rio de janeiro
Míriam Leitão: Os dois atos
A criação do Ministério da Segurança não representa coisa alguma, a não ser a transferência de órgãos de um lado para outro da Esplanada, já muito abarrotada de ministérios, e mais cargos para nomeação. Dependendo de quem for escolhido para comandá-lo, pode ser ainda pior do que já está. Por que a Polícia Federal ou a Polícia Rodoviária Federal ficariam melhores saindo da Justiça?
Ao anunciar ontem que vai criar o novo órgão, o presidente Temer reduz a força de sua própria decisão de sexta-feira de decretar a intervenção na segurança do Rio. No primeiro ato, é a tentativa de encontrar uma saída para problema agudo. O segundo é inútil e demonstra falta de foco. A ameaça principal vem do narcotráfico. Ele ficou muito poderoso nos últimos anos. Antes o país tinha uma soma de facções locais, agora mudou. “O crime organizado virou um empreendimento multinacional”, diz uma autoridade. Contra ele, os braços do Estado precisam se unir, com soma de esforços e troca de informações.
A intervenção só terá resultados se houver muito planejamento, inteligência e uso intensivo da tecnologia. Nunca funcionou, e não funcionará agora, o “prender e arrebentar”, apesar de ainda hoje existir quem defenda esse caminho, com aplausos de plateias desavisadas. O crime sofisticou-se e há a complicação territorial. Os moradores das favelas são seus escudos e primeiras vítimas. Uma das muitas dificuldades do novo comando da segurança será saber com que parte da Polícia pode contar e que parte já trabalha para o narcotráfico.
Não há uma crise de segurança exclusiva do Rio. Há uma crise de segurança. Ela atinge vários estados, e o Rio é apenas a ponta mais visível desse iceberg. O combate ao crime exige todos os recursos que o Estado puder mobilizar. Para que funcione, é preciso apostar no que há de mais moderno em tecnologia de vigilância e controle.
Antes de mergulhar na atual confusão, a partir das suas declarações sobre o processo do presidente Temer, o diretor-geral da Polícia Federal, Fernando Segóvia, foi em visita oficial às agências de segurança dos Estados Unidos. FBI, INL (departamento de combate ao narcotráfico), DSS (setor de segurança do Departamento de Estado), ICE (segurança de imigração). Ouviu propostas de cooperação e ofertas de compartilhamento de tecnologias com a Polícia Federal. Independentemente da crise interna no órgão, essa é uma agenda importante que tem que continuar tendo desdobramentos.
O Brasil carrega ainda a cicatriz do velho trauma do autoritarismo. Por fundadas razões. Por isso, teme a vigilância e o controle como se fossem sinônimos de cerceamento de direitos. Mas nenhum país constrói hoje um bom sistema de combate ao crime organizado sem o uso intensivo de tecnologia. O problema no país é que até o aparato das Forças Armadas lembra outros modos e períodos. O general Sérgio Etchegoyen, respondendo a um jornalista, na sexta-feira, disse que “As Forças Armadas jamais foram ameaça à democracia..." Até esse ponto a frase espantou porque parecia a negação da História, mas ele completou: “desde a redemocratização.” O ministro Raul Jungmann reforçou a ideia, lembrando que as Forças Armadas estão obedecendo a comandos constitucionais. A necessidade de fazer esse esclarecimento mostra como o Brasil ainda tem velhos medos. A intervenção federal com o uso das Forças Armadas foi entendida, por alguns, como intervenção militar, o que evidentemente não foi o que aconteceu.
Agora o país vive outra história, e as Forças Armadas reclamam internamente do uso excessivo de suas tropas em ações para as quais não foram treinadas nem destinadas. Reclamam, mas cumprem as ordens. Nada há de errado em usar as Forças Armadas sob o comando constitucional.
Há muito a aprender com o que deu certo no passado. Na Operação Suporte, da Polícia Federal, na época sob o comando do diretor Paulo Lacerda, foi construída a tecnologia de cruzamento de dados e informações que levou à criação futura das UPPs. Nessa operação trabalhava José Mariano Beltrame, que depois assumiu a secretaria de Segurança do Rio. Existem experiências que podem ser estudadas. A luta não é perdida, mas é muito difícil. O trabalho será demorado e intenso, mas desistir dele seria desistir do país.
Elio Gaspari: Pezão precisa sair do governo do Rio
A ideia da intervenção do governo federal na Segurança do Rio veio tarde e é curta. O governador Luiz Fernando Pezão precisa ir embora. Não tem saúde, passado, nem futuro para permanecer no cargo num estado falido, capturado por uma organização criminosa cujos chefes estão na cadeia. Como? Ele desce do gabinete, entra no carro e vai para casa.
Na quinta-feira, quando esteve no Planalto, Pezão disse a Temer que a situação da Segurança Pública do Rio saíra do seu controle. Ao deputado Rodrigo Maia, mencionou a “calamidade” e acrescentou: “Não podemos adiar nem mais um dia.” Há duas semanas, o mesmo Pezão se orgulhava da qualidade e da eficiência de suas polícias, reclamando do que seria uma “cobertura cruel.”
Desorientado (há tempo), o governador construiu um caso clássico para demandar uma intervenção ampla, geral e irrestrita no Rio. Nada a ver com o que se armou no Planalto.
Sérgio Cabral (patrono de Pezão) e Jorge Picciani (“capo” do PMDB) não estão na cadeia pelo que fizeram na Segurança. Ambos comandaram a máquina corrupta que arruinou as finanças, o sistema de ensino e a saúde pública do estado. A corrupção e a inépcia policial são apenas o pior aspecto da ruína.
Colocar um general como interventor no aparelho de Segurança, sem mexer no dragão das roubalheiras administrativas, tem tudo para ser um exercício de enxugamento de gelo. Ou algo pior: o prosseguimento de uma rotina na qual as forças policiais invadem bairros pobres e proclamam vitória matando “suspeitos.”
A intervenção proposta por Temer coloca Pezão e seus amigos no mundo de seus sonhos. Num passe de mágica, o problema do Rio sai do Palácio Guanabara (onde mora há décadas) e vai para o colo de um general. Esse semi-interventor assumiria com poderes para combater o crime organizado. O Planalto deve burilar sua retórica, esclarecendo que não se considera crime organizado aquilo que o juiz Marcelo Bretas vem mostrando ao país.
Temer conhece a Constituição e sempre soube que podia decretar a intervenção federal no governo do estado. A Constituição impede que se promulguem emendas constitucionais havendo unidades sob intervenção, mas a reforma da Previdência poderia ser votada na Câmara (se fosse) para ser promulgada no dia da posse do governador, em janeiro de 2019.
Há um cheiro de marquetagem na iniciativa: a reforma seria congelada por causa da intervenção na Segurança do Rio. Patranha. Ela encalhou por falta de votos e a intervenção, podendo ser integral, será light. Temer, que presidiu o PMDB até ser substituído pelo notável Romero Jucá, estancou a sangria, ajudou os correligionários que destruíram o estado e jogou a batata quente no colo de um general.
A saída de Pezão permitiria o desmantelamento do esquema de poder do PMDB antes da eleição de outubro. Sérgio Cabral e Picciani, “capos” dessa máquina, estão trancados, mas ela está viva. Leonardo, filho de Picciani, é o ministro do Esporte de Temer, cujo governo tem dois ex-ministros na cadeia (Geddel Vieira Lima e Henrique Alves). Todos do PMDB, como o exgovernador Moreira Franco, conselheiro especial do presidente.
A intervenção federal permitiria que o Estado do Rio passasse por uma faxina. Até a posse do governador que será eleito em outubro, o interventor poderia desmantelar a teia de ladroagens que arruinou o estado. Quem seria esse interventor? Para que a conversa possa prosseguir, aqui vão dois nomes: Pedro Parente e Armínio Fraga. Os dois estão bem de vida e odiariam a ideia, mas nasceram no Rio e sabem que devem algo à terra. Parente administrou a crise de energia no governo de Fernando Henrique Cardoso e está ressuscitando a Petrobras. Deem-lhe uma caneta e alguns pares de algemas e ele ergue o Rio.
Esse seria um cenário de emergência para uma situação de calamidade. Pode parecer ideia de maluco, mas nem o maior dos doidos poderia imaginar que, em menos de cinco anos, o Rio chegasse onde chegou.
Fernando Gabeira: Rios da indiferença
Um governador que não se prepara para o carnaval é uma figura inútil
Durante o carnaval, consegui tempo para ler o último livro de Oliver Sachs, o brilhante psiquiatra que morreu em 2015. Tinha uma doença terminal e enfrentou a morte com coragem e bom humor, escrevendo e revendo ensaios, no leito, com a ajuda de amigos. O livro se chama “Rio da consciência”, mas o ensaio que me chamou atenção, de início, foi o “Uma sensação generalizada de desordem”. O título, na verdade, é a descrição que um paciente faz da enxaqueca, doença que Sachs muitas vezes, como psiquiatra, enfrentou. A enxaqueca não me fascinou tanto quanto a descrição do sistema nervoso autônomo, um conjunto — células, hormônios, redes neurais — que monitora o equilíbrio de nosso organismo. Diferente do sistema nervoso central, o autônomo não coordena o que fazemos, mas é uma indicação de como estamos.
Escrevo a caminho de Pacaraima, na fronteira do Brasil com a Venezuela. Saí diretamente do Rio para cá. Suponho que a sociedade também tenha essa tendência ao equilíbrio, uma espécie de sistema nervoso autônomo. Se é assim, creio que já deu sinais de que algo vai mal tanto no organismo nacional como no sul-americano.
O Rio foi tomado por inúmeros casos de violência e assalto. Apesar de tantos avisos, o governador Pezão confessou que o estado não se preparou para o carnaval. Como se uma festa tão antiga e previsível fosse um raio em céu azul. O prefeito do Rio, Marcelo Crivella, disse que iria aproveitar a folga do carnaval e viajar para a Europa, em busca de experiências “inovativas”. Folga, como assim? Trabalhei no carnaval por escolha, se quisesse poderia estar fantasiado em qualquer esquina. Mas um prefeito não tem folga no carnaval. É precisamente o período em que tem de cuidar de tudo, para evitar o pior. Pezão ainda não conseguiu ler o plano de segurança. Crivella se elegeu dizendo que iria cuidar das pessoas. Será que foliões, fantasiados, seminus e alegres, não são pessoas?
Essas coisas nos colocam próximos de uma desordem generalizada. As principais autoridades parecem não entender o que está se passando. A tarefa do equilíbrio, a homeostase, torna-se cada vez mais complicada.
Aqui na fronteira, as coisas não são diferentes. Estive em Pacaraima duas vezes, e uma em Santa Helena, já na Venezuela. Previ que a situação iria se agravar, o que não é nenhuma vantagem, apenas o óbvio. Por aqui já passaram mais de 40 mil. Na Colômbia, um milhão de refugiados cruzaram a fronteira. As ferramentas diplomáticas, Mercosul, Unasul e mesmo a OEA, são incapazes de achar uma saída. Talvez o único caminho seja internacionalizar uma crise que transcende a capacidade sul-americana. Mas o que pode fazer a ONU? A Europa está sobrecarregada pelo fluxo de refugiados no Mediterrâneo. E os Estados Unidos, com a escolha de Donald Trump, fecham-se cada vez mais para as tragédias do mundo.
Como um sistema nervoso autônomo, os mecanismos de monitoramento continuam funcionando. Eles registram os desequilíbrios, indicam as desordens. No entanto, não se encontra remédio. A tarefa do sistema nervoso central está atrofiada, não há antecipação planejada , apenas uma espera na crise para intervir quando for tarde demais. O colapso do governo no Rio, por corrupção e incompetência, já era um sinal de que a crise de segurança se agravaria. A escalada repressiva de Maduro, uma certeza do êxodo em massa para Colômbia e Brasil.
Assim como no corpo, o sistema nervoso autônomo na sociedade precisa de mais atenção. No corpo, é ele que nos desestimula, por exemplo, a disputar uma corrida depois de um farto almoço.
Embora isso não explique tudo, creio que os governantes em Brasília e no Rio não se importam tanto com esses desequilíbrios porque estão atentos a outros sinais. Ambos têm problemas com a polícia, ambos se esforçam para escapar dela. Não creio que uma antecipação conseguiria resolver as crises em Pacaraima ou Copacabana. Mas, certamente, ajudaria.
Um governador que não se prepara para o carnaval, um prefeito que vê nele uma folga para buscar soluções na Áustria, na Alemanha e na Suécia, são figuras inúteis.
No caso da Venezuela, Temer pode dizer que o governo anterior não só apoiou como se tornou cúmplice da tragédia produzida por Maduro. Mas Temer era vice-presidente. Não é possível que só tenha percebido agora como o Brasil errou.
E, agora, as coisas são bem mais difíceis. Em Roraima, segundo as pesquisas, a população, majoritariamente, rejeita os imigrantes. Em termos regionais, nas eleições, pode acontecer ali algo que aconteceu na Europa: um avanço da xenofobia.
Nesse caso, como aliás em tantos outros, é preciso preparar o corpo para pancadas de todos os lados. A direita gostaria de ver a fronteira fechada. E a esquerda, assim como Crivella, que não vê pessoas na multidão carnavalesca, dificilmente enxerga direitos humanos nas milhares de famílias que fogem do socialismo do século XXI, como se autoproclama a aventura bolivariana.
Luiz Carlos Azedo: Não morreram em vão
O comandante militar do Leste, general Braga Netto, é o novo xerife do Rio. Tem a tarefa de restabelecer a paz e a ordem. É a primeira intervenção federal depois da Constituição de 1988
Quando a Itália entrou na I Guerra Mundial, em 1915, ao lado da “Entente” (aliança entre França, Inglaterra e Rússia), os políticos italianos acreditavam que aquela seria uma oportunidade de libertar Trento e Trieste do jugo estrangeiro e declararam guerra ao Império Austro-Húngaro. Centenas de milhares de jovens foram recrutados e lançados à batalha. No primeiro confronto, porém, o exército inimigo manteve as suas linhas de defesa de Izonso e o ataque foi contido. Morreram 15 mil italianos.
Na segunda batalha, foram 40 mil mortos; na terceira, 60 mil. Os italianos lutaram “por Trento e por Trieste” em mais oito batalhas, até que, em Caporreto, na décima-segunda, foram derrotados fragorosamente e empurrados pelas forças austro-húngaras às portas de Veneza. O episódio, citado no livro Homo Deus, de Yuval Noah Harari (Companhia das Letras), ficou conhecido como a síndrome “Nossos rapazes não morreram em vão”, porque foram contabilizados 700 mil italianos mortos e mais de 1 milhão de feridos ao final da guerra.
Depois de perder a primeira batalha de Izonzo, os políticos italianos tinham duas opções. A primeira era admitir o erro e assinar um tratado de paz, que seria aceito pelo Império Austro-Húngaro, que enfrentava outros três exércitos poderosos. Prevaleceu a segunda, porque a primeira tinha o ônus de ter que explicar para os pais, as viúvas e os filhos dos 15 mil mortos de Izonso por que eles morreram em vão. Era mais fácil exacerbar o nacionalismo e continuar a guerra.
Entretanto, Harari adverte que não se pode culpar apenas os políticos. O povo também continuou apoiando o envio de tropas para o front. E quando a guerra terminou e os territórios não foram recuperados, mesmo com o fim do Império Austro-Húngaro, os políticos e o povo entregaram o poder a Mussolini e seus fascistas, que prometerem conseguir para a Itália uma compensação compatível com os sacrifícios feitos.
Nem de longe Trento e Trieste se parecem com a Rocinha e o Complexo do Alemão, muito menos as Forças Armadas tiveram baixas até agora no Rio de Janeiro, mas já dá para perceber aonde é que podemos chegar com a decretação da intervenção federal na segurança do Rio de Janeiro. É a repetição de uma solução que não teve resultados satisfatórios: o emprego das Forças Armadas para combater o tráfico de drogas e fazer o patrulhamento ostensivo nos logradouros importantes da cidade.
Há um pacto entre o governo federal e o governo estadual nessa questão da segurança e outras políticas públicas que entraram em colapso no estado. Porque estão sob controle de correligionários, o presidente Michel Temer e o governador Luiz Fernando Pezão, que ontem tirou por menos a situação e disse que pretende deixar como legado de seu governo a presença do Exército, Marinha e Aeronáutica na segurança do estado. Ambos são do MDB. E, agora, empunham a bandeira da ordem.
Confronto
A medida tomada tem certa funcionalidade, porque a situação havia realmente saído do controle durante o carnaval, com o colapso da segurança pública. Mas não será uma resolução efetiva para o problema, que demanda um esforço de longo prazo e uma mudança de liderança política, pois a atual foi desmoralizada pelas crises fiscal e ética. É mais uma jogada política e de marketing, que pode ter o efeito contrário se fracassar. O tempo dirá.
Muitos acham que a intervenção esvaziaria o discurso do deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ), que prega uma espécie de “terror de Estado” nas comunidades controladas pelo tráfico. Em evento promovido pelo banco Pactual BTG, em 6 de fevereiro, para mais de mil executivos do setor financeiro, Bolsonaro declarou que mandaria um helicóptero derramar milhares de folhetos sobre a favela da Rocinha, avisando que daria um prazo de seis horas para os bandidos se entregarem. Encerrado o tempo, se eles continuassem escondidos, metralharia a Rocinha. Foi aplaudido de pé.
Essa é a primeira intervenção federal feita com base na Constituição de 1988 e inverte a situação das operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) realizadas até agora, seja para garantir a realização das Olimpíadas e da Copa do Mundo, seja para combater o tráfico de drogas e garantir as vias de acesso à capital fluminense. O comandante militar do Leste, general Walter Souza Braga Netto, de 60 anos, porém, é o novo xerife do Rio de Janeiro. Tem a tarefa de restabelecer a paz e a ordem.
Antes, a missão das Forças Armadas era apoiar as polícias civil e militar; agora, o general vai comandá-las. Além disso, uma mudança de legislação garante aos soldados e oficiais das Forças Armadas o foro privilegiado da Justiça Militar em casos de confronto. Mesmo assim, a situação é dramática, porque uma parte das forças de segurança estaduais está comprometida com o crime organizado e a outra, desmoralizada e desmotivada, além de fragilizada por constantes execuções de policiais militares. O problema do Rio não é só a segurança pública. Faltam competência e honestidade.
O Globo: Medida impede votação da Previdência mas cria 'nova agenda'
Constituição veta aprovação de PEC durante intervenção. Mais popular, Segurança Pública ganha espaço nas prioridades de Temer
Por Flávia Barbosa, de O Globo
RIO - Com a decisão do presidente Michel Temer de decretar uma intervenção na segurança pública do Rio de Janeiro, a reforma da Previdência, cuja apreciação em plenário estava prevista para começar na próxima terça-feira, não poderá ser votada pelo Congresso Nacional. Isso sugere que o cálculo político do Palácio do Planalto pode ter mudado, de uma agenda impopular e que não consegue apoio parlamentar para um tema que mobiliza a população brasileira.
Caso os parlamentares aprovem a intervenção, o Congresso fica impedido, pela Constituição Federal, de aprovar quaisquer propostas de emendas constitucionais (PEC) enquanto a medida excepcional vigorar. A reforma da Previdência é uma PEC.
A única saída jurídica para votar a reforma, segundo comenta-se nos bastidores do governo, seria suspender a vigência do decreto por breve período de tempo, apreciar a matéria na Câmara e no Senado, e então editar novo decreto e submetê-lo ao Congresso novamente, renovando o mandato de comando federal sobre as polícias civil e militar e o Corpo de Bombeiros.
Não está clara qual a estratégia que o governo adotará, muito menos se abandonou a reforma. Os ministros da Fazenda, Henrique Meirelles, e do Planejamento, Dyogo Oliveira, vinham negociando modificações no texto para tentar aprovar a PEC mesmo que desidratada. Ambos foram chamados ontem à noite ao Palácio do Jaburu para serem comunicados da decisão de Temer de ceder ao apelo de Pezão pela intervenção.
Segundo reportagem publicada nesta sexta-feita pelo GLOBO, estava decidido, até então, que o governo aceitaria uma emenda ao texto da reforma para criar uma regra de transição mais generosa para os servidores que ingressaram na administração federal antes de 2003 e a possibilidade de acumulação de benefícios (pensão e aposentadoria) até o teto do INSS (R$ 5.645).
A mexida na Previdência é o ponto central da agenda de reformas apresentada pelo governo Temer e cobrada pelos agentes econômicos. Ela é considerada essencial para reequilibrar as contas públicas do país e mobiliza a atenção de investidores, empresários e agências de classificação de risco. Na avaliação de especialistas, sem a reforma previdenciária o déficit público explodirá e o Brasil caminhará para uma espiral de endividamento e insolvência.
No entanto, a medida é altamente impopular, e os parlamentares resistem a abraçá-la. Por isso, mesmo concessão após concessão, o Planalto não consegue avançar no mapa de apoio e conta hoje com cerca de 270 dos 308 votos necessários para aprovar uma PEC.
A avaliação do governo, desta forma, pode ter mudado. A segurança pública, ao contrário da mudança nas aposentadorias e pensões, está no topo das preocupações dos brasileiros. Agir sobre ela pode valer pontos preciosos para um presidente da República altamente impopular mas ainda com pretensões eleitorais em outubro deste ano.
A carnificina nos presídios de Goiás, a greve de PMs no Rio Grande Norte, a crise dos refugiados venezuelanos em Roraima e a escalada de criminalidade do Rio neste início de 2018 ofereceram oportunidades importantes para que o Planalto tentasse assumir o protagonismo na segurança pública -- uma atribuição constitucional de estados, em grande maioria hoje falidos ou próximos do colapso fiscal.
O uso da força nacional e do Exército este ano nas ruas e a liberação de verba emergencial para os governos goiano e de Roraima foram um aperitivo. Na quarta-feira de Cinzas, já estava cristalizada a criação do Ministério da Segurança Pública, ideia acalentada há um ano mas que vinha sendo postergada. O grande passo, porém, veio na noite de quinta-feira com a decisão de intervir no Rio. É um pacote a ser vendido.
Agora, é preciso ver se o governo federal resistirá à pressão dos agentes econômicos ao adiar a votação da Previdência. Porém, se decidir seguir este caminho, e conseguir que o Congresso dê aval à intervenção no Rio, começará outra empreitada. Temer terá de provar que a medida não será rasa; terá de apresentar em curto período de tempo resultados que os 4 planos de segurança pública com digital do governo federal lançados desde 2001 nunca conseguiram alcançar.
Míriam Leitão: Intervenção na segurança do Rio tem validade imediata e durará até o fim do ano
O senador Eunício Oliveira terá 24 horas para convocar sessão conjunta do Congresso para em dez dias aprovar a intervenção na área de segurança do Rio, mas ela terá validade imediatamente. O decreto deve ser publicado até o meio dia de hoje. A área de segurança do Rio ficará sob intervenção até dezembro de 2018.
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Com o decreto, haverá uma espécie de governador para a área de segurança do Rio. O general Braga Netto, nascido em BH e morador do Rio, é chefe do Comando Militar do Leste e vai assumir a área, passando a ter poderes de comando sobre toda o setor de segurança, inclusive Bombeiros, sistema prisional e Secretaria de Segurança.
A decisão de decretar a intervenção no Rio foi tomada depois de uma série de reuniões com o governador Pezão, com os comandantes militares. Inicialmente os comandantes relutaram, mas entenderam como missão.
Quando for o momento de votar a reforma da Previdência, a intervenção será suspensa por 24 horas. Votando-se, o resultado que for, ela voltará a ter seus efeitos. Pela Constituição quando há uma intervenção não pode haver votação de emendas constitucionais. O problema será resolvido desta forma.
Essa medida é inteiramente nova e está baseada no artigo 34 da Constituição. Chegou a ser pensada também uma intervenção na área de Finanças e Planejamento, mas depois foi descartado.
Nas discussões, também foram ouvidos os ministros da Fazenda, Henrique Meirelles, e o Planejamento, Dyogo Oliveira.
Luiz Carlos Azedo: O enredo esquecido
A Beija-flor, a grande campeã do carnaval, criticou sem “fulanizar” os descalabros da política nacional e as mazelas sociais do estado, mas pouco falou da Lava-Jato
O carnaval no Rio de Janeiro teve dois vilões, o prefeito Marcelo Crivela, o que era bola cantada, porque o alcaide da cidade fez tudo o que poderia para agradar aos evangélicos e contrariar os foliões, e o presidente Michel Temer, cuja imagem desgastada pela crise ética e política foi demonizada no desfile da escola de samba Paraíso do Tuiuti. Os grandes responsáveis pela situação calamitosa em que o estado se encontra, porém, foram esquecidos pelos carnavalescos. Nem o ex-governador Sérgio Cabral, que está preso em Curitiba, nem a ex-presidente Dilma Rousseff, afastada do poder pelo impeachment, muito menos o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, agora um “ficha suja” condenado a 12 anos e 1 mês de prisão, foram objetos de alegorias.
Talvez haja um misto de gratidão e malandragem dos chefões do jogo do bicho, que mandam na Liga das Escolas de Samba (Liesa), a dona dos desfiles da Sapucaí, em relação a isso. Mas a verdade precisa ser dita: a situação em que se encontra o Rio de Janeiro é fruto da lambança feita nos tempos de bonança dos grandes patrocínios de estatais e das “campeãs nacionais” anabolizadas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), ou seja, dos anos de gastança generalizada e de muitos desvios de recursos públicos, particularmente da Petrobras e dos grandes eventos e projetos dos governos federal e fluminense. Falou-se de quase tudo nos enredos das escolas de samba, muito pouco dos grandes personagens da Operação Lava-Jato, sejam os políticos, executivos, doleiros e empreiteiros envolvidos no escândalo da Petrobras, sejam juízes, procuradores e delegados que há quatro anos vêm protagonizando a maior devassa na roubalheira dos políticos e empresários que mamam nas tetas dos cofres públicos.
Entretanto, os cariocas que glamorizam as malandragens também pagam o preço da violência nas ruas. O outro lado das áreas conflagradas é o medo do morador do asfalto. Nos bairros mais nobres, como Ipanema e Leblon, é um risco sair às ruas com qualquer objeto que possa chamar a atenção dos assaltantes; os turistas, menos precavidos, são vítimas ainda mais fáceis de roubos e furtos. A polícia não dá conta do recado, uma parte está comprometida com o crime organizado; outra não dá conta da escala das ocorrências policiais. Enquanto o “Fora, Temer!” e o “Fora, Crivela!” são entoados nos blocos de rua mais politizados, como se isso fosse solução para tudo, a maioria da população paga o preço do descalabro administrativo e do colapso econômico do estado.
Ouro negro
Com exceção da Beija-flor, a grande campeã do carnaval, que criticou sem “fulanizar” os descalabros da política nacional e as mazelas sociais do estado (seu grande patrono é o “banqueiro” de bicho Anísio Abraão), pouco se falou de bandidos e mocinhos da Lava-Jato. Muito menos da Petrobras e do colapso da economia do pré-sal. Há certa hipocrisia em tudo isso. Mas funciona quando se trata de pôr a culpa nos outros. Os cariocas, com perdão da generalização, gostam de falar mal de Brasília e cantar as belezas naturais do Rio de Janeiro, mas precisam também assumir a sua parcela de culpa na situação em que se encontram o estado e o país.
A maioria despejou milhões de votos na reeleição de Lula, após o mensalão, e na eleição e reeleição de Dilma Rousseff, nas quais endossou por duas vezes a presença de Michel Temer como vice da chapa. Sérgio Cabral foi eleito, reeleito e ainda fez o seu sucessor, o atual governador, Luiz Fernando Pezão, que passou o carnaval na cidade onde foi prefeito, Piraí, no interior fluminense. Agora, muitos entram na onda do PT e põem a culpa de tudo no Temer e no Crivela.
O colapso da economia fluminense foi provocado por duas exigências que interromperam o fluxo de investimentos no estado: os 51% de componentes nacionais, para adensar a cadeia produtiva nacional; e a obrigatoriedade de participação da Petrobras na exploração de todos os poços de petróleo, o que provocou a interrupção dos leilões, porque a estatal não tinha mais recursos para bancar sua participação nos investimentos. A mudança do regime de concessão para o regime de partilha, com essas exigências, foi um desastre anunciado. Houve ainda a corrupção monstruosa, que provocou enormes prejuízos à empresa, para financiar e perpetuar o projeto de poder e enriquecer seus operadores. E o inchaço da máquina pública, que presta péssimos serviços.
Qual será o futuro do Rio de Janeiro? Em parte dependerá de seu ajuste fiscal, que está sendo feito a fórceps; em parte, da retomada da economia do pré-sal, que se inicia graças a medidas recentemente aprovadas pelo Congresso e que são criticadas como se fossem ações de lesa-pátria. O estado, porém, caminha para eleições nas quais ninguém sabe o que vai acontecer, exceto que, depois da Lava-Jato, nada será como antes.
Luiz Carlos Azedo: Tristeza também faz parte
O ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou um pedido de habeas corpus preventivo de Lula, que pode ser preso
Domingo de carnaval não é um dia muito apropriado para falar de política, embora o tema mais badalado no carnaval deste ano, obviamente, seja exatamente a mixórdia da política nacional, cujos personagens mais ilustres são alvos sistemáticos da troça popular. Foi-se o tempo em que a apologia dos políticos vivos era enredo de escola de samba. Agora, o melhor para os políticos é passar o carnaval recolhido, porque a maré não está boa para a maioria deles.
No Rio de Janeiro, por exemplo, o prefeito Marcelo Crivela (PRB) faz o que pode para desfazer a imagem de que é o inimigo público número 1 dos foliões cariocas. Visitou o Sambódromo, recebeu o Rei Momo, Milton Junior, no Palácio da Cidade e até gravou vídeo falando que tudo está às mil maravilhas na cidade, cujo hino começa como abertura de sinfonia e acaba como marchinha de carnaval.
O vídeo de Crivela viralizou nas redes porque diz que as ruas amanhecem limpas depois da passagem dos blocos, os hospitais funcionam a pleno vapor, a guarda municipal garante a segurança dos blocos e não faltará transporte para quem quiser assistir aos desfiles no Sambódromo. Arriscou até a previsão do tempo, prometendo sol em abundância nos dias de folia. De gozação, os cariocas dizem que o prefeito estava doidão quando fez a gravação. Alegria, alegria, apesar dos tiroteios na Rocinha e em outras “comunidades”.
Não se fazem fantasias como antigamente. Boa parte vem embalada da China e lembra os super-heróis hollywoodianos. Na velho Saara, o tradicional comércio popular do Centro do Rio de Janeiro, no qual árabes e judeus vivem em plena harmonia, um adereço não custava mais do que R$ 5; uma fantasia do Batman ou da Mulher-Maravilha, R$ 49. O controle da inflação e a baixa taxa de juros ajudaram os foliões.
Já as fantasias das escolas de samba são outra história, estão cotadas em euros e dólar, porque desfilar na Sapucaí virou pacote turístico. Para sair numa das alas da Mangueira, uma fantasia não fica por menos de R$ 1.600; na Império Serrano, a Ala das Feras cobra R$ 1.000. Na São Clemente, Paraíso do Tuiuti e na Unidos da Tijuca, era possível pagar R$ 700 para desfilar no primeiro grupo.
Habeas corpus
Carnaval tem de tudo. Por exemplo, depois da morte do Jamelão, não existe ninguém mais rabugento no mundo musical carioca do que o Alfredinho, dono do Bip-Bip, na Almirante Gonçalves, em Copacabana, que abriga uma das mais tradicionais rodas de samba da cidade. Seu bloco sai à meia-noite e um minuto do sábado de carnaval e às 23h59 da terça-feira Gorda. Para evitar superlotação, ele sempre diz aos desconhecidos que não pretende abrir o único boteco self-service carioca durante o carnaval e diz que não sabe se o bloco vai sair. É sempre mentira!
Tristeza também faz parte do carnaval, que nos diga a belíssima Máscara Negra, samba de Zé Kéti, eternizado na voz de Dalva de Oliveira. E o habeas corpus do folião de raça, aquele descrito em prosa e verso por Ary Barroso e Elizeth Cardoso, em Camisa Amarela, que mergulha no turbilhão carnaval com um reco-reco na mão e só reaparece na Quarta-feira de Cinzas cantando A Jardineira.
Mas eis que chegamos à política. O ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou um pedido de habeas corpus preventivo da defesa de Luiz Inácio Lula da Silva, que pretende evitar a prisão do ex-presidente. Além disso, Fachin submeteu a decisão final ao plenário do STF, formado por 11 ministros. Lula está condenado a 12 anos e 1 mês em regime semiaberto pelo Tribunal Regional Federal da Quarta Região (TRF-4), em um processo da Lava-Jato. Pela decisão dos desembargadores, a pena deverá ser cumprida quando não couber mais recurso na 2ª instância da Justiça.
A defesa de Lula, que agora tem à frente o ex-presidente do STF Sepúlveda Pertence, apresentou habeas corpus ao STF pedindo que o ex-presidente não seja preso até o processo transitar em julgado. Pleiteava que o caso fosse analisado pela Segunda Turma, formada pelos ministros Fachin, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Celso de Mello e Dias Toffoli. A datada decisão será definida pela presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia. Não foi uma boa notícia para o petista, que luta na Justiça para não ser preso, nem enquadrado na Lei da Ficha Lima, que o torna inelegível, ou seja, deixa-o fora da disputa eleitoral de 2018.
Fernando Gabeira: Meditando no Carnaval
Se for a única opção, teremos o carnaval apesar de tudo
Andei por Salvador visitando mosteiros, templos e terreiros para um programa de tevê. Encontrei o carnaval duas vezes, em Ondina e no Rio Vermelho. Entrei na multidão para documentá-lo, mas não podia deixar de refletir. Não sou especialista em carnaval, nem mesmo fui um observador atento da festa nos últimos anos. Meditei um pouco sobre ele não no sentido que os budistas dão à meditação: um processo que esvazia a mente. Aliás, tenho dificuldade de alcançar esse estado de concentração e o mais perto que consigo chegar dele é quando estou boiando de costas. Meditação no meu caso é dar voltas sobre o tema.
Os entendidos dizem que o carnaval libera sentimentos reprimidos durante o ano de trabalho. Pensei: mas o que falta mais ser liberado? Na medida em que os costumes tornam-se mais ousados, o que restará aos foliões nos dias de festa?
Homem vestido de mulher, por exemplo, pode ser considerado um tipo de liberação num tempo em que isto é feito com profissionalismo e sucesso pelos artistas? Já vi poucos homens vestidos de mulher, mas prevejo uma certa decadência dessa fantasia de carnaval. Com o feminismo em ofensiva, as mulheres podem duvidar se certo modo de travestir é mais uma zombaria do que propriamente imitação.
No que me parecia um bem policiado carnaval, com PMs e guardas municipais em movimento entre os foliões, pensei no carnaval do Rio. Um motorista de táxi me disse: um estrangeiro deve achar estranho que num país em crise e o Rio em guerra civil, tanta gente saia para o carnaval. Mas um estrangeiro não sabe da força que impulsiona as pessoas, uma alegria que precisa sobreviver nas mais duras circunstâncias.
Mas há algo que me preocupa no carnaval em nosso esforço de fazer uma grande festa, apesar de tudo. No meio da semana, três vias importantes foram interditadas: Avenida Brasil, Linha Vermelha e Linha Amarela. De repente, minha reação foi pensar que alternativas teria caso tivesse de entrar ou sair da cidade. É assim que a gente começa a se acostumar.
Muitos já consultam o aplicativo Onde tem Tiroteio antes de se deslocar. Certos lugares, certas horas tornam-se proibidos. E a gente se adaptando.
Com o tempo, descobrimos que a vida está mudada e nosso comportamento é o mais ou menos clássico das populações que vivem em longos conflitos: tocar a vida com alguma normalidade apesar do caos em torno.
Há uma sabedoria nisso, mas também uma certa resignação. E se for a única opção, continuamos com o carnaval apesar de tudo, com nossa vida “normal” apesar de tudo, e as coisas podem piorar.
Claro que a situação e os movimentos do governo, o principal responsável pela segurança pública, são desalentadores. Falou-se num plano de segurança no ano passado e até agora não só saiu do papel como sequer o próprio papel saiu. O governador Pezão disse que o recebeu no meio da semana e não teve tempo de lê-lo. É de se esperar pelo menos que o leia nesse feriado de quatro dias.
Tecnicamente, com um método adequado, suponho que seja um tempo suficiente até para se aprender a ler, quanto mais folhear algumas páginas. Apenas uma fração dessa exuberante energia popular no carnaval seria suficiente para forçar os governos a buscar algo menos reativo, a parar de enxugar gelo.
No momento, as autoridades estão meditando em público sobre a crise. O ministro da Defesa, Raul Jungmann, afirma, com razão, que o sistema de segurança está falido. O governador, por sua vez, diz que na Rocinha os policiais são mortos como se mata galinha. O problema é que estão na linha de frente. Quem mói no aspro não fantaseia, dizia Riobaldo, personagem de Guimarães Rosa.
Comentários a gente ouve no rádio, lê nos jornais e na rede. O que se espera deles é ação. O sistema está falido, os policiais são assassinados, e daí? O que vão fazer, o que podemos fazer para ajudá-los?, esse é foco. A lentidão com que o plano de segurança para o Rio andou é um sintoma de que há algo errado. O governo não pode ficar chorando, embora a situação seja mesmo de chorar, sobretudo com a morte de crianças.
Muitas coisas, espero, serão resolvidas nas eleições de 2018. Mas há algumas que não podem esperar. A crise de segurança pública é uma delas. Por favor, um plano, articulação entre as forças de segurança, foco, aliança com a sociedade — essa é a forma um pouco mais elaborada que tenho para escrever SOS.
A situação das Forças Armadas é diferente da do governo do Rio, composto por um partido que arruinou o estado e cujos líderes estão na cadeia.É dela que pode vir um nível de organização maior, aproveitando o que ainda há de combativo na polícia local.
É um abacaxi para quem se preparou para guerras entre países? Talvez. Mas é de onde pode surgir a capacidade de reação. Não se trata nem de achar a solução para o problema, mas trazê-lo apenas a um nível suportável, para que outras dimensões, como a política social, o crescimento econômico e a própria educação entrem com sua parte.
Os 100 anos do Cordão da Bola Preta no #ProgramaDiferente
O Cordão da Bola Preta, o bloco carnavalesco mais antigo e tradicional do Rio de Janeiro, completa 100 anos em 2018. Fundado em 1918, desfila duas vezes por ano e arrasta multidões pela Avenida Rio Branco: no sábado de carnaval e na sexta-feira anterior à semana que abre a folia.
Fernando Gabeira: Reflexões sobre o provolone
Parei algum tempo para pensar na história do deputado que levava queijo provolone e biscoitos na cueca. Ele foi condenado a sete dias no isolamento. O queijo provolone custa R$ 35, o quilo. Na cela de Cabral foram encontrados queijos tipo Saint Paulin e Chavroux, ambos rondando os R$ 300, o quilo. Nada aconteceu, exceto a retirada dos alimentos importados.
Na verdade, acho que ambos os casos são simples infrações das regras do presídio. O do deputado Celso Jacob acabou resultando numa pena quase que perpétua. Durante muitos anos, ele será conhecido como o deputado do queijo na cueca. De um ponto vista social, é um ato inofensivo. Descoberto, revela um ser humano numa situação patética, dessas que podem acontecer com muitas pessoas ao longo da vida. São, ao mesmo tempo inofensivas mas destruidoras, se divulgadas.
Minha conclusão sobre esse caso não é nada popular, a julgar pelas reações das pessoas com quem comentei meu desconforto. Sinceramente, acho que ele deveria sofrer algum tipo de punição por infringir a regra e que não deveria exercer o mandato desde quando foi condenado. No entanto, o sistema penitenciário poderia tratar o caso como a centenas de outros no presídio, sem exposição pública.
Sei que a luta contra a corrupção é uma grande causa. Exatamente por abraçar algumas grandes causas, tenho também um pouco de medo delas. Às vezes, fazem com que gente ignore o outro e sua precária condição humana, no embalo da defesa de nossas ideias.
A revolução cultural chinesa foi um impacto para mim. Estava em Lisboa, rumo ao País de Gales, onde faria um curso de jornalismo. Aquelas imagens de homens seminus com cartazes pendurados no peito me traziam desconforto. Com o tempo, conheci melhor o que se passou na China, e cada vez mais a ação daqueles jovens com o livro vermelho de Mao Tsé-Tung na mão, prendendo e humilhando, pareceu-me uma maneira doentia de como uma sociedade autoritária pune as pessoas.
Até num filme sobre julgamento de líderes nazistas, lembro-me de uma cena, de um dos acusados mais velhos segurando a calça porque estava sem cintos, em que senti também um desconforto.
Os tempos passam, e a sociedade renova sua maneira de punir. Além da luta contra a corrupção, grandes temas como racismo, machismo, homofobia são causas que mobilizam. Nos Estados Unidos, há um grande movimento de denúncia de assédio sexual, derrubando um a um os acusados. No Brasil, o eixo do confronto esquerda-direita acabou se deslocando para essa área de costumes.
Sei que não posso evitar que toda essa energia emotiva se extravase. Mas sei também que os tribunais se deslocaram para as redes e que aí são feitos grandes julgamentos, de um modo geral aceitos de imediato pelas empresas. As opiniões individuais ganham peso, no entanto trazem também a responsabilidade de se informar melhor. O que nem sempre acontece.
Na rede, não existe um código pré-estabelecido, como na lei, ponderando crime e castigo. Ela não sentencia ninguém à perda da liberdade, ou qualquer tipo de multa. Ela trata da imagem e, às vezes, decreta o fim de uma carreira pública.
E, nesses casos, a distinção entre esquerda e direita é inócua. Recentemente, surgiu uma campanha afirmando que Caetano Veloso era pedófilo, porque fez amor com uma garota de 14 anos que se tornou sua mulher e mãe dos seus filhos.
O caso mais doloroso foi a saída de William Waack de seu posto de trabalho. Ele disse uma frase condenável. Mas existe ponderação entre a pena e a frase? Eu o conheci na Alemanha, éramos correspondentes, ele para o “Estadão”, eu para a “Folha”. Convivemos na época, estivemos juntos quando os sérvios invadiam a Croácia, no início dos grandes conflitos na região. Sempre o achei um excepcional jornalista. E nós precisamos dele no Brasil, com sua experiência e conhecimento do mundo.
Sou um dos responsáveis pela valorização desses temas no Brasil. Influência dos anos de Europa. Também de lá, creio, muitas ideias se transportaram para as universidades americanas. Respeitadas as diferenças nacionais, é um mesmo movimento por direitos civis aqui e nos Estados Unidos. A experiência americana é um dos temas que me preocupam. Trump ganhou as eleições. É um equívoco pensar que não existem retrocessos. Como evitá-los nesse contexto tão apaixonado?
Nesse domingo de manhã, a única pista que me ocorre é esta: o conhecimento do outro, do que não concorda com suas ideias liberais. Entender o apelo nostálgico a um passado mais ordeiro, a ansiedade com as transformações muita rápidas, o medo de aniquilamento de seu universo cultural, da dissolução da família.
Nada evitará que o debate seja intenso. Mas talvez possa ter um nível de respeito e senso de justiça que permitam em certos momentos, a todos, ultrapassarem sua luta identitária para a condição de brasileiro num país arruinado.
Luiz Carlos Azedo: Para onde vai a Lava-Jato?
A pergunta é pertinente, quando nada porque nenhum político com mandato que esteja envolvido no escândalo foi julgado e condenado até agora pelo STF
A Operação Lava-Jato vive um momento crucial, que balizará o futuro das investigações e dos políticos nela envolvidos. Os fatos estão se sucedendo muito rapidamente quanto a isso. Ontem, os desembargadores do Tribunal Regional Federal do Rio de Janeiro (TRF-2) votaram por um novo pedido de prisão dos deputados Jorge Picciani, Paulo Melo e Edson Albertassi, do PMDB. A Justiça Federal também determinou o afastamento deles da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj).
Os três já se entregaram e vão recorrer. Haviam sido presos na Operação Cadeia Velha, desdobramento da Lava-Jato no Rio, mas foram soltos após votação na Alerj na sexta-feira passada, sem que houvesse notificação judicial. São suspeitos de receber propina para defender interesses de empresários dentro da Alerj e de lavar o dinheiro usando empresas e compra e venda de gado. Para deixarem a cadeia, agora, só com uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou do Supremo Tribunal Federal (STF).
Há um lusco-fusco jurídico nessa questão. Um deputado federal cumpre pena em Brasília e não foi afastado das funções, ou seja, acorda parlamentar e dorme presidiário. Recentemente, o Senado revogou decisão da primeira turma do Supremo Tribunal Federal (STF) que afastava do exercício do mandato o presidente licenciado do PSDB, Aécio Neves, com base em decisão do plenário da Corte, por 6 a 5, no sentido de que cabe ao Congresso aceitar ou não a prisão de senadores e deputados.
Essa jurisprudência está sendo replicada nos estados pelas câmaras municiais e pelas assembleias legislativas, que estão soltando vereadores e deputados cujas prisões foram decretadas por juízes e tribunais, respectivamente. Foi o que aconteceu no Rio de Janeiro, com mais retumbância do que em outros lugares, porque um dos três parlamentares é o político mais poderoso do Rio de Janeiro, o presidente da Assembleia Legislativa, Jorge Picciani (PMDB), e a decisão foi tomada pela Justiça Federal.
Para onde vai a Lava-Jato? A pergunta é pertinente, quando nada porque nenhum político com mandato que esteja envolvido no escândalo foi julgado e condenado até agora pelo STF. As condenações de ex-parlamentares são outra história, porque estão correndo em primeira e segunda instâncias, graças à atuação de delegados, procuradores e juízes federais. Argumenta-se que o STF não está aparelhado para acompanhar investigações criminais, daí o atraso. Mas não é só isso.
Tiro no pé
Há muitas divergências na Corte quanto às delações premiadas, aos acordos de leniência, às prisões prolongadas e até mesmo às prisões após julgamento em segunda instância, que arranhariam o “transitado em julgado” e o chamado “devido processo legal”, mas têm jurisprudência do próprio Supremo. São frequentes as polêmicas públicas entre os ministros quanto a isso. O caso dos três deputados fluminenses certamente será julgado na instância máxima do Judiciário, o STF. Ontem, por exemplo, o ministro Luiz Fux classificou de promíscua a decisão da Assembleia Legislativa fluminense que havia revogado a prisão dos três deputados e disse que o dispositivo aprovado em relação ao Congresso não se aplica aos parlamentos estaduais e municipais. Não é pacífica essa interpretação na Corte.
Em 24 horas, o novo diretor-geral da Polícia Federal, Fernando Segovia, que assumiu oficialmente nessa segunda-feira, armou um banzé na Polícia Federal e na relação da instituição com o Ministério Público Federal e o Supremo Tribunal Federal. Em entrevista, pôs em dúvida se “uma única mala” era suficiente para apontar se houve corrupção passiva, numa alusão aos R$ 500 mil, transportados pelo ex-deputado Rocha Loures, que supostamente seriam destinados ao presidente Michel Temer. Resultado: houve forte reação da sua própria instituição e, para acalmar a corporação, manteve o coordenador da Operação Lava-Jato na Polícia Federal, delegado Josélio Azevedo de Souza.