Ricardo Noblat
Ricardo Noblat: Livro de general é um alerta sobre a fragilidade da democracia
Para que a história não se repita
Com seu livro de memórias recém-lançado pela Fundação Getúlio Vargas, o general Eduardo Villas Bôas, comandante do Exército entre 2015 e 2019, atirou numa coisa e acertou em outra.
Se ele pretendeu reforçar a ideia de que as Forças Armadas não se metem em assuntos políticos pelo menos desde o fim da ditadura militar de 64, conseguiu exatamente o contrário.
Em abril de 2018, às vésperas de o Supremo Tribunal Federal aceitar ou não um pedido de habeas-corpus que poderia libertar Lula preso em Curitiba, Villas Bôas postou no Twitter:
“Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais. Nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do País e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais? Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais.”
À época foi dito que Villas Bôas apenas refletia o ânimo dos seus companheiros de farda. Antecipava-se a possíveis manifestações raivosas de subordinados. Não queria perder o controle da tropa.
Por isso ou por aquilo, intimidado, o Supremo negou o habeas-corpus por 6 votos contra 5 e manteve a prisão de réu condenado em segunda instância. Lula continuou encarcerado.
Foi o general, que é portador da ELA, doença degenerativa do sistema nervoso, que procurou a Fundação Getúlio Vargas interessado em dar seu depoimento para a posteridade.
E o fez ao longo de 13 horas, repartidas em cinco dias, em conversa amena conduzida pelo professor e pesquisador Celso de Castro, autor de diversos livros sobre a temática militar.
Castro deixou-o falar sem contestá-lo nenhuma vez e sem pedir maiores detalhes sobre os fatos relatados. É de supor, portanto, que o general só falou o que quis, conforme planejado.
Villas Bôas conta que a mensagem postada no Twitter de advertência ao Supremo não foi obra exclusivamente sua, mas também do Alto Comando do Exército.
“Sentimos que a coisa poderia fugir ao nosso controle se eu não me expressasse”, diz Vilas Bôas. Não diz que “coisa” era, nem como ela poderia se manifestar. Uma rebelião? Uma tentativa de golpe?
Mas como, se o Exército e as demais armas são apolíticos como diz e repete o general ao longo do seu depoimento? Como, se são fielmente cumpridoras do papel que lhes reserva a Constituição?
A primeira versão da mensagem foi escrita por seu estafe e sob sua orientação, sendo submetida depois aos integrantes do Alto Comando do Exército residentes em Brasília.
Em seguida, ela foi transmitida aos demais comandantes de área para que a endossassem ou sugerissem ajustes. Recebidas as sugestões, a mensagem ganhou sua redação definitiva.
Jair Bolsonaro respirou aliviado quando leu a mensagem no Twitter. Era deputado federal e há pelo menos dois anos estava em campanha como aspirante a candidato a presidente
Neste governo, Villas Bôas, general da reserva, é assessor do Gabinete de Segurança Institucional da presidência da República. Ao empossá-lo, Bolsonaro emitiu todos os sinais de que lhe é grato.
Por quê? Talvez porque Villas Bôas respaldou sua candidatura à reboque de generais e de soldados que já o apoiavam. Cada quartel foi uma célula de Bolsonaro, e não será diferente em 2022.
O chefe das Forças Armadas, segundo a Constituição, é o presidente da República. É ele, e somente ele, quem em nome delas pode falar sobre temas políticos de repercussão geral.
Aos comandantes das três armas – Exército, Marinha e Aeronáutica -, cabe falar sobre assuntos administrativos e aqueles diretamente afeitos aos cargos que ocupam.
A fala de Villas Boas não foi a de um chefe que se dirige aos seus subordinados. Foi um pronunciamento em nome do Exército e a propósito do momento político que o país atravessava em 2018.
Não faltou provocação (“Quem realmente está pensando no bem do país e das gerações futuras?”). Nem ameaça (O Exército “se mantém atento às suas missões institucionais”).
Militar não é igual a civil. O que os distingue não é só a farda que um veste e o outro não. Militar tem acesso a armas pesadas, pilota brucutu, maneja tanques e é treinado para matar.
O que um deles fala, soa diferente do civil que diga o mesmo. Porque um tem a força capaz de pulverizar literalmente quem quer que seja. O outro, só a força da palavra.
Não é apenas a saúde dos brasileiros que está ameaçada pelo vírus que o governo Bolsonaro ignorou o quanto pôde. A saúde da democracia segue sob ameaça.
Ricardo Noblat: Como não pode demiti-lo, Bolsonaro cancela Mourão
À procura de um vice que diga apenas "sim, senhor"!
Sem poder demiti-lo porque foi eleito junto com ele, sem poder fazer de conta que ele simplesmente inexiste, o presidente Jair Bolsonaro decidiu cancelar o vice-presidente Hamilton Mourão.
Faz tempo que já não conversa com ele, mas, ontem, foi muito além: excluiu-o de uma reunião ministerial no Palácio do Planalto. Compareceram 22 ministros. O único que faltou estava viajando.
“Não fui convidado, não fui chamado. Então, acredito que o presidente julgou que era desnecessária a minha presença”, disse o general que faz parte do Conselho de Governo.
Mourão deixou passar algumas horas e deu o troco: embora convidado, não foi à cerimônia de lançamento de um programa destinado a atrair investimentos privados para a Amazônia.
A cerimônia contou com a presença de Bolsonaro e de outros ministros. Perguntando por que não foi, Mourão respondeu: “Estava trabalhando, tinha outras coisas para fazer”.
Mourão foi escolhido por Bolsonaro para ser vice na última hora. E mesmo assim porque outros nomes convidados para a função alegaram variados motivos para não ocupá-la.
Bolsonaro queria um vice que não lhe fizesse sombra. Mourão desejava ser um vice com atribuições executivas. Bolsonaro queria um vice que não falasse. Mourão não se faz de mudo.
O presidente é capaz de dizer os maiores absurdos do mundo, mesmo os que o prejudicam. Mourão tentou ser a voz da sensatez e, em alguns casos, o tradutor de Bolsonaro.
Apesar dos desencontros, fingiram dar-se bem até recentemente. Nada pior do que um vice decorativo. Bolsonaro nomeou Mourão para presidir o Conselho Nacional da Amazônia. Não adiantou.
A gota d’água que entornou o copo foi uma troca de mensagens entre um assessor de Mourão e um assessor de um deputado sobre um eventual processo de impeachment contra Bolsonaro.
Mourão só soube das mensagens pela imprensa. No mesmo dia, demitiu o assessor. Com mania de perseguição, Bolsonaro acha que o vice conspira contra ele, e ninguém o convence do contrário.
Daí o cancelamento de Mourão. Que poderá não ser definitivo porque Bolsonaro não tem compromisso com o que diz e faz. Não desqualificava as vacinas? Agora, não as recomenda?
Bolsonaro se comporta na presidência como se fosse um general dentro do quartel. Ninguém pode pensar diferente dele. Ordem dada é para ser cumprida sem maiores discussões.
Há militares que o servem, como os generais Luiz Eduardo Ramos (Secretaria do Governo) e Eduardo Pazuello (Ministério da Saúde), que batem continência e dizem “sim, senhor”.
Mourão bate continência, mas nem sempre diz “sim, senhor”. É por isso que Bolsonaro procura um novo vice para a eleição do ano que vem. O Centrão topa indicar. O Centrão topa tudo.
Um general que se sente à vontade na companhia do Centrão
“Brasil acima de tudo” (grito de guerra da Infantaria Paraquedista)
Se o presidente Jair Bolsonaro está à procura de um vice que lhe diga amém, que em eventos eleitorais saiba manter-se à distância para não lhe fazer sombra, e que ainda por cima possa ajudá-lo a atrair apoios políticos, por que não o general Luiz Eduardo Ramos, atual ministro da Secretaria de Governo?
Ramos entende do riscado. Uma foto que mostrou Bolsonaro disparado, quase sem fôlego, em uma pista de corrida, mostrou também o general tentando imitá-lo, mas bem atrás, sem o risco de ultrapassá-lo. Ramos tem uma sincera admiração pelo presidente. Os dois foram paraquedistas e ainda são bons amigos.
De resto, ao contrário de muitos, militares ou não, que fazem cara feia para o Centrão, Ramos não faz, e orgulha-se de ter servido de ponte entre o grupo e Bolsonaro. Criticado por um general da reserva por andar com más companhias, Ramos respondeu: “Não me envergonho. Não tenho vergonha nenhuma”.
E justificou-se: “Tomei uma atitude coerente. Meu desprendimento de ter aberto mão da minha carreira no Exército mostra que estou a serviço do Brasil. O governo hoje é do Bolsonaro, mas é do Brasil”. Em 2018, Ramos foi uma voz isolada em defesa de Bolsonaro dentro do Estado Maior do Exército.
Até que todos, finalmente, acabaram lhe dando razão. Era preciso evitar a volta da esquerda ao poder. Brasil acima de tudo!
Ricardo Noblat: Bolsonaro, sem compromisso com o que diz e faz
A arte de enganar
De tanto ir e vir, dizer algo hoje e amanhã o seu oposto, o presidente Jair Bolsonaro criou as condições para escapar impune aos efeitos do seu comportamento errático. Salvo um bando cada vez menor de jornalistas incômodos, ninguém se espanta mais com o que ele diz ou faz. O país limita-se a observar entediado.
Normalizou-se o absurdo. Em novembro último, descobriu-se que um total de 7 milhões de testes da Covid-19 mofava em armazéns de Guarulhos, na Grande São Paulo, e que seu prazo de validade expiraria no final de dezembro. O que fez o Ministério da Saúde? Prorrogou o prazo para o final de abril próximo. Simples.
Agora, incapaz de aplicá-los em sua totalidade, decidiu doar parte dos testes ao Haiti. Um gesto humanitário de um governo que pouco se importa com a preservação de vidas, como cansou de demonstrar ao longo da pandemia. Dos 7 milhões de testes, os armazéns ainda acumulam 5 milhões. Melhor doá-los, pois.
Quem mais do que Bolsonaro pregou contra a vacinação e desqualificou as vacinas pondo em dúvida a sua eficácia? Quantos milhões de brasileiras não tomaram horror à vacina por acreditarem na palavra do presidente da República? Por que se vacinarem se Bolsonaro já disse e repetiu que não se vacinará?
Mas, em entrevista à Rede Bandeirantes de TV, Bolsonaro revelou que está sendo realizada uma votação entre seus irmãos para decidirem se vacinam ou não a mãe, Olinda Bonturi Bolsonaro, de 93 anos. E que ele votou a favor “mesmo com uma vacina que não está comprovada cientificamente”.
Se não há comprovação científica por que ele como presidente da República não se opôs à liberação de vacinas pelo Ministério da Saúde? E por que mesmo admitindo que drogas como a cloroquina e outras carecem de comprovação científica, no entanto as recomendou para tratamento precoce da doença?
No final de janeiro passado, Bolsonaro descartou a volta do pagamento do auxílio emergencial aos brasileiros mais pobres atingidos pela pandemia “porque isso quebraria o país”. Na entrevista à Band, afirmou que a volta do pagamento do benefício “é para ontem”, embora possa trazer “problema” para a economia.
Nada demais. Está em linha com ele mesmo. Não jurou que se fosse eleito não governaria com o Centrão e nem lotearia cargos entre os partidos? Rendeu-se ao Centrão para ganhar o comando da Câmara e do Senado e tentar se reeleger. Prometeu combater a corrupção e acabou com a Lava Jato.
Pelos filhos encrencados com a Justiça, fará qualquer coisa. José Vicente Santini, amigo dos garotos, foi demitido por Bolsonaro em 28 de janeiro de 2020 de um cargo na Casa Civil por ter viajado sem necessidade para o exterior em um avião da FAB. Foi para dar exemplo de que o seu era e seria um governo austero.
– Inadmissível o que aconteceu, tá? Já está destituído da função. Decisão minha. O que ele fez não é ilegal. Mas é completamente imoral – decretou Bolsonaro à época.
No dia seguinte, a nomeação de Santini para outro cargo na Casa Civil foi publicada em edição extra do Diário Oficial. Como pegou mal para ele, Bolsonaro mandou anular a nomeação. Finalmente, ontem, Bolsonaro nomeou Santini para secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência da República. Que tal?
ACM Neto recusa paternidade do novo ministro da Cidadania
Para não dar razão a Rodrigo Maia
Estava tudo acertado entre o presidente Jair Bolsonaro e o presidente do DEM, ACM Neto. Uma vez que os candidatos de Bolsonaro às presidências da Câmara e do Senado fossem eleitos, o ex-chefe de gabinete de ACM Neto, João Roma, seria nomeado ministro da Cidadania no lugar de Onyx Lorenzoni.
Roma é baiano e filiado ao partido Republicanos, que apoiou ACM Neto duas vezes para prefeito de Salvador, e o apoiará ano que vem para o governo da Bahia. Ele e ACM Neto são amigos de longa data. Roma filiou-se ao Republicanos a conselho do ex-prefeito, que costuma distribuir amigos por vários partidos.
Ocorre que a eleição de Arthur Lira (PP-AL) para presidente da Câmara provocou o rompimento entre o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) e ACM Neto. Maia acusa ACM Neto de ter entregado em uma bandeja sua cabeça a Bolsonaro, comprometendo a posição de independência do partido em relação ao governo.
O Republicanos quer Roma como ministro. Roma quer ser ministro. Bolsonaro aceitou nomeá-lo. Agora, é ACM Neto que não quer para não dar razão a Maia.
Ricardo Noblat: Pouco ou nada separa o MDB dos demais partidos do Centrão
As diferenças estão no passado
Por que ao falar do Centrão e nomearem-se os partidos que o integram costuma-se deixa de fora o MDB? Talvez em respeito ao seu passado de lutas contra a ditadura militar de 64.
Tempos arriscados aqueles quando uma palavra fora de lugar, uma imagem mais forte ou uma proposta infantil bastava para cassar o mandato do seu autor, condená-lo à prisão ou forçá-lo ao exílio.
Há menos de um mês, morreu o advogado e ex-deputado federal José Alencar Furtado. Em 1977, líder do MDB na Câmara, ele foi cassado por ter dito num programa de televisão:
“O MDB defende a inviolabilidade dos direitos da pessoa humana para que não haja lares em prantos. Filhos órfãos de pais vivos – quem sabe – mortos, talvez. Órfãos do talvez ou do quem sabe. Para que não haja esposas que enviúvem com maridos vivos, talvez, ou mortos, quem sabe? Viúvas do quem sabe e do talvez”.
O ato de cassação foi assinado pelo então presidente da República, o general Ernesto Geisel, que dizia conduzir o país na direção de uma abertura política lenta, gradual e segura.
O deputado Márcio Moreira Alves (MDB-RJ) acabou cassado por ter feito um discurso em setembro de 1968 que não chamou a atenção de ninguém nem mereceu uma linha nos jornais.
Propôs um “boicote” ao desfile de 7 de setembro e recomendou às moças que não dançassem com oficiais naquele dia. Foi o pretexto que a ditadura usou para tirar a máscara e se assumir como tal.
Por pouco, em 1975, Geisel não cassou o mandato do deputado Ulysses Guimarães (SP), presidente nacional do MDB, que o comparou a Idi Amin Dada, à época ditador de Uganda.
Do seu passado, o MDB, hoje, só guarda lembranças para desenterrá-las às vésperas de eleições e sepultá-las no dia a dia da desfaçatez e do fisiologismo compartilhado com o Centrão.
O presidente Fernando Henrique Cardoso aliou-se ao PFL, hoje DEM, para governar. Os presidentes Lula e Dilma aliaram-se ao PMDB, hoje MDB, com o mesmo propósito.
DEM, MDB e companhia ilimitada governaram quando Michel Temer, depois de muito conspirar, sucedeu a Dilma. Bolsonaro tem ministros do DEM e espera, em breve, ter também do MDB.
Se por ora ainda não dispõe de ministérios, o MDB desfruta de centenas de cargos nos terceiros e demais escalões do governo. Diz-se independente, como o DEM diz que é. Os dois mentem.
Contagem regressiva para o Dia D e a Hora H de Rodrigo Maia
Fica ou sai do DEM?
Convites não lhe faltam. O PSDB do governador João Doria (SP), o MDB de Michel Temer e Baleia Rossi (SP), o PSL de Luciano Bivar (PE), ex-aliado do presidente Jair Bolsonaro, e o CIDADANIA de Roberto Freire, possível abrigo de Luciano Huck caso ele seja candidato no ano que vem, abriram-lhe as portas.
Na semana passada, antes de ser derrotado por Artur Lira (PP-AL) que se elegeu presidente da Câmara, o deputado Rodrigo Maia ameaçou deixar o DEM acusando ACM Neto, o poderoso chefe do partido, de traição. Consumada a derrota, Maia repetiu a ameaça dizendo que com ele levaria para onde fosse um monte de gente.
Eduardo Paes (DEM), prefeito do Rio, confirmou que o acompanhará junto com seu grupo. Deputados do DEM, sob a garantia de não terem seus nomes revelados, disseram que irão com Maia. Ao ex-presidente da Câmara, ACM Neto prometeu passe livre para sair desde já sem risco de perder o mandato.
No último fim de semana, Maia reafirmou que está com um pé fora do DEM e que não passará desta semana. Estava furioso com ACM Neto. Aberta, portanto, a contagem regressiva para que se saiba afinal se a palavra dada por Maia será cumprida, adiada ou simplesmente esquecida.
Ricardo Noblat: Vidas importam pouco para o governo de Jair Bolsonaro
Mais armas, menos radares, remédios que não curam
Há mais mortes em países onde armas de fogo estão ao alcance da maioria dos cidadãos. Pois o presidente Jair Bolsonaro quer facilitar ainda mais o acesso dos brasileiros a armas. Por aqui, cerca de um milhão de pessoas dispõem de armas legalizadas.
Não há comprovação científica de que a cloroquina e outras drogas curem as vítimas do coronavírus. Pois Bolsonaro insiste em defender “o tratamento precoce” que em nenhuma parte do mundo foi adotado por ser claramente ineficaz.
Só vacinas funcionam contra o vírus. Mas em sua live semanal no Facebook, Bolsonaro voltou a duvidar da eficiência delas, riu quando o diretor-geral da Agência Nacional de Vigilância Sanitária disse que se vacinará, e negou que fará o mesmo.
Por temer que os vídeos onde ele recomenda o uso da cloroquina sejam apagados, e outras provas destruídas, o Ministério Público Federal providenciou o download deles. Bolsonaro e o ministro Eduardo Pazuello, da Saúde, estão sendo investigados por isso.
Levantamento feito em 2019 pelo jornal Folha de S. Paulo mostrou que a média de mortes nas estradas brasileiras caiu aproximadamente 22% nos trechos em que há radares de velocidade após a instalação dos equipamentos.
Naquele ano, o primeiro de Bolsonaro na presidência da República, ele tentou acabar com os radares, mas esbarrou na Justiça. Ontem, prometeu:
“Era uma festa no Brasil. Tínhamos mais de 8 mil pontos [de radares], conseguimos passar para 2 mil. Eu quero zerar isso daí, porque não deu certo”.
É ou não é o governo da morte?
Ricardo Noblat: A lista do faz de conta que o governo quer aprovar
Nenhuma menção a programas sociais
Era previsível. Um governo que se instalou sem dispor de um projeto para o país e que assim continua dois anos depois, não tem prioridades, e, por isso, nada pode propor ao Congresso que surpreenda. Foi o que mais uma vez ficou demonstrado.
Jair Bolsonaro entregou aos novos presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados o que espera deles, eleitos com seu aval – uma lista com 35 medidas a serem votadas em breve ou quando der. São medidas demais para o conturbado tempo que lhe resta.
2020 foi o ano da pandemia, onde o vírus atrapalhou o funcionamento normal do Congresso. 2021 será o ano da vacinação que, na melhor das hipóteses, entrará pelo próximo ano. 2020 é o ano que não acabou, e 2021 o que acabou cancelado.
Os políticos já estão em 2022 quando terão de renovar seus mandatos ou disputar outros. Nada farão que possa lhes custar votos. Reforma tributária? É complicado demais. Administrativa? Bolsonaro não parece disposto a cortar privilégios.
Privatização de empresas estatais? A Eletrobras poderá ir à leilão como falsa prova de que esse é um governo liberal. Mas não se conte nessa área com um processo robusto de vendas de empresas. Bolsonaro compartilha o nacionalismo equivocado dos militares.
O que de fato interessa a ele é que o Congresso chancele o que mantenha coesa sua base tradicional de sustentação. Assim – quem sabe? – ela engula sem reclamar tanto sua aliança recente com o Centrão, algo que ele disse que jamais faria.
Em um país com cerca de 1 milhão de cidadãos armados, Bolsonaro quer mais facilidades para armar o maior número possível. Milícias e organizações criminosas agradecem. Quer o endurecimento de penas para crimes considerados hediondos.
Quer também o ensino em casa para crianças e adolescentes, longe da influência de professores esquerdistas e sob a desculpa de que só os pais sabem o que deve ser ensinado aos seus filhos. E quer ainda que a mineração em terras indígenas seja liberada.
Ficou de fora do pacote de medidas qualquer menção ao restabelecimento do auxílio emergencial pago aos brasileiros mais pobres atingidos pela pandemia, e o eventual reforço do programa Bolsa Família que, se depender de Bolsonaro, mudará de nome.
Nada causou espanto na cena montada para que Bolsonaro prestigiasse a reabertura dos trabalhos do Congresso – nem as vaias, nem os gritos de “mito”, nem as imprecações de “fascista” e “genocida”. Sequer mais uma mentira pregada por ele.
Bolsonaro disse que concedeu até aqui mais títulos de terra do que os distribuídos nos últimos 14 anos. Foi para fustigar o PT que governou o país por quase 13 anos. Em 2019, ele concedeu apenas seis títulos. A média anterior foi de três mil títulos por ano.
Ricardo Noblat: Se gritar pegar Centrão, não fica um meu irmão!
Aliança para sempre enquanto dure
Jair Bolsonaro já pagou parte da dívida que tinha com o Centrão ao liberar mais de 3 bilhões de reais para obras em Estados e municípios indicados por deputados e senadores que elegeram Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG) para presidir a Câmara e o Senado pelos próximos dois anos.
Se depender de auxiliares de Bolsonaro, porém, a outra parte da dívida – a da entrega de ministérios e outros cargos importantes da administração pública – será resgatada em suaves prestações. É para poder avaliar melhor o quanto o Centrão de fato lhe será fiel. Portanto, nada de reforma ministerial ampla.
O recomendável é que ela aconteça a conta gotas, na medida em que o governo consiga aprovar no Congresso projetos do seu interesse. Eles são muitos, e esse é um dos problemas que Bolsonaro enfrenta porque ele nunca sabe quais deveriam ser prioritários, e emperra na hora de bancá-los e de ir à luta.
Todo cuidado com o Centrão, pois, é pouco. Para o Centrão, a recíproca também é verdadeira: todo cuidado com Bolsonaro é pouco. Um não confia no outro e tem motivos de sobra para não confiar. Como candidato, Bolsonaro desancou o Centrão e disse que jamais governaria na base do toma-lá-dá-cá.
Quando começou a dar foi disfarçadamente para não chocar nem ser malhado por seus seguidores que haviam acreditado em sua palavra. E, queixa-se o Centrão, embora ultimamente tenha sido mais generoso na distribuição de cargos, posições e dinheiro, ele ainda está muito longe de entregar tudo que já foi empenhado.
Quem aderiu a quem – o Centrão a Bolsonaro ou o contrário? A discussão não faz sentido. O Centrão está onde sempre esteve – na antessala de qualquer governo que careça de sua prestimosa ajuda. Tem sido assim desde que ele nasceu durante a Assembleia Nacional Constituinte de 1988. E assim será para todo o sempre.
Bolsonaro é filhote do Centrão. Enquanto deputado federal, passou por sete partidos do Centrão e aprendeu com eles o que pôde. Ficou sem partido quando abandonou o PSL pelo qual se elegeu – queria controlá-lo junto com os seus filhos e acabou perdendo a parada. Quis criar um novo partido para chamar de seu – perdeu.
Uma vez que perdeu a parada de intimidar o Congresso e o Supremo Tribunal Federal para tocar o país como um governante autoritário, restou-lhe dar meia volta e pedir socorro ao Centrão. Socorro para salvá-lo de um pedido de impeachment, salvar os filhos enrascados com a Justiça e salvar o sonho da reeleição.
Não foram Lira e Pacheco que pegaram carona com Bolsonaro para se eleger. Foi Bolsonaro que pegou carona com eles para sobreviver. Bolsonaro elogiou Baleia Rossi (MDB-SP), adversário de Lira, que sempre votou alinhado com o governo, mas afirmou que não o apoiaria porque ele era apoiado pela esquerda.
Ora, ora, ora… A esquerda apoiou Pacheco para presidente do Senado e Bolsonaro não deu um pio. Lira apoiou Lula, apoiou Dilma, apoiou Temer e agora diz que apoiará Bolsonaro. Amor que será eterno enquanto dure e for conveniente.
A Câmara faz por merecer Arthur Lira e Bia Kicis
Uma coisa puxa a outra
Alto lá! Por que a deputada federal Bia Kicis (PSL-DF) não pode presidir a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara? Só por que ela é bolsonarista de raiz?
Só por que ela é investigada pelo Supremo Tribunal Federal no inquérito que apura a distribuição de fake news e o financiamento de movimentos hostis à democracia?
Só por que ela já postou vídeos nas redes sociais ensinando a não usar máscaras contra a Covid-19? Só por que em dezembro último ela incitou os amazonenses a romperem o isolamento social?
A Comissão é a mais importante da Câmara. Cabe a ela analisar a legalidade e a constitucionalidade de todos os projetos que ali chegarem – entre eles, pedidos de impeachment.
É verdade que a presidência da Comissão sempre foi reservada para políticos de renome, de passado ilibado e com grande conhecimento jurídico. Ou então para ex-presidentes da Câmara.
Kicis não atende a tais pré-requisitos. Mas, e daí? A Câmara também não é mais o que foi até o final dos anos 90. Há seis anos, seu presidente, Eduardo Cunha (MDB-RJ), foi cassado e preso.
De resto, se o deputado Arthur Lira (PP-AL) pode presidir a Câmara, por que Kicis não pode presidir a Comissão? O passado de Lira depõe mais contra ele do que o de Kicis contra ela.
Só no Supremo Tribunal Federal, Lira responde a cinco inquéritos. Três sobre a eventual prática de corrupção ativa e passiva – incluindo aquele onde se tornou réu.
O quarto inquérito investiga crime de formação de quadrilha. No quinto, ele foi denunciado por crime de lavagem de dinheiro.
Há ainda uma investigação no Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5). A acusação, neste caso, é de crime contra a administração pública.
Lira é investigado no Tribunal de Justiça de Alagoas por crimes contra a honra. E tem contra si, ainda, uma acusação de agressão contra sua ex-mulher.
Presidente da Câmara é o segundo na linha de sucessão do presidente da República. Na ausência de Bolsonaro e do vice-presidente Hamilton Mourão, Lira os substituiria.
Deverá ser impedido de fazê-lo porque é réu em ação penal no Supremo. Quem substituirá Bolsonaro e Mourão é o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG).
Se a Câmara entende que está em boas mãos com Lira, por que não estará também com Kicis na presidência da Comissão? Os dois se merecem – e a Câmara merece os dois.
Ricardo Noblat: Congresso escolhe caminhar em direção oposta a do país
Bolsonaro ganhou – e o Centrão mais do que ele
Jair Bolsonaro pagou uma fortuna ao Centrão para derrotar o que lhe pareceu ser o germe de uma aliança de parte da esquerda e da direita para minar suas chances de se reeleger em 2022.
A partir de agora, pagará outra para que o Centrão apoie no Senado e na Câmara dos Deputados os projetos do seu governo que não conseguiram avançar quase nada por culpa dele mesmo.
Uma vez de novo candidato a presidente, pagará uma terceira fortuna no mercado futuro para evitar que o Centrão se bandeie para o lado de seus possíveis adversários.
Deu Rodrigo Pacheco (DEM-MG) para presidente do Senado, como previsto. Deu Arthur Lira (PP-AL) para presidente da Câmara depois que o DEM largou de mão Baleia Rossi (MDB-SP).
Foi o enterro da Nova Política prometida por Bolsonaro há dois anos, e a ressurreição com todo o seu esplendor da Velha onde, por sinal, Bolsonaro se criou durante quase 30 anos.
Eleito, Pacheco falou em Senado independente, em auxílio emergencial para os brasileiros mais pobres atingidos pela pandemia, mas não só, e em reformas na economia.
Lira falou em Câmara “independente, mas harmônica”. Quer dizer: uma Câmara que, de preferência, aprove todas as pautas de interesse de Bolsonaro e que evite contrariá-lo.
Lira e o Centrão não podem garantir que será assim. Primeiro porque não detém votos suficientes para fazer todas as vontades de Bolsonaro. Segundo porque o Centrão não é uma coisa só.
Pesou na eleição de Lira o dinheiro gasto pelo governo na compra de votos, mas pesou também a diferença dos perfis de Lira e de Rossi, e o modo como Rodrigo Maia (DEM-RJ) escolheu Rossi.
Lira é um rato de plenário. Rato no sentido de que vive ali circulando por toda parte, participando de todas as rodas de conversa, cumprimentando todo mundo. É muito habilidoso.
Nunca distinguiu entre colegas notáveis e colegas do baixo clero. Rossi, como líder do MDB, fazia o oposto. Vivia no seu gabinete. Aparecia nas reuniões de líderes. Nunca foi popular.
O patrocinador de Lira foi Bolsonaro, que quando quer ser simpático no trato com ex-colegas, sabe ser. O patrocinador de Rossi foi Maia, um centralizador sisudo e às vezes de maus bofes.
A pretensão de Bolsonaro é fazer do Congresso um anexo do Palácio do Planalto, onde ele despacha no terceiro andar. Não é certo que consiga mesmo que continue pagando caro por isso.
Senadores e deputados só pensam na reeleição ou na eleição para outros cargos. O mais bobo deles conserta relógio suíço usando luvas de boxe, como disse um dia o deputado Ulysses Guimarães.
Presidente da República pode pedir a um parlamentar o que quiser, só não pode pedir ou esperar que ele politicamente se suicide. Não haverá um único capaz de atendê-lo.
Com Pacheco e Lira, o Congresso escolheu caminhar na direção oposta à que o país dá sinais de que caminha ao distanciar-se de Bolsonaro. Mais adiante os dois poderão se reencontrar – ou não.
Para onde irá Rodrigo Maia? E o DEM de ACM Neto?
Na direção dos ventos
Nada de convidar para a mesma mesa, pelo menos nem tão cedo, o deputado Rodrigo Maia (RJ), que ontem se despediu com lágrimas da presidência da Câmara, e ACM Neto, ex-prefeito de Salvador e presidente nacional do DEM, o partido de Maia.
Os dois pareciam se entender apesar das diferenças de estilo – Maia estourado e centralizador, ACM Neto calmo e disposto a fazer a vontade da maioria do seu partido. O rompimento se deu quando Maia escolheu Baleia Rossi (MDB-SP) para sucedê-lo.
Candidato ao governo da Bahia em 2022, ACM deu ouvidos aos deputados baianos que preferiam apoiar Arthur Lira (PP-AL), candidato de Bolsonaro, deixando Maia pendurado no pincel. Maia anunciou que sairá do DEM, para onde ainda não sabe.
O destino de Maia só importa a ele e aos seus eleitores. O do DEM importa aos demais partidos que esperavam contar com a companhia dele para a formação de uma frente capaz de impedir a eventual reeleição do presidente Jair Bolsonaro.
O DEM com Rodrigo negociava com o CIDADANIA e outras legendas o possível apoio à candidatura do apresentador de televisão Luciano Huck. Mas não descartava apoiar a candidatura do governador de São Paulo, João Doria (PSDB).
Sem Rodrigo, ou com um Rodrigo murcho, o DEM poderá tomar outro rumo. O partido tem dois ministérios no governo Bolsonaro – o da Agricultura e o da Cidadania. Tinha três quando o médico Luiz Henrique Mandetta era ministro da Saúde.
Poderá abiscoitar o Ministério da Educação ou outro qualquer, desde que queira aproximar-se ainda mais de Bolsonaro. O avô de ACM Neto apoiou todos os governos da ditadura militar de 64, e quando viu que ela estava no fim, aderiu à oposição.
Neto aprendeu com ele a se antecipar à mudança de direção dos ventos. Seus próximos passos poderão indicar para que lado eles irão soprar.
Ricardo Noblat: Bolsonaro e o escafandrista do Leblon
A normalização que acolhe e a que implica em graves riscos
Conta a lenda que um escafandrista, nos anos 70, vestido com seu pesado equipamento de mergulho, entrou no Antonio’s, bar mítico do Leblon, na esquina das ruas Bartolomeu Mitre e Ataulfo de Paiva, sentou a uma mesa, tirou o capacete e pediu uma cerveja.
Depois de certo tempo, irritado com a indiferença dos frequentadores do lugar, o jornalista João Saldanha subiu numa cadeira, bateu palmas para chamar atenção e disse em voz alta para ser escutado por todo mundo:
– Pessoal, tem um homem aqui, um escafandrista, com capacete e tudo, tomando cerveja, e isso não é normal, não pode ser normal.
Ninguém deu bola para a fala irritada de Saldanha. Nem mesmo o pacato escafandrista que, depois de tomar três cervejas e servir-se de poucas iguarias, pediu a conta, pagou, repôs o capacete de metal que escondia todo o seu rosto e foi embora se arrastando.
Ah, os cariocas e seu ar blasé! Em janeiro de 1964, o Rio foi sacudido com a notícia de que Brigitte Bardot, uma das atrizes mais famosas do cinema, chegara sem aviso à cidade. Depois do assédio inicial, ela refugiou-se em Búzios com o namorado.
Ficou por lá sem ser incomodada durante quase um ano. Vez por outra surgia o boato: Brigitte voltou ao Rio. Os mais cariocas entre os cariocas já não se abalavam. Alguns se limitavam a comentar com desdém: “Quem, aquela chata? De novo?”
Ninguém parece mais estranhar quando o presidente Jair Bolsonaro diz palavrões em público. Nem mesmo quando os palavrões são usados como ariete para atingir a honra de pessoas ou de um conjunto delas. A ele tudo é permitido.
Os presidentes Lula e Dilma diziam palavrões, mas jamais em público. O país ficou chocado com a quantidade de palavrões que Bolsonaro disparou em abril último durante reunião ministerial que provocou a saída do governo do ex-juiz Sérgio Moro.
Depois disso, não mais. Assim, ele sentiu-se autorizado para na semana passada, em reação ao noticiário sobre gastos do governo com leite condensado, mandar os jornalistas “à puta que os pariu”. Na quarta-feira, numa churrascaria de Brasília, ele esbravejou:
“Vai para puta que o pariu. Imprensa de merda essa daí. É para enfiar no rabo de vocês aí, vocês não, vocês da imprensa essa lata de leite condensado”.
No dia seguinte, em Propriá, cidade na divisa de Sergipe com Alagoas, Bolsonaro voltou ao tema, sendo apenas mais sucinto:
“É para enfiar no rabo de jornalista”.
Por pudor, por estar acostumada a ser agredida ou sabe-se lá por que, de uma maneira geral a imprensa preferiu não dar destaque a mais um despautério do presidente da República. Praticamente ignorou-o. As redes sociais se encarregaram da tarefa.
Nem o ex-presidente Donald Trump, o precursor universal dos ataques desmedidos à imprensa, ousou valer-se de linguagem tão agressiva e desrespeitosa com profissionais que eram obrigados a cobrir suas atividades como chefe de Estado.
Só quem ganha com a normalização do comportamento estúpido de Bolsonaro é ele. A malta que o tem como ídolo, também ganha e faz questão de imitá-lo. Cresce no país o número de casos de jornalistas hostilizados no desempenho de suas funções.
Atenção, Justiça! O que falta para que se dê um basta definitivo a isso? Que um jornalista seja morto?
Ricardo Noblat: O plano de Bolsonaro para chegar politicamente vivo em 2022
Evitar o impeachment é a prioridade número 1
Mesmo quando meia dúzia de pesquisas de opinião, aplicadas por institutos diferentes, coincidem em apontar na mesma semana determinado resultado, o entendimento dos especialistas no assunto aconselha esperar as próximas para conferir se isso indica uma tendência ou o registro apenas de um soluço.
Os institutos Paraná, Ipesp, IDEIA, Datafolha e Atlas atestaram nos últimos cinco dias a queda de popularidade do presidente Jair Bolsonaro. A reprovação a ele saltou de 32% para 40%, segundo o Datafolha. Mas só futuras pesquisas, respeitando o mesmo intervalo de tempo, confirmarão se Bolsonaro está ladeira abaixo.
Nem por isso o governo pode esperar para ver o que acontece. Bolsonaro não teve um plano para combater a pandemia da Covid-19. Ou melhor: seu plano era deixar que o vírus contaminasse mais de 70% dos brasileiros para que a partir daí a pandemia começasse a ceder. Resultado até agora: quase 220 mil mortos.
Mas plano para manter-se no poder e – quem sabe? – reeleger-se daqui a um ano, ele tem, e começa a ser executado. Primeiro ponto do plano: emplacar nomes de sua inteira confiança nas presidências da Câmara dos Deputados e do Senado. Os nomes: Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG).
O mais importante dos dois é Lira. Cabe ao presidente da Câmara aceitar a abertura de processo de impeachment contra o presidente da República. Há 56 pedidos na Câmara. Se eleito, Lira não aceitará nenhum. A não ser que Bolsonaro se enfraqueça ao ponto de tornar impossível a tarefa de sustentá-lo.
O segundo ponto do plano de Bolsonaro para continuar vivo: uma reforma ministerial de grande ou de médio porte. Servirá para que ele amplie sua base de apoio no Congresso mediante a entrega de mais cargos do governo a deputados e senadores, além de livrar-se de companhias consideradas hoje incômodas.
Uma das companhias: o general Eduardo Pazuello, ministro da Saúde, despachado para Manaus no fim da última semana sem bilhete de volta. Augusto Aras, Procurador-Geral da República, obteve junto ao Supremo Tribunal Federal a abertura de inquérito para apurar se Pazuello falhou na crise de Manaus.
Com isso, Aras ajuda a desimpedir o caminho para que Bolsonaro agradeça ao general pelos inestimáveis serviços prestados ao país e o devolva à caserna. Aras deixou Bolsonaro de fora do inquérito, é claro. Uma vez que deve a nomeação a ele e que sonha com uma vaga no Supremo… Sabe como são essas coisas.
O terceiro ponto do plano de Bolsonaro: aprovar no Congresso a recriação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). Se com esse ou outro nome, em nova versão, não importa. O novo/velho imposto sobre todas as transações financeiras abarrotaria de grana os cofres públicos.
Bolsonaro resistiu a comprar a ideia, mas o ministro Paulo Guedes, da Economia, o convenceu. O governo precisa de dinheiro para fazer face ao fim do pagamento do auxílio emergencial. Entre os brasileiros com renda de até dois salários mínimos mensais, a reprovação ao governo passou de 26% para 41%. Alerta vermelho!
Ricardo Noblat: Mutirão pela vacina, uma vez que vidas pouco importam
À falta de governo, cada um por si e Deus por todos
Estava escrito nas estrelas que não daria certo realizar as provas do Exame Nacional do Ensino Médio em meio a pandemia de coronavírus que ainda não acabou – pelo contrário, recrudesceu. A abstenção tem sido enorme. Como os estudantes mais pobres poderão se dar bem se não conseguiram sequer estudar direito?
Da mesma forma, parece escrito nas estrelas que o governo do inepto presidente Jair Bolsonaro não dará conta sozinho de bancar a vacinação em massa dos brasileiros contra o vírus. Não deu conta de enfrentar a doença quando podia, preferindo deixá-la se espalhar. Perdeu o bonde à partida da compra das vacinas.
Não foi por falta de dinheiro, mas de vontade, empenho e competência. Sobraram a visão negacionista do presidente da República e sua aposta errada na politização do assunto. Quando o governo acordou, se é que acordou, havia sido passado para trás pelo governador João Doria (PSDB-SP) e o Instituto Butantan.
Bons tempos aqueles para Bolsonaro onde a administração da crise de saúde não dependia só dele, mas também de governadores e prefeitos. Foram tempos em que ele pôde descaradamente mentir dizendo que o Supremo Tribunal Federal havia lhe tomado o dever e o direito de comandar a guerra à Covid-19.
Deram-se bem os governadores e prefeitos mais ativos na questão. No caso de Doria, por exemplo, revela a mais recente pesquisa Datafolha aplicada há quase uma semana que 46% dos brasileiros entendem que ele fez mais para combater o coronavírus do que Bolsonaro, apontado por apenas 28%.
Só que agora a bola está no pé do presidente e ele não sabe jogá-la. Quer prova maior disso do que a iniciativa de empresas privadas que negociam com o governo uma autorização para importar 33 milhões de doses da vacina de Oxford/Aztrazeneca? A tarefa caberia exclusivamente ao Ministério da Saúde.
Pelo acordo em curso, metade do total dos imunizantes seria doado ao Sistema Único de Saúde. O restante iria para funcionários e familiares das companhias que fazem parte da negociação, pelo menos 12 até agora. Onde fica o princípio de que todos os brasileiros têm direito à vacina e serão imunizados?
É compreensível que empresas poderosas se mexam para ocupar o espaço deixado vago pelo governo que ignorou no ano passado uma oferta da fabricante da vacina Pfizer para que comprasse 70 milhões de doses. O governo considerou alto o preço cobrado e abusivos os termos do contrato. A fabricante insistiu, sem sucesso.
A lei da oferta e da procura que rege a economia é muito simples. Se a procura por um produto aumenta, o preço sobe. Governos onde a inteligência prevalece pagaram mais caro para estimular a produção de vacinas e depois comprá-las a preço razoável. Como o governo Bolsonaro carece de inteligência, mas não só…
Corre atrás do prejuízo. Quem pagará por tantas vidas que se perderam devido à incúria e irresponsabilidade do presidente e da sua turma? Se deixar que morram os que tiverem de morrer não configura crime sujeito a impeachment, o que mais pode configurar? A compra de um Fiat Elba? Pedalada fiscal?
Ricardo Noblat: Imunizar o Brasil a galope é uma aposta arriscada do governo
À espera de avalanche de ofertas de vacinas
De duas, uma. Ou o presidente Jair Bolsonaro e seus ineptos auxiliares acreditam que o Brasil, em breve, estará sujeito a uma avalanche de ofertas de vacinas como em seus delírios prevê o general Eduardo Pazuello, ministro da Saúde, ou pensam que continuarão a governar o país na base só do gogó.
Foi o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso quem disse ter atravessado seu primeiro ano de governo levando o país na conversa, no que ele era bom de fato. Mas Bolsonaro, Pazuello e companhia limitada não se destacam pela oratória, nem pelo carisma. Tampouco pelo apoio que Fernando Henrique dispôs.
O número de pessoas por aqui que pretendem se vacinar contra a Covid-19 aumentou, ao mesmo tempo em que 62% da população afirmam que a pandemia está fora de controle. É o que mostra a pesquisa Datafolha aplicada nos últimos dias 20 e 21. Apenas 3% dos entrevistados acham que ela foi totalmente controlada.
A intenção de tomar a vacina cresceu seis pontos percentuais desde a última pesquisa, em dezembro. Agora, 79% dizem querer se imunizar, contra 73% há um mês. O número ainda é inferior à parcela de 89% da população que pretendia se vacinar contra o coronavírus em pesquisa feita em agosto do ano passado.
A rejeição às vacinas caiu, passando de 22% em dezembro para 17% agora. Cresceu de 73% para 77% o número de pessoas que admitem ter medo de se infectar pelo vírus. Tudo isso decorre do aumento de mortes que na próxima semana deverá ultrapassar a casa das 220 mil. Os infectados somavam 8.816.113 até ontem.
Embora o Ministério da Saúde tenha receitado drogas ineficazes contra a doença e Bolsonaro insista em desacreditar a Coronavac, a rejeição à vacina de origem chinesa caiu. Era de 50% em dezembro. Agora é de 39%. Aumentou também o grau de confiança nas demais vacinas, inclusive na Spunik V, da Rússia.
Por ora, o número de doses de vacinas que estão sendo aplicadas aqui é ínfimo. O governo, porém, lançará uma ambiciosa campanha de propaganda para vender a ideia de que o Brasil está sendo imunizado. E se a avalanche de ofertas antecipada por Pazuello não acontecer? Na Europa já falta vacina.
É muito perigoso brincar com vidas.
Pazuello subiu ao patíbulo para salvar a cabeça de Bolsonaro
Aras, o procurador que só procura o que quer
Augusto Aras, Procurador-Geral da República, escolheu o general Eduardo Pazuello, o ministro da Saúde especialista em logística militar, para pagar o preço pela ineficiência do governo até aqui no combate à pandemia do Coronavírus.
Ninguém duvida que Pazuello tenha culpa no cartório. Mas ele não faria o que fez até aqui, nem deixaria de fazer o que tinha de ser feito sem o aval do seu chefe. Falta alguém em Nuremberg, e esse alguém atende pelo nome de Jair Messias Bolsonaro.
Diga-se em favor do general, por exemplo, que lhe custou muita saliva convencer Bolsonaro a comprar a Coronavac, a vacina do Instituto Butantã e de um laboratório chinês. Bolsonaro afinal cedeu, para no dia seguinte desautorizar a compra.
Para deixar Bolsonaro de fora do pedido de abertura de inquérito que encaminhou ao Supremo Tribunal Federal, Aras limitou o fracasso do governo no enfrentamento do vírus à falta de oxigênio que continua matando pessoas em hospitais de Manaus.
De fato, o general soube com antecedência que era iminente o colapso da rede de saúde pública em Manaus e fora dali, e que haveria mortes por asfixia. Visitou a cidade e receitou o “tratamento precoce” dos doentes à base de cloroquina.
Mas é impossível que ao voltar a Brasília não tenha informado o presidente da República sobre o que viu e ouviu, além do que havia recebido por escrito. Se Bolsonaro o mantém no cargo até hoje é porque está satisfeito com o seu trabalho.
Separar Bolsonaro de Pazuello no caso da pandemia é uma tentativa de Aras de salvar a cabeça do ex-capitão à custa da cabeça do general. Pazuello subiu ao patíbulo.