roberto simon

Roberto Simon: Roteiro da queda de Moro tem trechos plagiados da Casa Branca

Assim como nos EUA, havia crença no Brasil de que superministros seriam os adultos na sala

O general John Kelly era secretário de Segurança Doméstica quando foi puxado para a Casa Branca, em julho de 2017. Kelly virou chefe de gabinete de Donald Trump –cargo comparável, no Brasil, ao de ministro-chefe da Casa Civil–, com a missão de botar ordem na Presidência.

Conteria os extremos de Trump e organizaria o governo. Seria um “adulto na sala”, dizia-se.

Àquela altura, a sala de Trump supostamente já tinha outros adultos. Gente como o general James Mattis, chefe do Pentágono, e Gary Cohn, ex-executivo do Goldman Sachs e principal assessor econômico da Presidência.

A eles também caberia segurar o presidente e garantir que a burocracia operasse com um mínimo de eficiência.

Durou pouco. Apesar de Kelly, o governo seguiu disfuncional, imprevisível e extremado. Apesar de Mattis, Trump continuou a destroçar as alianças militares que formam a base do poder global americano. Apesar de Cohn, a Casa Branca se lançou numa aventura protecionista sem precedentes.

Nenhum deles conseguiu controlar o presidente. Pior ainda, no caminho, ficou claro que nenhum era tão adulto assim. Antes de saírem batendo a porta, todos foram coniventes com decisões e políticas que traíam os valores que eles diziam encarnar.

Tornaram-se, afinal, forças para legitimar Trump.

A melhor tradução de “adulto na sala” para o vernáculo bolsonarista é “superministro”. O significado é quase o mesmo: o indivíduo virtuoso e técnico que dominará uma área estratégica do governo, a conter os extremos do presidente e a gerir uma burocracia eficiente.

Lava-jatistas ganharam Sergio Moro. O dito “mercado” ganhou Paulo Guedes.

O presidente Donald Trump ao lado de John Kelly, na Casa Branca - Yuri Gripas - 5.out.2017/Reuters
Ambos se enfraqueceram em pouco mais de um ano (prazo, aliás, similar ao de Kelly, Mattis e Cohn). Em vez de controlar o presidente, bolsonarizaram-se, validando decisões que traíam suas supostas virtudes.

Antes de cair, o herói da Lava Jato foi ministro do governo que mais tentou interferir e sabotar órgãos de controle na nossa história recente.

Pioramos em nossa capacidade de lutar contra a corrupção. O Chicago Oldie, depois de desprezar a ameaça da Covid-19, está sendo trocado por um PAC de farda.

A lição geral é a mesma: não existe governo “apesar” do presidente, Trump ou Bolsonaro.

No entanto, há uma diferença crucial entre ter adultos na sala, em Washington, e superministros, em Brasília. A saída dos assessores “moderados” de Trump não abalou o governo ou o país.

Naquele mundo pré-coronavírus, mesmo sem eles, os EUA continuaram a ter uma economia de quase pleno emprego, com a bolsa de valores em alta e a vida que seguia. Politicamente, a popularidade de Trump manteve-se estável. Seu poder sobre o Partido Republicano, inconteste.

No Brasil, o jogo é outro. A saída de Moro é, sem dúvida, um golpe na credibilidade de Bolsonaro entre seus apoiadores, e mesmo entre os que se mantinham neutros em relação ao seu governo.

A depender do caminho que o ex-juiz seguir, Bolsonaro também pode se deparar com um poderoso antagonista.

Com a economia brasileira a afundar recessão adentro, uma saída de Guedes também poderia ter consequências enormes.

No final, a força institucional dos EUA é outra. E nossa fraqueza nos torna ainda mais vulneráveis à mitologia dos ministros salvadores.

Roberto Simon é diretor sênior de política do Council of the Americas e mestre em políticas públicas pela Universidade Harvard


Roberto Simon: Coronavírus deixou claro risco geopolítico que Trump representa

Apagão de liderança agravou pandemia

A política internacional, nos últimos anos, parecia guiada pela massa de pessoas anônimas. Da Praça Tahrir ao Occupy Wall Street.

Mais recentemente, das ruas de Hong Kong às do Chile. Dos tuítes, retuítes, likes e bots das redes sociais. E, agora, dos gráficos de curvas ascendentes de casos de coronavirus.

No entanto, a pandemia da Covid-19 mostra como, em um momento de crise sistêmica, as escolhas de algumas poucas pessoas com enorme poder, em certas capitais, determinarão o destino de incontáveis vidas e o futuro da economia global. Líderes, afinal, importam.

Essa virada é particularmente assustadora quando, à frente da maior potência da história da humanidade, está Donald Trump.

O risco geopolítico que Trump representa foi normalizado nos últimos anos.

Mas com o abismo do coronavírus a olhar dentro de nós, começa-se a entender o custo real de se ter, em Washington, um governo disfuncional, anticientífico, em guerra contra as instituições democráticas e a imprensa, e sem credibilidade internacional.

O mecanismo da negação foi simples. Trump herdou uma economia em expansão e pisou no acelerador cortando impostos (as consequências do déficit americano, um dia saberemos).

Em uma situação de pleno emprego e com a bolsa batendo recordes, o setor privado passou a vê-lo como uma distração excêntrica.

Apesar de tensões na Coreia do Norte, Crimeia ou Irã, o risco de guerra permaneceu baixo. E a pujança da economia americana reduziu o impacto das guerras comerciais com a China, e de outros disparates.

Com céu de brigadeiro, ninguém pensa no piloto. Agora, entramos na tempestade.

Trump continua a repetir que há testes suficientes para todos, apesar do consenso entre especialistas de que isso não é verdade. Diz que o vírus —até pouco, fake news para roubá-lo a reeleição— deve ser levado a sério.

A falta de credibilidade do governo e as mensagens truncadas agravaram a situação no mercado.

No primeiro tombo da bolsa, no dia 24, Trump decretou que o coronavírus estava “sob controle nos EUA”.

O país contava 14 casos em 6 estados. Em duas semanas, a cifra, apesar das restrições de exames, saltou a 1.600 em 49 estados.

Além de algumas ideias soltas de eficácia questionável, como descontos em folha de pagamento, ninguém sabe ainda como a Casa Branca reagirá ao choque econômico.

E o histórico de ofensas a líderes mundiais, hostilidade a aliados e o enfraquecimento de organismos multilaterais começa a cobrar seu preço.

Em um pronunciamento na TV na quarta-feira, Trump anunciou bloqueio a viagens e produtos da Europa.

Europeus não haviam sido informados de nada. Depois, descobriram que as duas informações estavam erradas. A crise de 2008 foi respondida no âmbito do G20. Difícil imaginar algo semelhante hoje.

São óbvios os paralelos de Trump com Jair Bolsonaro –que, dias atrás, chamava o vírus de “fantasia” e ajudava a convocar manifestações de rua–, mas eles param nas assimetrias de poder entre EUA e Brasil no mundo.

São óbvios também os contrastes entre Trump e Bolsonaro com outros líderes globais.

Com serenidade, compaixão e franqueza, a chanceler Angela Merkel admitiu aos alemães que “milhões” serão contaminados.

Emmanuel Macron falou à nação a verdade e agradeceu, em nome da França, aos profissionais de saúde na linha de frente.

A pergunta agora é o que virá depois da tempestade, se ficar claro que decisões desastrosas tiveram um custo econômico e em vidas humanas. Será que o mecanismo da negação sobreviverá?

*Roberto Simon, é diretor sênior de política do Council of the Americas e mestre em políticas públicas pela Universidade Harvard e em relações internacionais pela Unesp.


Roberto Simon: A previsão furada de Geisel sobre os militares

Brasil é caso extremo, mas não isolado de volta de generais à política

​Em uma entrevista a historiadores da FGV em 1993, o ex-presidente Ernesto Geisel argumentou que “a política entrando no Exército” havia sido algo “mais ou menos tradicional” no Brasil. “Tem raízes históricas, mas agora, com a evolução, vai acabar.”

Para ilustrar seu ponto, Geisel referiu-se ao que via como uma anomalia completa: um deputado federal que, à época, convocava militares a voltarem ao poder. “Não contemos o Bolsonaro, porque o Bolsonaro é um caso completamente fora do normal, inclusive um mau militar.”

Geisel foi o arquiteto do retorno dos generais à caserna, com o desmanche da ditadura ao longo de uma década. Imagine sua reação se alguém lhe dissesse o seguinte: em menos de 30 anos, o presidente será Bolsonaro, militares formarão um terço do gabinete –incluindo a chefia da Casa Civil e da articulação com Congresso–, e a imagem de quatro generais estrelados ilustrará um panfleto conclamando a uma manifestação contra Congresso, STF e imprensa. Pobre Alemão, seu apelido entre os soldados.

Claro, não há problema em um militar da reserva, em razão de suas qualificações, ocupar cargo civil ou entrar na política. Mas a presença, em massa, de oficiais no governo – incluindo alguns da ativa – e a “política entrando no Exército” são duas faces da mesma moeda. Mentes sensatas, civis e militares, entendem que esse status quo é nocivo tanto à nossa democracia quanto às nossas Forças Armadas.

Como viemos parar aqui? Levará tempo para responder à questão, mas olhar ao nosso redor pode ser um bom começo. Afinal, em várias partes da América Latina, militares têm cada vez mais influência política. Ver o Brasil de uma perspectiva regional permite entender que a eleição de Bolsonaro foi uma circunstância excepcional, mas há causas estruturais para a transformação nas relações civis-militares.

A última edição da Americas Quarterly –revista com a qual contribuo como editor e colunista– trata a fundo do novo papel dos militares na região. É uma história que, nos últimos meses, pode ser contada por meio de uma sequência de imagens.

Praticamente todos os presidentes que enfrentaram ondas de protesto –o equatoriano Lenín Moreno, o chileno Sebastián Piñera, o colombiano Iván Duque– apareceram cercados de generais, quando as crises estouraram. Na Bolívia, o comandante das Forças Armadas colocou, física e simbolicamente, a faixa presidencial em Jeanine Áñez, no dia em que Evo Morales fugiu ao México.

O Brasil é um caso extremo, mas não isolado –há causas comuns na região que estão levando os militares a entrarem no espaço da política. Uma delas é o enfraquecimento da classe política, dos partidos e do apoio à democracia, enquanto as Forças Armadas continuam a ser uma das instituições mais respeitadas. Uma série de escândalos de corrupção contribuiu para esse desgaste: uma pesquisa da Universidade Vanderbilt revelou que quase 40% dos latino-americanos concordam que “um golpe militar pode ser justificado quando há muita corrupção” (no Brasil, são 35.4%). ​

As democracias que proliferaram nos últimos 30 anos propiciaram ganhos socioeconômicos sem precedentes, mas também criaram expectativas inéditas a uma nova classe média. Os últimos quatro anos foram os de menor crescimento em sete décadas na região, e insatisfação política toma essas jovens democracias.

Ao mesmo tempo, com o fim da Guerra Fria, as Forças Armadas passaram por uma crise de identidade. Hoje, do México ao Brasil, militares estão cada vez mais envolvidos com operações policiais e a guerra às drogas.

Todos esses fatores minaram a “evolução” que Geisel pensava ser inevitável –o “mau militar” Bolsonaro é sua consequência, e não causa. Encará-los de frente é a única forma de reequilibrar as relações civis-militares.

Roberto Simon
É diretor sênior de política do Council of the Americas e mestre em políticas públicas pela Universidade Harvard e em relações internacionais pela Unesp.


Roberto Simon: A América Latina em 2020

Quatro perguntas sobre os (des)caminhos da região no próximo ano

Em janeiro de 2019, a América Latina parecia outro planeta.

Mauricio Macri prometia zerar o déficit primário e retomar o crescimento argentino, com donos do dinheiro a apostar na sua reeleição. Veio Alberto Fernández.

Juan Guaidó virou “presidente interino” da Venezuela e proclamou que “o tempo de Maduro (estava) se esgotando”. Hoje, nem a oposição venezuelana acredita que a queda do ditador é iminente.

O FMI projetava um crescimento de 2,5% do Brasil, e Paulo Guedes falava em “3,5% no curto prazo”. Com reforma da Previdência e tudo, deu menos da metade da projeção do fundo.

A lista continua: Equador em convulsão, Evo Morales em fuga, Chile nas ruas rumo a uma nova Constituição, protestos na Colômbia. As bolas de cristal dos analistas —as quais, diga-se, nunca funcionaram muito bem— trincaram de vez.

Melhor, então, olhar adiante de outra forma. Em vez de projeções ambiciosas (e provavelmente erradas), podemos pensar em quatro perguntas para guiar interessados na nossa região.

1) Como a “segunda década perdida” continuará a se traduzir em instabilidade política?

À raiz da turbulência regional, está o fracasso econômico. Segundo a Cepal, o período 2014-2020 será o de menor crescimento da América Latina em 70 anos. O PIB per capita latino-americano caiu 4% em seis anos. Do México à Patagônia, a ideia de que inevitavelmente nos tornaríamos sociedades de classe média perdeu força.

Hoje, prevalece a percepção oposta —um nada-realmente-mudou-e-nunca-mudará—, com consequências políticas extremas: ondas de protesto, colapso do establishment político, ascensão de outsiders.

Esse ciclo não terminou e continuará a definir a evolução política na região em 2020.

2) O que virá nas eleições de 2020?

Não faltarão oportunidades para o mal-estar político se manifestar por meio do voto. Em janeiro, o Peru elegerá um Congresso para substituir a legislatura que o presidente Martín Vizcarra destituíra. Em março ou abril, a Bolívia refará suas eleições presidenciais, com um risco real de o resultado ser novamente contestado.

Chilenos terão um plebiscito constitucional e, a depender do resultado, escolherão uma assembleia constituinte em outubro. No mesmo mês, brasileiros terão eleições municipais —descobriremos se o bolsonarismo, com sua Aliança pelo Brasil, criará raízes no nível local. Se Maduro inviabilizar as eleições legislativas venezuelanas, marcadas para dezembro, Guaidó cairá num limbo político-jurídico (seu mandato termina no mês seguinte).

Mas a mais importante eleição para o futuro da região é a dos EUA, onde estão em jogo visões radicalmente distintas sobre o papel dos EUA no mundo.

3) O Brasil seguirá na trilha do isolamento internacional?

Imagine o seguinte cenário: a crise na Amazônia se intensifica, com investidores afugentados, uma campanha internacional de boicote e europeus discutindo sanções ao Brasil. Cresce a hostilidade entre Bolsonaro e Fernández, com graves consequências ao Mercosul. Derrotado, Trump dá lugar a um democrata progressista.

Existe um caminho claro que levará o Brasil ao isolamento. Trilhá-lo será uma escolha do governo, a depender, sobretudo, do poder que terá a ala “antiglobalista” daqui para frente.

4) Como o jogo geopolítico global afetará a região?

O ano terminou com o pré-acordo comercial entre Pequim e Washington, cujas quotas podem custar caro a economias latino-americanas (algo como US$ 10 bilhões ao Brasil, segundo o Insper).

Mas o confronto EUA-China se ampliou a duas outras frentes, além do comércio. A primeira é a tecnológica, sobretudo no campo do 5G. O Brasil considera postergar seu leilão, mas eventualmente terá de se decidir sobre a participação da China. A segunda é a financeira. Sanções contra chineses, ou restrições à plataforma Swift de comunicação interbancária, arriscarão balcanizar o sistema financeiro.

As três disputas definirão o desenvolvimento latino-americano na nova economia global.

Essa lista está longe de ser exaustiva —é apenas um começo. O mais importante: com menos certezas preconcebidas, será mais fácil entender uma América Latina em rápida transformação.

*Roberto Simon, é diretor sênior de política do Council of the Americas e mestre em políticas públicas pela Universidade Harvard e em relações internacionais pela Unesp.


Roberto Simon: Ironias do pinochetismo brasileiro

Novo culto a Pinochet revela mais do que ignorância histórica

Depois de “o nazismo foi de esquerda”, a nova temporada na série de falsificações históricas do bolsonarismo tem o ditador chileno Augusto Pinochet como herói principal. O pinochetismo é outra ideologia que, depois de bem velhinha, veio morar no Brasil: a direita chilena hoje no poder, a começar pelo próprio presidente Sebastián Piñera, tenta ao máximo se afastar do pesadelo dos anos Pinochet.

Não por acaso, quando Jair Bolsonaro atacou o pai da ex-presidente Michelle Bachelet, torturado e assassinado pela ditadura chilena, Piñera —recém-chegado de Brasília, no auge da crise dos incêndios na Amazônia— foi forçado a ir à TV se distanciar do aliado brasileiro.

A ironia maior é que Pinochet representa a antítese de vários valores que o bolsonarismo diz representar.

Aos lavajatistas roxos, por exemplo, vale lembrar que Pinochet foi talvez o líder mais corrupto da história do Chile. Quem descobriu isso não foi Cuba, mas o Senado e o Departamento de Justiça dos EUA —o mesmo que ajudou o Ministério Público brasileiro a derrubar o cartel das empreiteiras, na era petista.

Quando os EUA apertaram o cerco contra lavagem de dinheiro, no pós-11 de setembro, encontraram milhões de dólares de Pinochet em um arquipélago global de contas secretas e offshores. A investigação acabou por destruir o Riggs Bank, de Washington, que ajudava o ditador a esconder a fortuna.

Aos saudosistas do regime militar brasileiro: seis meses após o golpe no Chile, Pinochet já havia se tornado uma figura tão tóxica que o novo presidente Ernesto Geisel, por meio do Itamaraty, pediu explicitamente que não viesse à sua posse, em Brasília. Ele veio mesmo assim, mas Geisel recusou convites insistentes para uma visita oficial ao Chile.

As repressões chilena e brasileira colaborariam —agentes da Dina, a polícia secreta chilena, chegaram a ser treinados no Brasil—, mas o país terminaria por boicotar os planos mais ambiciosos de Pinochet, sobretudo na Operação Condor.

Trumpistas brasileiros talvez se esqueceram de que Pinochet ordenou um atentado terrorista no coração de Washington, com o carro-bomba que matou o ex-ministro Orlando Letelier e dois cidadãos americanos. Aliás, Ronald Reagan, herói conservador, tinha péssimas relações com o ditador.

Os EUA ajudaram a destruir a democracia chilena, em 1973, mas também pressionaram pela saída de Pinochet, em 1990.

Quem defende pena de morte a traficante faria bem em saber que a Dina, sob ordens de Pinochet, tornou-se um cartel da cocaína aliado aos narcos colombianos. Segundo o chefe da agência, Manuel Contreras, uma de suas inovações foi a chamada “coca negra”, supostamente à prova de cães farejadores.

Chicago Boys (ou “Oldies”) deveriam ver a nova literatura sobre história econômica do Chile. Resumo: Salvador Allende destruiu o país, mas o chamado “milagre chileno” é um mito e, sob a democracia, o Chile cresceu muito mais e acelerou a melhora de todos os indicadores sociais. Claro, isso foi possível porque a esquerda incorporou parte da agenda da direita —mas, pelas últimas notícias de Santiago, os custos desse programa foram gravemente subestimados.

E, mais ainda, como pode alguém que diz defender valores judaico-cristãos, a família e a castidade adular um regime que perseguiu líderes religiosos, desapareceu crianças e usou o estupro como arma?

Talvez o pinochetismo tupiniquim seja fruto da ignorância histórica, da política feita de memes e gritaria online —e espero que as informações acima tragam alguma luz. Mais provável, porém, é que Pinochet esteja sendo celebrado no Brasil de hoje justamente pelo que, de fato, foi: um assalto à democracia, ao Estado de direito, às liberdades e à condição humana.

*Roberto Simon, é diretor sênior de política do Council of the Americas e mestre em políticas públicas pela Universidade Harvard e em relações internacionais pela Unesp.