidade cometido pelo presidente Bolsonaro hoje?
R. Eu examinei um crime de responsabilidade apontado em um processo específico de impeachment já admitido pelo presidente da Câmara dos Deputados, para o qual eu fui instado a apreciar para poder decidir se eu votava a favor do impeachment da Dilma ou contra. Como não existe nenhum processo admitido contra o presidente Bolsonaro, eu nunca examinei a existência ou não de crime de responsabilidade.
P. Mas os equívocos estão à luz do dia. Há pressões de vários setores da sociedade civil para que ele seja responsabilizado. Pelo que o senhor lê, pelo que vê das atitudes do Governo e do presidente no dia a dia, não enxerga nenhum crime?
R. Nós não podemos concluir prática de crime só por uma percepção pessoal ou por ouvir dizer. A conclusão de se há crime ou não, depende da existência de um processo.
P. O senhor foi eleito presidente do Senado com o apoio do presidente Bolsonaro e do PT. Como equacionou esses dois apoios?
R. A Presidência do Senado transcende essas relações políticas eleitorais. Transcende as relações de ideologia. Ela impõe alguém que defenda o Senado, a sua independência, que tenha valores democráticos e eu fiz questão de externar isso como compromisso com todos. A defesa da República e dos seus fundamentos, da soberania nacional, da cidadania, da dignidade da pessoa humana, dos valores do trabalho e da livre iniciativa. Do pluralismo político, do Estado democrático de direito. É fundamental nos dias de hoje, afirmarmos a democracia, a defesa do federalismo, especialmente com foco nos municípios, a defesa da prerrogativas dos parlamentares. Isso fez com que uníssemos divergentes. Tenho verdadeira adoração pela divergência. É a divergência que nos permite construir soluções adequadas. O ponto de vista único, rígido, engessado, que não ouve quem está ao seu redor, tende a ser errado. Esse espírito é o que me faz ter uma boa relação com os senadores, com todos os partidos, com o presidente da República, com o presidente da Câmara, Arthur Lira, com os ministros do Supremo. Tenho de defender o Senado dentro desse espírito de pacificação.
P. Esse discurso moderado, fugindo do extremismo, tem sido raro ultimamente. É possível mantê-lo por muito tempo ainda?
R. É bom que essa fuga dos extremismos seja a regra. Me disseram esses dias: “Mas Rodrigo, você tem de ter mais emoção em sua fala. Tem de externar mais”. É óbvio que por trás disso tem um ser humano com dilemas, angústias, com aflições. Mas o que precisamos neste momento é de racionalidade, de entender o que é melhor e se apegar à técnica, à ciência, aos caminhos de obediência à Constituição para solucionar os problemas. Carregar de emoções essas soluções tende a não dar certo. É o que você está vendo aí, com muita intolerância no Brasil, com muito passionalismo, sempre a pessoa querendo acreditar que ela é a dona da verdade e que o outro está sempre errado. Isso é muito ruim para o Brasil.
P. Os ataques à democracia são constantes no Brasil atual. O senhor acredita que a democracia corre risco? Entende que, diante de tantos ataques, as instituições estão funcionando de verdade?
R. A democracia do Brasil é uma realidade consolidada. A instituições do país estão funcionando e têm suas prerrogativas e autonomias. Há equívocos nas relações eventualmente em se ultrapassar os limites de seu próprio papel, isso se aplica a todos os poderes e temos de remediar também. O poder Judiciário não pode interferir no Legislativo, o Legislativo não pode interferir nas atribuições do Judiciário e o mesmo com o Executivo. Mas isso não significa, absolutamente qualquer risco à democracia. Essa verborragia que existe invocando AI-5, ditadura militar, está no campo das ilações, das manifestações livres ou não, mas não constituem risco concreto à democracia porque essa é uma realidade que não vamos abrir mão.
P. Para ficar claro. O papel a que o senhor se propõe cumprir é o de amenizar as tensões que temos visto nos últimos dois anos. É isso?
R. Sim. É de colocar água na fervura, não colocar mais gasolina. É de pacificar as relações, as instituições, entender que temos um propósito institucional de defender o Parlamento, o que é bom para o país. Nesse sentido, qualquer antecipação de jogo eleitoral atrapalha muito tudo isso. Estou muito mais preocupado com o presente e o futuro imediato de nós termos esse ambiente de construção do que pretende alçar qualquer tipo de voo porque acho que essa discussão é muito ruim para o Brasil agora.
P. Como vê a política externa do Governo Bolsonaro, que vez ou outra tem entrado em alguns confrontos com outros países?
R. Está ruim, né? Tem de mudar porque a política externa nos traz divisas importantes. Não dá para manter embate com outros países. Não dá para fechar portas. Quando digo que tem de mudar, não me refiro a nomes. Não defendo que troque, necessariamente, o ministro Ernesto Araújo. Mas tem de mudar a maneira de se fazer política externa. É preciso deixar claro para não sair a manchete de que eu defendo a troca do ministro.
Arranjos políticos
P. O quanto pesaram os acordos regionais na sua escolha para a Presidência do Senado? Muito se falou que o senhor trocou o apoio do PSD por abrir mão da candidatura ao Governo de Minas Gerais em 2022.
R. A candidatura nasceu primeiro da impossibilidade do presidente Davi Alcolumbre (DEM-AP) ser reeleito. Se ele pudesse ser reeleito, ele teria votos suficientes para ganhar a eleição. Diante disso alguns senadores que foram meus colegas na Câmara dos Deputados sugeriram meu nome ao presidente Davi. Tais como o Marcos Rogério, o Weverton Rocha, o Irajá Filho. Houve manifestações de outros senadores e o presidente Davi refletiu e disse que eu seria o candidato apoiado por ele. E, ao ser apoiado pelo Davi e por esse grupo de senadores, começamos nosso trabalho de conversas com esses partidos. Me lembro que em uma semana, fechamos sete partidos políticos e ali consolidou nossa candidatura.
P. Como entraram os acordos regionais nessa equação?
R. Era muito importante o apoio do PSD, que é uma bancada com muita qualidade, com 11 senadores. Aquela união com o PSD representava não só a união com 11 senadores, mas o apoio de dois senadores do meu Estado. Fechar a bancada de Minas Gerais era uma sinalização muito positiva para a minha campanha também. O apoio dos senadores Carlos Viana e Antonio Anastasia foi fundamental. Junto com o PSD e dos outros partidos consolidou a nossa candidatura. O que eu disse, desde o primeiro instante, era que caso eu fosse eleito, eu não via ambiente para poder disputar uma eleição local, uma eleição em Minas Gerais.
P. Por que não via essa possibilidade de disputar o governo de Minas?
R. Por que sendo presidente do Senado, diante de tantos desafios, tantas questões que precisamos tratar sob o ponto de vista nacional, não gostaria de que nenhuma ação minha como presidente do Senado fosse interpretada como um casuísmo ou oportunismo para ser candidato a governador. Foi isso que aconteceu. Foi mais uma questão de reflexão pessoal, íntima, e que eu externei a todos os sujeitos desse processo, a todos os partidos, que eu considerava incompatível a presidência do Senado com ser candidato a governador. E o PSD tem dois pré-candidatos em Minas Gerais, o senador Carlos Viana e o prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil. Naturalmente essa aproximação com o PSD deve ser considerada no futuro.
Sucessão presidencial
P. Alguns analistas dizem que o senhor, neste começo de mandato, vem se cacifando para concorrer à presidência da República em 2022. O quanto está se movimentando pelo Planalto?
R. Não, não procede isso. A mesma lógica que tem em relação ao Governo do Estado eu tenho a qualquer outra eleição. O meu propósito é ser um presidente do Senado que possa ser solucionador dos problemas do país, com o cumprimento de minha obrigação e não me permito absolutamente conversar sobre eleição de 2022 porque acho que pode atrapalhar o Brasil.
P. Como o senhor vê a criação de uma frente anti-Bolsonaro, pró-democracia? Estaria em uma frente dessa?
R. Neste momento não posso participar de uma frente anti-presidente da República. Meu papel como presidente do Senado impõe um diálogo com o presidente da República. Tenho dito sempre que o Congresso Nacional e o Senado precisam ser colaborativos com o governo federal porque temos problemas muito graves no país. Temos problemas de saúde pública, de déficit social, de déficit educacional e o Congresso não pode ser um instrumento utilizado com um fim político-partidário e eleitoreiro. Meu compromisso como presidente do Senado é estar próximo das instituições, do Governo Federal e encontrar soluções comuns para o país.
P. O que o senhor espera do DEM para 2022? Estará numa chapa com Jair Bolsonaro pela reeleição? Vai lançar seu próprio candidato?
R. Não faço a menor ideia. É um partido importante, hoje bem representativo no Brasil, cresceu muito em todos os aspectos, número de senadores, deputados, prefeitos, capitais, um partido de bons quadros, de bons propósitos e ideias e, obviamente, vai se posicionar em um momento oportuno. Entendo quais são as propostas possíveis e obviamente vamos escolher a que for melhor para o Brasil.
P. Como o senhor avalia a intervenção do presidente Bolsonaro na Petrobras?
R. Eu considero que não se pode superestimar trocas de executivos. Até porque o executivo que substitui o que está sendo retirado pode até ter um perfil melhor que o antecessor. Isso está dentro da esfera de gestão do presidente da República de compreender a disposição dessas peças, dessas figuras, desses agentes dentro do seu Governo. O que temos é de compreender isso como um fato já superado e buscar ter a recuperação da Petrobras como um grande ativo nacional que nós temos.
P. Mas a Petrobras perdeu mais de 100 bilhões de reais em seu valor de mercado após a indicação do general Joaquim Silva e Luna para a presidência. A confiança dos investidores nela não diminui com a intervenção do Bolsonaro?
R. Essa é uma perda que pode ser recuperada com o tempo a partir da credibilidade do novo executivo. A Petrobras é maior que os seus presidentes que passaram e é um ativo que o Brasil tem. Obviamente, ela não será desvalorizada de forma perene. São momentos que se têm oscilação no mercado, especialmente das empresas cotadas em Bolsas. Este é um momento mais crítico, mas logo se recupera. Acredito na recuperação plena da Petrobras porque ela é uma grande empresa.
P. E o fatode o novo presidente ser um militar? Como vê esse ingresso de tantos militares em cargos-chave do Executivo?
R. Temos de reconhecer que nas Forças Armadas há valores humanos muito significativos. Há pessoas altamente preparadas, capacitadas, bem formadas, com experiência de vida e que podem e devem ser aproveitadas em postos estratégicos para poder dar a inteligência devida àquelas posições. É natural que o presidente da República, nessas posições de confiança, possa lançar mão daqueles com os quais ele conviveu ao longo da sua vida privada, profissional e pública. Eu, talvez se estivesse na posição do presidente, faria o mesmo, não em relação aos militares, mas a membros de carreira jurídica, advogados, juízes, promotores, delegados com os quais eu convivi ao longo de minha vida e descobri valores de inteligência, de decência, de patriotismo, que podem ocupar essas posições. Vejo com normalidade até porque o presidente é um ex-militar, tem essa convivência com as Forças Armadas.
Imunidade parlamentar e Chico Rodrigues
P. A Câmara começou a analisar a PEC da Imunidade Parlamentar na última semana. O que espera desse projeto no Senado? É a favor das alterações que estavam sendo propostas?
R. Teve muita reação. Prefiro aguardar o texto final da Câmara para me manifestar a respeito disso. Sei que a intenção da Câmara é estabelecer a clareza sobre as prerrogativas dos parlamentares evitando que haja decisões injustas. Vamos avaliar assim que chegar ao Senado Federal. Não tenho como antecipar nenhum juízo de valor sobre o projeto sem que haja assimilação pelo Senado do que representa esse projeto. Num momento oportuno vamos colocá-lo em pauta, caso ele chegue.
P. Pretende dar celeridade a esse tema?
R. Tenho buscado dar celeridade a todos os projetos, especialmente a esses projetos que despertam o interesse social, o interesse da Câmara. Se a Câmara imprimir uma urgência tenho de levar isso em conta também no Senado.
P. O senador Chico Rodrigues, flagrado em uma operação policial com dinheiro na cueca, tem um processo no conselho de ética aberto, aguardando análise de sua conduta. O senhor já determinou a abertura do Conselho para essa análise?
R. Estamos sob a égide no Senado, em função da pandemia, do funcionamento remoto da Casa. Eu pretendo voltar as comissões permanentes da Casa também pelo sistema semipresencial. Pretendo, logo após experimentando as comissões permanentes, evoluir para os demais órgãos, inclusive, o Conselho de Ética. A nossa pretensão é que todos os órgãos do Senado funcionem em sua plenitude, mas precisamos respeitar as regras sanitárias. O Conselho de Ética tem uma peculiaridade, pela natureza dos temas ali tratados, é recomendável que a reunião seja presencial. Estamos confiando muito na imunização do Brasil, da volta da normalidade, e com toda tranquilidade teremos o funcionamento do Conselho de Ética para permitir que os fatos sejam apurados. E aqueles senadores que tenham representações contra si possam se defender e demonstrar suas razões nesses processos até para dirimir qualquer tipo de dúvida.
P. A partir de quando o Conselho de Ética funcionaria?
R. Vai depender das possibilidades técnicas do Senado de adequar o funcionamento dessas comissões à realidade de pandemia que impõe esse distanciamento ainda. Mas estamos muito atentos e, no decorrer dos próximos dias, meses podemos reavaliar a retomada da plenitude do Senado.
Já está no ar edição 28 da Revista Política Democrática Online
Edição de fevereiro destaca entrevista com o ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga. Reportagem especial analisa como os impactos da pandemia aprofundam as desigualdades no Brasil
Já está no ar a edição 28 da Revista Política Democrática Online. Armínio Fraga é o entrevistado especial desta edição, que teve a participação de Raul Jungmann e Caetano Araújo como entrevistadores.
Clique para acessar a edição 28 da Revista Política Democrática Online
Nesta edição você também pode conferir a reportagem especial escrita pelo jornalista Eumano Silva, que faz uma análise de como os impactos da pandemia aprofundam as desigualdades no Brasil, com as incertezas aumentadas pelo fim do auxílio emergencial e as falhas na vacinação da população brasileira pelo Ministério da Saúde do Governo Bolsonaro.
A RPD 28 traz, ainda, artigos dos articulistas Mauro Oddo Nogueira, Ivan Accioly, Lilia Lustosa, Henrique Brandão, Nelson Tavares, Dora Kaufman, José Gomes Temporão, Luiz Antonio Santini, Dawisson Belém Lopes e André Amado, além da charge de JCaesar. Confira, também, o editorial da Revista Política Democrática Online.
Leia também:
Confira aqui todas as edições da revista Política Democrática Online
RPD || Reportagem Especial: Uma cicatriz no mercado de trabalho
O impacto da pandemia atinge empregos, expõe as deficiências nas escolas e aprofunda as desigualdades no Brasil. Fim do Auxílio Emergencial e demora das vacinas aumentam as incertezas no país
Por Eumano Silva
Janeiro de 2021 chegou de forma trágica para o Brasil. O número de vítimas da pandemia de covid-19 deu um grande salto, depois das aglomerações de fim de ano, e do surgimento de uma nova cepa do coronavírus, em Manaus. Assim, os índices da catástrofe sanitária voltaram ao patamar dos piores dias de 2020. O colapso em unidades do sistema de saúde, os desacertos do governo federal e a demora na aplicação das vacinas contribuíram para o rebaixamento das perspectivas de uma recuperação consistente da economia do país.
O fim do Auxílio Emergencial no primeiro mês joga mais uma sombra sobre as expectativas para 2021. As restrições decorrentes das medidas contra o avanço do vírus acentuam as dificuldades de acesso ao mercado de trabalho, com especial repercussão nos segmentos com menor grau de instrução ou sem capacitação tecnológica. “Vivemos uma era de desigualdades e com muitas incertezas”, definiu o especialista em políticas sociais Marcelo Neri, economista da Fundação Getúlio Vargas (FGV), em entrevista à Política Democrática.
Em consequência do impacto causado pela pandemia, o desemprego atinge e ameaça, sobretudo, os setores tradicionalmente marginalizados pelas atividades remuneradas formais. Esse fenômeno está ligado a aspectos estruturais como raça, gênero, faixa etária, diferenças regionais, acesso à tecnologia e à educação. Incide com maior rigor sobre negros, pardos, mulheres, jovens e nordestinos, observa Neri.
Por causa da Covid-19, as diferenças entre as escolas tornaram mais extensa a distância entre os pobres e os mais favorecidos. O acesso à tecnologia para aulas on-line, e o número de horas dedicadas ao aprendizado tiveram considerável variação, por exemplo, entre as escolas públicas e privadas. O professor da FGV aponta a interrupção de um período de 40 anos de redução dessa lacuna social. “Antes da pandemia, o Brasil estava rompendo o atraso. Isso se quebra e surge uma cicatriz no mercado de trabalho”, afirmou o economista.
Dados atualizados
Essas faixas mais vulneráveis da população atravessaram o primeiro ano da pandemia com a proteção do Auxílio Emergencial. Mais de 60 milhões de pessoas receberam a ajuda aprovada pelo Congresso Nacional para amparar as famílias e a economia do país.
Dados oficiais atualizados, em 2021, revelam a dimensão da calamidade no mercado de trabalho. Antes das restrições decorrentes da pandemia, no trimestre encerrado em março do ano passado, o índice de desemprego medido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estava em 12,2%. Entre setembro e novembro de 2020, a taxa chegou a 14,1%, pouco abaixo dos 14,3% divulgados no mês anterior. Foi a segunda queda, depois do pico de 14,6% registrado em julho.
Os números fazem parte da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD), do IBGE, divulgada no dia 28 de janeiro. O indicador manteve o número de brasileiros à procura de trabalho, acima do patamar de 14 milhões. Chega-se a um contingente de 32,2 milhões de pessoas subutilizadas no país quando se leva em conta os subocupados, os que desistiram de procurar trabalho e as pessoas que por alguma razão estão impedidas de exercer atividades laborais.
Também no dia 28 de janeiro, o Ministério da Economia informou que em 2020 o Brasil abriu 142.690 novas vagas com carteira assinada, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED). Apesar do aumento de postos criados ao longo do ano, a tendência se inverteu em dezembro, com déficit de 67.906 na relação entre contratações e demissões.
O resultado anual positivo se deve, principalmente, ao socorro do governo. Como o Auxílio Emergencial acabou em janeiro, a pressão por empregos tende a aumentar ao longo do semestre. Simultaneamente, o Congresso Nacional discute formas de compensar o fim da ajuda oficial.
A implementação de novas medidas depende, entretanto, da negociação dos interesses do governo e dos parlamentares em um ambiente de reacomodação dos grupos internos, deslocados com os movimentos provocados pela sucessão nas Mesas Diretoras da Câmara e do Senado.
Desde meados de 2020, especialistas alertam para a deterioração do mercado de trabalho – formal e informal – em decorrência da Covid-19. Um estudo publicado em setembro de 2020, pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), apresentou os primeiros efeitos da doença nos empregos. Assinado pelos pesquisadores Sandro Sacchet de Carvalho e Mauro Oddo Nogueira, o artigo “O trabalho precário e a pandemia: os grupos de risco na economia do trabalho” usou números coletados até julho de 2020. O estudo identificou perda na “segurança laboral” tanto no setor informal quanto no formal.
Renda interrompida
Ex-funcionária de um hotel em Brasília, Sandra Maria Rodrigues da Silva, 47 anos, enquadra-se no perfil dos que deixaram a formalidade. Trabalhava em um hotel, com carteira assinada, e tinha salário de R$ 1.400,00. Demitida no início da pandemia, teve a vida familiar abalada pela interrupção da renda. Com seis filhos para sustentar, passou por dificuldades e chegou a faltar comida em casa.
Sandra recebeu seguro-desemprego e não obteve o Auxílio Emergencial. Para suprir as necessidades, passou a fazer e vender bolos e marmitas. Também trabalha com faxina. “Não trabalho todos os dias, mas dá para manter as coisas”, afirmou a trabalhadora à reportagem. Nos últimos meses distribuiu currículo, no entanto, não teve retorno. Afrodescendente, Sandra não sente discriminação por causa da sua cor. Mas nota mais dificuldade em encontrar um novo emprego por causa da idade.
A reportagem procurou Oddo Nogueira, um dos autores do trabalho do Ipea, para analisar os dados atualizados do CAGED e da PNAD em comparação com as percepções registradas no artigo do ano passado. “O cenário está melhor por causa do Auxílio Emergencial, que segurou a demanda. As pessoas continuaram comprando, comendo, teve uma sobrevida, especialmente, das pequenas empresas”, avaliou o técnico do Ipea.
A concessão do benefício pelo governo permitiu a abertura de lojas em espaços fechados no início da pandemia e, com isso, reduziu a procura por vagas. “Se o auxílio não for prorrogado, vai ser outra pancada, fecha tudo de novo”, explicou Oddo Nogueira.
Mesmo com todo o impacto positivo, o alívio proporcionado pela verba federal foi insuficiente para derrubar a alta taxa de desemprego, mantida acima de 14%. Oddo Nogueira ressalta, ainda, que esse indicador não inclui cerca de 4 milhões de pessoas afetadas por um fenômeno chamado, pelos economistas, de “desalento imediato” – quando o trabalhador perde o emprego e não toma a iniciativa de procurar outro.
Industrialização e qualificação, males antigos do mercado de trabalho brasileiro
Ao mesmo tempo que sente o peso da pandemia, o mercado de trabalho, no Brasil, sofre de males antigos, como a falta de qualificação das empresas e dos empregados. Isso se verifica fortemente em função da desindustrialização do país, observa o Sociólogo Glauco Arbix, Coordenador do Observatório da Inovação da Universidade de São Paulo (USP). Nestas circunstâncias, prevê, haverá uma queda brutal da participação na renda dos trabalhadores do meio e da base da pirâmide.
“Vamos ter um Brasil com desigualdade, no mercado de trabalho, cada vez maior. Isso é um problema da estrutura da economia que é difícil resolver”, afirmou Arbix em entrevista publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, no dia 17 de janeiro. “Pode-se tentar resolver com sistema de educação e qualificação e, com isso, oferecer oportunidades, mas não há garantias de que esse pessoal vai encontrar uma posição melhor”, acrescentou.
Na análise do sociólogo, o Brasil passa por um fenômeno chamado pelos economistas de “desindustrialização prematura”, um processo rápido e intenso de mudança no setor. “Europa e EUA demoraram muito tempo para ter a transferência da manufatura para a área de serviços. Aqui, ela ocorre rapidamente, não há condições boas para requalificar empresas e trabalhadores e cria-se uma economia disfuncional. Parte das empresas e dos trabalhadores é qualificada; outra, não”, explicou o professor da USP.
As mudanças provocadas pelo isolamento social prejudicaram algumas áreas de forma mais dramática, caso da educação. Psicopedagoga e Professora de Língua Portuguesa, Jordana de Souza Rodrigues, 36 anos, foi demitida em julho de uma escola particular de ensino fundamental, no Distrito Federal. A queda na receita levou a empresa a reduzir as despesas com o quadro docente.
Com sete anos de empresa, Jordana teve uma carreira estável até a demissão no ano passado. Começou a trabalhar em sala de aula aos 21 anos, qualificou-se, trocou de emprego algumas vezes e, assim, obteve ganhos nos salários e melhores condições para lecionar. Ganhava R$ 3.500,00 na última escola, onde chegou sete anos antes. No início da pandemia, assim como os colegas, teve o salário reduzido. “Eu me dedicava ao máximo, gravava as aulas em casa, com dificuldade. Depois de dois meses voltaram com nosso salário normal e, logo, demitiram todo mundo”, conta a professora.
Jordana recebeu seguro-desemprego, mas o benefício acabou. O marido mantém a casa, enquanto ela aguarda o chamado para uma vaga de secretária escolar, o prazo de validade vai até o final de 2022. Também fez algumas entrevistas em escolas privadas, mas percebe a retração do mercado, ocupado por novos contratados. “Aguardo o dia de amanhã, esperando o que Deus proverá”, conforma-se.
Incógnitas afetam o destino de milhões de brasileiros
Dúvidas quanto ao futuro dos empregos, como ao da professora do Distrito Federal, inquietam habitantes do mundo todo, nestes tempos de pandemia. No Brasil, em particular, o horizonte da economia depende, em grande parte, do desempenho dos governos no enfrentamento do coronavírus.
Nesse sentido, como tratado acima, a pressão sobre os postos de trabalho está diretamente atrelada a alguns fatores ainda indefinidos. São incógnitas que, quando resolvidas, terão influência decisiva no destino de dezenas de milhões de brasileiros.
Uma das condicionantes é o Auxílio Emergencial. Se a ajuda oficial for prorrogada, segura, pelo menos em parte, a demanda por postos de trabalho, como ocorreu no ano passado. No início de fevereiro, o ministro da Economia, Paulo Guedes, declarou a intenção de retomar o benefício para cerca de 30 milhões de pessoas, metade do número alcançado em 2020. A possiblidade de postergação de regras de flexibilização dos contratos de trabalho também vai influir na capacidade das empresas de preservar o quadro de pessoal.
Por fim, todas as expectativas se voltam para a capacidade do Brasil de assegurar a imunização da população em ritmo mais célere. O país entrou atrasado na corrida por vacinas e, com isso, distanciou-se das nações desenvolvidas – condição que prejudica o reerguimento da economia nacional e, por causar impactos distintos na sociedade, aprofunda as desigualdades internas.
Quadro sem precedentes
Um relatório divulgado em janeiro pela Oxfam, entidade que reúne organizações governamentais de diferentes regiões do planeta, constata que a pandemia provocou aumento da desigualdade em praticamente todos os países do mundo – situação sem precedentes desde o início dos registros, há um século.
O agravamento do quadro se manifesta na rápida recuperação das fortunas perdidas por milionários no início da propagação da Covid-19, ao passo que entre os mais pobres o retorno à condição anterior pode levar mais de uma década. “A crise expôs nossa fragilidade coletiva e a incapacidade de nossa economia profundamente desigual trabalhar para todos. No entanto, também nos mostrou a importância vital da ação governamental para proteger nossa saúde e meios de subsistência”, afirma o documento da Oxfam.
No Brasil, como sabemos, estes sintomas são antigos e persistem na terceira década do século. A pandemia apenas tornou a injustiça mais evidente.
RPD || Entrevista Especial - Arminio Fraga: ‘O Brasil está dando um mergulho no passado e sem liderança’
Por Raul Jungmann e Caetano Araújo
Defensor do auxílio emergencial desde o início da pandemia diante de uma situação que não é típica do ciclo econômico, Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central (1999-2003) durante o segundo mandato do Governo FHC é o entrevistado especial desta 28ª edição da Revista Política Democrática Online. Para 2021, o sócio fundador da Gávea Investimentos e um dos mais notórios economistas liberais do país avalia que um novo auxílio seja necessário para ajudar a sustentar a economia. "Há consenso a esse respeito, mas o governo enfrenta limites na sua capacidade de financiamento. Terá de ser, portanto, muito bem pensado", acredita.
Armínio Fraga também faz um alerta sobre a ideia de que o governo brasileiro vai continuar se endividando, na expectativa de que isso vai gerar um futuro melhor. “É um perigo monumental”, completa. Para ele, o governo Bolsonaro não está discutindo os problemas centrais da economia brasileiro. "Nossa taxa de investimento em torno 15%, 16% do PIB é muito baixa para sustentar o crescimento. Espelha enorme incerteza", acredita. Associado fundador do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (Ieps), Fraga também considera a derrota de Trump como muito importante para o Brasil e o mundo. "Se o Biden for na direção de Clinton, de Obama, será um espetáculo", avalia. Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista à RPD Online.
Revista Política Democrática Online (RPD): Alguns analistas avaliam que, a partir de suas declarações e artigos mais recentes, você poderia considerado como uma ponte autorizada entre os setores liberais e a esquerda democrática. O que pensa a respeito?
Armínio Fraga (AF): É mais uma torcida do que uma análise. Eu vejo a necessidade de esquecer um pouco os rótulos e pensar nas propostas concretas. Estou convencido – e não digo que seja um teorema – da ideia de que no Brasil, como em muitos outros países, alguns grandes temas têm que andar juntos, eles se reforçam. Na economia são três. Macroeconomia saudável, para organizar um pouco a casa e impedir que haja uma crise a cada cinco, 10 anos. No plano do crescimento, importa cuidar da produtividade para o país crescer. Há décadas que crescemos muito pouco. Houve momentos de luz, mas sempre mais do que compensados por trevas, colapsos, uma desgraça.
Outro ponto não menos importante refere-se ao tema da desigualdade, que, embora não seja monopólio da esquerda, é sua essência. É fundamental olhar para a desigualdade de uma maneira ampla, completa. A pobreza é inaceitável, mas nós temos que ir muito além do combate à pobreza extrema. Temos que criar condições para que as pessoas tenham capacidade de se empregar, ter sua renda, seu espaço, portanto, de oportunidade e mobilidade, e por aí vai. Essa agenda, a meu ver, é de fato uma combinação liberal, social, que não difere muito da agenda do Fernando Henrique Cardoso, tampouco da do Lula em seu primeiro mandato. Naquele momento, parecia que o Brasil político fosse oscilar dentro de um espaço pequeno, um pêndulo que não se tornaria uma bola de demolição, como acho que acabou acontecendo.
Eu me vejo nessa posição. Não sou político, não tenho ambições eleitorais, mas tenho, sim, participado do debate público. Como me dão espaço, procuro aproveitar. E essa ponte, a meu ver, precisa ocorrer mais para o centro, algo mais equilibrado, e não essa loucura que temos hoje, de costumes e ameaças autoritárias, de comportamento truculento, nem tampouco de uma esquerda velha, sonho compreensível, mas que avalio nunca ter dado certo. Menos ainda uma esquerda, entre aspas, que produziu o bolsa-empresário de sete pontos do PIB, quando o Bolsa Família consome meio ponto do PIB. Isso não é esquerda, nem sei muito bem o que era. Embarcou-se numa canoa furada, abraçaram ideias equivocadas e, infelizmente, também a corrupção e tudo mais. Então, se é esse espaço de ponte que querem me atribuir, fico muito feliz, é onde eu gostaria de estar mesmo.
RPD: Você não estaria apostando muito na convicção das pessoas, na capacidade de elas reagirem da maneira descrita? Não faltaria um orquestrador, uma liderança que lhes abrisse o caminho e as conduzisse na aproximação entre o liberalismo e a esquerda?
AF: Não vejo o que eu faço como sendo uma tentativa política completa, sou apenas uma pessoa que disputa um espaço de opinião. Trata-se de uma tese a ser construída, o que será, em muitos aspectos, difícil. O lado liberal não é muito intuitivo, isso já vem desde Adam Smith. São receitas que, às vezes, levam as pessoas a se sentirem desprotegidas. Penso, assim, que caberia uma campanha de informação, mas isso me faria sair um pouco do meu quadrado.
Há muito tempo venho tentando entender a narrativa da história, por assim dizer. Tentei quando estive no governo. Depois, prossegui conversando com muita gente, inclusive com o próprio presidente Fernando Henrique. Mas como se faz, por exemplo, para lograr vencer o populismo? Muito difícil. Com meu chapéu de economista, diria que é quase impossível. Um dia, ele pode quebrar, mas, até lá, é imbatível, prometendo mundos e fundos, ninguém fazendo contas, ninguém entendendo coisa alguma e, num belo dia, quebramos de novo. Esse é um desafio político de primeira ordem.
Muito francamente, penso que acabaremos reinventando a socialdemocracia. Adaptada às coisas ao século 21. Ótimo: meio ambiente e tecnologia. Eu, por exemplo, sou bem verde. Mas acho que precisamos mais de ideias do que liderança. O Brasil tem de repensar o espaço partidário. Os partidos e suas siglas de hoje não valem nada. Escrevi recentemente na Folha artigo em que mencionei esse ponto. Precisamos evoluir nessa área. Entendo que o número de partidos tende a cair com as cláusulas de barreira e a proibição das coligações, mas, além de uma redução no número de partidos, acho que falta clareza programática, ideológica. Não é suficiente fazer, por exemplo, como tenta fazer o partido Novo que declarou “nós queremos honestidade e eficiência”. Todo partido deveria defender honestidade e eficiência. Falta ir muito mais longe. É necessário mais do que uma pessoa, embora isso sempre ajude. No mundo de redes e de comunicação direta com o eleitorado, o peso da candidata ou do candidato numa eleição presidencial é altamente relevante. Mas, se isso vier sem uma estrutura de valores, de propostas, inclusive no plano partidário, ainda que seja alguma coligação, desde que construída em cima de ideias, temo que o Brasil seguirá patinando.
RPD: Para a retomada do crescimento, o auxílio emergencial poderá ajudar? Qual é o dever de casa que o Guedes deve seguir?
AF: Guedes se define como um liberal. Ao tomar posse, disse que era um liberal político também, um defensor da democracia. Nada disso se revelou evidente. Há que se distinguir crescimento, que, para mim é algo mais sustentado, de recuperação, esta, mais cíclica, de curto prazo, basicamente o que ocorre na esteira de uma recessão, do que já tivemos dois exemplos gigantes nos últimos sete anos. Na primeira, a recuperação foi tímida, pífia, é um momento ainda muito complicado, mesmo que Temer tenha apresentado boa agenda de reformas. Mas, depois, tudo se complicou, como se sabe, e aí veio o que veio.
Para fazer o país crescer, é outra estória. Temos de incluir na política econômica a educação, a saúde. Depende também de confiança, estando tudo interligado. Uma empresa, quando explora a possibilidade de investir, tem que trabalhar com um horizonte de tempo que vá além da recessão.
Defendi o auxílio emergencial desde o início da pandemia diante de uma situação que não é típica do ciclo econômico; antes, uma calamidade colossal, agravada pela não resposta pronta do governo federal. Cabia, pois, um auxílio. Depois ocorreu, e forte, só que veio mal calibrado, talvez por razões meio populistas, talvez por uma expectativa de que o negócio não fosse tão sério ou duradouro assim. Não dá, portanto, para repetir o esforço do ano passado. Algum auxílio tem, porém, que acontecer, para ajudar a sustentar a economia. Há consenso a esse respeito, mas o governo enfrenta limites na sua capacidade de financiamento. Terá de ser, portanto, muito bem pensado.
Não acredito que se estejam discutindo os problemas centrais da economia brasileiro. Nossa taxa de investimento em torno 15%, 16% do PIB é muito baixa para sustentar o crescimento. É um nível que espelha enorme incerteza, grande falta de confiança. Em entrevista live recente, Larry Summers, indicou que, se tivesse de escolher um único indicador para entender o que está acontecendo num país, olharia para o que os investidores locais estão fazendo com o dinheiro deles. No nosso caso, a coisa complica.
Estamos tendo essa conversa logo após as votações do Congresso, e nada sugere uma situação que nos vá encher os olhos, com o Brasil embarcando num outro modelo. Ao contrário: acho que a gente está dando um mergulho no passado e sem liderança.
RPD: O enfrentamento da crise sanitária justificaria o abandono de toda preocupação relativa ao equilíbrio das contas públicas?
AF: Um governo pode se endividar, um governo que não seja um estado falido, mas isso obedece a várias restrições. Mas a restrição mais básica é ter alguém disposto a emprestar esse dinheiro para o governo. Começando por baixo, a ideia de que emitir moeda, emitir dívida na sua própria moeda, é uma garantia de que não há limite para seguir se endividando é um nonsense completo. Imagine se as pessoas seguirão comprando papel do governo, se entupindo de papel do governo, de um governo que não mostra um rumo, que repetir nossa própria história, a história de nossos vizinhos, de vários países, da própria Alemanha no passado? Acho surpreendente que alguém acredite nisso. Escrevi isso num dos meus artigos na Folha que essa ideia de que um governo, que pode emitir sua própria moeda, siga emitindo dívida sem limite é para mim na verdade uma ameaça. Não é à toa que o dólar está tão alto aqui.
Vamos aos fatos. A política fiscal no Brasil, desde a Dilma (2014), virou uma das políticas fiscais mais gastadoras do mundo. Essa política, que foi um total colapso fiscal, alguém pode defendê-la? Eu não sei como as pessoas falam em austeridade, num país que está com déficit primário e acumulando muita dívida desde 2014. Alguns alegam que valeria a pena se endividar para investir.
Os programas de investimento do governo são difíceis de administrar. Defendo mais investimento público, há muito tempo. Defendo mais eficiência do estado, mas isso não resolve, inclusive porque o investimento público é lento, e nós estamos precisando de uma resposta, do ponto de vista conjuntural, imediata.
Acho que é preciso separar. Reconheço alguns passos, mas a ideia de que o governo brasileiro vai continuar se endividando, na expectativa de que isso vai gerar um futuro melhor, é um perigo monumental. O investimento público cair de 5% do PIB para menos do que 1% é um problema. Mas isso é porque, do outro lado, vários outros gastos aumentaram muito e ocuparam o espaço. Vejamos. A folha de pagamento do governo como um todo cresceu imensamente, a previdência brasileira é extravagante dada nossa relativamente jovem estrutura etária, que vem mudando rapidamente, e, sobretudo a partir da gestão Dilma, o Brasil gastou uma fortuna em subsídios. Segundo relatórios muito bem feitos pelo tesouro nacional, a tal da bolsa empresário, se quiser, os gastos tributários, chegaram a 7% do PIB, inclusive os subsídios do BNDES. O Bolsa Família, só para comparar, é 0,5%.
É evidente que o Brasil precisa reorganizar seus gastos, redirecioná-los na direção de mais produtividade e menos desigualdade, esse é o jogo. De onde vem o dinheiro? Dos gastos e subsídios que mencionei há pouco. Ao contrário dos países avançados, no Brasil, com juros de longo prazos ainda altos, e pouco crescimento e credibilidade, a opção de financiar com mais dívida seria muito arriscada.
RPD: A crise do estado de bem-estar social, na década de 1970, foi seguida, a partir de 2008, pela crise do modelo de auto regulação dos mercados mundiais. Está aberto o caminho para estratégias intermediárias de desenvolvimento?
AF: A pergunta remete a um mundo que desembarcou do “fim da história” do Fukuyama, onde se supunha a vitória de um modelo liberal-democrático. Mas nada disso aconteceu. O estado-nação está mais forte do que nunca. Estou falando de China, Índia, Turquia, os Estados Unidos sob Trump e de outros casos menores, mas não irrelevantes, como Filipinas e o Leste Europeu, para não mencionar um número de combinações entre modelos econômicos e políticos.
Não bastasse a disseminação de um viés autoritário em muitos países, preocupa ainda mais o modelo econômico chinês. Eles abraçaram o mercado, mas com um controle quase que absoluto do partido, com a presença obrigatória de um membro do partido em todos os conselhos das principais empresas. Quanto ao tratamento da informação, o sentido de privacidade sob o comando do Xi Jinping meio que deu um cavalo de pau. No que parecia ser uma suave caminhada para algum grau de abertura, a partir das bases, ele pisou no freio. Pisou no freio também na internacionalização da moeda chinesa. Várias dessas ideias foram deixadas de lado, ante a introdução do controle de câmbio e de outras medidas duras. É um modelo que assusta, como o foi, no passado, o modelo soviético. Mas o chinês, por estar mais adaptado às realidades do mercado, representa talvez desafio maior para a construção de um mundo livre, aberto e pacífico, bom de se viver.
Representa, no fundo, um desafio para a socialdemocracia, para o liberalismo também, e, embora não me sinta qualificado para dar grandes respostas, arrisco supor um repensar do modelo social-democrático, vale dizer, da ideia de um liberalismo progressista e da própria socialdemocracia, conceitos que considero muito parecidos e que estão em crise. Bastaria mencionar o descontentamento das classes médias, em especial nos países desenvolvidos, diante da concorrência global, de um lado, e dos avanços da tecnologia, de outro. É um quadro que requer respostas urgentes, entre as quais se destaca um desafio existencial, que é a questão da mudança climática. Espero que chegada do Biden force maior coordenação no mundo ocidental e que o chamado soft power, não só americano, mas também europeu, cada um do seu jeito, volte a prevalecer.
Quero dizer que a chance de o mundo se desenvolver de uma forma tranquila depende muito do êxito do modelo ocidental. Mas não só. As pessoas que vivem sob regimes autoritários têm que saber que existe um modelo melhor, na linha do que os americanos oferecem, por ser um lugar aberto.
Para o Brasil e o mundo, vejo como muito importante a derrota do Trump. Em que medida essa adaptação política vai acontecer, não saberia dizer. Imagino para o Brasil uma visão que seja solidária e capaz, ao mesmo tempo, de gerar crescimento. Incluiria também o uso de tecnologia para queimar etapas, desde que seja complementar às pessoas e não substitutiva, distinção nada trivial. Recomendaria também – e com ênfase especial – a ideia, que, aliás, tem nossa cara, de um Brasil Verde, que caiba no seu espaço, com qualidade de vida para as pessoas, isto é, a qualidade do ar, da água, da alimentação, comentário autorizado para quem, como eu, mora no Rio.
O Brasil tem tudo para num período de uma ou duas décadas transformar-se transformar num espaço verde extraordinário. Olhem a Nova Zelândia, a Costa Rica. Não importa o tamanho, o modelo é que tem de ser bom. Acho que nossa adaptação ter de ser nessa linha.
RPD: O governo Biden pode influir nessa adaptação?
AF: Indiretamente, sim, dando o exemplo. Só remover o exemplo péssimo do Trump já é bom. Se o Biden for na direção de Clinton, Obama, será um espetáculo. Mesmo que seja inevitável que os Estados Unidos, junto com os europeus, nos apertem um pouco. Podem até estender a pressão para outros temas, como Amazônia, direitos humanos, respeito à imprensa, respeito à própria democracia. Não dá para viver sem isso. Acho até bom para nós também. Talvez uma pressão externa não chegue a modificar muito o comportamento de nossas lideranças, mas a pressão do mercado pode: a pressão econômica eventualmente vai morder.
RPD: Executivo da BlackRock e Jorge Caldeira, em seu livro, Paraíso sustentável, defendem que a questão ambiental, a questão climática, tem influência direta nas finanças, na produtividade, nos lucros das empresas. Qual sua visão a respeito?
AF: Considero procedente essa visão. A BlackRock está certa em defender essas causas e trazê-las para o dia a dia das empresas, das pessoas, acho super saudável. Mas nada disso substitui o governo. Acredito em autorregulação, mas ela só funciona, se acima da autorregulação, tiver a regulação do Estado. E, claro, estou pressupondo um Estado de boa qualidade, sem a qual país algum se desenvolve. Essa é a estrutura básica. Vejo como muito positiva as opiniões acima indicadas. Esse movimento, que se identifica como ESG, a meu ver, é saudável, porque toca num nervo sensível das pessoas, uma alma solidária. E essa é uma crítica, inclusive uma autocrítica, que muitos economistas mundo afora vêm fazendo e que, a meu ver, faz todo sentido. Entendo que esse assunto vai longe. Não até onde precisa chegar, no entanto, sem uma participação concreta do Estado. As boas intenções do setor privado têm de ser complementadas por um Estado que também cumpra com o seu papel.
Venho refletindo muito sobre o tema ESG, em geral. O G, de governança, no Brasil tem avançado bastante. O que aconteceu com a Petrobras foi um enorme acidente de percurso, mas foi apenas isso, porque, no mundo privado, as empresas vêm evoluindo muito bem nessa direção, já não é de hoje. Foi um movimento que nasceu dentro do setor privado, na bolsa de valores em particular, no Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. É, sem dúvida, uma revolução, o que aconteceu aqui no Brasil, está dando muito certo.
O S de social é carente no Brasil, a despeito de governos socialdemocratas e do próprio PT. Ainda há muito a faze. Mas também penso que há alguma consciência, não no momento, mas há. E o A de ambiental é o que estamos discutindo. É indispensável, essencial, é uma questão de sobrevivência do planeta, que se faça a transição. Ela está acontecendo de forma lenta e perigosa. O governo Trump deu, na verdade, duro golpe nesse projeto, ao se afastar do acordo de Paris. Mas agora, com o Biden, pode voltar aos trilhos. Vejo, de novo, o Brasil numa posição muito boa para ocupar esse espaço e de uma forma que projete para o mundo a consciência de que essa é uma questão planetária, e boa para nós também.
*Arminio Fraga
Sócio fundador da Gávea Investimentos e presidente do conselho do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde. Membro do Group of Thirty e do Council on Foreign Relations. Foi presidente do Banco Central (1999-2003), presidente do conselho da B3, diretor do Soros Fund Management e trustee da Princeton University (EUA), onde obteve seu Ph.D.. Foi professor da PUC-Rio, da EPGE-FGV, da SIPA-Columbia (Nova York) e da Wharton School (Pensilvânia).
*Raul Jungmann
Ex-deputado federal, foi Ministro do Desenvolvimento Agrário e Ministro Extraordinário de Política Fundiária do governo FHC, Ministro da Defesa e Ministro Extraordinário da Segurança Pública do governo Michel Temer.
*Caetano Araújo
Consultor legislativo do Senado Federal, sociólogo. É diretor da Fundação Astrojildo Pereira (FAP)
RPD || Editorial: Congresso Nacional sob nova direção
O calendário político de fevereiro começou com a eleição dos novos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal e a vitória folgada, em ambos os casos, dos candidatos mais próximos ao Executivo. Difícil subestimar as consequências dessas trocas de comando. Afinal, ao longo dos dois primeiros anos do atual governo, Rodrigo Maia desempenhou papel relevante na contenção das iniciativas governistas de confronto com o ordenamento democrático vigente. Seu sucessor, ao que tudo indica, terá como prioridade, na direção oposta, acelerar a tramitação das pautas consideradas relevantes pelo governo.
Diversas lições podem ser extraídas desses acontecimentos. Em primeiro lugar, mais uma volta foi dada no parafuso que mantém juntos o governo e o grupo parlamentar conhecido como Centrão. É de se prever que diferenças remanescentes serão aparadas e nomes do primeiro escalão substituídos, sempre no sentido de aumentar a participação dos políticos pragmáticos que se reuniram no apoio à eleição da nova Mesa da Câmara.
Em segundo lugar, o decorrer do processo escancarou as fragilidades das oposições, em particular a dificuldade de cooperação em torno de um objetivo comum. Num primeiro momento, pareceu que o candidato da continuidade havia conseguido sucesso na construção de uma improvável frente em seu apoio, com partidos da esquerda, do centro e da direita.
Especulava-se, então, se as decisões coletivas tomadas por esses partidos viriam a prevalecer sobre o trabalho personalizado de convencimento e barganha desenvolvido pelo candidato do governo. O resultado da apuração, contudo, excedeu às previsões mais pessimistas da oposição. Não só houve defecções em grande número, mas siglas importantes migraram, na última hora, da posição de apoio ao candidato Baleia Rossi para uma neutralidade aberta e militante.
Ficou claro que, nas fileiras da oposição, prosperam, ao mesmo tempo, problemas de prioridade, uma vez que muitos decidiram seus votos em função da perspectiva de ganhos menores, e outros, mais profundos, de identidade, dado que, para vários eleitores, não houve razões claras e convincentes para negar o voto ao candidato governista.
A recomposição possível, o esclarecimento em torno das diferenças entre o relevante e o acessório, entre governo e oposição, será um processo complexo e demorado. Ao que tudo indica, o terreno da batalha será o debate e a votação em torno de cada um dos projetos prioritários do governo.
RPD || Paulo Fábio Dantas Neto: Crônica de um revés parcial - Duas arenas e a política de resistência democrática
Vitória com a eleição de Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG) para as presidências da Câmara dos Deputados e do Senado, respectivamente, não é garantia de que Jair Bolsonaro vai ter sucesso na disputa eleitoral em 2022
Na análise das eleições às presidências e mesas diretoras do Congresso não se deve subestimar, ou exagerar, suas implicações sobre a política brasileira. Em especial na Câmara, houve vitória importante do governo federal, mas esteve longe de ser decisiva. É preciso cautela antes de tratá-la como prenúncio do que ocorrerá com o Executivo, a partir de 2022, ou antes. A dinâmica do Congresso é uma, a da disputa presidencial, outra. Na primeira arena, decidem deputados; na segunda, o povo, e inexiste coerência entre suas lógicas. Bolsonaro (sem partido) pode manter sua base na Câmara e perder a eleição apesar disso. Pode perder a base e ganhar a eleição apesar disso, ou justamente por isso.
Na Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) foi o foco de uma disputa politizada pela candidatura da frente partidária que liderou. A frente evoluiu da defesa da independência do Legislativo à oposição ao governo, entrelaçando lógicas das duas arenas. O adversário largara na frente e, pela lógica da arena interna, fez-se elo entre o governo e deputados, individualmente. A campanha de Baleia Rossi (MDB-SP), com discurso democrático, para fora da Câmara, vendo-se em desvantagem, jogou pedras nos votantes. Denunciar fisiologismo esmaeceu a valorização, pelo próprio Baleia, de serviços prestados pela Câmara ao país, sob a gestão de Maia. No contexto de pandemia, a “política dos políticos” tem dado mais do que recebe. Foi seu adversário quem disse isso sem ressalvas, com sotaque corporativo. Todavia, não foi o tom da campanha que derrotou a frente. Maia expressava um centro político contestado, com êxito, pela base governista, usando, em escala inabitual, recursos políticos habituais.
Num quadro de polarização entre governo e oposição, um centro independente, sob forte pressão, tende a ser sufocado se não adernar para um dos lados. A opção de olhar à direita e tentar dividi-la desvaneceu quando a base governista se organizou. Maia fez o que podia, isto é, olhou à esquerda e acenou à sociedade civil. Não bastou. Pode-se arguir que, ciente da inviabilidade eleitoral desse caminho, poderia assimilar a derrota e tentar confiná-la à Câmara, para manter a frente partidária de pé. As eleições presidenciais estão logo ali, caberia cuidar para que a derrota não contaminasse a outra arena.
O resultado da eleição no Senado dispensa resenha. O desfecho considerou a especificidade da arena parlamentar, mantendo teso o arco da promessa de frente democrática. A articulação incluiu partidos que formaram com Baleia na Câmara, ajudou a dissolver a polarização e mitigou a vitória governista. Pela agenda e perfil de Rodrigo Pacheco, o Senado pode ser âncora da resistência democrática, conter crises e construir governabilidade, papéis análogos aos que a Câmara vinha tendo e, por ora, não terá.
A postura de Arthur Lira assusta pelo tipo de populismo de plenário que pode levar a Câmara, sem freios, a votar com violência plebiscitaria. Uma casa como aquela, se não tiver um comando centralizado, é fonte de instabilidade e de pautas polarizadoras da sociedade. Lira prometeu previsibilidade só a seus pares. Se cumprir, a sociedade pode se deparar com um Nero, e Bolsonaro, talvez, com seu Eduardo Cunha.
A Câmara pode colidir com o STF e com o Senado, em autofagia institucional. E, encoberta pelo biombo ruidoso das pautas de costumes, prospera, com a vitória de Lira, uma discreta e concreta estratégia de solapa da Constituição. Ricardo Barros, líder do governo, parece ser o político selecionado para a missão da reforma constitucional que, por atacado ou a varejo, atenda ao continuísmo por três vias, não excludentes entre si: derrubar freios institucionais para que o Executivo se aproprie de joias eleitorais como vacina e auxílios emergenciais a pobres e distribua benesses a setores econômicos; alterar regras eleitorais para facilitar a reeleição de Bolsonaro, hoje dificultada pela regra dos dois turnos; e a “via russa”, da governabilidade semiautoritária à investidura do Gal. Mourão, tecida pelo centrão e militares do palácio, em caso da popularidade do presidente desabar.
Com ameaças de tal monta, que papel pode ter um centro político? Fazer intransigente oposição a desmandos e crimes. Valem manifestos, artigos, panelaços, processos judiciais e resistência parlamentar em defesa da Carta, com articulação entre oposição política e sociedade civil. De outro lado, diálogo constante com elos mais tênues da cadeia governista para bloquear a via russa, no que terão papel o Presidente do Congresso e a ambivalência estratégica de seu partido, o DEM. Assim, a derrota na Câmara será parcial.
Frente ampla ainda pode haver na arena congressual, mas é irrealismo vê-la na eleitoral. Se houver frentes no primeiro turno, tendem a ser duas. Mas há condição de derrotar Bolsonaro, fugindo da Rússia e caminhando, até 2022, colado à via agregadora que livrou o mundo de Trump. Uma sociedade civil que o rejeita, organizações e instituições que podem contestar cada passo extremista e, entre opções ao centro, é possível achar um candidato que fale de vacina, emprego e renda, democracia e pacificação política. Na esquerda, há gente capaz de fazê-la agir no segundo turno como Sanders nas eleições americanas. Desde que, no centro, haja análoga disposição, se a esquerda chegar lá.
Pedro Venceslau: Aliados apelam para Moro retornar ao cenário eleitoral para 2022
Podemos e PSL tentam convencer ex-ministro e ex-juiz da Lava Jato a se lançar candidato à Presidência
Líderes partidários e defensores da Operação Lava Jato passaram a fazer apelos públicos na tentativa de convencer o ex-ministro e ex-juiz Sérgio Moro a se posicionar como potencial candidato na disputa pelo Palácio do Planalto em 2022.
Com um perfil discreto, Moro submergiu desde que se tornou sócio-diretor da consultoria americana Alvarez & Marsal no ano passado, mas tem mantido conversas reservadas “como cidadão” sobre o cenário nacional com parlamentares aliados.
Nesses diálogos, segundo apurou o Estadão, Moro resiste a dar sinais claros sobre suas pretensões políticas, mas não descarta uma futura candidatura. O ex-ministro demonstra desconforto com o que interlocutores chamam de “progressiva deterioração” do País e dos mecanismos anticorrupção.
Os entusiastas da candidatura do ex-juiz voltaram a se mobilizar após a decisão da maioria da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) de liberar o compartilhamento da íntegra das mensagens vazadas da Lava Jato com a defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A expectativa do julgamento sobre a suspeição de Moro no caso do triplex do Guarujá (RJ) deu munição à narrativa dos partidários de Lula, mas também aglutinou as correntes dissidentes do bolsonarismo que apostam no discurso contra a corrupção para formar uma frente eleitoral em 2022.
“Uma reviravolta (nas decisões da Lava Jato) chocaria a população que votou contra a corrupção em 2018 e beneficiária uma eventual candidatura do Moro, que simboliza esse sentimento. As cartas para 2022 ainda não foram apresentadas em sua plenitude, mas ele já tem visibilidade”, disse o senador Alvaro Dias (Podemos-PR).
O parlamentar, que disputou à Presidência em 2018, conversou com Moro pela última vez após a eleição para a presidência da Câmara. Na mesma linha, a deputada Renata Abreu (SP), presidente nacional do Podemos, disse acreditar que Moro sai maior a cada “ataque” que sofre. “O povo sabe que ele, sozinho, tem reafirmado seu papel de herói nacional. Mesmo diante de mensagens hackeadas, obtidas de forma ilegal, o conteúdo revela a cautela e a seriedade que fez dele, no auge da operação, um orgulho de todos os brasileiros”, afirmou a dirigente.
O Podemos está em compasso de espera e considera o ex-juiz o seu “plano A” para 2022. Outra legenda que mantém as portas abertas para Moro é o PSL, que planeja um processo de expurgo da ala bolsonarista. “O PSL é um partido moderado e de centro- direita. Estamos buscando construir pontes com ele. Moro é o nome mais consistente do ponto de vista eleitoral. Ele aglutina os lavajatistas, antipetistas e aqueles que pregam a ética na política. Ou seja: as três vertentes da sociedade que o Bolsonaro abdicou”, disse o deputado federal Junior Bozzella (SP), vice-presidente nacional do PSL.
Em suas redes sociais, a deputada estadual paulista Janaína Paschoal (PSL) fez um apelo para que Moro entre no tabuleiro eleitoral de 2022. “Haja vista o inferno que estão transformando a vida dele, não vejo outro caminho para Sérgio Moro além de se candidatar à Presidência da República em 2022”, escreveu a parlamentar no Twitter.
Horizonte
No ano passado, apoiadores de Sérgio Moro no Congresso viram na sua contratação por uma consultoria americana e em manifestações recentes sinais de que o ex-ministro está reticente quanto a uma eventual candidatura em 2022. A interlocutores nos últimos meses, Moro indicou que não está determinado a ser protagonista em um projeto eleitoral neste momento.
Mas apesar da discrição, ele tem participado de articulações por uma candidatura de centro-direita, em oposição ao presidente Jair Bolsonaro. Em setembro, ele jantou com o governador de São Paulo, João Doria (PSDB). Segundo o tucano, foi uma conversa “sem prerrogativa de nomes, mas sim de princípios”. Depois do encontro, Moro se reuniu com o apresentador Luciano Huck, que também se movimenta para disputar a Presidência.
Notícias relacionadas
- Atentar contra democracia é ‘gravíssimo’, mas prender é ‘exceção’, diz Pacheco sobre Daniel Silveira
- Covas é diagnosticado com novo nódulo no fígado e inicia quimioterapia
- Em carta a Lira, grupos anticorrupção manifestam preocupação com nova reforma política
Vera Magalhães: Acordo entre STF e Câmara é difícil
Nos momentos que antecediam a reunião da Mesa da Câmara para decidir sobre a prisão em flagrante do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) pela Polícia Federal, atendendo determinação do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, deputados e ministros da Corte conversavam nos bastidores sobre a possibilidade de um acordo de procedimentos que evitasse desgaste para os dois Poderes.
Por esse desenho, a Mesa da Câmara faria um aceno ao STF na reunião prevista para começar agora, às 13h, reconhecendo a gravidade dos ataques que o deputado desferiu contra o STF e repudiando os vídeos com ameaças a integrantes da Corte e ao funcionamento do Judiciário. Ao mesmo tempo, encaminharia imediatamente ao Conselho de Ética da Câmara os vídeos com a recomendação de análise, a partir da semana que vem, da possibilidade de abertura de investigação por quebra de decoro parlamentar.
Essas iniciativas viriam juntamente com a manifestação da Mesa contra a prisão em flagrante por crime inafiançável, que, segundo conversei com deputados, é unanimemente condenada por eles, uma vez que, pela justificativa do ministro, segundo eles, qualquer um pode vir a ser preso por vídeos gravados anos atrás, uma vez que o flagrante não se encerra no tempo, no entendimento exarado por Alexandre de Moraes.
A expectativa de deputados é a de que, com esse gesto em reconhecimento ao caráter inaceitável da postura de Daniel Silveira, seria mais fácil obter o relaxamento da prisão do deputado não ainda nesta tarde, quando se espera que o STF referende por unanimidade a decisão de Moraes, mas na audiência de custódia.
Essa audiência será comandada pelo próprio ministro relator do inquérito das fake news e ameaças contra a Corte e seus integrantes, e só deve ser marcada para a manhã de quinta-feira.
Mas não deverá ser tão simples assim obter um acordo entre Câmara e STF. Ninguém bota nenhuma fé na possibilidade de uma investigação contra Daniel Silveira avançar no Conselho de Ética, órgão que está sem se reunir desde o início da pandemia, mas que, mesmo antes, era inerte em relação a sucessivas manifestações antidemocráticas de deputados como Eduardo Bolsonaro, por exemplo.
Além disso, é considerada insuficiente essa iniciativa por parte da Mesa da Câmara, e ministros do Supremo sobre os quais conversei a respeito da possibilidade de uma composição acreditam que, se a Corte ceder agora, haverá uma escalada de ataques à democracia e às instituições.
Por fim, os ministros parecem querer pagar para ver como a Câmara vai se comportar, justamente pelo fato de que há vários outros parlamentares investigados no mesmo inquérito, e nada indica que eles estejam moderando suas ações. Ministros me disseram duvidar que, numa votação aberta, e com voto nominal, a maioria da Câmara vá votar pela suspensão da prisão de Daniel Silveira.
Pode ser que a Corte esteja incorrendo em erro de avaliação, já que é conhecido o espírito de corpo dos parlamentares e há vários deles, inclusive em postos de comando na Casa, com processos em andamento no STF.
Um histórico recente de votações da Câmara e do Senado sobre prisão de parlamentares dá a medida: em 2016, no auge da Lava Jato, o Senado votou, aberto, a favor da manutenção da prisão do senador Delcídio Amaral, por 53 a 13.
Já no ano seguinte passou a vigorar o espírito de corpo. Por 44 a 26, também em votação aberta, o mesmo Senado rejeitou o recolhimento noturno à prisão de Aécio Neves.
O mesmo precedente valeu para que a Câmara rejeitasse o afastamento do mandato do deputado Wilson Santiago (PTB-PB) no ano passado. Foram 233 votos a 170, e nada menos que 101 abstenções.
Míriam Leitão: STF mira defensor radical do governo
A força dos eventos em torno da prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) vai muito além do personagem. O Supremo consagrou duas teses. Primeiro, que a imunidade parlamentar não cobre ataques e ameaças à democracia. Segundo, que a internet alarga o conceito de prisão em flagrante porque nela se pratica crime continuado. O que era no começo do dia uma decisão do ministro Alexandre de Moraes virou de todo o STF após a aprovação por unanimidade. A cúpula da Câmara tentava encontrar formas de amenizar a punição.
Daniel Silveira é reincidente. É investigado no inquérito das fake news e das manifestações antidemocráticas. É um defensor da violência como arma política. Em um dos seus vídeos mais conhecidos, ele ameaça de morte manifestantes antifascistas. Mais importante, ele é um bolsonarista raiz, da ala radical. Ao atacar o Supremo ele estava tentando escalar a crise iniciada pela declaração do general Villas Bôas de que o Alto Comando do Exército participou da redação da postagem que fez em 2018 ameaçando o STF. Três dos integrantes do Alto Comando da época são ministros de Bolsonaro, e o então ministro da Defesa é diretor-geral de Itaipu. Era nessa crise que Daniel Silveira tentava surfar.
Ex-policial militar, defensor da disseminação das armas, propagandista da ditadura e do AI-5, o deputado é fruto também do perigoso fenômeno da politização das polícias militares, uma das bases do atual presidente. O ex-ministro da Segurança Raul Jungmann explica melhor.
— A hiperpolitização das polícias militares acontece pela permissão de que eles saiam, se candidatem e, se perderem a eleição, possam voltar e retomar o serviço ativo. Ganhando ou perdendo pode-se voltar. A possibilidade de ir e vir da política para a PM tem sido um estímulo a que indivíduos liderem rebeliões e motins para depois se candidatarem. A greve é proibida, mas eles entram em greve e depois são anistiados — diz Raul.
E pior, não há um período de desincompatibilização. Ele pode sair da corporação direto para a campanha. E se não for eleito, volta direto. Nada a perder, portanto. Um estudo feito pela newsletter Fonte Segura , do Fórum Brasileiro da Segurança Pública e da Analítica Comunicação, mostra que isso não acontece em outros países. Bolsonaro estimulou ao máximo essa politização e continua cultivando as PMs como uma de suas bases. Em 2018, foram eleitos 77 militares ou policiais militares, 43 deles pelo PSL, partido ao qual o presidente era filiado.
Silveira, ao discutir no IML, para não usar máscara, disse que é um policial. Não é mais. Ficou apenas cinco anos, nove meses e dezessete dias. Não pode voltar, portanto, porque não completou 10 anos. No vídeo em que ameaçou manifestantes, ele também falou como se ainda fosse policial e lembrou que eles andavam armados e “em algum momento um de vocês vai achar o de vocês e tomar um no meio da testa e no meio do peito”. No vídeo que o levou à prisão o deputado fez ameaças físicas aos ministros do STF.
A decisão do STF, independentemente da reação da Câmara, esclarece princípios que o governo de Jair Bolsonaro tentou confundir. A liberdade de expressão não serve para encobrir crimes contra a democracia. Nem mesmo de um parlamentar. Bolsonaro quando era deputado fez apologia da ditadura e da tortura, falou em matar adversários políticos e nunca foi punido. Vejam o preço que o país paga pela leniência das instituições.
O presidente Jair Bolsonaro nos decretos de liberação de armas eleva o perigo extremo que a democracia brasileira corre no seu governo. Jungmann acha que a liberação de armas e a redução do controle do Estado sobre elas levarão a um aumento do crime e a um fortalecimento do crime organizado.
É claro que Bolsonaro está também tentando formar milícias políticas. Em várias ocasiões mostrou que seu objetivo é político. Ele afirmou na famosa reunião ministerial que queria “escancarar” o acesso às armas, alegando que assim resistiriam a ditadores. Disse que pessoas armadas poderiam enfrentar governadores e prefeitos. Por fim afirmou que aqui aconteceria pior do que houve nos Estados Unidos, no ataque ao Capitólio.
Esta crise extrapola em muito a figura medíocre e repulsiva do deputado que a provocou. Se a Câmara proteger o truculento Daniel Silveira, o país afunda mais um pouco no abismo institucional em que entrou desde a eleição de Bolsonaro, um inimigo declarado da democracia.
Adriana Fernandes: Nova PEC deve prever 'waiver' para volta do auxílio emergencial
Nova rodada do benefício é queda de braço entre gastar e gastar com contrapartidas de corte de despesas
Para a concessão de uma nova rodada de auxílio emergencial, com valor das parcelas limitado a R$ 250,00 e custo total de até R$ 30 bilhões, a equipe econômica calcula que a medida de contrapartida já foi dada com o congelamento dos salários dos servidores até o fim deste ano para União, Estados e municípios.
A nova versão da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) de orçamento de guerra, que está sendo negociada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e lideranças do Congresso, deve prever uma espécie de “waiver” (dispensa) extraordinário para concessão do auxílio durante o vácuo jurídico deixado pelo fim do estado de calamidade em 31 de dezembro do ano passado.
Para acionar o “botão” de um protocolo de guerra e combater o recrudescimento da pandemia, o que exigiria gastos maiores de R$ 30 bilhões, a proposta também vai prever mecanismos que garantam contrapartidas mais duras de ajuste fiscal, como o congelamento de salários dos servidores por mais dois anos. São medidas para serem acionadas no futuro, junto com o arcabouço de um novo marco fiscal para uma cláusula de calamidade pública.
O congelamento de salários começou a valer no final do ano passado depois de uma longa tramitação do projeto que liberou um alívio financeiro total de cerca de R$ 125 bilhões aos governadores e prefeitos durante a pandemia. Como contrapartida, foi incluída na lei a proibição a reajustes e aumento de gastos com pessoal até 31 de dezembro de 2021. A economia com medida na época foi estimada em cerca de R$ 130 bilhões pelos técnicos do Tesouro Nacional.
A ideia que ganha força nas negociações é a de que um aumento de R$ 30 bilhões no endividamento público para pagar mais quatro parcelas do auxílio pode ser absorvido, tendo como contrapartida o congelamento de salários autorizado pelo Congresso. O sacrifício já teria sido feito para abrir caminho a esses gastos extras no período atual, que tem sido chamado pela área econômica de “cauda” da pandemia – uma extensão final dos efeitos mais nocivos da covid-19 na economia, segundo esse entendimento da equipe de Paulo Guedes.
Mas gastos acima do patamar de R$ 30 bilhões necessitariam da aprovação de mais medidas e do funcionamento do Conselho Fiscal da República, colegiado a ser criado com integrantes dos três poderes e do Tribunal de Contas da União (TCU). Caberá ao Conselho acionar a cláusula de calamidade.
O texto da emenda constitucional não vai fixar valores, mas a régua dos R$ 30 bilhões tem sido tratada internamente como um limite para uma liberação mais ágil do auxílio, a partir de medidas de ajuste já adotadas e sem ter de esperar pela formação desse colegiado, num processo que poderia levar mais tempo. Novas medidas, por sua vez, dependeriam de novas contrapartidas fiscais. Sem isso, o texto seria o equivalente a uma reedição pura e simples da PEC do orçamento de guerra – o que a equipe econômica descarta por considerar um “cheque em branco” nocivo às finanças públicas, com consequências graves.
Na semana passada, os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), entraram num consenso de que será preciso aprovar uma nova PEC para pagar a nova rodada de auxílio, com as despesas fora do teto de gastos (regra prevista na Constituição que impede o crescimento das despesas acima da inflação). A edição de apenas um crédito extraordinário, que também ficaria livre do limite, sem a aprovação de uma PEC, foi descartada.
O ministro da Economia cobra das lideranças medidas de contrapartidas fiscais para o futuro, com a criação de um novo regime fiscal que conteria medidas permanentes de ajuste que estavam previstas na PEC do pacto federativo enviada ao Congresso no final de 2019.
Entre essas medidas permanentes, a equipe econômica acredita ser possível incluir a criação da figura do "estado de emergência fiscal". União, Estado ou município que declarar estado de emergência fiscal, com base em critérios definidos na proposta, poderá acionar medidas de contenção de gastos automaticamente por dois anos. O objetivo é que nesse período eles recuperem a saúde financeira.
Nesse caso, trata-se de uma medida que vai além da pandemia e que foi pensada durante o primeiro ano do governo Jair Bolsonaro, após um grupo de governadores e prefeitos pedir a aprovação no Congresso de travas para conter despesas obrigatórias nos seus Estados, que já se encontravam em difícil situação financeira.
Na proposta original da PEC do pacto federativo, o critério para Estados e municípios acionarem mecanismos como redução de jornada e salários de servidores e suspensão de concursos era que as despesas correntes excedessem 95% da receita corrente.
A nova PEC de guerra pode prever uma cláusula vinculante para que as mesmas práticas cobradas pelo TCU sejam adotadas pelos Tribunais de Contas estaduais e municipais, evitando as maquiagens em gastos que abriram caminho para o desequilíbrio nas contas. A desvinculação de fundos públicos é outra medida em análise para ser incluída na primeira PEC.
Nas negociações, a equipe econômica está pisando em ovos porque teme que se repita o que aconteceu no ano passado, quando as medidas de ajuste antecipadas pela imprensa acabaram sendo rifadas pelo presidente Jair Bolsonaro e por lideranças do Congresso antes mesmo de serem enviadas.
Basta o ministro citar o mantra de que é preciso acionar o “DDD”, para desindexar, desvincular e desobrigar o Orçamento, que sai cada um para um lado, fingindo que não é consigo. Uma queda de braço entre gastar e gastar com contrapartidas de corte de despesas.