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Roberto Freire: A importância da lei de incentivo à cultura
O desmantelo praticado pelo governo anterior em diversas áreas, com uma sucessão de escândalos de corrupção e desvios, só fez agravar na sociedade brasileira o sentimento de descrença generalizada em relação à administração dos recursos públicos. Como resultado de tamanho descrédito, até mesmo algumas boas instituições existentes há muito tempo passaram a ser duramente criticadas por parcela significativa da opinião pública. É o caso, por exemplo, da Lei nº 8.313, de 23 de dezembro de 1991, a Lei Rouanet, uma importante iniciativa para fomentar a atividade cultural no país.
Ao contrário do que muitos brasileiros imaginam, a lei de incentivo à cultura é um avanço que deve ser preservado. É evidente que vários ajustes são necessários para que se corrijam distorções, mas a legislação tem uma importância inquestionável. Nesse curto período à frente do Ministério da Cultura, constatamos que os mecanismos de fiscalização e controle em relação aos projetos viabilizados pela lei estão desatualizados e precisam ser aperfeiçoados com urgência. É exatamente a partir de tal deficiência que surgem os maiores problemas envolvendo irregularidades ou desvios de finalidade dos mais variados tipos. Entretanto, é possível corrigir os rumos sem acabar com a Lei Rouanet, o que só prejudicaria a cultura brasileira.
Há uma série de críticas à legislação, muitas delas pertinentes, e o ministério está trabalhando para levar a cabo as modificações necessárias. Entre as medidas que vêm sendo estudadas, está a definição de tetos de repasses para cada segmento cultural (artes cênicas, música erudita ou instrumental, exposições de artes visuais, produção cinematográfica, espetáculos circenses etc.), fixando novos critérios para a concessão do incentivo fiscal, de modo que sejam evitadas distorções inexplicáveis à luz da razão e do bom senso.
Há algumas semanas, o Ministério da Cultura divulgou uma lista com 96 projetos realizados via Lei Rouanet que tiveram suas prestações de contas aprovadas e outros 31 reprovados. Esse último grupo terá de devolver aos cofres públicos, por meio de um depósito na conta do Fundo Nacional da Cultura (FNC), mais de R$ 4,7 milhões, o que corresponde ao valor total reprovado acrescido da atualização pelos índices da caderneta de poupança. Entre os motivos para a reprovação, estão o descumprimento do objeto ou do objetivo do projeto, omissão na prestação de contas, falha na análise financeira, entre outros.
Recentemente, participei da cerimônia de anúncio do início das obras de reconstrução do Museu da Língua Portuguesa, um dos mais visitados do Brasil, praticamente destruído após ser atingido por um incêndio em dezembro de 2015. Assim como o seu surgimento, em 2006, a reconstrução completa do museu também contará com recursos obtidos por meio da Lei Rouanet – em novembro deste ano, o MinC autorizou a captação de R$ 22 milhões para o projeto. Além disso, a reconstrução será viabilizada graças a uma parceria entre o governo de São Paulo e um grupo de empresas, a chamada Aliança Solidária, ao custo estimado de R$ 65 milhões. Eis um exemplo lapidar da importância do trabalho conjunto entre a esfera pública e o setor privado, com papel de destaque exercido pela lei de incentivo à cultura.
Sancionada durante o governo do então presidente Collor, a Lei Rouanet é uma conquista da cultura brasileira e um instrumento que pode e deve ser utilizado pela população em seu próprio benefício. É importante lembrar que o incentivo fiscal à cultura é praticado no país desde 1986, quando o presidente Sarney sancionou a Lei 7.505. O texto aprovado há exatos 30 anos, reformulado após uma série de mudanças, é resultado do belo trabalho realizado pelo economista Celso Furtado em seu período como ministro da Cultura.
Com um trabalho bem feito, ampliando os mecanismos de fiscalização e diminuindo a margem para irregularidades, a Lei Rouanet tem tudo para se aproximar ainda mais do seu intuito original e voltar a ser respeitada e apoiada pela grande maioria dos brasileiros. É preciso facilitar o acesso da população aos bens culturais, descentralizar os projetos, levá-los a todas as regiões do país e impedir o mau uso do dinheiro público. A cultura e o país agradecem.
Roberto Freire é ministro da Cultura.
Fonte: www.diariodopoder.com.br
Roberto Freire: Sem onda conservadora
Após verem sepultada a narrativa de que Dilma Rousseff foi apeada do Planalto por meio de um “golpe”, o PT e seus satélites tentam justificar a acachapante derrota nas eleições municipais com uma outra tese igualmente desprovida de qualquer sentido. A palavra de ordem entoada pelo núcleo duro do lulopetismo é de que o Brasil teria sido tomado, nas urnas, por uma “onda conservadora”.
Na realidade, o eleitorado rejeitou o projeto de poder representado pelo PT e pelos governos de Lula e Dilma, que nos levaram a uma das maiores crises econômicas de nossa história. Os maiores vitoriosos nas disputas municipais foram os partidos que votaram pelo impeachment e hoje compõem a base de sustentação do presidente Michel Temer — e aqui cabe ressaltar o êxito das legendas que integram o campo da social-democracia e dos partidos da esquerda democrática brasileira, como o PSB, o PPS e o PV.
A exceção talvez seja o PDT, partido de esquerda e aliado dos governos petistas, que também experimentou um crescimento eleitoral. Mais uma prova de que a “onda conservadora” é uma narrativa enganosa. A avaliação precipitada sobre os resultados eleitorais levou um jornalista a cometer a estultice de dizer que o PSDB é um partido de “ultradireita”.
Trata-se de um raciocínio equivocado, segundo o qual todos aqueles que se opõem ao PT são direitistas e, alguns, até traidores. Além de interditar o debate, tal postura é de uma desonestidade intelectual atroz. O PSDB, afinal, tem uma visão predominantemente social-democrata – e assim seria rotulado em qualquer país do mundo democrático. No Rio, alguns apregoam que a vitória de Marcelo Crivella seria um indicativo de que a “onda conservadora” veio para ficar.
É evidente que não se pode tomar um caso isolado como um retrato do que ocorreu por todo o Brasil. A cidade sentiu falta de alternativas políticas mais amplas e teve de escolher entre duas candidaturas fundamentalistas, uma de cunho religioso e outra politicamente dogmática. Uma de viés mais conservador e outra também sectária, de uma extrema- esquerda que muitas vezes serviu como linha auxiliar do lulopetismo.
Basta ver o comportamento do candidato do PSOL que, quando confirmado no segundo turno, excluiu a possibilidade de diálogo com as correntes políticas que considerava “golpistas”. Outra falácia é de que a “não política” teria sido a marca dessas eleições. É certo que houve uma forte rejeição aos políticos tradicionais, mas não à política em si.
Em São Paulo, João Doria se apresentou como um empresário, mas em nenhum momento deixou de destacar que é filho de um político cassado pelo golpe militar de 1964. Assim como a tese do “golpe” havia sido enterrada, a narrativa da “onda conservadora” foi desmentida pelo resultado das eleições.
Basta analisar o desempenho das forças políticas vitoriosas. Mesmo que algumas tenham contradições internas, nenhuma delas se confunde com a direita nacional. Todas estão no campo democrático e, em especial, honrando a esquerda democrática brasileira. (O Globo – 10/11/2016)
Roberto Freire é presidente nacional do PPS
Fonte: pps.org.br