Ricardo Noblat
Ricardo Noblat: Acendeu a luz vermelha para a reeleição de Bolsonaro
Se tiver impeachment ainda vai demorar
Uma notícia boa para o presidente Jair Bolsonaro: a Câmara dos Deputados não deveria abrir um processo de impeachment contra ele. É o que pensam 53% das 2.030 pessoas em todo o Brasil entrevistadas por telefone pelo Datafolha nos últimos dias 20 e 21. O percentual era de 50% no início de dezembro. Os que defendiam o impeachment caíram de 46% para 42%. Parabéns, presidente!
Quanto ao mais descoberto pelo Datafolha, só tem notícia ruim – com efeito, em linha com pesquisas divulgadas nesta semana pelos institutos Paraná, Ipespe e IDEIA. Subiu de 32% para 40% os que avaliam o desempenho de Bolsonaro como ruim ou péssimo. Os que avaliam como ótimo e bom diminuíram de 37% para 31%. É a maior queda desde o começo do seu governo há dois anos.
Metade dos brasileiros considera que ele não tem capacidade para governar e não merece confiança. Nunca confiam em sua palavra 41% (eram 37% em dezembro) dos entrevistados, enquanto 38% o fazem às vezes (eram 39%) e 19%, sempre (eram 21%). Também pudera. Bolsonaro, hoje, diz uma coisa e amanhã o seu oposto. Fala mal das vacinas, depois as compra e fala mal outra vez.
As pessoas que têm medo de pegar o novo coronavírus estão entre as que mais rejeitam o presidente. A rejeição a ele entre os que têm muito medo de ser infectados pelo vírus saltou de 41% em dezembro para 51%. A aprovação caiu de 27% para 20%. Entre quem tem um pouco de medo de infectar-se, a rejeição subiu de 30% para 37%. A parceria com o vírus fez mal a ele.
O presidente é mais rejeitado entre os que ganham mais de 10 salários mínimos (52%), com curso superior (50%), mulheres e jovens de 16 a 24 anos (46%). Os mais ricos e instruídos são os que menos confiam nele, bem como os jovens. Os empresários – sabe como é… – seguem sendo o grupo profissional mais fiel a Bolsonaro. 58% acreditam na sua capacidade de governar.
O que explica a quantidade de más notícias para o presidente? O recrudescimento da pandemia com o aumento de casos e de mortes em todo o país, a crise da falta de oxigênio em Manaus, a performance desastrosa do governo neste início da vacinação em massa e o fim do pagamento do auxílio de emergência em 31 de dezembro aos brasileiros mais pobres.
No Nordeste, por exemplo, a rejeição a Bolsonaro passou de 34% para 43%, e tende a aumentar. Em junho do ano passado foi de 52%. O maior tombo ocorreu no Norte, onde fica Manaus, e no Centro-Oeste, região que sempre foi um reduto dos bolsonaristas. Bolsonaro amarga 44% de rejeição no Sudeste, a região mais populosa do Brasil, 10 pontos percentuais a mais do que no Sul.
Sempre poderia ser pior, e é nisso que se agarram os ministros de Bolsonaro e os políticos do Centrão gulosos por mais cargos no governo. Quanto mais crescerem as dificuldades para o presidente renovar seu mandato, mais o Centrão se oferecerá para ajudá-lo. Caso se convença mais adiante que Bolsonaro será derrotado, o Centrão negociará com quem possa se eleger.
Quem dispensa máscara e se aglomera é burro
Desabafo de prefeitos aflitos
Nas últimas 48 horas, dois prefeitos de grandes cidades perderam a paciência e chamaram de burros os que dispensam o uso de máscara, engrossam aglomerações e não querem se vacinar..
Um foi Alexandre Kalil (PSD), prefeito reeleito de Belo Horizonte no primeiro turno com a maior votação do país – 63,36% dos votos válidos. Foi curto e grosso, bem ao seu estilo:
“Eu confio 200% na vacina, eu confio na ciência. Nós temos uma tradição de vacinas no Brasil. Todo mundo tem de se vacinar, quem não quer é negacionista, idiota e burro.”
O outro, Eduardo Paes (DEM), prefeito do Rio, eleito no segundo turno com 64,7% dos votos válidos, quase o dobro de Marcelo Crivella (Republicanos), seu adversário. Disse Paes:
“Para vocês que sabem que não vão pisar nas baladas, nas festas, deixem de ser burros. Vocês estão matando as pessoas”.
No Rio, todas as 33 Regiões Administrativas da cidade têm, agora, risco alto de contágio. Eram 25 na semana passada. Em São Paulo, só os serviços essenciais poderão abrir nos fins de semana.
Enquanto isso… No dia em que o governo federal celebrou a chegada de 2 milhões de doses de vacinas da Índia, o presidente Jair Bolsonaro voltou a falar mal das vacinas. Faz sentido?
Antes, Bolsonaro falava mal apenas da Coronavac, a vacina chinesa bancada pelo governador João Doria (PSDB), de São Paulo, e produzida pelo Instituto Butantan. Agora, não faz distinção.
Esta semana, à falta do que fazer ou de querer fazer alguma coisa, Bolsonaro passou um largo pedaço de tarde assistindo ao treino do Flamengo que enfrentaria o Palmeiras em Brasília. Foi vaiado.
Se a Índia não se dispuser a vender mais vacinas da Astra/Zêneca, as que chegaram ontem aqui darão para imunizar apenas 1 milhão de pessoas. São duas doses por pessoa.
A China prometeu doar 1.700 cilindros de oxigênio para que Manaus volte a respirar relativamente em paz. Sobre a remessa de insumos para a fabricação da Coronavc, nada por ora.
Nesse ritmo, o Brasil entrará em 2022 vacinando e com mais mortos e doentes. Culpa do governo federal – e também dos milhões de burros que pastam por aí.
Ricardo Noblat: Bolsonaro tem o ministro da Saúde que merece e escolheu
Pazuello, sequer, domina bem a arte da desfaçatez
Sabe quantos testes de Covid-19 foram aplicados no Brasil desde o início da pandemia, em março fará um ano? E a quantidade de medicamentos para qualquer tipo de doença que tem estocado?
Não sabe e não saberá tão cedo. O deputado Ivan Valente (PSOL-SP) quis saber e valeu-se para isso da Lei de Acesso a tais informações que o governo Bolsonaro costuma desrespeitar.
O Ministério da Saúde respondeu ao pedido dizendo que as informações “se encontram em status reservado” porque poderiam “pôr em risco a vida, a segurança e a saúde da população”.
Outro argumento usado pelo ministério para dizer não a Valente: as informações requeridas por ele oferecem “elevado risco à estabilidade financeira, econômica ou monetária do país”.
Esperar o quê do ministério sob o comando de um general especialista em logística que já marcou e remarcou tantas vezes o que chamou de Dia D da vacinação em massa contra o vírus?
E que quando a vacinação começou havia poucas doses disponíveis que mal dariam para atender 4% da fatia dos brasileiros do grupo considerado prioritário?
O general Eduardo Pazuello sequer domina como Bolsonaro a arte da desfaçatez. Retirou, ontem, do ar o aplicativo que recomendava remédios sem eficácia contra a Covid, como a cloroquina.
Alegou que o sistema havia sido ativado “indevidamente” por um hacker e que a plataforma fora lançada como um projeto-piloto e não funcionava oficialmente, “apenas como um simulador”.
Mas como era assim, se foi ele, durante evento no último dia 13 em Manaus, quem lançou a plataforma em reunião com médicos e outras autoridades da área de saúde?
Naquela ocasião, Pazuello já sabia que o sistema de saúde de Manaus estava em colapso, e que em poucos dias faltaria até oxigênio para o atendimento de doentes na rede hospitalar.
Por mais que Bolsonaro negue, o general tem seus dias contados como ministro. Não será o único ministro a sair em breve. Sairá em meio a uma reforma ministerial para evitar que Bolsonaro caia.
Ricardo Noblat: No que aposta Bolsonaro para completar o mandato e ganhar outro
Quem mudou? O ex-capitão ou o Exército?
E o governo federal faz de conta que mortes por falta de oxigênio no Norte do país é problema dos governos estaduais, que culpam os municipais, que devolvem a responsabilidade aos estaduais, que suplicam em vão por socorro ao federal. Segue o baile.
O deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, reuniu-se com o embaixador da China no Brasil. Pediu pressa na remessa de insumos para a fabricação da vacina chinesa Coronavac. Foi desautorizado em nota pelo governo federal.
Diz a nota que é atribuição do governo federal, e só dele, defender os interesses do país em conversas com representantes de outros governos. Tanto mais em meio a uma pandemia que matou quase 213 mil pessoas até ontem, das quais 1.381 nas últimas 24 horas.
Governo esquisito, este. O presidente Jair Bolsonaro vive dizendo que o Supremo Tribunal Federal impediu-o de combater a Covid-19, o que é uma mentira. Mas quando um membro de outro poder da República combate e tenta ajudá-lo, ele repele.
Vidas não importam a Bolsonaro, somente política, e logo ele que se apresentou aos brasileiros há dois anos como o antipolítico por excelência, embora deputado federal de sete mandatos. O Brasil nunca esteve em pior situação e, o presidente, idem.
Como é incapaz de admitir erros, Bolsonaro reuniu seus ministros e cobrou-lhes duas coisas em termos duros – o que significa uma explosão de palavrões onde “porra” é o mais leve. A primeira: que defendam o governo. A segunda, que trabalhem melhor.
A cobrança por um trabalho melhor foi dirigida, principalmente, ao general Eduardo Pazuello, ministro da Saúde. Ora, Pazuello não é médico, não sabia o que era SUS e não se ofereceu para ser ministro. Bolsonaro foi quem o convocou e lhe deu a tarefa.
Como na caserna missão dada é para ser cumprida, Pazuello perfilou-se, bateu continência ao chefe das Forças Armadas e encarou o desafio. Afinal, logística militar é sua especialidade. E uma pandemia se enfrenta também com logística, certo? Pois.
Cadê o cargueiro da Força Aérea Brasileira que poderia estar voando para abastecer o Norte do país com cilindros de oxigênio suficientes para que ninguém morresse? Foi despachado para uma manobra militar junto com a Força Aérea dos Estados Unidos.
Cadê o avião da Força Aérea americana que o governo federal disse que pediria aos Estados Unidos uma vez que o avião da Força Aérea Brasileira está indisponível? Trump, o amigo de Bolsonaro, deixou a Casa Branca e não mandou.
O presidente empossado Joe Biden seria mais sensível a um pedido dessa natureza. Por que Bolsonaro não pede a ele? Só por que torceu abertamente por sua derrota? Só por que foi o último chefe de Estado a cumprimentá-lo pela vitória?
Só por que foi o único chefe de Estado a justificar a invasão do Capitólio por hordas que Biden batizou de terroristas domésticos? Biden haverá de entender que, no passado, Bolsonaro planejou jogar bombas em quartéis. Perdeu a farda.
Foi um momento de fraqueza de Bolsonaro. Faltou-lhe coragem para lançar as bombas. Contra todas as provas, negou em depoimentos, negou por escrito, negou pelo mais sagrado que tivesse planejado atos terroristas. O Exército não acreditou.
Mudou Bolsonaro ou mudou o Exército que agora confia 100% nele a ponto de um general da ativa fazer parte do governo? Os gabinetes mais importantes do Palácio do Planalto são ocupados por generais da reserva. O governo emprega 3 mil militares.
Bolsonaro aposta na farda para completar o mandato e conquistar outro. Faltam menos de 88 semanas para a eleição do ano que vem. Que passem rápido, com oxigênio hospitalar para quem precisa.
O sabotador número 2 das vacinas contra o coronavírus
O legítimo sucessor do pai
Flávio Bolsonaro, o senador denunciado por se beneficiar de dinheiro público, perdeu a voz. E, por temperamento, talvez jamais se prestasse a esse papel.
Carlos Bolsonaro, o vereador investigado pelo mesmo crime, perdeu o brilho, e de resto anda muito ocupado em apagar nas redes sociais mensagens que postou em nome do pai.
Jair Bolsonaro, o presidente da República que dispensa máscara, já fez por merecer o título de sabotador número 1 das vacinas. Tal honraria ninguém lhe tomará.
O sabotador número 2 das vacinas, portanto, é justamente o que você pensa – Eduardo Bolsonaro, deputado federal, que no passado fritou hambúrgueres e, agora, frita vidas.
Logo quando o Brasil está de quatro diante da China porque depende dela para fabricar vacinas, Bolsonaro voltou a criticar a China pelo atraso no envio de insumos.
Escreveu nas redes sociais que a Coronavac, vacina chinesa, não é aplicada nos chineses. Não disse por quê. Não apresentou provas, mas os Bolsonaro se sentem dispensados de provar o que dizem.
Justificou o atraso da vacina que a Índia não se comprometeu a dar ao Brasil, ao contrário do que anunciara seu pai:
“A vacina que está vindo do Brasil vem da Índia. Mas como a Índia pode distribuir vacinas sendo que a própria população ainda não foi vacinada? Existe uma pressão popular que gerou uma instabilidade que atrasou, e o problema já está sendo resolvido”.
Para variar, atacou o governador João Doria (PSDB-SP):
“O presidente sempre deixou claro que assim que a Anvisa chancelasse, não haveria problema. O problema é que o governador João Doria não queria que a vacina, que vem da China mas não é aplicada nos chineses, passasse pela Anvisa. E para piorar ele falava sobre vacinação obrigatória.”
Bateu também em Luciano Huck:
“Basta lembrar do apresentador do nariz grande choramingando que nada poderia fazer para ajudar o oxigênio em Manaus, este é o padrão.”
Sobrou até para a Secretaria de Comunicação do governo:
“A comunicação do governo poderia melhorar? Sim, sempre dá para aperfeiçoar tudo. Mas pense comigo: será que se o governo agisse diferente estes que criticam estariam elogiando? Adianto a resposta: a esmagadora maioria não”.
Eduardo é uma cópia escarrada do pai, e, dos filhos, o mais interessado em ficar com sua herança política.
Ricardo Noblat: É a Constituição, estúpido, não os militares que garante a democracia
Bolsonaro finge que faltou a essa aula
Nada há de ignorância quando o presidente Jair Bolsonaro diz, como disse ontem, como disse no passado antes e depois de se eleger, que “quem decide se um povo vai viver na democracia ou na ditadura são as suas Forças Armadas”.
Pelo menos isso, ele sabe que não é assim. Quem garante a democracia é a Constituição. A nossa, em vigor desde 1988, foi escrita e aprovada por representantes do povo eleitos justamente para dar conta de tal tarefa.
Sempre que se vê em apuros, Bolsonaro bate à porta dos quartéis atrás de apoio, corteja seus antigos pares e ameaça seus adversários políticos com esse tipo de declaração. É quando seu instinto e intuito golpistas traem de fato o que ele é.
As Forças Armadas não estão acima da Constituição que o presidente jurou respeitar, mas que desrespeita sempre que pode. Obedecer à Constituição não é só um dever, é uma obrigação coletiva. Tentar enfraquecê-la é um crime de lesa majestade.
Do que mais têm medo Bolsonaro e Pazuello
Crime de responsabilidade
Jair Bolsonaro e Eduardo Pazuello têm em comum a formação militar e o fato de serem no momento as duas figuras públicas de maior relevo em meio a uma pandemia que colheu até ontem no Brasil mais de 210 mil vidas. E que poderá colher muito mais, uma vez que mal começou, a vacinação poderá ser suspensa em breve devido à falta de doses suficientes para imunizar tanta gente.
Faltam insumos para que o Instituto Butantan possa fabricar a CoronaVac no volume necessário. A Fundação Oswaldo Cruz também não tem para fabricar a AstraZeneca. Os insumos para as duas vacinas dependem da China que os produz, e, por lá, menos de 1% da população foi imunizada. Fracassou a operação de compra da AstraZeneca à Índia. Era fake. Um golpe.
Apesar do uso da farda, seria uma injustiça com Pazuello comparar sua trajetória nos quartéis com a de Bolsonaro. Pazuello é um general ainda na ativa, para constrangimento dos seus pares que preferiam vê-lo na reserva dada às circunstâncias que ele enfrenta. Bolsonaro ganhou o título de capitão quando foi afastado do Exército por ter planejado atentados à bomba a quartéis.
Mas o general aceitou servir ao ex-capitão depois que dois médicos deixaram o Ministério da Saúde ao se recusarem a fazer o que Bolsonaro mandava – entre outras coisas, recomendar o tratamento precoce de casos da Covid-19 com drogas ineficazes. Sabe-se lá porque Bolsonaro ordenou ao Exército a fabricação em massa de cloroquina. Sabia-se que era uma fraude.
Bolsonaro acostumou-se à fama de mentiroso e não liga mais. Nada mais fácil do que provar que ele mente. Mente sempre. Mente descaradamente. Mente displicentemente. Mente naturalmente. Mente irresponsavelmente. E de tanto enxovalhar a verdade, tornou-se incapaz de reconhecer quando encontra uma pela frente por mais robusta que ela seja.
Isso obriga ao restabelecimento de certas verdades. Em abril último, por exemplo, o Supremo Tribunal Federal decidiu que governadores e prefeitos TAMBÉM poderiam adotar medidas contra a pandemia, NÃO APENAS o governo federal. Como Bolsonaro insiste em dizer que o tribunal esvaziou seu poder de combater o vírus, o Supremo voltou a desmenti-lo em nota oficial.
Chamar Pazuello de mentiroso o incomoda muito. Pega muito mal para um militar, mais ainda quando ele é detentor da mais alta patente de sua Arma. É uma ofensa que nenhum deles engole calado. Infelizmente para ele, está provado que o general mentiu ao afirmar que nunca receitou o tratamento precoce com cloroquina para pacientes com sintomas da doença.
Que Pazuello queira culpar o clima da Amazônia pela falta de oxigênio que matou dezenas de pessoas em Manaus e começa a matar também em cidades do Pará, não é propriamente uma mentira. Seria um exagero, digamos com boa vontade, ou ignorância. Que ele culpe o fuso horário pela demora em importar vacina da Índia pode ser entendido como uma desculpa.
Porém, o general mente ao negar que patrocinou o que agora batiza de “atendimento precoce” com remédios rejeitados pelo mundo inteiro. No final de maio passado, o Ministério da Saúde incluiu nos seus protocolos a sugestão de uso da cloroquina em pacientes hospitalizados com gravidade média e alta. E remeteu aos Estados pelo menos 3,4 milhões de doses da droga.
Não lembra? Leia aqui a notícia publicada pela Agência Brasil, um órgão de informação do governo. Isso aconteceu depois que o médico Nelson Teich cedeu a Pazuello a vaga de ministro da Saúde. Quer mais? Na madrugada de hoje, no site do ministério, ainda poderia ser encontrado um manual de orientação sobre o uso da cloroquina para tratamento precoce.
A troca de “tratamento precoce” por “atendimento precoce” tem a ver com o medo de Pazuello de ser denunciado por crime de responsabilidade. O mesmo medo passou a ser compartilhado por Bolsonaro. Crime de responsabilidade pode abreviar seu mandato porque a Constituição considera inviolável o direito à vida, à liberdade, à igualdade e à segurança.
Ricardo Noblat: Covid-19 - Procurador Geral da República só enxerga o que quer
Augusto Aras é tão negacionista quanto Bolsonaro
Depois de cinco dias consecutivos com mais de mil mortos pela Covid-19 no Brasil, finalmente o procurador-geral da República, Augusto Aras, acordou e determinou a abertura de um inquérito no Superior Tribunal de Justiça.
Não tire conclusões apressadas. O inquérito não é para apurar a eventual omissão do governo federal no combate à pandemia do coronavírus que até aqui matou 209.350 pessoas, infectando quase 8.500 mil. Aras acha que não houve omissão.
Se omissão houve, foi do governador Wilson Lima (PSC), eleito há dois anos com o apoio de Bolsonaro, e da prefeitura de Manaus, comandada pelo recém-empossado David Almeida (Avante), na crise de saúde do Amazonas.
Embora tenha afirmado que levou em consideração o entendimento do Supremo Tribunal Federal de que cabe à União, Estados e municípios atuarem em conjunto no combate à pandemia, Aras preferiu deixar a União de fora do inquérito.
Sabe como é. Antigamente – quer dizer: antes de Bolsonaro -, o presidente da República escolhia um dos três nomes mais votados pelos procuradores para o cargo de procurador-geral. No caso de Aras, ele sequer foi votado.
Daí que ele foi uma escolha pessoal de Bolsonaro, que não o nomearia sem a certeza de que Aras o protegeria e cumpriria todas as suas vontades. E assim tem sido. O procurador-geral da República deu lugar ao procurador-geral de Bolsonaro.
Só procura o que interessa ao presidente. E quando esbarra em algo que não interessa a ele, dá um jeito de não ver. E se por acaso for obrigado a ver, releva a importância do que viu. Aras sabia que seria assim e aceitou jogar o jogo.
No ano passado, não se pagava imposto para a compra a outros países de cilindros de oxigênio. Este ano começou com um imposto de 14% a 16%. O imposto pago na compra de armas era de 20% no ano passado. Este ano foi zerado.
Pelo menos desde o dia 23 de novembro último, segundo o jornal O Estado de S. Paulo, a Secretaria de Saúde do Amazonas sabia que a quantidade de oxigênio hospitalar disponível seria insuficiente para atender o recrudescimento da pandemia.
A informação consta de projeto básico, elaborado pela própria Secretaria, para a última compra extra do insumo em 2020. Principal fornecedora do Estado, a empresa White Martins teria conseguido atender ao pedido por mais cilindros.
Mas não houve pedido. Em dezembro, o governo do Estado, sob pressão de comerciantes bolsonaristas, relaxou as medidas de isolamento social, descartando qualquer possibilidade de endurecê-las depois. Bolsonaro festejou em vídeo.
Nesta semana, o estoque de oxigênio acabou nos hospitais de Manaus e pacientes começaram a morrer asfixiados. O ministro Eduardo Pazuello, da Saúde, esteve lá. Pôde ver o que acontecia, mas receitou o tratamento precoce com cloroquina.
Fez mais que isso. Obteve autorização do governo do Amazonas para que grupos de médicos e de servidores do ministério visitassem unidades de saúde em Manaus, orientando-as no uso de drogas contra o vírus comprovadamente ineficazes.
Uma cunhada de Pazuello avisou-o que tinha um familiar infectado pelo vírus e “sem oxigênio para passar o dia”, de acordo com a Folha de S. Paulo. Mas, sabe como é… Manda quem pode, obedece quem tem juízo. Pazuello tem juízo.
Essa é uma história de terror doméstico que chocou o país e o mundo e que não tem Dia D para acabar. A China anunciou que ajudará o Brasil com dinheiro, uma vez que seria difícil e demorada a operação de mandar cilindros de oxigênio.
A Venezuela é logo ali. E apesar de o governo Bolsonaro não reconhecer o governo de Nicolás Maduro e de apoiar o governo inexistente de Juan Guaidó, a ajuda da Venezuela chegará nos próximos dias. Vai recusá-la? Terá coragem para tanto?
Cerca de 100.000 litros de oxigênio foram carregados na Siderúrgica del Orinoco para seguir rumo ao Brasil em caminhões. Uma centena de médicos formados pela Venezuela em parceria com Cuba está disposta a ir para Manaus. E aí?
Tremenda saia justa para um governo de machos que detestam expor suas fraquezas.
Ricardo Noblat: Bolsonaro colhe uma derrota que poderá abreviar o seu mandato
O Brasil só teria a ganhar com isso
Políticos de faro aguçado e olhar de águia, alguns com mandato e outros sem, detectaram nos últimos dias o crescimento do número de deputados federais e de senadores favoráveis à abertura de um processo de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro.
Isso poderá se dar enquanto Rodrigo Maia (DEM-RJ) ainda for presidente da Câmara – e faltam apenas 16 dias para que deixe de ser. Ou então se o deputado Baleia Rossi (MDB-SP), candidato de Maia e da oposição ao governo, sucedê-lo no cargo.
Bolsonaro, como qualquer presidente da República até mesmo na época da ditadura militar, coleciona derrotas. O Presidente pode muito, não tudo. Mas ele só faz perder desde que decidiu tratar a Covid-19 como se não passasse de uma reles gripezinha.
Não procedeu assim somente por ignorância, embora no seu caso a ignorância seja abissal, também por cálculo. Acreditou que o vírus seria detido matematicamente depois de infectar 70% dos brasileiros. Acima de tudo, o importante era salvar a economia.
Que morressem, portanto, os que tivessem de morrer – e Bolsonaro jamais imaginou que morreria tanta gente que não fosse apenas velha e sofresse de outras doenças. O kit de drogas ineficazes recomendado por ele era para dar tempo ao tempo.
O vice-presidente Hamilton Mourão disse mais de uma vez que a situação estava sob controle rigoroso – só não sabia por quem. Depois de livrar-se de Luiz Mandetta na Saúde e de Sérgio Moro na Justiça, Bolsonaro achou que controlava todas as ações.
Quebrou a cara, como agora deve ter percebido. Ocorre que quebrou a cara a um preço para além do suportável pela maioria dos seus governados. Líder político algum desdenha da morte sem ser punido, e ele desdenhou. Pagará caro por isso. Bom que pague.
Por mais que fale que o Supremo Tribunal Federal o impediu de combater o coronavírus, como só ontem falou mais de 20 vezes em 53 minutos de palanque que lhe ofereceu Luiz Datena em seu programa na BAND, é difícil que consiga novos adeptos.
Por mais que ataque o governador João Doria (PSDB-SP) dizendo que ele não é homem, veste calça apertada e quis destruir a economia com medidas de isolamento social, não apagará a realidade de que Doria tem a vacina e ele, não.
Quando Manaus parou de respirar devido à falta de oxigênio, Bolsonaro tentou distrair a atenção do seu público cativo com a promessa de que a vacinação em massa teria início na próxima terça-feira – o tal do Dia D do general Eduardo Pazuello.
Não havia vacina garantida. O avião com destino à Índia para buscar 2 milhões de doses ficou retido no Recife. O jeito foi Bolsonaro se render à vacina da China, do Butantã e de Doria. Quer confiscar todo o estoque guardado em São Paulo.
Essa é uma fragorosa derrota capaz de marcar para sempre um desgoverno. Maior do que essa, talvez o impeachment que para Bolsonaro não seria tão mal assim. Diria que foi vítima de um golpe, desfrutando até morrer dos privilégios de um ex-presidente.
De todo modo, o Brasil sairia no lucro se isso de fato acontecesse.
Ricardo Noblat: O Dia D e a Hora H da Operação Ponte-Aérea da Vacina
Coisas de quem usa farda
Em um governo que emprega mais de 3 mil militares em funções tradicionalmente reservadas a civis e que alçou ao comando do Ministério da Saúde um general que não sabia o que era o SUS (Sistema Único de Saúde), é natural o uso de expressões que remetem a atos de guerra para anunciar suas intenções.
O general Eduardo Pazuello havia dito que a vacinação em massa contra o coronavírus teria início no Dia D, que lembra a data do desembarque dos países aliados nas costas da Normandia durante a Segunda Guerra Mundial para libertar a França ocupada pelo Exército alemão do ditador nazista Adolph Hitler.
Agora, Pazuello diz que haverá uma Operação Ponte-Aérea para distribuição da vacina aos Estados. Como a Alemanha, ao fim da guerra, fora dividida em dois Estados – um administrado pelos aliados ocidentais e outro pelos soviéticos -, Berlim, a capital, ficou dividida em duas partes – a oriental e a ocidental.
No final de junho de 1948, Josef Stalin, chefe do Estado soviético, ordenou o bloqueio de rodovias e ferrovias e do transporte fluvial para Berlim Ocidental. A resposta dos aliados ganhou o nome de Operação Vittles. Foi a maior operação área de ajuda humanitária jamais vista até então. Ela salvou os berlinenses da fome.
Faltava Pazuello dizer quando seria o Dia D do início da vacinação – não falta mais. Na próxima terça-feira, em um evento cercado de muita fanfarra no Palácio do Planalto e transmitido ao vivo pela televisão, o país assistirá à imunização do primeiro brasileiro. No dia seguinte, a Operação Ponte-Aérea será deflagrada.
Campanhas de vacinação no Brasil sempre começam ao mesmo tempo em todos os lugares, mas desta vez não será assim. O governo federal despertou tarde para o fato de que a vacina é a salvação. E o presidente Jair Bolsonaro, favorável à morte de quem tiver de morrer, sabotou a vacinação o quanto pôde.
Há outra razão para que a Operação Ponte-Aérea por enquanto só contemple as capitais: não há vacina suficiente. O Estado de São Paulo tem 8 milhões de doses estocadas, por ora, sem licença para aplicá-las. E o governo federal só irá dispor de 2 milhões de doses buscadas às pressas na Índia e que chegarão neste sábado.
De resto, apenas neste domingo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) reunirá sua diretoria para decidir se libera ou não o uso das duas vacinas – a Oxford/Astra Zeneca importada da Índia, e a CoronaVac, a vacina chinesa que aqui já começou a ser produzida pelo Instituto Butantan, em São Paulo.
Quanto a seringas e agulhas sem as quais não haverá vacinação, o Ministério da Saúde informou ao Supremo Tribunal Federal que caberá a Estados e municípios providenciá-las. Não será surpresa para este blog se 2021 terminar sem que termine a vacinação de todos os brasileiros que queiram ser imunizados.
Ricardo Noblat: Bolsonaro deve preparar-se para colher o que plantou
A saída da Ford. Presidente francês quer soja europeia para não depender da brasileira
O ministro Paulo Guedes, da Economia, soube pela imprensa do fechamento das fábricas da Ford no Brasil e da retirada da empresa do país depois de mais de 100 anos. Foi a primeira montadora de automóveis a se estabelecer por aqui.
Guedes caiu na mais irresistível tentação que acomete os homens públicos – mentir ou exagerar. A primeira coisa que disse foi que o encerramento das atividades da Ford no Brasil destoa da forte recuperação econômica que vive o país.
Foi mais fundo o governador Rui Costa (PT), da Bahia, que sedia uma das fábricas que será fechada: “Não há planejamento. O que pensaram nos últimos cinco anos para aumentar os investimentos em tecnologia e industrialização? Nada.”
E concluiu com uma frase de efeito, mas não distante assim da realidade: “Estamos satisfeitos em nos tornarmos uma grande fazenda”. Bolsonaro preferiu criticar a Ford e esconder que seu governo aumentou os subsídios dados às montadoras.
No momento em que mais o governo hostiliza a China, o maior parceiro comercial do Brasil, chamando a Covid-19 de vírus chinês, desancando a vacina CoronaVac e rejeitando a tecnologia chinesa para o 5G, a quem ele pensa recorrer no caso da Ford?
O Ministério da Economia já entrou em contato com outras montadoras sobre a possibilidade de elas assumirem as fábricas da Ford que serão fechadas em Camaçari (BA), Taubaté (SP) e em Horizonte (CE). E uma das montadoras é a Chery, chinesa.
Quando a necessidade aperta, às vezes o realismo prevalece mesmo em governos ineptos. O céu não é de brigadeiro, nem mesmo de paraquedista afoito capaz de saltar para a morte só porque lhe mandaram saltar, e ele se vê como um herói.
A Ford vai embora porque atravessa uma crise empresarial faz anos dentro de uma crise maior que atinge outras marcas famosas de veículos. Só falta o governo brasileiro imaginar que se Donald Trump tivesse sido reeleito isso não aconteceria.
O amigo dileto de Bolsonaro nada fez pelo Brasil enquanto presidente dos Estados Unidos – por que faria caso tivesse derrotado Joe Biden? E por que Biden socorreria o Brasil se Bolsonaro apoiou Trump e justificou a invasão do Capitólio?
No início do seu governo, Biden pretende convocar uma reunião da Cúpula das Democracias. Haverá lugares nela para Bolsonaro e outros chefes de Estado marcadamente autoritários? É de duvidar que sejam convocados. Seriam estranhos no meio.
O mundo dito civilizado não gostou do que viu nos primeiros dois anos de governo Bolsonaro e perdeu a esperança de que os próximos dois anos sejam diferentes. O presidente brasileiro prepara-se para começar a colher o que plantou.
Emmanuel Macron, presidente francês, outro governante destratado por Bolsonaro que chamou sua mulher de feia, deu uma ideia do que possa vir quando disse, ontem, em Paris durante a cúpula sobre a defesa da biodiversidade:
– Continuar a depender da soja brasileira seria endossar o desmatamento da Amazônia.
Aperte os cintos, Bolsonaro.
A responsabilidade do governo nas mortes pela Covid-19
A mentira que custa vidas
Fora a vacina, não há tratamento precoce para a Covid-19. Quando o presidente Jair Bolsonaro diz que há, mente, e sabe que mente. Como mentem todos os seus acólitos que repetem o que ele diz. Simples assim. Mas parece que não cansam de mentir.
As mais recentes digitais da mentira governamental responsável por tantas mortes estão em ofício encaminhado à Prefeitura de Manaus, na última sexta-feira, onde o Ministério da Saúde pede para visitar as Unidades Básicas de Saúde da cidade.
Qual seria o propósito da visita? Difundir “o tratamento precoce como forma de diminuir o número de internamentos e óbitos decorrentes da doença”. Mas tratamento com base no quê? Está dito no ofício publicado pelo jornal Folha de S. Paulo:
“Aproveitamos a oportunidade para ressaltar a comprovação científica sobre o papel das medicações antivirais orientadas pelo ministério, tornando, dessa forma, inadmissível, diante da gravidade da situação, a não adoção da referida orientação”.
As medicações defendidas pelo governo não têm eficácia no tratamento do vírus. Mas, e daí? Na nota informativa 17/2020, o Ministério da Saúde sugere um combinado de cloroquina ou hidroxicloroquina com azitromicina.
O ofício enviado à Prefeitura de Manaus é assinado por Mayra Pinheiro, secretária de Gestão do Trabalho e da Educação da Saúde. Ela tornou-se conhecida em 2013 por ter hostilizado cubanos que participavam do curso do programa Mais Médicos.
Em julho de 2020, Mayra escreveu nas redes sociais que os governadores e prefeitos de São Paulo eram os responsáveis pelas mortes por coronavírus que aconteceram em suas regiões por dificultarem “o acesso às medicações para tratamento da doença.”
Bolsonaro avalizou, ontem, a posição de Mayra e culpou o governador do Amazonas e o prefeito de Manaus pelo aumento de mortes por lá:
“Mandamos o nosso ministro da Saúde [ao Estado]. Estava um caos. Não faziam tratamento precoce. Aumentou assustadoramente o número de mortes. E mortes por asfixia, porque não tinha oxigênio. Deixaram o oxigênio acabar”.
Ricardo Noblat: O Dia D e a Hora H do impeachment de Bolsonaro
O que é certo deve ser feito
Em uma democracia, um chefe de Estado só cai quando as ruas se voltam contra ele. Então os partidos o abandonam, ele perde as condições de governar, e acabou. É assim mais no presidencialismo do que no parlamentarismo.
Eleito em 1989, Fernando Collor de Mello foi à lona no final de 1992, acusado de corrupção. Dinheiro sujo pagou a compra de um Fiat Elba para uso dele e a reforma da Casa da Dinda, residência oficial de Collor enquanto ele foi presidente.
Eleita em 2010 e reeleita dali a quatro anos, Dilma Rousseff terminou deposta porque gastou mais do que o Congresso autorizara, desrespeitando assim a Lei de Responsabilidade Fiscal. A isso se deu o nome de “pedaladas”.
Por duas vezes, Temer, o vice que substituiu Dilma, escapou de ser denunciado por corrupção pelo Supremo Tribunal Federal, o que o afastaria do cargo enquanto durasse o processo. A Câmara negou licença para a apresentação das denúncias.
Derrubar um presidente não é fácil. Requer dois terços de um total de 513 votos de deputados e dois terços dos votos de 81 senadores. A insatisfação popular está na raiz de qualquer tentativa bem-sucedida de tirar um presidente.
As pesquisas de opinião pública ainda conferem a Jair Bolsonaro um elevado grau de apoio dos brasileiros. As pessoas se mostram dispostas a desrespeitar as regras de isolamento social para se divertirem, mas não para comparecer a protestos.
A situação era assim também nos Estados Unidos no ano passado quando o Partido Democrata aprovou na Câmara o pedido de impeachment de Donald Trump. Sabia de antemão que ele seria rejeitado no Senado de maioria republicana.
No entanto, foi em frente. Levou em conta que seria um ano de eleição e que isso de todo modo desgastaria Trump. O desgaste não foi tão grande. Mas antes de tudo, pesou na decisão dos democratas que o certo sempre deve ser feito.
Essa é a razão pela qual outra vez o Partido Democrata quer aprovar o impeachment de Trump, embora ele esteja a poucos dias de deixar a Casa Branca para o presidente eleito Joe Biden. Dificilmente haverá tempo para isso, mas valeria pelo exemplo.
Uma vez que no próximo dia 1º sejam eleitas as novas direções do Congresso brasileiro, certamente deputados e senadores se verão diante do desafio de refletir sobre a abertura de um processo de impeachment contra Bolsonaro.
Alega Rodrigo Maia (DEM-RJ), atual presidente da Câmara, que não haveria tempo até lá para que o processo fosse aberto. Bobagem! Maia guarda na gaveta mais de 20 pedidos que recebeu. Só depende dele escolher um e aceitá-lo.
Não o fará sob a alegação de que isso tumultuaria a eleição do seu sucessor. A questão será enfrentada pelo novo presidente da Câmara. Se Arthur Lira (PP-AL), candidato de Bolsonaro, se eleger, não haverá processo tão cedo.
Se o eleito for Baleia Rossi (MDB-SP), apoiado por Maia, partidos do centro e da esquerda, o processo poderá ser aberto. Motivos para isso não faltam. Há aos montes. Se o processo não vingar, é o que menos importa. O certo deve ser feito.
A esse respeito, em conversa, ontem, com um grupo de devotos, Bolsonaro comentou: “Vocês não sabem o tamanho da minha paciência. Eu sou imbrochável, tá ok? Então, vão ter que me aturar. Só papai do céu me tira daqui, mais ninguém”.
Paciência é tudo o que ele não tem. Ninguém é “imbrochável”. Se por “papai do céu” quis se referir a Deus, fique sabendo que Deus, também citado no preâmbulo da Constituição que vige, deu autonomia aos humanos para que façam suas escolhas.
Melhor deixar Deus de fora disso. Fazer o certo só dependerá do Congresso.
Ricardo Noblat: As veias abertas de um governo em agonia
A ordem é produzir fumaça para esconder o que acontece
A cada dia, aumenta a agonia do presidente Jair Bolsonaro e do seu governo com a retomada do avanço da pandemia do coronavírus. O próprio ministro da Saúde, o general Eduardo Pazuello, admitiu que ainda não se trata de uma segunda onda do mal, mas da primeira que ainda não quebrou de todo.
O Brasil é o terceiro país com o maior número de casos, atrás apenas de Estados Unidos e Índia. E o segundo em número de mortes, atrás apenas dos Estados Unidos. Foram 483 nas últimas 24 horas, de um total de 203.140, com pouco mais de 8 milhões e 100 mil infectados.
O vírus pisou no acelerador duas semanas após o início das festas de fim de ano. A tendência é que os números cresçam ainda. É por isso que os nervos do presidente e dos que o cercam estão à flor da pele. E, à falta de vacina, a ordem é produzir fumaça para desviar a atenção sobre o que acontece.
Recentemente, Bolsonaro disse a um grupo de devotos à entrada do Palácio da Alvorada que o Brasil está quebrado e que ele não pode fazer nada. Significa então: o país quebrou no colo dele. Porque antes não estava quebrado. No Congresso, ninguém o impediu de governar. Tampouco na justiça.
O que ele fez em dois anos? Nada, além de armar as pessoas como sempre defendeu, entregar a Amazônia aos cuidados dos desmatadores, a Educação a uma penca de ministros ineptos, a Cultura a quem tem horror a ela, e pôs nas Relações Exteriores um capacho, orientando-o a se curvar aos Estados Unidos.
Não fez reforma alguma – herdou de Michel Temer a da Previdência, mas não se envolveu com ela. As privatizações de empresas estatais prometidas? Nenhuma. O auxílio emergencial de 600 reais foi invenção do Congresso. Se Bolsonaro tivesse sido atendido, o auxílio chegaria, no máximo, aos 300 reais.
Atravessou a pandemia desdenhando dela e exaltando os efeitos milagrosos de drogas comprovadamente ineficazes. A aposta inicial em uma única vacina foi mais um grave erro. Para completar, seu terceiro ministro da Saúde em menos de um ano sequer conhecia o SUS antes de assumir o cargo.
Sabe que deverá substituí-lo em algum momento – mas qual? Antes, durante ou só depois da vacinação? Mas seu governo se aguenta de pé se a vacinação em massa fracassar ou demorar em excesso? Se não bastasse, sua referência no mundo está de saída do poder – e que maneira encontrou para sair…
Donald Trump cederá a cadeira a quem Bolsonaro publicamente desejou que fosse derrotado. O presidente do Brasil foi um dos últimos chefes de Estado, se não o último, a cumprimentar Joe Biden pela vitória. E o único a dar razão aos invasores do Congresso americano chamados por Biden de “terroristas”.
Convenhamos: para quem reconheceu não ter nascido para ser presidente, nunca teve um projeto para o país, não gosta de pegar no pesado e valoriza tão pouco a vida alheia, tudo isso é, e com razão, um grande tormento. Só não faz sentido ele querer se reeleger. Pode ser um sacrifício a mais que fará pelos filhos.
É bom que se frise: o Brasil não está quebrado, Bolsonaro é que não tem conserto. De todo modo, vida longa a ele para que colha o que plantou.
Ricardo Noblat: Rodrigo Maia eleva o tom e chama Bolsonaro de covarde
E o impeachment, hein?
Ou o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) está convencido de que elegerá Baleia Rossi (MDB-SP) para sucedê-lo na presidência da Câmara, e por isso elevou o tom de suas críticas ao governo e a Jair Bolsonaro, ou teme perder a parada, e por isso decidiu ir para o tudo ou nada. A primeira hipótese é a mais provável.
Maia diz estar acostumado a viver sob pressão desde que dividiu o útero de sua mãe com uma irmã gêmea. Ela nasceu primeiro. Ele atrasou-se um pouco. Desde então parece sempre apressado. De mais a mais, não gosta de levar desaforos para casa – e costuma respondê-los de bate pronto.
Bolsonaro está jogando pesado para derrotar Maia, elegendo para o seu lugar o deputado Arthur Lira (PP-AL). Não perde uma ocasião de fustigá-lo, nem Maia deixa passar a ocasião de dar o troco. Foi o que voltou a fazer em defesa do ministro da Saúde de quem, por sinal, não gosta nem um pouco.
A VEJA publicou que Bolsonaro culpa o general Eduardo Pazuello, ministro da Saúde, pela perda de popularidade e o atraso na compra e no início da vacinação em massa contra o coronavírus. Maia meteu-se no imbróglio. Em sua conta no Twitter, o deputado chamou Bolsonaro de covarde.
Em seguida, entrevistado pelo apresentador José Luiz Datena, da Rede Bandeirantes de Televisão, Maia reafirmou o que havia postado e justificou-se:
– Chamei, porque quem nomeia os ministros, quem determina a política é o presidente. Se o ministro errou, quem errou foi o presidente. O ministro é um subordinado do presidente. Quando ele quer transferir para o ministro a responsabilidade, é um sinal de covardia total.
Ao Painel, coluna da Folha de S. Paulo, foi além:
– Está na hora de todo mundo colocar de forma clara essa indignação. Não podemos mais aceitar um ministro que não entende de saúde e um presidente irresponsável que nega o vírus. Estamos cansados desse negacionismo e dessa irresponsabilidade. Está na hora de uma reação forte de todos os brasileiros.
Nas redes sociais, Maia não respondeu à pergunta mais insistente que por lá apareceu: estaria disposto a abrir um processo de impeachment contra Bolsonaro a quem culpa por uma parcela das mais de 200 mil mortes provocadas pelo vírus? Maia tem até o último dia deste mês para fazer isso se quiser.
Ricardo Noblat: Bolsonaro ameaça repetir aqui o que Trump fez no seu país
É aconselhável não subestimá-lo
O presidente Jair Bolsonaro adiantou-se ao anúncio do fracasso do golpe tentado por seu ídolo Donald Trump para confirmar indiretamente o que muitos acham que ele fará caso seja derrotado nas eleições do ano que vem.
Sim, ele está disposto a recusar nesse caso o resultado das eleições e a proclamar que elas foram roubadas. Exatamente como fez Trump, novamente citado por ele como seu grande amigo só por tê-lo encontrado menos de meia dúzia de vezes.
Como de hábito, ao cumprimentar uma cada vez mais rarefeita plateia de devotos às portas do Palácio da Alvorada, Bolsonaro não apenas disse que a eleição do democrata Joe Biden foi fraudada como também a que ele disputou aqui há dois anos.
Não lhe pediram provas da fraude aqui e nos Estados Unidos, mas ele voltou a repetir que elas existem, embora nem mesmo Trump tenha apresentado as suas até hoje. Não fosse a fraude, segundo Bolsonaro, ele teria sido eleito no primeiro turno.
O presidente do Brasil foi o último chefe de Estado do mundo a parabenizar Biden pela vitória que agora chama de fraudulenta. Seu filho Eduardo, o Zero Três, visitou, esta semana, a Casa Branca acompanhado da mulher e da filha recém-nascida.
Eduardo já morou nos Estados Unidos, já tentou ser embaixador em Washington, é lobista de empresas americanas fabricantes de armas e, ultimamente, depois de sucessivas visitas a Las Vegas, aposta na legalização dos jogos de azar no Brasil.
O que o Brasil ganhou com a falsa amizade entre os Bolsonaro e a família Trump? Nada. O que poderá perder depois da chegada de Biden à Casa Branca? A ver.
6/1/2021, o dia da maior infâmia à democracia americana
O golpe fracassado de Trump
Se a democracia ainda funciona nos Estados Unidos depois da infâmia que sofreu ontem, antes ou ao fim do seu mandato o presidente Donald Trump deveria sair algemado e preso da Casa Branca. Seria o preço a pagar pela tentativa de golpe que fez seu país parecer com uma República de Bananas.
Alguns comentaristas de televisão se referiram ao dia 6 de janeiro de 2021 como um dos mais controversos e polêmicos dos últimos 200 anos. Não foi. Foi mais que isso. Foi o dia da vergonha para um povo que se apresenta como guardião planetário da mais bem sucedida experiência até aqui de autogoverno.
O que aconteceu pode abrir um grave precedente – a recusa do lado perdedor a aceitar o resultado de eleições certificadas como limpas e justas de acordo com as leis. Na eleição de 1876, foram os democratas brancos que usaram a violência para invalidá-las. Desta vez, os republicanos brancos.
Nas duas ocasiões o que esteve em jogo foi a manutenção do poder. Quem o detinha – o Partido Republicano — não queria perdê-lo. Trump é o maior responsável pelo golpe aparentemente abortado, mas logo abaixo dele vem o Partido Republicano que aderiu à campanha de mentiras sobre a eleição do democrata Joe Biden.
Sob pena de se repetir, tudo deverá ser investigado à exaustão, assim como a suspeita de cumplicidade de forças policiais que facilitaram a invasão pelos manifestantes do prédio do Congresso. A questão angustiante que fica não terá resposta tão cedo: a democracia estará em declínio inexorável, e logo no seu berço?