rio de janeiro
César Felício: Os padrões eleitorais de São Paulo e Rio
Covas tem vantagem e Paes precisa de Crivella
A eleição municipal nas capitais, sobretudo em São Paulo, é um sinalizador para a sucessão presidencial e seus resultados influenciam a equação política para o pleito nacional, ainda que de forma tênue. Sua dinâmica, entretanto, é local. Para traçar prognósticos e poder errar um pouco menos, é importante perceber que o eleitor paulistano e carioca tem um padrão de voto, pouco influenciável pelo cenário nacional, ainda que o afete.
Em São Paulo há um cenário de polarização ideológica estabelecido e consistente. Tanto esquerda quanto direita são fortes. No Rio isso é menos nítido, com a esquerda sempre encapsulada na intelectualidade das áreas mais ricas e em alguns nichos de movimentos sociais nas periferias. Os cariocas não elegem um prefeito esquerdista desde 1992. Pode parecer estranho hoje, mas em 1988, quando eleito, Marcello Alencar, futuro governador tucano, ainda era do PDT e alinhado ao brizolismo. Depois, nunca mais: Cesar Maia e seus pupilos que dele dissentiram, Luiz Paulo Conde e Eduardo Paes, ganharam todas até 2016, quando veio Crivella.
Em São Paulo a direita ganhou as eleições de 1985, com Jânio, 1992 e 1996, com Maluf e Pitta. O colapso do malufismo deslocou paulatinamente seu eleitor para o PSDB ou para o DEM, no episódio Kassab em 2008 e com os tucanos em 2004 e 2016. Uma franja, expressiva na baixa renda em bairros que fazem a transição entre as regiões ricas e a periferia resistiu na maioria das eleições aos tucanos.
Já a esquerda triunfou em 1988, 2000 e 2012 e sempre esteve concentrada geograficamente nos bairros periféricos e politicamente no PT. Este traço está esmaecido e o petismo vive um processo de decadência na cidade, análogo ao que o malufismo sofreu. A eleição de 2020 pode arbitrar quem herda o espólio petista.
A corrida de 2012 foi ganha por Fernando Haddad, mas o germe do enfraquecimento já circulava no organismo petista. Haddad foi escolhido de forma traumática, alijando a ex-prefeita Marta Suplicy, principal referência eleitoral do PT à época. Ele teve 29% dos votos no primeiro turno e ficou em segundo lugar, atrás de José Serra, com 31%.
O petista virou no segundo turno, ajudado pela tremenda rejeição a Serra, cuja origem se encontrava na sua polêmica decisão de renunciar ao cargo de prefeito para disputar o governo paulista, em 2006. O repúdio a Serra era algo tão forte que a franja conservadora que não engolia os tucanos poderia ter surpreendido. Celso Russomanno, pelo PRB, e Gabriel Chalita, do MDB, calavam fundo entre os eleitores terrivelmente evangélicos, no primeiro caso, e católicos no segundo, e nas regiões de transição entre pobreza e riqueza. Juntos, tiveram 36% dos votos (dois terços deste total para Russomanno e um terço para Chalita).
Na eleição de 2016, o candidato do MDB não foi Chalita, foi Marta Suplicy. E Marta tirou votos do PT, não do PSDB. Houve uma dispersão na esquerda e uma concentração na direita, o inverso de quatro anos antes.
Além de Marta, outra ex-prefeita petista, Luiza Erundina, se candidatou. Somadas, representaram 14%. Entre as eleições de 2012 e a 2016, Haddad perdeu exatos doze pontos percentuais: de 29% baixou para 17%.
Já Russomanno se apresentou de novo, mas desta vez não enfrentou um cacique tucano desgastado por erros políticos. Ele se confrontou com uma figura nova na política, João Doria. Russomanno teve 14% dos votos, oito pontos percentuais a menos do que em 2012. Não havia no cardápio de 2016 nenhuma opção a Chalita para os 14% que optaram por ele na eleição anterior.
Doria recebeu 53% dos votos, exatamente o correspondente à soma dos 31% de Serra com os oito pontos percentuais perdidos por Russomanno e os 14% que em 2012 quiseram Chalita. Ou seja, não houve diferença significativa em São Paulo de padrão de voto entre 2012 e 2016.
As primeiras pesquisas desta eleição mostram Guilherme Boulos empatado em terceiro lugar com Márcio França, em torno de 10% ou um pouco menos, e o petista Jilmar Tatto misturado com nanicos no piso de 1%. Não é razoável supor que a esquerda em São Paulo tenha se tornado tão pequena. Há espaço para Boulos e Tatto crescerem, mas não tanto para ganharem a eleição. A esquerda pode chegar ao segundo turno, mas terá extrema dificuldade para ultrapassar a barreira de 30%, porque seus possíveis adversários são menos rejeitados. Se Boulos ficar à frente de Tatto significará um terremoto na hegemonia petista em termos nacionais, com impacto em 2020.
Do outro lado, o PSDB deixou de nuclear a direita. Foi empurrado para o centro, com Bruno Covas, e disputa esta faixa com Márcio França. Covas tem o dobro nas pesquisas que o candidato do PSB, aproximadamente, e essa não é a única vantagem que desfruta. “Ele prepondera nos bairros de renda alta. Enquanto mantiver este nicho, o espaço para Russomanno está limitado”, opina o economista Mauricio Moura, do Ideia, um dos institutos que fizeram pesquisa recentemente. Já França padece de um problema fatal nos dias de hoje: não é forte ou fraco em nenhum segmento específico. Seu voto se distribui por igual em todas as faixas. “É típico de quem tem só recall. É uma candidatura por ora sem rosto”, afirmou.
Para ser plenamente competitivo, Russomanno precisaria emitir acordes dissonantes: sua mensagem teria que entrar tanto no antibolsonarismo conservador quanto no bolsonarismo. Do contrário, só resta a ele torcer para chegar ao segundo turno contra um radical, como é o caso de Boulos. A rejeição a Bolsonaro cresceu muito na cidade. Segundo o Datafolha, a avaliação ruim da administração federal é de 47%. Só a simpatia dele não é suficiente. “Para enfrentar Covas, ele precisaria entrar na renda alta. Por enquanto está fora. Só com o conservadorismo de baixa renda ele não supera”, disse Moura. Qualquer resultado em São Paulo que não seja a vitória de Covas enfraquecerá Doria em 2022.
No Rio, por ora, o principal cabo eleitoral de Eduardo Paes chama-se Marcelo Crivella. Dado o tremendo desgaste eleitoral da classe política, o ex-prefeito corre risco contra um candidato com uma roupagem de limpeza política, como pode ser o caso da deputada estadual Marta Rocha (PDT) ou o deputado federal Luiz Lima (PSL). “Ele depende da rejeição de Crivella para ser favorito”, diz o economista.
Trata-se de uma ironia: o atual prefeito do Rio também venceu em 2016 dada a extrema fragilidade de seus oponentes.
Bernardo Mello Franco: O bispo, o tribunal e a urna
Marcelo Crivella se candidatou a prefeito, mas governa o Rio como bispo. Desde que tomou posse, ele serve aos interesses da Igreja Universal, fundada por seu tio. A cidade que se julgava cosmopolita virou laboratório de um projeto que mistura política e religião.
Neste modelo de governo, as crenças do pastor falam mais alto que as obrigações do gestor. Crivella boicota o carnaval, festa mais importante da cidade, porque sua igreja associa a folia ao pecado. A atitude prejudica o turismo e a indústria do samba, que gera milhares de empregos durante todo o ano.
Em 2019, o prefeito mandou apreender um gibi por causa de um beijo entre dois homens. A censura foi derrubada pela Justiça, mas tumultuou a Bienal do Livro. Há quatro meses, ele mandou instalar um tomógrafo no estacionamento do templo da Universal na Rocinha. O aparelho deveria ter sido montado na UPA, onde os moradores são atendidos sem discriminação religiosa.
A confusão entre fé e política não é o único pecado do bispo. Sua gestão é manchada por escândalos em série, que já geraram cinco pedidos de impeachment. As acusações vão de favorecimento a pastores nos hospitais a negócios suspeitos em área de milícia.
Na semana passada, a Câmara livrou Crivella do quinto processo de cassação. A denúncia foi apresentada depois que a polícia fez buscas na casa dele. A investigação apura a existência de um “QG da Propina” na administração municipal.
Os desmandos levaram o prefeito a bater recordes de impopularidade. Em dezembro passado, 72% dos cariocas consideravam sua gestão ruim ou péssima. Mesmo assim, ele sonha com a reeleição. Seu trunfo é o apoio do clã Bolsonaro, aliado da Universal no plano nacional.
Ontem o TRE condenou Crivella por abuso de poder político para beneficiar o filho, que se candidatou a deputado em 2018. Os dois foram declarados inelegíveis por oito anos. As provas são fortes, mas o julgamento às vésperas da eleição oferece ao prefeito o papel de vítima. Sem realizações a mostrar, ele retomará o discurso de que é perseguido pelos poderosos. Seria melhor deixar os cariocas usarem a urna para despejá-lo.
Bernardo Mello Franco: Dia ruim para a política de toga
Esta quinta não foi um dia animador para juízes interessados em fazer política. No Palácio Tiradentes, os deputados estaduais deram mais um passo para cassar o governador Wilson Witzel. A um quilômetro dali, o Tribunal Regional Federal aplicou uma punição ao juiz Marcelo Bretas.
Witzel deixou a magistratura às vésperas da eleição de 2018. Entrou na disputa como azarão, mas usou o prestígio da toga para chegar lá. Aliado ao bolsonarismo, ele vendeu a imagem de que varreria a corrupção do Rio. Por trás da farsa, estavam personagens de escândalos da virada do milênio.
Segundo a Procuradoria-Geral da República, o governador começou a receber propina quando ainda era juiz. O empresário Edson Torres disse ter feito pagamentos de R$ 980 mil em espécie. O objetivo, ele contou, era garantir “conforto e segurança financeira” a Witzel caso ele perdesse a eleição.
O ex-juiz negou as acusações, mas não convenceu ninguém na Alerj. Em junho, a abertura do processo de impeachment foi aprovada por 69 a 0. Agora o relatório a favor da cassação foi aprovado por 24 a 0. A unanimidade pode se repetir na semana que vem, na votação que selará a queda do governador.
Bretas deu um impulso decisivo à ascensão de Witzel. Três dias antes do primeiro turno, ele divulgou um depoimento com acusações a Eduardo Paes. O ex-prefeito liderava as pesquisas e foi ultrapassado na reta final. Depois da vitória, governador e juiz confraternizaram em jatinhos e camarotes.
A amizade durou até o rompimento de Witzel com Jair Bolsonaro, quando Bretas escolheu o lado do capitão. O TRF considerou que a dobradinha foi longe demais. O juiz recebeu uma censura por desfilar com o presidente em inauguração de viaduto e evento evangélica com ares de comício.
Ao apoiar a punição, a desembargadora Simone Schreiber disse o óbvio: juizes não devem subir em palanques com políticos. “Isso acaba gerando dúvida e descrédito sobre o Poder Judiciário”, afirmou. Também vale para o caso de Witzel, o Breve.
Eliane Cantanhêde: De quem é a culpa?
A crise do Rio confirma que a culpa da descrença na política não é da Lava Jato, é de políticos
Quem tem certeza de que a culpa pela eleição de Jair Bolsonaro, o esfarelamento do PT e a desgraça dos partidos, da política e dos políticos é da Lava Jato e da mídia deve parar, pensar e olhar o que acontece no Rio de Janeiro, um dos três estados mais importantes, que abriga o cartão postal do Brasil no mundo. Ali, não sobra pedra sobre pedra.
A crise no Rio é moral, ética, política, econômica, financeira, social, de segurança, de saúde, de educação… Isso tudo não é resultado da Lava Jato e da cobertura da mídia. Ao contrário, veio à tona exatamente porque houve um mergulho dos órgãos de investigação no que vinha ocorrendo e se eternizando e porque a mídia registrou. Ou melhor, revelou.
Sérgio Cabral não existiu por causa da Lava Jato, mas a Lava Jato existiu por causa dos Sérgio Cabral. Ele virou o que virou pela impunidade, ela surgiu contra a impunidade. A roubalheira ficou tão fácil que foi crescendo a perder de vista, contaminou instituições, dragou belas biografias, operou com quantias de tirar o fôlego. A corrupção no Brasil e no Rio se mede aos muitos milhões, aos bilhões de reais.
Os últimos cinco governadores do Rio estão na cadeia ou passaram por ela, ex-presidentes e líderes da Assembleia Legislativa também, a cúpula do Tribunal de Contas desmoronou. O atual governador, Wilson Witzel, está afastado e toda a linha sucessória comprometida: o vice em exercício, Cláudio Castro, e o presidente da Alerj, André Ceciliano, acabam de ser alvos de busca e apreensão.
Ceciliano é do PT, mas Witzel e Castro são do PSC, da linha de frente de apoio ao governo federal e presidido pelo Pastor Everaldo, que acaba de ser preso, é acusado também de ter ganho R$ 6 milhões para fingir ser candidato a presidente para insuflar a candidatura de Aécio Neves, do PSDB, e foi quem batizou Bolsonaro no rio Jordão, em Israel.
O prefeito do Rio, aliás, é Marcelo Crivella, da Igreja Universal do Reino de Deus, e passou raspando na votação do pedido de abertura de impeachment na Câmara de Vereadores, por pagar sua própria “milícia” com dinheiro público. São servidores públicos que impedem que cidadãos denunciem os desmandos da saúde à mídia nas portas dos hospitais e transformam em fakenews e oba-oba os eventos públicos do prefeito. O líder passou a ganhar R$ 18 mil por mês em plena pandemia.
Crivella viajou com Bolsonaro no avião presidencial justamente no dia em que sofreu busca a apreensão. Bolsonaro, o senador Flávio e o vereador Carlos apoiam a reeleição de Crivella, que concorre em novembro com o ex-prefeito Eduardo Paes, igualmente alvo da Justiça, e a ex-deputada Cristiane Brasil, que se entregou à polícia anteontem. Ela é filha do presidente do PTB, Roberto Jefferson. E até a Fecomércio, o Sesc e o Senac do Rio estão na mira, junto com advogados de Witzel e do ex-presidente Lula e o misterioso ex-advogado de Bolsonaro e Flávio.
A Mãos Limpas produziu o indigesto Berlusconi na Itália e a Lava Jato desaguou em Bolsonaro, Witzel, juízes, procuradores, militares, policiais e neófitos que assumiram o discurso moralista e agora caem na mesma rede dos antecessores. Assim como o PT foi só mais um a cair nessa rede, Witzel é só o exemplo mais vistoso do que veio em seguida.
A culpa por essa avalanche de escândalos, que atinge partidos e políticos de todos os matizes, muito experientes ou arrivistas, é da Lava Jato? Das TVs, rádios, jornais e revistas? Quem gerou o bolsonarismo e seus filhotes não foram a Lava Jato, que descortinou a sujeira, muito menos a mídia, que a mostrou ao distinto público. Foi, sim, a própria política. O erro original está no sistema. Que tal fazer a reforma política, eleitoral e partidária? Mas para valer.
Luiz Carlos Azedo: Censura à Lava-Jato
A Lava-Jato continua sendo um vetor do processo político, com grande influência eleitoral. Porém, os integrantes da operação perderam o monopólio do combate à corrupção
O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) decidiu, ontem, por 9 votos a 1, punir o procurador da República Deltan Dallagnol, um dos protagonistas da Operação Lava-Jato, censurado por mensagens em rede social nas quais ele se posicionou contra a eleição do senador Renan Calheiros (MDB-AL) para a presidência do Senado, em 2019. A vitória de Davi Alcolumbre (DEM-AP), o atual presidente do Senado, foi resultado da insatisfação dos demais partidos com a longa permanência do MDB no comando da Casa, mas a atitude ajudou a narrativa política do grupo que queria o apoio da opinião pública à mudança no comando da Casa.
A censura é a segunda punição prevista no regulamento que rege a atuação dos procuradores –– a primeira é a advertência. Como consequência, atrasa a progressão na carreira e serve de agravante em outros processos no conselho. Os procuradores também podem ser punidos com suspensão, demissão ou cassação da aposentadoria. Havia intenção de alguns integrantes do Conselho no sentido de suspender Dallagnol, mas sua saída da força-tarefa de Curitiba abrandou as pressões e consta que o novo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, que tomará posse amanhã, atuou nos bastidores em favor do procurador.
Calheiros alegou interferência do procurador-símbolo da Lava-Jato na disputa do Senado. O mesmo tipo de crítica que se faz ao ex-ministro da Justiça Sergio Moro em relação às eleições de 2018, para favorecer a candidatura de Jair Bolsonaro. A acusação ganhou veracidade quando o ex-juiz titular da 13ª Vara Federal de Curitiba, que condenou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no caso do tríplex do Guarujá, aceitou o convite para ser ministro do atual governo, talvez o maior erro político que tenha cometido.
A propósito, a condenação de Dallagnol reforça os argumentos da defesa de Lula, que pleiteia a anulação de condenação por Moro, alegando um vício de origem: a parcialidade política do juiz, apesar de a condenação ter sido confirmada pelos desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4). Por uma rede social, o procurador mostrou que não arriou a bandeira da Lava-Jato: “O Conselho Nacional do MP me censurou, hoje, por ter defendido a causa anticorrupção nas redes sociais, de modo proativo, aguerrido e apartidário. Discordo da decisão, que ainda há de ser revertida”, disse.
Tiroteio
É uma guerra de narrativas, que deve se intensificar nos próximos meses, com repercussão eleitoral. Ao mesmo tempo que vem sofrendo sucessivos reveses nos bastidores do Judiciário, integrantes da Lava-Jato contra-atacam em grande estilo. Na semana passada, procuradores da força-tarefa de São Paulo se demitiram coletivamente, mas antes alvejaram o senador José Serra (PSDB-SP) e o suposto operador de seu caixa dois de campanha, Paulo Vieira de Souza. Antes haviam detonado o ex-governador tucano Geraldo Alckmin, também denunciado.
Ontem, a bola da vez foi o ex-prefeito carioca Eduardo Paes, que lidera as pesquisas de opinião na disputa pela Prefeitura do Rio, alvo de uma operação de busca e apreensão em sua residência, em São Conrado. O mandado foi expedido pelo juiz Flávio Itabaiana de Oliveira Nicolau, da 204ª Zona Eleitoral, que acolheu denúncia do Ministério Público do Rio de Janeiro contra Paes e mais quatro investigados, acusados de corrupção, falsidade ideológica e lavagem de dinheiro. O ex-prefeito se defende atirando: “às vésperas das eleições para a Prefeitura do Rio, Eduardo Paes está indignado que tenha sido alvo de uma ação de busca e apreensão numa tentativa clara de interferência do processo eleitoral — da mesma forma que ocorreu em 2018 nas eleições para o governo do estado”, disse. Paes é o principal adversário do prefeito Marcelo Crivella (Republicanos), aliado do presidente Jair Bolsonaro.
A Lava-Jato continua sendo um vetor do processo político, com grande influência eleitoral. Porém, os integrantes da operação perderam o monopólio do combate à corrupção, que cada vez mais será direcionado pelo novo procurador-geral da República, Augusto Aras, aliado de Bolsonaro, e a Polícia Federal. O risco de politização dessas ações para favorecer interesses do Palácio do Planalto é real, pois a lógica de quem pretende controlar essas instituições para se defender também serve para atacar os adversários. Nesse aspecto, Fux, o novo protagonista entre os Poderes da República, será o grande artífice do reposicionamento do STF, que passa por alterações na composição de suas turmas.
Com a aposentadoria do ministro Celso de Melo, a 2ª Turma do STF, que julgará o pedido de anulação do processo de Lula, formada também pelos ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Cármem Lúcia e Édson Fachin, o relator da Lava-Jato, terá sua maioria garantista mantida pela chegada do ministro Dias Toffoli, que deixará a presidência da Corte amanhã. Com a saída de Fux, que assumirá o comando do Supremo, a 1ª. Turma, composta ainda pelos ministros Marco Aurélio, Rosa Weber, Luís Barroso e Alexandre de Moraes, terá seu perfil jurídico definido pelo novo ministro a ser indicado pelo presidente Jair Bolsonaro, que promete escolher alguém “terrivelmente evangélico”.
Eliane Cantanhêde: STF, Rio e Bolsonaros
Com Luiz Fux, pode haver situação insólita: presidente do STF abstendo-se de julgar
Enquanto as pessoas se aglomeram irritantemente em praias, bares e festas, a pandemia parece arrefecer, mas ainda é ameaçadora, e o foco está em três frentes que confluem mais e mais na mesma direção: a família Bolsonaro, o Rio (a capital e o Estado) e o Supremo Tribunal Federal. Os três têm um encontro marcado nesta quinta-feira, quando muda o comando do STF.
O presidente Jair Bolsonaro e dois dos seus filhos, o senador Flávio e o vereador Carlos, têm base eleitoral do Rio, estão às voltas com investigações variadas e agora podem comemorar à vontade: estão com a faca e o queijo na mão, junto com o governador interino Cláudio Castro, o prefeito Marcelo Crivella e, consta, toda a estrutura de poder.
E assim vão caindo, um a um, os empecilhos para o domínio dos Bolsonaro no Rio. O Coaf apresentou ao Brasil um cidadão chamado Fabrício Queiroz? Despacham-se o Coaf para o Banco Central e o Queiroz para a casa do advogado da família. O ministro Sérgio Moro se recusava a trocar as cúpulas da PF nacional e no Rio? Que então Moro tivesse, e teve, “a dignidade de se demitir”. A Receita importunava a base evangélica do presidente, muito forte no Rio? Nada que uma boa conversinha não resolvesse.
Sobrou o governador Wilson Witzel, que surfou na onda bolsonarista em 2018 e depois pulou fora, deixando um rastro classificado como “muito grave” pelo Ministério Público e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Foi fácil afastá-lo, como foi cooptar o vice Cláudio Castro, que também tem seus probleminhas com o MP e precisa desesperadamente da mãozinha do governo federal para se equilibrar no cargo de Witzel. Com Crivella já andava tudo numa boa. Só faltava uma juíza qualquer censurar a publicação das investigações contra os filhos. Não falta mais.
E o que vai acontecer com o Rio? Ninguém tem ideia, mas fica aquela dolorosa sensação de vaso quebrado que não tem jeito. Todos os ex-governadores estão ou foram presos, o atual está afastado, a cúpula da Assembleia caiu, a do Tribunal de Contas ruiu como castelo de cartas. Resultado: a crise é moral, ética, social, de segurança, política, econômica e financeira. Por onde começar?
Todo esse caldeirão cai necessariamente no Supremo, onde nesta quinta-feira a presidência sai de Dias Toffoli e vai para o carioca Luiz Fux. Toffoli entrou na Corte como o maior petista-lulista e sai da presidência como o principal, talvez único, aliado de Bolsonaro. Fux assume como o maior aliado da Lava Jato, mas com um constrangimento: as naturalmente fortes ligações com o Rio, um Estado conflagrado.
Ministros de tribunais já têm relação especial com seus Estados, onde conhecem todo mundo, são bajulados pelos Poderes e admirados pela sociedade, frequentam solenidades públicas e festas particulares. No caso de Fux, com duas peculiaridades: por temperamento, mas não só, ele tem interlocução e simpatias em toda parte e é juiz de carreira no Rio, como Witzel. O ministro, aliás, foi primeiro de turma.
Logo, não está descartada uma situação bastante insólita: o presidente do Supremo se abster em julgamentos que dizem respeito ao Rio, muitos deles intrincados com os Bolsonaro. Já deve haver quem colecione fotos de almoços, jantares, festas, tentando conexões maldosas. Fotos não dizem nada, em especial para homens públicos, que a toda hora são chamados para um clique, mas Fux não é chegado a falsos heroísmos e preza o velho e bom “à mulher de César, não basta ser honesta, é preciso parecer honesta”. O direito diz que, na dúvida, pró réu. Neste caso, pró abstenção.
FOICE E MARTELO: Por que tanta gente é anticomunista, se nem tem mais comunista?
Luiz Werneck Vianna: O Rio de Janeiro não pode ser Gotham City
Entregues ao Deus dará vivem no nosso estado Rio de Janeiro quase 16 milhões de pessoas, boa parte delas, talvez a maioria, sem rumo e tateantes em busca de oportunidades de vida, lutando com unhas e dentes por um lugar ao sol, uma boquinha, um negócio da China, uma boa mamata, um falso brilhante, para alguns até uma côdea de pão. Mas o estado do Rio de Janeiro nem sempre foi assim, pois aqui nasceu nosso estado nacional com suas elites dirigentes empenhadas em difundir ideais civilizatórios, e sobretudo, nos anos 1930, tornou-se a sede do projeto de implantação dos alicerces da indústria pesada na cidade de Volta Redonda, que se tornou polo da siderurgia, elemento crucial para a industrialização do país. Mais à frente, outras iniciativas asseguravam essa primazia do estado na conversão do modelo agroexportador até então vigente nas atividades econômicas para o industrial, tais como, entre outras, a Fábrica Nacional de Motores, a companhia Nacional de Álcalis, a Petrobras e a Eletrobrás.
Foi sob o impulso do Estado autoritário, institucionalizado pela Carta de 1937, que tomou forma o processo de modernização autoritária que iria remodelar o Estado e suas relações com a sociedade, conduzido por uma elite forjada ainda nos anos 1920, entre os quais se destacavam nomes como Alberto Torres, Oliveira Vianna, Manoel Bonfim, entre tantos, que, críticos do liberalismo oligárquico e de sua república de fachada, preconizavam em favor de um estado forte que rompesse com o atraso do país e abrisse caminho à sua modernização. Com a criação do DASP, em 1938, dotava-se o Estado da capacidade de selecionar e treinar uma elite burocrática destinada a impor uma administração orientada para esses fins.
A democratização de 1946 não interrompeu essa trajetória que nos vinha da década anterior, apenas expurgou-a da sua ganga manifestamente autoritária, conservando sua modelagem original de primazia do Estado sobre a sociedade, principalmente quanto aos fins da sua economia. Contudo, a natureza desse Estado, manteve-se fiel à sua construção nos anos 1930 e preservou seu caráter bifronte, uma vez que não se reduzia aos elementos coercitivos, conhecendo também instituições e agendas voltadas para a produção de coesão social, muito especialmente abrigadas na fórmula corporativa. Por meio das corporações o Estado se vinculava à sociedade, em particular no mundo do trabalho, e, por meio desses nexos, seus fins e valores encontravam formas diretas de comunicação com os sindicatos e seus filiados. A Justiça do Trabalho cumpriria os fins estratégicos de extrair os conflitos do trabalho, em uma sociedade que se industrializava de modo acelerado, da órbita da sociedade para a do Estado, que os harmonizaria sob a mediação do Direito.
Ao estilo de Durkheim, sociólogo francês então em voga, referência importante na obra de Oliveira Vianna, autor chave na ideologia da modernização autoritária do período, a política do Estado não descuraria do tema da solidariedade social, recusando as concepções atomistas do liberalismo reinante na 1ª República. Nesse tipo de relação corporativa do Estado com os sindicatos, em que o primeiro, por meio da sua burocracia incutia naqueles os valores e interesses nacionais ao tempo em que amparava seus direitos trabalhistas, tecia-se uma certa eticidade no mundo do trabalho, certamente a partir da óbvia assimetria nessa relação.
Nesse cenário de empresas estatais e de organização corporativa, ordenou-se a paisagem social do Estado do Rio de Janeiro, em particular da sua capital. De fora dele restava uma imensa população vivendo de pequenos negócios e de ofícios urbanos praticados, em geral, individualmente. Esse mundo se encontra à margem da política, ocupando posições intersticiais na vida urbano-industrial em expansão. A política, enquanto tal, se fazia no interior do Estado e dos seus aparelhos, os dos maiores partidos, o PSD e o PTB, vinculados a ele. De meados dos anos 1950 a 1964, sob o registro da questão nacional, entendida em chave de desenvolvimento das forças produtivas, tal cenário, com algumas modulações, se mantém.
A principal modulação se faria presente nas classes subalternas que emergiria do afrouxamento dos controles coercitivos a partir do governo JK de índole liberal, bastante reforçado no governo Jango, um antigo ministro do Trabalho no segundo governo de Vargas, quando a questão nacional se encontra, pela via dos sindicatos, expressão popular. A cidade do Rio de Janeiro se torna o principal palco dessa mudança, e nela se constituem, na política e nas atividades culturais, novos atores sociais e políticos que vão exercer influência nacional, inclusive na vida popular, exemplar na crescente institucionalização das Escolas de Samba cujos desfiles extravasam as fronteiras da sua capital para todo o país.
O golpe militar de 1964 atalha essa movimentação virtuosa, e as mudanças que trazem consigo vão repercutir dramaticamente nos destinos do Estado, em particular da sua capital. Expurga-se o que havia de Durkheim na fórmula corporativa nas relações entre sindicatos e Estado que se orientava no sentido de favorecer elementos de solidariedade social, e o que vai restar dela se perverte em instrumento de coerção. De outra parte, o repertório que passa a ter vigência se desloca para os temas do mercado e do favorecimento da acumulação capitalista com o abandono da questão social, que, antes mesmo em plano secundário, se fazia presente em agendas dos dirigentes políticos.
A reação a esse estado de coisas ensejou nas duas décadas seguintes intensa movimentação popular e das forças do liberalismo político sobreviventes da razia operada em seus quadros pelo regime militar, que encontraram sua oportunidade na grave crise econômica que ameaçava o país. Como é sabido, a solução de compromisso encontrada para a saída do impasse que sitiava o regime militar foi o da sua auto extinção com as salvaguardas que conseguiu impor. A Constituição de 1988 nasce com o mandato de renovar a vida democrática do país, embora não venha a contar com sustentação explícita do PT, a esta altura o partido mais influente nas massas trabalhadoras, com óbvias repercussões futuras.
Os dois partidos que dominarão a cena a partir daí, o PSDB e o PT, ambos com identidades enraizadas em São Paulo, vão encontrar dificuldades de implantação na política do Rio onde a era Vargas, por meio de Leonel Brizola e do seu partido, o PDT, deixara fortes raízes. Nenhum desses partidos, entretanto, veio a demonstrar vocação de mobilização da vida popular, especialmente na imensa população das favelas que persistia à deriva da vida política, fora o esforço das Comunidades de Base da igreja católica em organizá-las, experiência virtuosa interrompida pelas elites eclesiásticas que a entenderam como de orientação simpática ao marxismo.
As classes subalternas da cidade, deixadas à sua própria sorte, se tornavam assim expostas, em particular os jovens, a atividades marginais, primeiramente do jogo do bicho e de sua corte de pistoleiros, que se convertiam em personagens tutelares das Escolas de Samba, e, depois, com a difusão milionária do comércio de drogas, das do narcotráfico como seus “soldados”. Na esteira disso, abriu-se passagem para a organização das milícias, a pretexto de proteger a população favelada da ação dos narcotraficantes, como ocorreu com a favela de Rio das Pedras, na região oeste da cidade, arregimentando para sua operação a banda podre de policiais militares e civis, que se tornam senhores dos negócios de transportes, da venda de gás, até da construção civil, praticando extorsões, em nome da proteção que alegavam fazer, da população dos seus “territórios”.
A partir desse lugar de força, controlando boa parte das favelas e regiões próximas a elas, as milícias descortinaram o lugar da política, apresentando, em vários casos com sucesso, seus quadros ou representantes como candidatos às eleições municipais. O Rio corre o risco de se perverter em Gotham City, sem ordem, sem lei e religião, salvo a de pastores que lhe recomendam a panaceia do empreendedorismo e que também já descobriram o caminho do voto.
Trazer a cidade de volta à vida e às suas melhores tradições não é tarefa fácil, cuja significação não se limita ao local, porque afeta a própria sorte da democracia no país. Tem-se à mão, nesta sucessão eleitoral que se avizinha a oportunidade de começar a virar esse jogo maléfico. Os partidos políticos de compromissos democráticos não podem ignorar o caminho das alianças que lhes abram a possibilidade de devolver a cidade aos seus cidadãos depois de tantas experiências grotescas. Sobretudo devem estar atentos aos novos personagens que vieram à tona nesta pandemia, principalmente os que souberam armar a trama da rede solidária que protegeu os mais vulneráveis, os profissionais da saúde que com espírito cívico se empenharam na defesa da vida, sem esquecer aqueles que permaneceram firmes em seus compromissos democráticos.
*Luiz Werneck Vianna, Sociólogo, PUC-Rio
Elio Gaspari: O miliciano Marcelo Crivella
Prefeito do Rio contratou funcionários para constranger cidadãos que reclamam da má qualidade do serviço de saúde do município
Deve-se à paciência e ao destemor dos repórteres Chinima Campos, André Maciel, Diego Alaniz, Sabrina Oliveira e Paulo Renato Soares a exposição da milícia contratada pelo prefeito Marcelo Crivella para constranger cidadãos que reclamam da má qualidade do serviço de saúde do município.
Quando Crivella diz que seus Guardiões estavam nas portas dos hospitais para ajudar quem precisava do serviço de saúde, sabe que está mentindo. Caso raro de pessoa capaz de mentir diante de vídeos.
As milícias políticas já apareceram nas cercanias do Planalto, constrangendo enfermeiros, e em Goiás policiais militares intimidaram pessoas que faziam faixas contra Bolsonaro. Crivella foi exposto na sua magnitude. Seus milicianos, Marcão da Ilha, Dentinho, Jogador, bem como os outros nove comparsas custavam à prefeitura R$ 79.594 por mês. Isso num governo que teve a luz cortada pela Light por falta de pagamento.
As milícias de Crivella e de todos os seus similares têm suas raízes na História da violência política, mas foram os “squadristi” de Benito Mussolini que a transformaram numa força relevante. Adolfo, aquele aquarelista austríaco, adaptou o modelo. (Uma vez no poder, Hitler passou nas armas a liderança de seus camisas-pardas. Na Itália, o líder da milícia, tonitroante e larápio, foi fuzilado em 1945.)
Pela vontade popular, o Rio teve a infelicidade de passar por cinco governadores encarcerados. O sexto, Wilson Witzel, está a caminho do impedimento e, provavelmente, da cadeia.
A distribuição de “boquinhas” para milicianos e até mesmo para maganos fascina beneficiários e amantes de soluções autoritárias. Começam hostilizando quem reclama da política e acabam usando milicianos para inibir quem reclama de falta de atendimento num hospital. Começam contratando o fiel ex-PM Fabrício Queiroz e acabam contratando a mãe do ex-capitão-miliciano Adriano da Nóbrega chefe do Escritório do Crime.
Mussolini tinha uma milícia e algumas ideias. No Brasil e sobretudo no Rio de Janeiro há milícias e todas estão ligadas a uma forma de crime. Ideias, nem ruins.
Moro miava
O pior negócio que o juiz Sergio Moro fez na vida foi meter-se com Jair Bolsonaro. O ferrabrás de Curitiba foi moído pelo capitão e a divulgação de sua troca de mensagens com o presidente mostra que ele se prestou a uma fritura inédita na História republicana.
No dia 12 de abril, reclamando de uma reportagem, Bolsonaro disse-lhe: “Todos os ministros, caso queira contrariar o PR, pode fazê-lo, mas tenha dignidade para se demitir.”
Noves fora a má relação com o idioma, Bolsonaro disse-lhe que devia pedir para sair. Moro fingiu que não ouviu. Uma semana antes fingiu não ter ouvido outra indireta: “Algumas pessoas do meu governo, algo subiu à cabeça deles. Estão se achando demais. (…) A hora D não chegou ainda não. Vai chegar a hora deles, porque a minha caneta funciona”.
Moro manteve-se em olímpico silêncio durante a tétrica reunião ministerial de 22 de abril. No dia seguinte, diante da notícia de que pedira demissão, manteve-se em silêncio quando o ministro-chefe da Casa Civil, Braga Netto, desmentiu a informação. Era verdade.
Quando um presidente sugere que um ministro deve pedir demissão, ele a pede ou diz que pode ser demitido. Fora daí, o que há é dissimulação, dos dois.
No dia 12 de outubro de 1977 o presidente Ernesto Geisel disse ao ministro Sylvio Frota que não estava se entendendo com ele e sugeriu que pedisse para ir embora. Frota recusou-se. Geisel demitiu-o, na hora. A conversa durou poucos minutos, e à noite o general estava no avião de carreira, a caminho de sua casa no Rio.
Eremildo, o Idiota
Eremildo é um idiota e está pronto para falar bem do prefeito Marcelo Crivella.
Qualquer dinheirinho serve.
Para mostrar sua disposição o cretino garante:
Desde Estácio de Sá o Rio não teve governante melhor. (Um maldito índio flechou-o e ele se foi.)
Ministro supremo
Semana que vem o ministro Luiz Fux assumirá a presidência do Supremo Tribunal Federal em sessão virtual.
Essa será uma investidura determinada pelo calendário. Na vida real, pelo movimento dos processos do bolsonarismo que estão no armário do ministro Gilmar Mendes, ele será o Supremo Ministro.
Patrono contra a vacina
O capitão Jair Bolsonaro diz que ninguém pode ser obrigado a tomar a vacina contra a Covid-19. Tudo bem. Quem não quiser não toma. A obrigatoriedade erradicou a febre amarela e não há como impedir que um libertário contaminado passe o vírus para os outros.
Países andam para trás. O Império Romano que o diga. No Brasil, em 1904, jornalistas, políticos e militares estimularam a maior revolta da História da cidade, contra a vacina obrigatória. O presidente Rodrigues Alves defendeu a lei, mandou atirar e manteve a ordem.
Entre os mortos ficou o general Silvestre Travassos, um dos chefes da revolta militar.
Ele comandava uma marcha em direção ao palácio presidencial, tomou um tiro em Botafogo e morreu dias depois.
É possível que tenham morrido mais brasileiros na atual pandemia do que em todas as epidemias dos séculos XIX e XX.
Pesadelo petista
Há alguns meses o pesadelo dos petistas era sair da eleição municipal sem chegar ao segundo turno em São Paulo e no Rio de Janeiro.
Em São Paulo, o crescimento de Guilherme Boulos (PSOL), na intelectualidade e no meio artístico, bem como o fortalecimento das alianças de Bruno Covas (PSDB), sugerem que esse resultado parece inevitável.
Num cenário catastrófico, Boulos pode até conseguir mais votos que o comissário Jilmar Tatto.
Roupa suja
Se metade do que as facções em que está dividido o Ministério Público diz for verdade, a corporação precisa de uma Lava-Jato.
Até quarta-feira
O ministro Paulo Guedes e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, entraram no bloco da marchinha carnavalesca “Até Quarta-Feira”.
Em qualquer tempo, sempre que a economia expõe um indicador catastrófico, os çábios anunciam que a bonança está logo ali: “Este não ano vai ser igual àquele que passou”.
A pandemia já havia chegado, e o doutor Guedes previa um crescimento do PIB de 1%. Veio o tranco da contração de 9,7% do segundo trimestre, e ele promete um crescimento de 4,5% para o ano que vem. Campos oferece mais de 4%.
Nota de peso
Lançada no meio de uma pandemia, na semana em que se soube de uma contração do PIB de 9,7% e ilustrada com um lobo-guará parecido com uma hiena, a nota de R$ 200 arrisca entrar para o folclore das moedas que dão peso.
Nos Estados Unidos as notas de dois dólares pegaram essa urucubaca. Acredita-se que a superstição tenha nascido no século passado, quando políticos compravam votos com essas cédulas. Entre outras utilidades, as notas de R$ 200 fazem menos volume nas malas de maganos.
Merval Pereira: O futuro de volta
André Urani fez parte de uma geração de economistas "cariocas" que começou a se debruçar sobre os caminhos e descaminhos da sua própria cidade. Nascido na Itália, escolheu o Rio para viver e trabalhar. Morto há nove anos, muito jovem, passou seus últimos anos a pensar o futuro da região metropolitana do Rio de Janeiro unida à de São Paulo (e vice-versa).
A conurbação imaginada por André Urani abrangeria cidades dos três estados mais importantes do país, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, em direção a Campos, no Rio de Janeiro, a Campinas, em São Paulo, e a Juiz de Fora, em Minas Gerais. Formariam a "Megalópole Brasileira". Para Urani, o que estava em jogo era, simultaneamente, o revocacionamento de nossas duas principais metrópoles para o Século XXI, e o próprio papel do Brasil no mundo.
Essa e muitas outras idéias surgiram no OsteRio, reunião para debater as principais questões do desenvolvimento do Rio, que se realizou às noites de segunda-feira no restaurante Osteria Dell’ Angolo, em Ipanema. Hoje, o Rio de Janeiro volta a estar às voltas com uma decadência moral, política e econômica.
Já não temos nem a Osteria Dell´Angolo, que fechou com a crise, nem André Urani. Para tentar compensar essas perdas e retomar o debate sobre o futuro do Rio, será lançado em outubro o livro “Maravilhosa para todos” que reúne propostas para o debate sobre o futuro do Rio, dedicado a André Urani, o economista que dedicou sua curta vida a pensar e apostar no Rio.
O foco é na recuperação ética, fiscal, e econômica - com todos os programas voltados para redução da desigualdade da cidade. Usar o avanço tecnológico para dar o salto de qualidade de vida aos cidadãos cariocas com políticas públicas baseadas em evidências, com acompanhamento e avaliação de resultados.
Cerca de 50 pessoas das mais diversas áreas participaram de reuniões virtuais nos últimos dois meses e fizeram os diagnósticos e propostas. São 14 capítulos: Contas públicas, Educação, Saúde, Economia, Mercado de Trabalho, Políticas Públicas, Assistência Social, Segurança Pública, Saneamento, Políticas de Gênero, Mobilidade Urbana, Meio Ambiente e Sustentabilidade, Empreendedorismo e Cultura.
Mesmo organizado por pessoas ligadas ao partido Rede Sustentabilidade (Eduardo Bandeira de Mello, candidato à prefeitura, a ex-vereadora Andrea Gouvea Vieira e o economista Ricardo Barboza do BNDES, e prefaciado por Marina Silva, o livro reúne especialistas de diversas tendências, cujo objetivo é encontrar meios de fazer do Rio o melhor lugar para nascer, crescer, criar, trabalhar e envelhecer.
Escreve Marina: “Não é aceitável acreditar que o Rio “não tem jeito”. Cair nessa armadilha é se deixar levar a uma pulsão de morte. O que precisamos agora é de uma vigorosa pulsão de vida para reagir, ir à luta com toda a garra. O princípio básico desse livro é que o foco da reação deve ser o das políticas públicas. (…) Os profissionais que organizaram e escreveram os capítulos desse livro são grandes especialistas nacionais nos diversos temas que afetam a vida da cidade”.
Economistas de diversas tendências avalizam o livro. Fabio Giambiagi. (ligado ao PSDB) “ (…) Como militante do "Partido dos Cariocas", penso que, qualquer que seja o timoneiro deste nosso Rio tão sofrido nos próximos anos, deveria ter este livro permanentemente ao lado, como objeto de inspiração”. Ricardo Paes e Barros (idealizador do Bolsa Família)“O Rio tem um único destino possível: se tornar um centro de inovação tecnológica, científica e artística de dimensão mundial. Laura Carvalho ( ligada ao Psol) “O esforço de diagnóstico de nossos problemas conjunturais e estruturais para a formulação de um novo modelo de desenvolvimento para o Rio é urgente. Esse livro faz tudo isso de forma excepcional, com base em dados e análises técnicas de alguns de nossos melhores pesquisadores nessas áreas”.
Míriam Leitão: Contas do Rio no meio do vendaval
O Rio entregou apenas um ofício com quatro páginas em vez de um relatório de prestação de contas ao conselho que acompanha o cumprimento do Regime de Recuperação Fiscal. O estado diz que cumpriu 80% do compromisso, mas não é assim que os técnicos avaliam. O acordo com o Rio está sendo resolvido politicamente? O vice-governador Cláudio Castro garante que não. O que ele explica é que os dados entregues agora foram apenas para negociar o adiamento, possibilidade aberta pela liminar do ministro Bruno Dantas do TCU, de manter o acordo enquanto se negocia.
— O que fizemos foi cumprir a liminar do TCU. A ideia do Rio a princípio era judicializar por entender que o regime é de seis anos, com renovação automática no meio. O Tesouro não pensava assim. Estava tudo preparado para entrar na Justiça, eu preferi exaurir toda a questão administrativa. A única questão política é que eu decidi não ir para o confronto, mas negociar — disse o governador.
Na Secretaria do Tesouro se fala que é de três anos, e que ao fim desse período só havia dois caminhos: rejeitar ou renovar. Mas de fato o TCU abriu uma terceira via, a de o estado permanecer no regime enquanto se negocia com o Conselho Fiscal. O governador Witzel foi afastado, o governador interino acabou indo a Brasília e quem marcou o encontro com o ministro Paulo Guedes foi o senador Flávio Bolsonaro.
— Não houve favorecimento político do Rio. Queria tranquilizar quem está com essa justa preocupação. A conversa foi técnica, com o ministro Paulo Guedes, com o Bruno Funchal e outros integrantes da equipe técnica que trata do assunto. O ministro teve que sair e eu fiquei lá tratando disso. Não é um arranjo político. O senador Flávio Bolsonaro foi o primeiro parlamentar do Rio que ligou oferecendo ajuda. Eu assumi mesmo na segunda-feira, sou governador interino, e o prazo era sábado (hoje), era urgente conversar sobre isso. E a decisão tomada foi a de continuar o diálogo técnico. Se ao final não houver acordo, podemos voltar à ideia da judicialização — disse Cláudio Castro.
O Rio deixou de pagar nesses três anos R$ 58 bilhões. A visão de quem acompanha as contas públicas do estado é de que muito pouco foi feito até agora. Esta semana mesmo a Alerj aprovou um projeto que concede benefícios fiscais ao comércio atacadista. A justificativa do governo é que outros estados, como o Espírito Santo, concederam esse benefício, e empresas estariam migrando do Rio.
Esse foi o sexto benefício fiscal concedido pelo governo do Rio em 2020. Em 2019, foram três, e em 2018 e 2017, um em cada ano. O governo também conseguiu autorização do Confaz — Conselho Nacional de Política Fazendária — para realizar um refis irrestrito, com anistia de multas e juros a crédito tributários até 31 de agosto.
A orientação do ministro Paulo Guedes é para que a decisão seja estritamente técnica. O temor é o de que o que for concedido ao Rio tenha que ser estendido a outros estados. Minas Gerais e Rio Grande do Sul estão na fila para entrar no RRF.
— O Rio Grande do Sul está também sem pagar a dívida desde o ano passado. Está numa situação melhor do que a nossa, porque não paga a dívida e não tem a mordaça do regime que nós temos. Aliás, neste momento da pandemia, ninguém paga e não tem que cumprir nenhum compromisso —disse Castro.
Caberá ao governador em exercício indicar o próximo procurador-geral de Justiça do Rio, o que pode afetar a condução das investigações contra o senador Flávio Bolsonaro nos esquemas de rachadinhas na Alerj e lavagem de dinheiro.
— O procurador-geral de Justiça tomará a decisão sobre a denúncia antes de haver a troca. Além disso, o PGJ só assina o trabalho que chega pronto do grupo de procuradores — diz o vice-governador.
Ontem, o Conselho do Regime de Recuperação Fiscal achou que as informações que recebeu do Rio foram poucas. Castro explica que essa não foi a prestação de contas, ela será feita ao longo do processo de negociação. O governo do Rio diz que fez um ajuste de R$ 21,2 bilhões dos R$ 26,6 bi previstos. E não fez mais em função do baixo crescimento do PIB nos últimos três anos, da crise no setor de petróleo, e da pandemia este ano. É bom que todos os dados sejam olhados com lupa.
Qualquer concessão ao Rio tem que ser muito bem explicada tecnicamente, para não se consolidar a impressão de um arranjo político.
Ricardo Noblat: A milícia do crachá pode custar a Crivella o seu mandato
Tudo para calar a verdade
Bolsonaro ameaçou encher de porrada a boca de um jornalista que lhe fez uma pergunta incomoda (“por que Queiroz depositou 89 mil reais na conta de Michelle, a primera-dama?”).
Marcelo Crivella, prefeito do Rio, escalou miliciano de crachá para calar a boca dos cariocas que decidissem se queixar aos jornalistas do mau atendimento em hospitais públicos.
O objetivo dos dois foi o mesmo: impedir que o distinto público conheça a verdade. Só que com a oposição deles ou não, a verdade se tornará conhecida de qualquer forma.
A ameaça de Bolsonaro não se concretizou – do contrário, a essa altura, ele seria alvo de mais um pedido de impeachment. Já são mais de 50, devidamente engavetados pelo presidente da Câmara.
Crivella corre o risco de responder a mais um processo. É o que a Câmara de Vereadores do Rio começa a examinar hoje. Do primeiro ele escapou à custa da distribuição de favores.
Bolsonaro está a pouco de um ano e meio de renovar ou não o seu mandato. Faltam apenas dois meses para que Crivella tente renovar o seu, e espera o apoio de Bolsonaro.
Os milicianos de crachá são devotos do Crivella, parte deles evangélicos como o prefeito. Que ganham mais de mil e poucos a 18 mil para darem plantão em portas de hospitais.
Seu trabalho: estarem atentos a aproximação de jornalistas em busca de notícias. E de pessoas dispostas a relatarem as condições que enfrentaram para ser atendidas, e o que viram.
Monitorados por meio do celular, os milicianos são obrigados ainda a comparecerem a atos públicos para estimular as pessoas a aplaudirem discursos do prefeito.
Quem paga à claque, conhecida como os Guardiões do Crivella, naturalmente são os que pagam impostos.
O ministro Paulo Guedes perde mais uma batalha para o Bolsonaro
Expansão de gastos
Onde se leu que o presidente Jair Bolsonaro não está nem ai para a expansão de gastos desde que isso o ajude e se reeleger daqui a dois anos, leia-se: é isso mesmo, sem tirar nem pôr. O resto é conversa mole para enganar os bobos ou de bobos se fingem.
Depois de amargar sucessivas derrotas nas últimas semanas, o ministro Paulo Guedes, da economia, pensou que havia colhido pelo menos uma vitória: a de impedir até o final do próximo ano o preenchimento de milhares de cargos na administração federal.
Que nada!
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional foi forçada a alterar seu parecer que suspendia concursos públicos. Uma vez reaberta a cancela, a Polícia Federal contratará mais de 2 mil agentes e a Polícia Rodoviária Federa também.
O ministro Ricardo Salles, do Meio Ambiente, quer admitir mais 3,5 mil pessoas. E a ministra Tereza Cristina, da Agricultura, 140 auditores fiscais agropecuários. O balcão está aberto para atender aos pedidos de ministros e de gestores carentes de pessoal.
ricardo noblat, veja, crivella, rio de janeiro,
Míriam Leitão: Sinais do Rio e da capital federal
O afastamento do governador Wilson Witzel, confirmado ontem pela Corte Especial do STJ, terá fortes consequências no cenário nacional. É bom que tenha havido uma decisão colegiada para acabar com o desconforto tão bem expresso no voto minoritário do ministro Napoleão Nunes Filho, diante do fato de que uma decisão monocrática, tomada antes do recebimento da denúncia, tirou o chefe do poder executivo estadual. Não há dúvida de que tudo precisa ser investigado em mais essa tortuosa história do Rio. Os indícios contra Witzel são fortes, mas é preciso entender os efeitos para além das fronteiras estaduais.
Na véspera do dia em que Wilson Witzel foi afastado do governo do Rio, o presidente Jair Bolsonaro entrou no plenário do Superior Tribunal de Justiça ao lado do ministro João Otávio Noronha, que até aquele momento era presidente do tribunal. É o protocolo, já que o presidente estava fisicamente na corte, mas antes de entrar no recinto Bolsonaro teve tempo de uma conversa presencial com o ministro, por quem já declarou ter sentido “amor à primeira vista”. Quem conhece bem a cultura e os códigos de Brasília acredita que Bolsonaro foi dormir naquele dia sabendo o que aconteceria na manhã seguinte no Rio, estado estratégico para neutralizar as muitas investigações de corrupção contra a sua família.
O ministro Benedito Gonçalves já havia assinado sua ordem, apenas não a tornara pública. Naquele dia, a presidência ainda era de Noronha. Revelar o fato ao presidente da República poderia ser apresentado como mais um favor. “Em Brasília, funciona assim: quem faz um favor desses está querendo dizer que pode fazer muitos outros”, diz uma autoridade que viu no movimento mais um ato da campanha de Noronha para o Supremo.
O governador em exercício Cláudio Castro já recebeu o telefonema do senador Flávio Bolsonaro prometendo ajuda na renovação do Regime de Recuperação Fiscal. O problema é que essa renovação deveria seguir critérios técnicos do Ministério da Economia.
A saída de Witzel eleva exponencialmente o controle da família Bolsonaro sobre os poderes do estado onde será decidido o destino de vários integrantes do clã. Como o próprio Bolsonaro disse ao então ministro Sergio Moro: “Você tem 27 superintendências, eu só quero uma.” Ter o controle da PF no Rio é bom, mas melhor ainda é dominar também o Ministério Público estadual e a Polícia Civil. O procurador Marcelo Rocha Monteiro, um dos cotados para comandar o MP, como O GLOBO mostrou, é fã do presidente e da família.
O estado é parte de uma quebra-cabeças nacional e integra o mesmo movimento de enfraquecimento interno das instituições de que falam os autores que mostram a forma atual de matar democracias. Elas morrem de hemorragia interna. E em múltiplos órgãos.
A manobra do presidente em relação à Procuradoria-Geral da República deu supercerto. O procurador Augusto Aras tem sido prestimoso em qualquer tema de interesse do governo. Todos os candidatos ao posto de ministro do STF estão prestando favores a Jair Bolsonaro, dono da caneta que nomeará a pessoa para ocupar a cadeira de Celso de Mello.
O decano ficará de licença médica até o dia 11. Só voltará após a posse de Luiz Fux. Tem feito falta na Segunda Turma onde, sem seu voto, os empates provocam estrago em questões decisivas. Quando Celso de Mello voltar, será muito prestigiado por Fux, que tem por ele sincera admiração, mas serão apenas por uns 50 dias. Celso faz aniversário no dia primeiro de novembro e precisa deixar o cargo dias antes. Se com Fux o STF tem chance de ter uma presidência que não emita tantos sinais ambíguos, sem Celso de Mello, e com um indicado por Bolsonaro, o STF enfrenta mais risco de errar.
Há um efeito a mais da pandemia piorando o ambiente em Brasília. As autoridades dos outros poderes que são simpáticas a Bolsonaro fazem reuniões presenciais. Os que guardam distância, por respeitar o distanciamento social, estão se conectando apenas por canais eletrônicos. Já a conversa olho no olho, a palavra no pé do ouvido só está ocorrendo de um lado, aquele que conspira contra o bom funcionamento das instituições brasileiras. No Brasil de hoje, quem não está preocupado com a democracia está mal informado ou não está lendo bem os sinais.