rodrigo pacheco

Maria Cristina Fernandes: Contra CPI, Bolsonaro ameaça sócios

São 90 dias regulamentares, mas a única certeza sobre a CPI da Pandemia é de que ninguém sabe quando esta termina. Ainda não está composta, mas já produziu, sobre o Senado, o ajuntamento de duas de suas três forças. Os que querem o cargo do presidente Jair Bolsonaro uniram-se àqueles que se contentam com sua caneta. É a junção dessas duas forças que esticará a CPI até 2022. A pauta vai muito além da incúria bolsonarista na pandemia ou de sua consequência para os Estados. O que estará em jogo é a ocupação do governo, do Judiciário e do próprio Senado.

A CPI já começou a se definir pelo parto. A anexação das duas propostas foi resultado do jogo duplo que marcou a gestão do ex-presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), colocou o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) no cargo e continua a operar no varejo da sustentação bolsonarista na Casa, a um alto custo para o erário, como se viu no relatório do Orçamento do senador Márcio Bittar (MDB-AC).

Com os governadores e prefeitos na roda, ainda que de forma mitigada, os aliados de Bolsonaro que hoje comandam o Senado lhe deram a chance de barganhar o avanço da investigação sobre seu governo. Foi esta a porta que se abriu com a possibilidade de serem investigados não apenas o labirinto das verbas federais nos Estados como a alocação de recursos das emendas parlamentares nos municípios. Ambas passam pelas planilhas da Secretaria de Governo, ocupada até outro dia pelo ministro da Casa Civil, Luiz Eduardo Ramos.

A CPI ainda avançará sobre as brasas que restaram nas relações entre Ramos e o ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello. Ontem o Ministério Público Federal no Amazonas adiantou-se à CPI e denunciou Pazuello por improbidade administrativa decorrente da crise de oxigênio naquele Estado. O processo correrá em primeira instância e pode levar à primeira condenação dos generais do governo. Com um adendo: Pazuello ainda está na ativa.

Com este caldeirão sob fervura, o presidente jogou com a ameaça de implodir a sociedade nada anônima em que se transformou seu governo. O sucesso de sua estratégia dependerá não apenas da composição da CPI mas dos senadores que virão a ocupar a relatoria e a presidência. A meta é reproduzir a CPI dos Correios, tida até hoje como aquela que produziu mais resultados, mas o cenário parece interditado pela força governista na Casa.

Aberta no primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, esta CPI entregou a relatoria à oposição. Depois daquela comissão, os parlamentares descobriram meios para assar o porco sem queimar a cabana e os inquéritos mais efetivos passaram para o Ministério Público. A dupla Pacheco-Alcolumbre, estreante na matéria, tenta controlar a labareda mas, uma vez instalada, é a CPI quem manda.

No voto de ontem, respaldado por nove de seus pares, o ministro Luis Roberto Barroso sugeriu que as manobras protelatórias estarão sob a vigilância do Supremo: não cabe ao Senado definir se e quando a CPI será instalada, apenas como procederá, se por videoconferência, presencialmente ou por ambos os meios.

É o MDB o partido que hoje mais se arvora a tomar assento num cargo de comando da CPI e, a partir dele, ganhar terreno. Em 36 anos desde a redemocratização, o MDB mandou no Senado ao longo de 30. Perdeu para o DEM em 2019, graças a uma aliança de Alcolumbre com o grupo lavajatista do Senado. Dois desse grupo são os primeiros signatários das CPIs fundidas na Casa. O senador Eduardo Girão (Podemos-CE), autor do requerimento de ampliação do escopo, continua a gravitar sob a mesma órbita, e o senador Randolfe Rodrigues (Psol-AP) aliançou-se com o MDB.

O senador Renan Calheiros (MDB-AL) foi convidado ao Palácio do Planalto na próxima semana numa operação que visa a tornar palatável, para o presidente, sua escolha para um dos cargos da CPI. A ambição emedebista não se restringe aos domínios do DEM no Senado, mas também sobre o governo.

Os ministros políticos da gestão Bolsonaro são ou foram deputados: Flávia Arruda (Secretaria de Governo), João Roma (Cidadania), Onyx Lorenzoni (Secretaria Geral da Presidência), Teresa Cristina (Agricultura) e Fabio Faria (Comunicações). A ambição primeira dos senadores é o Ministério das Minas e Energia, foco histórico de disputa entre MDB e DEM. Contra todos, Bolsonaro reforça a ala ideológica do governo. Não apenas tirou o almirante Flávio Rocha da Secretaria de Comunicação, como mantém o ex-ministro Ernesto Araújo como entreposto entre si e o novo chanceler, Carlos França.

O Senado, porém, também ganhará força na queda de braço que hoje antagoniza a Câmara e o ministro da Economia, Paulo Guedes. A instalação da CPI eleva o preço de quaisquer das decisões de Bolsonaro sobre o Orçamento. As ambições no Senado estendem-se ainda à vaga do ministro Marco Aurélio Mello no Supremo Tribunal Federal. O passado lavajatista do preferido de Bolsonaro, o advogado-geral da União André Mendonça, o condena no Senado.

A operação, porém, tem três obstáculos. O primeiro é que o posto de governista-mor de Alagoas está hoje ocupado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). O segundo é que a ampliação do escopo colocou todos os governadores sob a mira da CPI, entre os quais o de Alagoas, Renan Filho (MDB). E, finalmente, o terceiro é que a nomeação de Renan para um cargo na CPI deixaria em maus lençóis dois de seus correligionários, os líderes do governo no Senado, Fernando Bezerra (PE) e no Congresso, Eduardo Gomes (TO).

Quem quer que ambicione o cargo de relator ou presidente na CPI se transformará num pivô do cenário de 2022. A dominância do MDB fortaleceria o partido na disputa pela vice do PT. Em meio às disputas intestinas, um presidente menos imiscuído, como o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), seria uma solução tão desejável quanto improvável.

No pior das hipóteses, às pilhas de cadáveres se juntarão os áudios de whatsapp, comuns entre integrantes deste governo, que a CPI não custará a obter. É a espetacularização da tragédia que vai entrar no ar. Ambas poderiam ter sido evitadas se a apuração das responsabilidades tivesse começado junto com a incúria.


Adriana Fernandes: Briga de galos

Bolsonaro, Guedes e Congresso brigam pelo Orçamento, enquanto Brasil padece com a covid

Encontraram a solução para o Orçamento? Essa é a pergunta que mais fazem em Brasília nos dias de hoje, esquecendo que os principais problemas a serem solucionados para o enfrentamento do combate da pandemia (ampliados todos os dias) continuam à espera de resposta.

Governo, equipe econômica e o Congresso se meteram numa guerra de versões e pareceres jurídicos para sustentar, cada um, a sua verdade dos fatos, e não se tem a mínima noção de como vai terminar essa briga de galos em torno da sanção da lei orçamentária.

Mais uma semana de agonia até o prazo final para o presidente Bolsonaro sancionar o Orçamento aprovado em março, já com três meses de atraso.

Nem parece que o País padece com a pandemia e que as mortes continuam em patamar inaceitável, enquanto o governo e o Congresso arrumam confusão na base do quem pode e manda mais na República - provando mais do que nunca que é de bananas.

Estão todos perdidos em discussões eternas de regras fiscais (pode isso, não pode aquilo), desconfianças mútuas, medos de traição mais à frente e ameaças de retaliação nas votações num ambiente conturbado pela CPI da Covid.

Alô!!! Tem uma pandemia aí. As falas em defesa de vacinas e súplicas de parlamentares não adiantam mais a essa altura do caos.

A nova medida que saiu da cartola do governo foi uma PEC para delimitar o alcance dos gastos para a renovação dos programas de emprego, o BEm, o Pronampe (crédito para micro e pequenas empresas) e gastos para o Ministério da Saúde.

Essa PEC não deveria nem estar na mesa de negociação agora. O governo conseguiu aprovar em março uma PEC justamente para permitir que os gastos da calamidade fossem feitos com segurança jurídica. Por que não se resolveu ali todo o enrosco jurídico para as despesas extras da covid-19

Naquele momento, já se sabia que seria preciso mais dinheiro para a covid-19. Quando a PEC emergencial foi aprovada, o BEm já estava desenhado, como também já havia um acordo com o Congresso para renovar o Pronampe, programa que tem custo para o Tesouro que precisa repassar recursos para um fundo como garantia para os casos de calote dos empréstimos.

Empresários que seguram as demissões já avisaram que vão demitir. E os R$ 44 bilhões aprovados para o auxílio emergencial também não serão suficientes porque ele não comporta nem mesmo aqueles vulneráveis que são elegíveis ao benefício. Até as portas dos ministérios da Esplanada sabem disso.

Pipocam denúncias de que o governo está cortando os beneficiários do auxílio sem explicação. Portanto, esse corte não é sustentável por muito tempo, porque as pessoas vão provar que têm direito ao auxílio. Não dá para fazer vista grossa ao problema. Ele vai estourar.

Mas o temor de o gasto explodir e a tentativa de fazer um “combo” para resolver o impasse do Orçamento via essa PEC levou o Ministério da Economia a preferir não acionar o botão da calamidade. Faltou confiança do time econômico no próprio governo e no Congresso.

Em vez de descomplicar, mais regras aparecem para complicar. A versão da nova PEC, antecipada pelo Estadão, deixava fora do teto de gastos (sempre ele) os programas da covid-19, além de um “jabuti” de mais R$ 18 bilhões para acomodar uma parte das emendas parlamentares do Orçamento.

Foi mal recebida e, aí, mais versões de quem era o culpado pelo jabuti ou “variante que escapou do laboratório”, na fala do ministro Guedes a interlocutores, virou o tema central da discussão nos últimos três dias em Brasília.

Apelidada de fura-teto, a PEC com esse jabuti acabou alimentando outro erro. O dinheiro para os programas da covid-19 não pode ser considerado um fura-teto.

Para chegar ao acordo, alguém precisa ceder. O presidente da CâmaraArthur Lira, dá sinais que não pretende recuar e mandou a consultoria da Câmara preparar um segundo parecer mostrando que é possível sancionar o Orçamento sem vetos. Ele foi eleito como aquele que cumpre acordos. E precisa das emendas.

No lado oposto do Congresso, o presidente do SenadoRodrigo Pacheco, está ouvindo lideranças e dá sinais de que pode aceitar o veto parcial. É preciso restaurar um mínimo de confiança entre as partes para sair dessa encrenca que não ajuda em nada nessa hora tão difícil para o País.


Bruno Boghossian: Com manobra no Senado, crescem chances de CPI não dar em nada

Mudança abre caminho distrações que podem acabar poupando Bolsonaro na pandemia

A missão número um de Jair Bolsonaro era "mudar o objetivo" da CPI da Covid. Com a ajuda do Congresso, o presidente conseguiu. O Senado ampliou o foco da investigação e incluiu o dinheiro federal repassado aos estados. De quebra, parlamentares começaram a criar empecilhos para a realização das sessões. Na prática, cresceram as chances de a comissão não dar em nada.

Bolsonaristas já trabalham para que a CPI só exista no papel. O líder do governo no Congresso, Eduardo Gomes (MDB), quer que o colegiado só se reúna depois que a vacinação avançar. Ele espera ter o apoio do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM), que era contra o funcionamento da comissão agora.

Se não for possível segurar o andamento dos trabalhos, a base governista tem outras saídas. A decisão de transformar a CPI numa investigação abrangente, como pediu Bolsonaro, abre caminho para manobras diversionistas que podem acabar poupando o presidente.

Com a ampliação de escopo, a comissão passa a incluir as ações de estados e municípios “no trato com a coisa pública” durante a pandemia. Isso significa que a CPI pode investigar praticamente qualquer despesa com verba federal em qualquer lugar do Brasil. É o suficiente para distrair senadores que não estiverem interessados em investigar Bolsonaro.

Os integrantes da CPI também ganham poder para mirar adversários políticos e desafetos. Aliados de Bolsonaro estão de olho em rivais do presidente nos estados, enquanto outros senadores, interessados em concorrer a governos estaduais em 2022, querem aproveitar para desgastar concorrentes locais. O Planalto deve se beneficiar da confusão.

A blindagem de Bolsonaro vai depender do comportamento dos 11 titulares da CPI. O governo não conseguiu escalar uma tropa de choque fiel, mas a comissão terá uma minoria de oposicionistas convictos e uma maioria de senadores do centrão ou de partidos sem alinhamento político claro. O Planalto tem muito a oferecer para esse grupo.


Ricardo Noblat: CPI da Covid pode virar a CPI do fim do mundo de Bolsonaro

Se não terminar em pizza, é claro

Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sabe-se como começa, mas não como termina. A da Covid, sequer se sabe como começará. Rodrigo Pacheco (DEM-MG), presidente do Senado, leu o pedido de abertura da CPI como mandou na semana passada o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal.

CPI é direito assegurado pela Constituição à minoria parlamentar. Mas no que depender da tropa aliada ao governo Bolsonaro dentro do Senado, ela não sairá do papel. Se sair, não será instalada até que passe a pandemia. Se for instalada antes, simplesmente não funcionará. Se funcionar, será sabotada até o fim.

Em sessão nesta tarde, o Supremo deve avalizar a decisão de Barroso que tanto irritou Bolsonaro, deixando-o em pânico. O principal objetivo da CPI é investigar erros cometidos pelo governo no combate à Covid. Secundariamente, poderá investigar erros de governadores e prefeitos no uso de verbas federais.

Faltam vacinas no país. Faltam remédios para a intubação de vítimas da doença em estado grave. Na maioria dos municípios, faltam UTIs, e os doentes são transferidos para municípios que as tenham. Acontece que nesses lugares a rede de UTIs está perto do colapso. E o número de mortes só faz crescer.

Salvo os ideológicos, nenhum parlamentar, deputado ou senador pouco importa, se presta a defender o governo de graça numa CPI, qualquer governo. Bolsonaro já é refém do Centrão, do qual depende  para aprovar projetos do governo no Congresso e barrar pedidos de impeachment que possam abreviar seu mandato.

Caberá ao MDB a relatoria da CPI da Covid. É o cargo mais importante. O senador Renan Calheiros (MDB-AL), aliado de Lula e do PT, deve ser o relator. A oposição ao governo e os partidos que se dizem independentes indicarão 7 dos 11 titulares da CPI. É um mau sinal para Bolsonaro. Certeza de encrenca feia.

O MDB tem um pé dentro do governo, mas quer pôr os dois. Se conseguir, não significa que apoiará a reeleição de Bolsonaro no ano que vem, longe disso. A tendência do partido é apoiar um candidato do centro (não confunda com Centrão), mas se ele não tiver chances de vencer, poderá se alinhar a Lula.

Nada pode haver de pior para um governo do que a abertura de uma CPI justamente no momento em que ele está mais fraco, e por ora, sem perspectivas de se recuperar. Se a CPI decolar e investigar a fundo o que deve, haverá chuvas e trovoadas em Brasília com um final imprevisível. Certas coisas serão inevitáveis.

Por exemplo: convocar para depor o atual ministro da Saúde e os três que o antecederam – entre eles, o general da ativa Eduardo Pazuello que saiu de lá insinuando que políticos do Centrão tentaram encher os bolsos nas negociações para a compra de vacinas. Um general sendo interrogado por senadores, já pensou?

Não deverá ser o único. Quanto foi gasto pelo Exército para produzir cloroquina receitada por Bolsonaro para tratamento precoce do vírus? Tratamento precoce para a doença jamais existiu. Quem deu ordem ao Exército para tal? O general Fernando Azevedo e Silva, ex-ministro da Defesa, talvez saiba.

Por que o sucessor de Luiz Henrique Mandetta, o médico Nelson Tech, foi ministro da Saúde por menos de 30 dias? O que o levou a pedir demissão? Não pôde nem montar sua equipe. Por que não pôde? E a história da vacina da Pfizer oferecida ao governo em junho do ano passado e recusada até o final de dezembro?

Se não terminar em pizza, a CPI da Covid tem tudo para no futuro tornar-se conhecida como a CPI do fim do mundo de Bolsonaro e de muita gente.


Rosângela Bittar: O processo da pandemia

O culpado por esta crise política e institucional tem nome e sobrenome: Rodrigo Pacheco

O essencial é que a pandemia seja investigada. Que os erros de gestão sejam expostos, por mais que diluídos nas tentativas de tumultuar o ambiente. Impossível escapar de acusações. As feitas ao presidente Jair Bolsonaro, no fundo, se resumem a apenas uma: a negação. O presidente contestou a existência da covid-19 e as mais elementares formas de combatê-la, como o isolamento e as vacinas. Quando não foi omisso, foi equivocado.

Já o presidente do Senado, que teve à mão uma forma eficaz de intervir e mudar os rumos da catástrofe, imaginou que poderia aplicar um sofisma parlamentar. Como dependia da sua assinatura a instalação da CPI, tentou postergá-la. Exercitou o golpe de Pilatos e lavou as mãos. Um passo em falso nas cenas iniciais da sua liderança de um dos poderes da República.

Obrigado a cumprir o dever por decisão judicial, acabou por perder o controle da situação.

A experiência das CPIs mostra que, mais do que as investigações, as denúncias ganham dimensões de provas.

Por isso, haja o que houver, e mesmo que Bolsonaro tenha conseguido truncar a CPI, o culpado por esta crise política e institucional tem nome, sobrenome e endereço: o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), presidente do Senado. Ele vislumbrou dominar o processo com silêncios e retardamentos.

Definido por seu público como um político tático e tendo surgido no Senado como uma novidade bem-vinda ao jogo parlamentar, parecia uma espécie de ressurreição dos políticos mineiros que fizeram história. É curto o caminho percorrido, mas Rodrigo Pacheco, até agora, está frustrando estas expectativas.

Os argumentos que mobilizou para não instalar a CPI são superficiais e às vezes parecem sobrenaturais, porque tomam distância da realidade.

Estreante, o senador Pacheco desprezou mais de 30 assinaturas de senadores de diferentes partidos e ideologias. Apegou-se ao argumento, depois capturado pelo governo, que a CPI não podia funcionar por meio virtual. Hoje, no planeta, da assembleia de condomínio ao programa de auditório, sem falar no plenário dos tribunais, as sessões realizam-se remotamente.

Outro dos problemas mencionados seria a impossibilidade de dar segurança às testemunhas. Por quê? O presidente e o relator podem acompanhar a testemunha numa reunião, enquanto os inquiridores trabalham de outras latitudes. Surgiu ainda a alegação estapafúrdia, logo incorporada por representantes do investigado, de que a CPI da Pandemia, se realizada durante a pandemia, seria um ato político e atrapalharia o enfrentamento da doença. E para completar recorreu ao lugar-comum: a CPI seria um “ponto fora da curva”. Qual é a curva?

Enquanto fugia de suas atribuições constitucionais, o senador Pacheco não se recusava a tentar desempenhar competências do Executivo, buscando formas de comprar vacinas e toda sorte de providências que não tinha condições legais de assinar. Perda de tempo. Até aceitou liderar um comitê decorativo, criado por Bolsonaro para envolver suas responsabilidades numa cortina de fumaça.

O fato de o destemido Jair Bolsonaro estar com medo de ser investigado é até um bom sinal. Poderia significar que tem consciência dos atos perversos que praticou na gestão da pandemia. Já o presidente do Senado poderia ter evitado a crise e baixado a temperatura de mil formas. Quem sabe, se tivesse instalado a CPI quando foi proposta, por exemplo, não saberíamos hoje as verdadeiras razões das quatro mudanças de ministros da Saúde neste governo, em menos de um ano.

Ao submeter-se ao capricho do presidente, o senador Pacheco talvez não tenha percebido que a grife da presidência do Senado só é desfrutável quando se está no exercício do cargo. Quem se lembra hoje do senador Davi Alcolumbre?


Celso Rocha de Barros: CPI da Covid tem que ser início do julgamento de Nuremberg que bolsonarismo merece

Comissão instaurada meses atrás teria salvado milhares de vidas; talvez ainda dê para salvar algumas

ministro Luís Roberto Barroso determinou que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, tome vergonha na cara e instaure a CPI que investigará os crimes de Bolsonaro durante a pandemia.

O requerimento para abertura da CPI é assinado por 32 senadores, 5 a mais do que o legalmente requerido. A CPI só não havia sido aberta ainda por mutreta, falcatrua e sacanagem.

O senador Pacheco alega que a instauração da CPI pode prejudicar a ação conjunta dos Poderes contra a pandemia. Ele está mentindo. Não há ninguém na esfera federal tomando qualquer providência contra a pandemia. Cerca de 80% das vacinas aplicadas no Brasil até agora são da Coronavac do Butantan (e de Doria).

O presidente da Câmara, Arthur Lira, disse que não é “hora de apontar culpados”. Disse isso porque Bolsonaro, que é o culpado, concedeu a Lira e a seus aliados no centrão acesso a cargos e verbas da administração federal.

A hora de apontar culpados, se entendi bem, será quando esse dinheiro acabar. Talvez já não dê mais para evitar uma única morte brasileira.

Se vocês quiserem entender a diferença que instituições minimamente funcionais fazem, deem uma olhada no noticiário um dia antes da decisão de Barroso e um dia depois.

Um dia antes, a Câmara aprovou um projeto de lei que possibilita que vacinas sejam desviadas do SUS para empresários utilizando o Ministério da Saúde como laranja. Essa aliança de Chicago Boys inspirados em Milton Friedman com Chicago Boys inspirados em Al Capone só foi possível porque o bolsonarismo estava funcionando sem controle nenhum.

No dia seguinte à decisão de Barroso, o próprio Bolsonaro autorizou, pela primeira vez desde o início da pandemia, que o Ministério da Saúde promovesse campanhas pelo isolamento social e pelo uso de máscaras. Foi medo da CPI.

Agora calculem quantas vidas teriam sido salvas se a CPI tivesse sido instalada no ano passado. Se no começo da segunda onda Bolsonaro já tivesse medo de cair, se o medo de cair o tivesse feito comprar vacinas, defender o isolamento, distribuir máscaras. Teriam sido muitas dezenas, talvez centenas de milhares de brasileiros mortos a menos.

No sábado (10), cruzamos a marca de 350 mil mortos. Segundo as projeções, já temos pelo menos mais cem mil mortes contratadas, isto é, inevitáveis pela conjunção do ritmo de disseminação da doença com as políticas adotadas por Bolsonaro.

Cem mil brasileiros adicionais vão morrer com certeza de Covid-19. Já estão condenados, só não sabem disso ainda. Talvez um deles seja você, leitor. Talvez um deles seja eu.

Mas o risco de que morramos, além desses todos, mais outros 100, mais outros 200 mil, também é alto. Talvez derrubar e prender Bolsonaro não impeça essas mortes, mas manter Bolsonaro confortável no poder as garante.

Quem não trabalha para que Bolsonaro seja responsabilizado por seus crimes trabalha para matar 100, 200 mil brasileiros além dos que já morreram.

A CPI tem que ser o início do julgamento de Nuremberg que o bolsonarismo merece. Não haverá volta ao normal sem isso. Se deixarmos passar os crimes da pandemia, o que teremos direito de criticar nos próximos governos “normais”, seja lá quando for que eles voltem? Corrupção? Inflação alta? Seria falta de senso de ridículo.


Bolívar Lamounier: Sob o império da mentira

Cúpula dos três Poderes hoje provavelmente é a pior composição da nossa História

Faz tempo que nós, brasileiros, vimos sentindo nossa autoestima baixar cada vez mais. Não vendo muito de positivo a celebrar, ressaltamos nossos defeitos, que, de fato, não são poucos.

Mas, sinceramente, nunca me ocorreu que tantos de nós fôssemos imbecis, canalhas e irresponsáveis como essas multidões que estão antepondo todo tipo de obstáculos ao combate à pandemia. Pondo em risco não só a nossa vida, mas também a deles.

A pandemia já ceifou quase 300 mil vidas e uma parcela importante dessa perda se deve ao comportamento do insano que nos preside. Seu objetivo parece ser muito mais o de impedir a ascensão eleitoral do governador João Doria do que livrar o nosso país dos riscos trazidos pelo coronavírus. Sabotando o trabalho dos agentes de saúde, fomentando aglomerações, insuflando fanáticos que o apoiam, mentindo sem nenhum pudor (por exemplo, quando afirma que o Supremo Tribunal Federal o impede de agir), ele vem tornando nossa tragédia muito maior do que ela precisaria ser. Hoje somos uma “ameaça global” e uma vergonha para o mundo.

Era o caso de esperar mais de um capitão excluído das Forças Armadas por indisciplina para em seguida se tornar um lídimo representante do “baixo clero” na Câmara dos Deputados? Justiça feita, ele não é um caso isolado. O que hoje temos na cúpula dos três Poderes é provavelmente a pior composição da nossa História. No próprio Supremo, guardião da Constituição, alguns ministros parecem empenhados tão somente em combater o combate à corrupção.

O império da mentira parece não ter limites. Veja-se o caso de Lula. Minutos após ter suas condenações pelo triplex e pelo sítio em Atibaia invalidadas pelo ministro Fachin, fazendo pose de estadista ele proferiu uma mentira que o futuro certamente lembrará como um notável paradoxo. Afirmou ter sido “vítima da pior mentira jurídica de nossa história”. Proferiu, portanto, uma mentira que se autodesmente, como na história do cachorro correndo atrás de seu próprio rabo. Mesmo o período de um ano e meio em que esteve preso em Pinheirais é uma grande mentira, pois esteve confortavelmente instalado, com direito a televisão e a visitas de seus advogados e outras pessoas. Lula sabe muito bem que, no espaço de dois ou três meses, sob os governos militares, muita gente sofreu centenas de vezes mais do que ele.

Lembremos, contudo, que algumas das piores coisas que ouvimos ultimamente não são mentiras. Minutos após ser empossado como presidente da Câmara dos Deputados, o deputado Arthur Lira (PP-Alagoas) manifestou sua intenção de restabelecer a coligação entre partidos nas eleições legislativas. Essa, sim, é de cabo de esquadra.

A revogação das coligações (efetivada na reforma de 2017) foi a única medida séria que logramos aprovar no terreno da reforma política em mais de 30 anos de tentativas. A referida modalidade de coligação era uma evidente fraude da vontade do eleitor e da consistência que temos o direito de esperar dos partidos políticos. Minigrupos que, isoladamente, não conseguiriam atingir o chamado quociente eleitoral, habilitando-se a participar da distribuição das cadeiras, aliavam-se – como se fossem um partido! – a fim de atingi-lo. Concretizado esse objetivo espúrio, separavam-se, juntavam-se a outros e faziam o que bem entendiam com a parcela da representação popular que supostamente teriam angariado.

A vedação das coligações foi aplicada na eleição municipal de 2020, com resultados por enquanto modestos, mas positivos.

A intenção externada pelo presidente da Câmara é um péssimo augúrio. Sugere que uma parte da classe política persiste na obtusidade que a caracteriza há várias legislaturas. Que não compreende que o Brasil precisa de uma reforma política séria e abrangente, sob pena de não lograr o impulso necessário para retomar o crescimento econômico e a busca do bem-estar. Nesse mister, não estamos lutando para evitar um retrocesso, estamos metidos até o pescoço num retrocesso gravíssimo, que implica nossa permanência num nível de pobreza avultante por toda uma geração. Tal reforma terá de ser feita, cedo ou tarde, e num contexto preocupante. Trata-se de uma reforma difícil, que por certo envolverá alterações constitucionais, portanto, um desafio de grande monta para a atual geração política, sabidamente mediana.

Trinta e cinco anos atrás, no Congresso Constituinte, qualquer cidadão informado não precisaria de mais que cinco minutos para apontar dez, quinze ou vinte líderes de expressão nacional. Falo da qualidade de tais líderes, não da ideologia de tal ou qual. De A a Z, dispúnhamos de figuras públicas habilitadas a representar a sociedade nos escalões mais altos. Lá estavam Ulysses Guimarães, Franco Montoro, Mário Covas, Roberto Campos, Delfim Netto, Fernando Henrique Cardoso.

Hoje, se me permitem um breve resumo, temos um cenário extremamente preocupante para as próximas duas ou três décadas e uma classe política, ao que tudo indica, despreparada para enfrentar esse magno desafio.

*Sócio-Diretor da Augurium Consultoria, é membro das Academias Paulista de Letras e Brasileira de Ciências


Brasil corre risco de ter maior número absoluto de mortes por Covid, diz revista da FAP

Editorial da Política Democrática Online de março critica erros do presidente Bolsonaro

Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP

O governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) errou de forma costumaz na falta de implementação de política nacional de enfrentamento à pandemia da Covid-19 e persiste nos seus erros. A análise é do editorial da revista Política Democrática Online de março.

Confira a Edição 29 da Revista Política Democrática Online

A revista mensal é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania. Todos os conteúdos podem ser acessados gratuitamente na versão flip, disponível na seção de revista digital do portal da entidade.

“Com o sucesso da campanha de vacinação nos Estados Unidos, corremos o risco de ver em pouco tempo nosso país como número um no mundo em número absoluto de óbitos”, afirma um trecho do editorial. A doença já matou mais de 275 mil brasileiros.

“Percurso trágico”
De acordo com a revista, tentar evitar esse resultado é premente para o país. “Igualmente importante, contudo, é deixar claro, para o conjunto dos cidadãos, os verdadeiros responsáveis pelo percurso trágico que estamos a seguir”, enfatiza.

A tarefa de todas as forças democráticas, nos estados, nos municípios, em todas as instâncias do Legislativo, segundo o editorial, é persistir na resistência para suprir a omissão e a oposição do governo para trabalhar em prol de medidas contra a Covid-19.

As medidas, de acordo com a revista, incluem distanciamento social, uso de máscaras, obtenção no número suficiente de doses das vacinas disponíveis, assim como o acesso ao auxílio emergencial por parte daqueles que dele necessitam.

Variantes do coronavírus
“A circulação do vírus por grandes concentrações de pessoas, sem vacina e sem distanciamento social, parece ter propiciado o surgimento das novas variantes, capazes de infectar novamente pacientes já curados”, observa o editorial.

O texto diz, ainda, que a ilusão da imunidade natural da população ao preço alto de milhares de óbitos evaporou-se. “Os óbitos aconteceram, mas nenhum benefício perdurou, e o Brasil é hoje potencial fonte de risco para os países que lograram êxito no enfrentamento da pandemia”, critica a revista.

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Face deletéria de Bolsonaro é destaque da Política Democrática Online de março

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Face deletéria de Bolsonaro é destaque da Política Democrática Online de março

Esperança com a tecnologia de vacinas contra Covid e violação a direitos das Forças Armadas estão entre os 15 conteúdos na nova edição

Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP

A “face mais deletéria” do presidente Jair Bolsonaro (Sem partido), a política de armamento da população como violação ao papel constitucional das Forças Armadas, a tecnologia de vacina contra Covid como luz sobre doenças graves são os principais destaques da edição de março da revista Política Democrática Online, lançada neste sábado (13/3).

A revista mensal é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania. Todos os conteúdos podem ser acessados gratuitamente na versão flip, disponível na seção de revista digital do portal da entidade.

Confira a Edição 29 da Revista Política Democrática Online

Nesta edição, análises sobre política nacional e internacional, meio ambiente, economia, ciência, literatura e cinema em 11 artigos, uma entrevista exclusiva, uma reportagem especial, além do editorial e charge de JCaesar.



“Enfraquecimento da democracia”
Principal destaque desta edição, entrevista exclusiva sobre avaliação do governo Bolsonaro foi concedida pelo mestre e doutor em História pela USP (Universidade de São Paulo), Alberto Aggio. Ele é professor titular em História pela Unesp (Universidade Estadual Paulista), com pós-doutorado nas universidades de Valência (Espanha) e Roma3 (Itália).

“Acho que o Bolsonaro se configura como um governo, se não ameaçador à nossa democracia, pelo menos um governo que visou, desde o início, a um enfraquecimento dela”, critica Aggio. “Bolsonaro é a face mais deletéria, mais grave da política da Nova República”, avalia o professor da Unesp.

No editorial de sua 29ª edição, a revista Política Democrática Online faz crítica incisiva à falta de política nacional de enfrentamento à pandemia da Covid, com reflexos nas mais de 275 mil mortes de brasileiros por causa de complicações da doença.

“Não é possível subestimar a responsabilidade do governo federal pela situação de vulnerabilidade crescente em que os cidadãos brasileiros se encontram hoje”, diz um trecho.  “Todos os itens da agenda negacionista foram por ele perseguidos com empenho”, emenda.

“Novas tecnologias”
Já a reportagem especial desta edição mostra estudos sobre vacinas da Covid em andamento com técnicas genéticas que podem ser aplicadas em tratamento contra doenças graves, como câncer e esclerose múltipla.

“Novas tecnologias para produção de vacinas, notadamente aquelas que usam o material genético do vírus Sars-Cov-2, podem rapidamente ser adaptadas para novos agentes causadores de doenças”, afirma um trecho da reportagem.

Em um dos artigos de destaque, o ex-deputado federal e ex-ministro da Defesa e extraordinário da Segurança Pública do governo Michel Temer (MDB) Raul Jungmann diz que o armamento da população, como pretende Bolsonaro, significa também ferir o papel constitucional das Forças Armadas.

Registro de armas de fogo
“Segundo a Polícia Federal, em 2020, o registro de armas de fogo cresceu 90% em relação ao ano anterior, o maior crescimento de um ano para outro já registrado pela série histórica”, afirma. Jungmann também é ex-ministro do Desenvolvimento Agrário e ex-ministro extraordinário de Política Fundiária do governo FHC.

Em um dos artigos, o economista Guilherme Acciolly avalia que o avanço do desmatamento é incentivado por se dar majoritariamente sobre terras públicas e crescentemente sobre áreas protegidas. Portanto, segundo ele, “com custo de aquisição nulo”.

O conselho editorial da revista Política Democrática Online é formado por Caetano Araújo, Francisco Almeida e Luiz Sérgio Henriques.

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RPD || Guilherme Acciolly: A miopia de curto prazo e o desmatamento da Amazônia

País precisa conter imediatamente o processo de desmatamento da Amazônia e evitar a chegada ao “ponto de não retorno”, quando será impossível deter a destruição da floresta 

O desmatamento na Amazônia continua aumentando. Segundo os dados oficiais do INPE, entre 2018 e 2020, portanto durante o governo Bolsonaro, a taxa de desmatamento na Amazônia cresceu 47 %. 

Os motivos para isso são muitos. Mas certamente a política simpática aos setores responsáveis pelo desmatamento (grileiros, alguns madeireiros e pecuaristas, garimpeiros ilegais) e o cerceamento à atuação do IBAMA e demais órgãos encarregados da repressão ao desmatamento contribuíram de forma decisiva para esse resultado. 

Essa postura é suicida no longo prazo, mas faz sentido numa perspectiva míope de curto prazo. Não há dúvida de que é popular para grande parte da opinião pública local e nacional. De fato, num primeiro momento, há relevante aumento da renda na região da fronteira do desmatamento. A retirada da madeira, a instalação ou ampliação de serrarias, a compra de maquinário, a implantação de pastos no lugar da floresta, a comercialização da carne bovina, a recepção dos novos habitantes, tudo isso gera renda e emprego. Muito mal distribuídos, mas com impacto positivo no início. 

Esse avanço é incentivado por se dar majoritariamente sobre terras públicas (e crescentemente sobre Áreas Protegidas) – e, portanto, com custo de aquisição nulo. Porém, logo depois, a receita madeireira se extingue ou decresce muito, a agricultura é prejudicada pela má qualidade do solo na Amazônia, e resta a pecuária de baixíssima produtividade. Ou seja, a prosperidade chega e vai embora. Aí o que se faz é repetir o processo mais adiante.  

Essa dinâmica vai empurrando a fronteira, avançando pela floresta. Só que esse recurso, a floresta, não é infinito. Já desmatamos cerca de 20% da Amazônia. Se nada for feito, um dia, nem tão remoto, ela acaba e teremos matado a proverbial galinha dos ovos de ouro. Na verdade, isso não ocorrerá. Muito antes disso, a própria destruição parcial da floresta a levará ao colapso, ao se interromperem os processos e fluxos naturais de regeneração. 

Há evidência científica indicando que esse “ponto de não retorno” já está muito próximo. Ou seja, se não houver a contenção imediata do processo de desmatamento da Amazônia, ela em pouco tempo deixará de existir. 

E qual o problema? É até bom, pois facilita o desenvolvimento agrícola e a exploração mineral na região (olha o nióbio!). Esse argumento, tão típico dos dias atuais, exige resposta. Se a floresta amazônica acabar, se extinguirá toda a riqueza potencial advinda da atividade madeireira sustentável e da extraordinária biodiversidade ali encontrada. Ninguém sabe tudo que pode ainda ser descoberto e aproveitado. Trata-se de uma riqueza literalmente incalculável. Provavelmente inúmeras vezes maior que o potencial agropecuário e mineral. 

Mas o prejuízo não se limita a isso. A eventual extinção da floresta amazônica – o que é possível que ocorra em breve – prejudicaria decisivamente o agronegócio, bem como toda a população do Centro-Oeste e Sudeste. O regime de chuvas seria fortemente afetado com a interrupção da chegada da umidade oriunda da Amazônia, que tem volume equivalente ao Rio Amazonas, no fenômeno conhecido como Rios Voadores.  

Ou seja, o processo de desmatamento da Amazônia é popular na região e em boa parte do país (embora haja também ampla parcela da população que a ele se opõe), até porque traz alguma prosperidade no curto prazo. Entretanto, no médio e longo prazo, é um baita tiro no pé. A miopia curtoprazista pode ser extremamente prejudicial para a região, para o Brasil e para o planeta. 

Não é novidade para o Brasil. No início de século passado, a prosperidade advinda da exploração da borracha foi assombrosa e, aos olhos da sociedade local – e nacional – da época, infinita e perpétua. Até as plantações asiáticas aniquilarem essa riqueza. O Brasil hoje é importador líquido de látex. 

Essa mesma miopia faz com que setores do governo se deem ao luxo de destratar gratuitamente nosso maior parceiro comercial, a China. O raciocínio é que “a China não pode ficar sem nossa soja”. Isso é verdade hoje. Mas os chineses (que certamente não podem ser acusados de não ter uma visão de longo prazo) não devem ser subestimados. Em janeiro deste ano, o Ministro da agricultura chinês declarou que “As tigelas chinesas devem ser enchidas com grãos chineses, e os grãos chineses devem ser cultivados a partir de sementes chinesas.” Isso ainda está longe de acontecer, mas a estratégia já está definida. É questão de tempo (olha o longo prazo aí). 

*Guilherme Acciolly é economista


Pablo Ortellado: Eles em nós

A editora Record acaba de lançar o novo livro de Idelber Avelar, “Eles em nós”, que busca interpretar os acontecimentos recentes da política brasileira com os instrumentos da análise retórica.

O maior mérito da obra é examinar os processos políticos recentes, reconstruindo cuidadosamente os acontecimentos, de uma perspectiva razoavelmente distanciada. A posição política do autor, que vem da esquerda, mas se afasta dela, confere rara equidistância para tratar criticamente as administrações petistas e o governo Bolsonaro.

A principal limitação do livro é justamente o que seria a sua virtude: o uso de categorias da retórica para explicar os processos políticos. Avelar tem larga experiência como comentador político, mas preferiu se apoiar em sua especialidade, como professor de Literatura, para se lançar neste projeto de interpretação do Brasil contemporâneo. Os conceitos da retórica às vezes dificultam, em vez de ajudar a esclarecer as questões.

Avelar usa, por exemplo, o conceito de oximoro (figura de linguagem que combina palavras de sentido oposto) para tratar das contradições do lulismo. Mostra que, enquanto Lula criticava os ruralistas, tinha Blairo Maggi como interlocutor; enquanto atacava os meios de comunicação, ampliava as verbas de publicidade do governo.

A análise dessas contradições é perspicaz, mas o recurso à figura do oximoro não as ilumina. Lula não empregava expressões antinômicas, mas adotava uma postura ideológica junto à militância, contraditada por seu pragmatismo como presidente. Se se debruçasse sobre o conceito de “governo em disputa”, reivindicado pela militância petista, talvez pudesse entender melhor o fenômeno.

Avelar caracteriza essa ambivalência como uma forma de administração dos antagonismos sociais. E é essa forma de gerenciar os conflitos que teria implodido com os protestos de junho de 2013. A incapacidade do sistema político de entender e dar resposta à revolta teria criado as condições para a emergência de Bolsonaro, cuja radicalidade antissistêmica daria uma expressão de ultradireita aos antagonismos represados.

O último capítulo do livro trata da ascensão de Bolsonaro. Avelar explica sua candidatura a presidente por meio de uma aliança entre o agronegócio, o punitivismo policial e judiciário e o evangelismo cristão. A coalizão teria, no ativismo de internet, uma espécie de vanguarda digital e seria sacramentada pelo compromisso liberal de Paulo Guedes.

A enumeração das forças políticas que apoiam Bolsonaro é bem ponderada, mas a sugestão de que Bolsonaro tenha costurado uma coalizão política é pouco amparada em evidências. Tudo indica que Bolsonaro lançou sua candidatura de maneira aventureira e foi ganhando o apoio desses setores à medida que se popularizava.

As explicações de Avelar nem sempre são persuasivas, mas o livro tem o mérito de fazer as perguntas certas. Entender como passamos do impulso libertário de junho de 2013 para o pesadelo autoritário de 2018 segue sendo um dos grandes desafios da inteligência brasileira.