Ricardo Noblat
Ricardo Noblat: Brasil, um país à deriva e com o apocalipse sanitário à vista
Fala, Bolsonaro!
Quem diria… Há dois anos, a maioria dos que se preparavam para votar em Jair Bolsonaro, o Mito, como era chamado, dizia que uma vez eleito, ele combateria a corrupção como nenhum presidente havia feito antes, defenderia os sacros valores da família brasileira e ofereceria uma vida melhor aos brasileiros.
Como essa gente estará se sentindo depois de ver Sergio Moro fora do governo, a Lava Jato sendo enterrada, o senador Flãvio Bolsonaro envolvido no escândalo da rachadinha e obrigado a justificar a compra de uma mansão de 6 milhões de reais em Brasília, e o novo recorde de mortes provocadas pela Covid?
Nas redes sociais, por enquanto, é de desânimo o estado de espírito dos defensores do ex-capitão. Os fatos se sucedem a uma velocidade alarmante e eles mal têm tempo para respirar, quanto mais agarrar-se a bóia de uma narrativa que pareça convincente. Não significa que ficarão órfãos. Há quem sempre pense por eles.
O próprio Bolsonaro ensaiou uma explicação ao reunir-se com devotos nos jardins do Palácio da Alvorada. “Querem me culpar pelas 200 e tantas mil mortes”, disse ele. “O Brasil é o 20º país do mundo em mortes por milhão de habitantes. A gente lamenta? Lamentamos. Mas tem outros países [em pior situação]”.
As famílias e os amigos dos 1.726 mortos pela Covid nas últimas 24 horas aceitarão de bom grado a desculpa oferecida pelo presidente? Morreram até ontem 257.562 pessoas, e 10.647.845 foram contaminadas. A média de mortes por dia é 23% maior do que a registrada há duas semanas.
Em média, são 55.318 novos casos por dia, 22% a mais do que 14 dias atrás. Portanto, a tendência é de alta nos casos e também nos óbitos. São 15 Estados e mais o Distrito Federal com alta na média de mortes. Com queda, três. Apenas 3,36% da população receberam a primeira dose de vacina, e 1,02% a segunda dose.
Acendeu a luz vermelha em todo o país com o agravamento da pandemia – menos, naturalmente, no Palácio do Planalto e no Ministério da Saúde do general Eduardo Pazuello. No palácio, a preocupação com o filho mais velho de Bolsonaro ocupou quase todas as rodas de conversa e os despachos de rotina.
Entre si, assessores presidenciais chegaram a sugerir que Bolsonaro repreendesse publicamente Flávio como fez no caso da rachadinha em janeiro de 2019. Naquela ocasião, o presidente afirmou em resposta à pergunta de um jornalista:
– Se, por acaso, ele errou e isso ficar provado, eu lamento como pai, mas ele vai ter que pagar o preço por essas ações que não podemos aceitar.
Resposta civilizada, não foi? Um ano depois, Bolsonaro começou a mandar jornalista calar a boca. Com mais alguns meses, ameaçou encher de porrada a boca de um jornalista. Há dias, indagado por um jornalista do Acre sobre uma decisão do Superior Tribunal de Justiça que beneficiou Flávio, Bolsonaro encerrou a entrevista.
Flávio é um aplicado agente imobiliário. Desde que se elegeu pela primeira vez deputado estadual pelo Rio de Janeiro, já comprou e vendeu 20 imóveis, saindo sempre no lucro. Parte da compra dos imóveis foi feita com dinheiro vivo, hábito compartilhado com seus irmãos, pai, mãe e ex-madrastas. É mais fácil assim, sabe?
Era para Bolsonaro ter falado ontem ao país em rede nacional de rádio e televisão. Estava tudo pronto para a gravação quando ele achou melhor transferi-la para hoje. Temia ser recepcionado por um panelaço no dia em que só se falava da história da mansão milionária do filho dono de renda modesta.
Ainda muito se falará. Dado o momento que o país atravessa, dia de panelaço é todo dia.
Com Ciro e Haddad como coveiros, frente de esquerda é enterrada
Poderá ou não ressuscitar no segundo turno
Cada um culpará o outro e explicará o fato de acordo com suas conveniências. Mas se parte da esquerda ainda alimentava o sonho de uma frente ampla para enfrentar Jair Bolsonaro no primeiro turno da eleição do ano que vem, o sonho acabou.
Na semana passada, Ciro Gomes (PDT), derrotado três vezes para presidente da República, jogou uma pá de cal na proposta de unir a esquerda:
“Quem for contra o Bolsonaro no segundo turno tem a tendência de ganhar a eleição. O menos capaz disso é o PT. Por isso, a minha tarefa é necessariamente derrotar o PT no primeiro turno”.
Fernando Haddad (PT), autorizado por Lula a viajar em campanha pelo país, jogou, ontem, a segunda pá de cal:
“A direita tem o Ciro, Moro, Mandetta, Huck, Dória, qual é o problema? Isso tudo tem um ano e meio para se discutir. Não faz sentido inibir uma pessoa de se apresentar e conversar com a sociedade”.
Ciro antecipou que não conversará com o PT porque sua tarefa é impedir que ele dispute o segundo turno com Bolsonaro. Haddad respondeu excluindo Ciro, por ser de direita, de qualquer conversa sobre a construção de uma frente ampla de esquerda.
A esperança de Haddad é que ele seja o candidato do PT e do resto da esquerda no primeiro turno. A de Ciro, que ele vire o candidato da direita não bolsonarista e de uma parte da esquerda que prefira distanciar-se do PT.
Não haverá frente de esquerda, muito menos ampla. Haverá mais de um candidato. Quanto ao segundo turno, é cedo para especular a respeito. Por ora, a esquerda de todos os matizes diz que apoiará o nome que possa derrotar Bolsonaro, não importa qual.
A ver, a ver.
Ricardo Noblat: Quem desconhece o passado é incapaz de enxergar o futuro
Que país é o Brasil?
Que país é este onde a Independência foi proclamada por um estrangeiro e a República por um general monarquista? Onde um presidente se suicida para não ser deposto, outro renuncia na esperança de voltar nos braços do povo e não volta, e um terceiro baixa ao hospital 24 horas antes de tomar posse e morre?
Que país é este onde militares cancelam a democracia a pretexto de defendê-la, implantam uma ditadura que dura 21 anos, expulsam do Exército um capitão que planejara atentados a bomba a quartéis, e depois de marginalizá-lo por décadas o ajudam a se eleger presidente da República, a governar e a comandá-los?
Que país é este onde a maior parte do povo, ou parte expressiva dele, ameaçada de morte por um vírus há mais de ano, dá ouvidos e poderá em breve dar seus votos para reeleger um presidente que só faz mentir desde que assumiu o cargo, e que prefere sacrificar vidas a reconhecer e corrigir a tempo os erros que comete?
Que país é este onde a assaz louvada maior operação de combate à corrupção jamais vista no mundo desmorona à luz da descoberta de que seus condutores violaram princípios do Direito aprendidos nos bancos escolares e ultrapassaram limites impostos pelas leis que tinham a obrigação de respeitar com o máximo rigor?
Este país é o nosso, que se dizia antigamente o país do futuro, há séculos dividido entre os poucos ricos e os milhões de pobres, entre os brancos que ocupam os postos mais elevados na órbita dos poderes e os pretos contados que conseguem chegar lá, entre os que toleram o intolerável e os que a ele resistem a duras penas.
Ricardo Noblat: Quem assiste à própria morte sem reagir não merece viver
A inércia dos cúmplices da pandemia
O que pretende Jair Bolsonaro ao aconselhar os brasileiros a desprezarem o uso de máscaras contra a Covid? Por que defende que morram os que tiverem de morrer desde que a economia seja salva? Por que cita como estudo de uma universidade alemã o que se trata de resultados de uma enquete feita nas redes sociais?
Por que mantém no comando do Ministério da Saúde um general que nada entende do assunto e que se cercou de militares tão ignorantes quanto ele? Quando governadores acenam com medidas rigorosas de isolamento, por que Bolsonaro os combate com a firmeza que nunca demonstrou no combate ao vírus?
Se não bastasse, por que ele sabota a compra de vacinas e repete que a eficácia delas é duvidosa e que jamais será imunizado? Já se passaram datas emblemáticas da pandemia como as que marcaram as primeiras 50 mil mortes, 100 mil e 200 mil. Esperou-se pelo menos uma manifestação de tristeza dele. Não houve.
É impossível que ele não saiba que o uso de máscaras, o isolamento e a vacinação é a receita que deu certo nos demais países do mundo afetados pela doença. É impossível que não saiba que para salvar a economia é preciso salvar vidas também. Quanto mais o vírus aja sem ser barrado, mais a economia afunda.
Então por que Bolsonaro escolheu associar-se à Covid na devastação que ela provoca no Brasil? O sistema público de saúde colapsou em diversos Estados. O privado, idem Em média, nos últimos 7 dias, morreram 1.180 pessoas, elevando o total de mortos para 254.263 desde março último, e de casos para 10,5 milhões.
O que o presidente da República tem contra o povo que o elegeu e que parece capaz de reelegê-lo apesar do seu comportamento assassino? Por que deliberadamente tornou-se o apóstolo da morte? Por que os demais poderes assistem a tudo sem esboçar uma forte reação? Afinal, por que toleramos o intolerável?
Que tipo de povo é o brasileiro que compactua inerte com tudo isso?
Ricardo Noblat: Pacheco dá tempo ao governo para barrar a CPI da pandemia
Depende do preço a ser pago
Depois de protocolado há mais de 10 dias, o requerimento de criação da CPI da Pandemia continua com o mesmo número de assinaturas, cinco a mais do que o necessário para que fosse instalada. Mas Rodrigo Pacheco (DEM-MG), presidente do Senado, que posa de independente do governo, só observa.
Por que será? Ora, porque ao governo tudo interessa, menos uma CPI que investigue a fundo sua responsabilidade na tragédia que já consumiu quase 250 mil vidas, deixando pouco mais de 10 milhões de brasileiros doentes. A situação tende a piorar porque falta vacina e sobre incompetência no Ministério da Saúde.
Pacheco está dando tempo ao governo para que consiga convencer pelo menos 6 senadores a retirarem suas assinaturas do requerimento. Não será impossível que isso aconteça dado o sortimento de cargos e outras sinecuras a serem oferecidas aos mais receptivos. Mas não será fácil.
Houve um senador que morreu contaminado pelo vírus. Senador que viu a mãe entubada. Além de senadores que perderam muitos amigos.
Bom dia, Venezuela! Ou bom dia, Brasil, um país sem sossego!
Perguntas à espera de respostas
Dê-se crédito ao presidente Jair Bolsonaro. Quando se sabe o que quer e não se perde o foco, demitir o presidente da maior empresa da América Latina, com ações negociadas nas principais bolsas de valores do mundo, é tão fácil como passear de jet-ski em qualquer parte do litoral do país para atrair devotos.
O economista Roberto Castelo Branco foi demitido por meio de um curto post nas redes sociais. No próximo mês, completaria dois anos à frente da Petrobras. Os acionistas estavam felizes com sua administração. Ele navegava em mar de almirante até que Bolsonaro acordou um dia e decidiu mandá-lo embora.
Simples assim. O preço do diesel havia sido reajustado porque variava de acordo com o câmbio e o preço do barril de petróleo. É assim nas chamadas economias de mercado. Quando não é, dá no que aconteceu com a Venezuela, onde o ex-presidente Hugo Chávez interveio na Petrobras de lá e depois disso ela quebrou.
Bolsonaro sempre se apresentou como o inverso de Chávez e do seu sucessor Nicolás Maduro. Serviu ao ex-presidente Donald Trump como uma espécie de posto avançado contra o chavismo por essas bandas. Na verdade, revela-se tanto ou mais populista do que Chávez e Maduro. E, como eles, conta com apoio militar.
A Petrobras perdeu em 24 horas R$ 28 bilhões de seu valor. Hoje, tão longo abra a Bolsa de Valores, perderá muito mais com a desvalorização do preço de suas ações. A levar-se a sério o que disse Bolsonaro quando demitiu Castelo Branco, “o mercado fica irritadinho com qualquer negocinho”, e ele pouco liga.
Na ocasião, saiu-se com a mais fina pérola da demagogia ao afirmar que os operadores financeiros não “sabem o que é passar fome”. Ele e seus filhos não sabem, todos criados com recursos da União. Como não querem abrir mão da vida boa que levam, a saída é perpetuar-se no poder enquanto der. Reeleição! Reeleição!
Os caminhoneiros ameaçavam com uma greve em protesto contra o reajuste do diesel? Adeus, Castelo Branco, que levava a sério a política de recuperação da Petrobras desde quando ela quase afundou no período dos governos do PT. Nomeie-se para o cargo mais um militar acostumado a bater continência ao chefe.
O general Joaquim Silva e Luna, ex-ministro da Defesa do presidente Michel Temer, será a voz do dono e não o dono da voz. Como é o general Eduardo Pazuello, notável especialista em logística, ministro da Saúde. Como são todos os militares que em troca de polpudos salários se tornaram serviçais do capitão.
Missão dada é missão cumprida. Manda quem pode, obedece quem tem juízo. Quem desobedece ou ensaia discutir ordens perde o emprego. Foi o caso do general Rego Barros, porta-voz de um presidente que não carece de quem porte sua voz. Foi também o caso do general Santos Cruz, vítima do gabinete do ódio.
A semana começa com uma série de perguntas nervosas. Se Luna, como garantem os apagadores de incêndio da presidência da República, não mudará a política realista de preços da Petrobras, ora, diabos, então por que Bolsonaro despachou Castelo Branco? Só para engabelar os caminhoneiros por mais algum tempo?
A troca de comando na Petrobras significa o rompimento definitivo de Bolsonaro com os fundamentos do liberalismo econômico ou mais uma vez ele recuará? Bolsonaro, agora, quer meter o dedo no setor de energia elétrica. Foi o que prometeu. E Paulo Guedes, ministro da Economia, até quando ficará onde está?
Bom dia, Venezuela! Ou bom dia, Brasil, de um presidente tresloucado que não concede ao país um só dia de calma!
Ricardo Noblat: Bolsonaristas, órfãos de pai vivo, choram o abandono
Mas se queixam também de Arthur Lira
Apesar dos rumores de que Bolsonaro em momento algum sairia em defesa de Daniel Silveira deixando-o ao desamparo, os deputados bolsonaristas, os mais radicais, porém sinceros, só acreditaram que seria assim quando viram o líder do governo na Câmara mudar bruscamente de posição como uma biruta.
Na última terça-feira, Ricardo Barros (PP-PR) anunciou: “Como parlamentar, votarei pela soltura do deputado Daniel Silveira; pela liberdade de expressão, de opinião e pela imunidade parlamentar, direitos garantidos na constituição federal. O impasse é entre legislativo e judiciário. O governo não faz parte da questão”.
Ontem, embora tenha repetido que votaria a favor de Silveira, deu o sinal que esfriou de vez o ânimo dos bolsonaristas que ainda alimentavam a esperança de libertar o colega preso: apostou logo cedo que cerca de 350 deputados apoiariam a decisão do Supremo Tribunal Federal (foram 364). E fez questão de destacar:
– O governo não está nisso, não se manifesta nesse assunto, que é entre Legislativo e Judiciário.
Bolsonaro sabe que os deputados que o seguem devem seus mandatos a ele, e não o contrário. E que terão de engolir o que ele quiser. Para completar a desdita dos órfãos, Arthur Lira (PP-AL), recém-eleito presidente da Câmara com os votos deles, também não moveu uma palha para beneficiar Silveira.
Um duplo abandono.
Bolsonaro rasga outra vez a fantasia que Paulo Guedes lhe vestiu
“Boa tarde, Venezuela!” (Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central, minutos depois de saber da intervenção de Bolsonaro na Petrobras)
De Jair Bolsonaro, dizem, e com razão, que ele se elegeu presidente e que governa sem dispor de um projeto para o país. Isso não o incomoda por ser a pura verdade. Mas faça-lhe justiça: ele é o único presidente da República desde o fim da ditadura militar de 64 que assumiu o cargo sabendo desde o primeiro dia exatamente o que queria – a reeleição. Nada mais importa.
Fernando Collor tinha um sonho: reeleger-se, trocar o presidencialismo pelo parlamentarismo e governar depois como primeiro-ministro. Mas era apenas um sonho pelo qual ele mal teve tempo de se empenhar, pois caiu rapidamente. Fernando Henrique Cardoso só começou a levar a sério a ideia da reeleição depois que ela cresceu dentro do Congresso.
De início, Lula fingia desdenhar da reeleição. E com o escândalo do mensalão do PT, tomou um porre, ameaçou renunciar e não se julgou capaz de governar por mais quatro anos. Foi quando o PSDB e outros partidos que se lhe opunham adotaram a célebre fórmula de deixá-lo sangrar ao invés de tentar tirá-lo via impeachment. Ao invés de sangrar até o fim, ele recuperou-se.
Dilma? Nem ela contava em se candidatar a presidente. Foi empurrada por Lula rampa acima do Palácio do Planalto. Gostou tanto do poder que contrariou Lula e o PT, bateu o pé e invocou o direito à reeleição. Outra vez, Lula a empurrou rampa acima. Então ela pedalou a Lei de Responsabilidade Fiscal, a exemplo dos seus antecessores, e não completou o mandato.
Bolsonaro não está nem aí para esse negócio de responsabilidade fiscal, pandemia que matou quase 244 mil brasileiros e infectou mais de 10 milhões, e vacina que, mal apareceu, começa a faltar. O ritmo de vacinação aqui é 70% inferior ao dos Estados Unidos. Bolsonaro preocupa-se com os caminhoneiros e lhes ofereceu a cabeça do presidente da Petrobras, Roberto Castelo Branco.
Saiu de cena mais um nome do time do ministro Paulo Guedes, o avalista de Bolsonaro junto ao “mercado”, que lhe meteu pescoço abaixo a fantasia de liberal quando Bolsonaro sempre foi e sempre será um estatizante. Entra o general Joaquim Silva e Luna, ex-ministro da Defesa. A Petrobras é ligada à área do ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, um almirante.
Bolsonaro militariza cada vez mais o governo não só porque espera contar com a farda se um dia se vir tentado a dar um golpe, o que não sai dos seus planos. Militariza também porque pessoas qualificadas, independentes, que teimam em não renunciar ao que pensam não se dispõem tão facilmente a participar do seu governo. Ele quer ao seu lado quem lhe diga amém, missão cumprida.
O valor das ações da Petrobras caiu depois que Bolsonaro, na live da última quinta-feira no Facebook, anunciou que o governo deixará de arrecadar mais de 3 bilhões de reais em apenas dois meses para poder zerar os tributos federais no diesel. Sim, mas e daí? Isso é mais um golpe na bandeira de ajuste fiscal defendida pelo ministro da Economia junto ao Congresso. Sim, mas e daí?
E justo no momento em que Guedes exige corte de despesas como contrapartida para renovar o auxílio emergencial. Sim, mas e daí? Bolsonaro disse recentemente que o país estava quebrado e que ele não tinha muito o que fazer. De fato, mas e daí? Afinal, reeleição acima de tudo, só abaixo de Deus! E mesmo assim a depender, porque a fé de Bolsonaro é só para enganar evangélicos.
Quanto a Guedes, o estilista frustrado… O que dirá à sua turma? O que dirá aos que acreditaram que o capitão cloroquina, antes de se eleger, era um liberal enrustido? Pedirá as contas? Nunca. Dirá que da Petrobras, cuida o almirante ministro, não ele. Guedes sempre foi um bom ganhador de dinheiro que o mundo acadêmico jamais reconheceu como um bom economista. Vai ficando.
Ricardo Noblat: Sinceros votos de que o deputado Daniel Silveira dê-se mal
Para que sirva de exemplo
Não basta que logo mais à tarde a Câmara confirme a decisão unânime do Supremo Tribunal Federal de mandar prender o deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) que atentou contra o Estado de Direito em vídeo que ele mesmo gravou e postou nas redes sociais.
Para que provas a mais do seu crime? O vídeo é prova cabal, indesmentível de que ele é um criminoso confesso. Nunca antes na história democrática deste país um parlamentar pregou tão acintosamente o desrespeito à Constituição e aos seus zeladores.
Nem basta que na próxima semana o Conselho de Ética da Câmara, inativo há tantos meses, conclua que Silveira feriu o decoro parlamentar e deve ter seu mandato cassado. É preciso que o plenário da Câmara casse o mandato e que a Justiça o condene.
O tratamento dado a Silveira deve servir de exemplo aos que conspiram para cancelar mais uma vez a democracia, sejam eles vivandeiras de quartéis ou militares. Um traço no chão para além do qual ninguém se arrisque a ir imaginando que ficará impune.
Foi o bolsonarismo que pariu um feto mal formado como é Silveira. Com o agravante, no seu caso, de que ele acabou se elegendo deputado federal apesar da folha corrida repleta de antecedentes criminais. Não serviu para vestir a farda da polícia.
Por que serviria para ganhar um assento no Congresso? Atos de violência física pontuaram toda a sua trajetória até aqui. Ousou dar um salto mortal, sem rede, ao enveredar pelo caminho estranho para ele da violência verbal. Está aí um corpo estendido no chão.
Faltaram a Silveira a cultura, a sutileza, o domínio das palavras e, principalmente, a farda que permitiram ao general Villas Bôas, à época comandante do Exército, interferir com sucesso no resultado de um julgamento do Supremo. Foi em abril de 2018.
Tanto o deputado quanto o general afrontaram a Constituição. A diferença é que um tinha tropas bem armadas para atender ao seu chamado – o outro tinha nada. Por ignorante, acreditou que o direito à livre manifestação o liberava para dizer o que quisesse.
De nada adiantou a Jair Bolsonaro invocar o direito à livre manifestação e a imunidade parlamentar para se livrar de ações no Supremo. Ali, ele é duas vezes réu por incitamento ao estupro. Os processos voltarão a andar depois que deixar a presidência.
O gato escaldado tem medo de água fria. Bolsonaro já quis confusão com o Supremo, não quer mais. Por ser réu e porque seus filhos investigados poderão ser promovidos à igual condição. Daí o seu silêncio exemplar e barulhento quanto à sorte de Silveira.
Ricardo Noblat: Acordão para salvar o mandato de Silveira será testado hoje
Silêncio de Bolsonaro não significa indiferença
A princípio, Jair Bolsonaro pouco estaria se lixando para o destino do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), preso por decisão unânime do Supremo Tribunal Federal depois de atentar contra o Estado de Direito. Faz parte do DNA do presidente largar no campo de batalha aliados que se tornam incômodos. Para os filhos, suspeitos de crimes, a regra não vale. Por eles, mata e é capaz de morrer.
Mas Silveira, a essa altura, por tudo que já disse e fez, espelha melhor do que ninguém a extrema direita que apoia Bolsonaro desde que ele se elegeu vereador pelo Rio e passou quase 30 anos como deputado federal. Bolsonaro teme perder parte desse apoio se nada fizer em favor de Silveira, e, pior: se sua turma mais radical, por medo, deixar de se opor com estridência ao Supremo.
Bolsonaro nada disse ainda sobre a prisão de Silveira, mas por interpostas pessoas, agiu em sua defesa. Aprovou a iniciativa de Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, de acionar o desativado Conselho de Ética da Casa para aplicar algum tipo de punição a ele que não seja a cassação do seu mandato. Quem sabe assim o Supremo não se daria por satisfeito e relaxaria a prisão?
Aprovou também a iniciativa da Procuradoria-Geral da República de denunciar Silveira por quatro crimes: praticar agressões verbais e graves ameaças contra ministros do Supremo em direito próprio; incitar o emprego de violência e grave ameaça para tentar impedir o livre exercício dos Poderes Legislativo e Judiciário; e incitar a animosidade entre as Forças Armadas e o Supremo.
O diabo, porém, mora nos detalhes: a Procuradoria não pediu a prisão preventiva de Silveira apesar das pesadas acusações que lhe fez. Pediu que ele seja monitorado por meio de uma tornozeleira, que se recolha em seu domicílio à noite e que seja proibido de frequentar as dependências do Supremo. Que tal? É uma isca para que haja um acordo entre o tribunal e a Câmara.
Quando o ex-ministro Sérgio Moro acusou Bolsonaro de intervenção na Polícia Federal, a Procuradoria requereu ao Supremo a abertura de inquérito contra o presidente. O ministro Celso de Mello autorizou. As investigações se arrastam há meses. É pule de 10 que a Procuradoria concluirá pela inocência de Bolsonaro e arquivará o inquérito. Assunto encerrado.
Está marcada para esta tarde a audiência de custódia do deputado. Nela, o ministro-relator, Alexandre de Moraes, pode decidir se a detenção será mantida, se ele será libertado ou se a prisão será revertida em medida cautelar do tipo: uso de tornozeleira eletrônica, afastamento do mandato, proibição de se relacionar com outros investigados no mesmo inquérito.
Uma vez que os 11 ministros do Supremo concordaram com a prisão de Silveira, por que relaxá-la 24 horas depois? O que ontem pareceu tão grave a ponto de se mandar a Polícia Federal atrás de um parlamentar, hoje simplesmente deixaria de ser? Justiça é para aplicar a lei, não para participar de tenebrosas transações. O que está em questão é o Estado de Direito. Foi ou não violado?
Que fique com a Câmara, inoculada pelo germe do corporativismo, o ônus de livrar a cara de Silveira se assim preferir. A coleção de vídeos gravados por ele, e mensagens postadas nas redes sociais servirão como provas de que neste país se pode desrespeitar a Constituição e ferir o decoro e, no entanto, escapar sem sofrer maiores danos. Por falar em decoro…
Seja bem-vindo de volta ao Congresso o senador Chico Rodrigues (DEM-RR) que entrou de licença por 121 dias depois que a Polícia Federal o flagrou com mais de 30 mil reais escondidos dentro da cueca. Seu caso não foi analisado até hoje pelo Conselho de Ética da Casa. O Senado passou os últimos quatro meses com 80 integrantes. Vida que segue, como se nada tivesse acontecido.
Merval Pereira: Operação abafa
Uma entrevista do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso ao historiador Marco Antonio Villa está viralizando nas redes sociais, como contraponto à campanha de tentativa de desmoralizar a Operação Lava-Jato, com o objetivo de anular a condenação do ex-presidente Lula pelo então juiz Sergio Moro por parcialidade no processo do triplex do Guarujá, sentença que foi confirmada no Tribunal Regional Federal em Porto Alegre e no Superior Tribunal de Justiça (STJ) em Brasília.
Segundo Barroso, há uma “operação abafa” em curso, por meio da aliança de todos os setores para enterrar ações de combate à corrupção. Ele já havia abordado esse tema, entre outros, no livro “Sem data venia”, publicado pelo selo História Real, coordenado por Roberto Feith na editora Intrínseca. Para Barroso, referindo-se às mensagens roubadas dos celulares de procuradores de Curitiba, o problema não é “alguém ter dito uma frase inconveniente ou não. É que estão usando esse fundamento pra tentar destruir tudo que foi feito, como se não tivesse havido corrupção”.
No livro, Barroso desenvolve a tese de que há em curso no Brasil “um esforço imenso para capturar a narrativa do que aconteceu no país”, fazendo uso “de provas ilícitas, produzidas por criminosos, Deus sabe a soldo de quem”.
Ele classifica esse como um “processo de tentativa de reescrever a História, com tinturas stalinistas”, e ironiza: “Só falta a criação de um Ministério da Verdade, como na obra ‘1984’, de George Orwell, que vivia de reescrever a história a cada tempo, modificando os fatos”.
No livro, e também na entrevista a Marco Antonio Villa, Barroso relata os fatos, “para que não se perca a memória do país”: “a) Eu ouvi o áudio do senador pedindo propina ao empresário e indicando quem iria recebê-la, bem como vi o vídeo do dinheiro sendo entregue; b) eu vi o inquérito em que altos dignitários recebiam propina para atos de ofício, abriam offshores por interpostas pessoas e, sem declará-las à Receita, subcontratavam empresas de fundo de quintal e tinham todas as despesas pagas por terceiros; c) eu vi o deputado correndo pela rua com uma mala de dinheiro com a propina recebida, numa cena que bem serve como símbolo de uma era; d) todos vimos o apartamento repleto com 51 milhões de reais, com as impressões digitais do ex-secretário de Governo da Presidência da República no dinheiro; e) eu vi, ninguém me contou, o inquérito em que o senador recebia propina para liberação dos pagamentos à empreiteira pela construção de estádio; f ) todos vimos o diretor da empresa estatal que devolveu a bagatela de R$ 182 milhões; e g) todos vimos a usina que foi comprada por US$ 1,2 bilhão e revendida por menos da metade do preço”.
Barroso compara o que está acontecendo aqui com o que aconteceu na Itália, na Operação Mãos Limpas, que acabou sendo neutralizada por ações do governo e do Congresso: “Como seria de esperar, o enfrentamento à corrupção tem encontrado resistências diversas, ostensivas ou dissimuladas. Em primeiro lugar, as denúncias, processos e condenações têm atingido pessoas que historicamente não eram alcançadas pelo direito penal. (...) Tem-se, assim, a segunda situação: muitas dessas pessoas, ocupantes de cargos relevantes na estrutura de poder vigente, querem escapar de qualquer tipo de responsabilização penal”.
Para Barroso, “a articulação para derrubar a possibilidade de execução das condenações criminais após a segunda instância foi o momento mais contundente da reação, logrando obter a mudança de posição de dois ministros do Supremo que, antes, haviam sido enfaticamente favoráveis à medida”.
Barroso, no entanto, mantém uma visão otimista do processo — ele se diz “realista” —, acreditando que é menos provável que aconteça aqui o que aconteceu na Itália, por várias razões que elenca no livro: “Sociedade mais consciente e mobilizada; imprensa livre e plural; e Judiciário independente e sem laços políticos, ao menos na primeira e na segunda instâncias (apesar de ainda ser extremamente lento e ineficiente)”.
Ricardo Noblat: Fux mata no peito as revelações do general Villas Bôas
Fachin sai em socorro do tribunal
Ainda no governo Lula, em campanha para ser indicado ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux deu uma resposta famosa à pergunta que lhe fez o então deputado João Paulo Cunha (SP) sobre como votaria no processo do mensalão do PT:
– Esse assunto eu mato no peito porque eu conheço. E sei como tratar.
Foi Dilma, em fevereiro de 2011, que o indicou para o Supremo. Ali, Fux votou pela condenação dos réus do mensalão – inclusive João Paulo Cunha e José Dirceu que lhe fizera também a mesma pergunta e recebera a mesma resposta.
Atual presidente do Supremo, Fux tem sido alvo de críticas de colegas por não ter reagido às revelações do general Eduardo Villas Bôas sobre a nota de ameaça que fez ao tribunal antes do julgamento que negou em 2018 pedido de habeas corpus em favor de Lula.
“O silêncio de Fux foi a maneira que ele encontrou de matar o assunto no peito”, este blog ouviu de um ministro. Foi por isso que o ministro Luiz Fachin resolveu falar. Classificou de “intolerável e inaceitável” a interferência militar no Judiciário.
De Fachin, diz-se que levou três anos para condenar a interferência. Acontece que, à época, pelo tribunal, falou Celso de Mello, o mais antigo dos ministros:
– O respeito indeclinável à Constituição e às leis da República representa o limite intransponível a que devem se submeter os agentes do Estado, quaisquer que sejam os estamentos a que eles pertencem.
Ricardo Noblat: O general Villas Bôas e o labirinto em que se meteu
Nota para intimidar o Supremo Tribunal Federal era mais incendiária do que foi
Reverenciado pela oposição e a mídia como um líder moderado e defensor da democracia à sua época de comandante do Exército, o general Eduardo Villas Bôas conta em livro de memórias que a nota que divulgou em abril de 2018 para coagir o Supremo Tribunal Federal a não beneficiar Lula era mais incendiária na versão original. Deixou de ser por pressão de seus colegas.Três ministros do governo Bolsonaro, todos, hoje, generais da reserva, foram consultados sobre a nota e, segundo Villas Bôas, o aconselharam a amenizá-la: Joaquim Silva e Luna, atual diretor-geral de Itaipu; Fernando Azevedo, então chefe do Estado Maior e agora ministro da Defesa, e Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria do Governo. Ramos respondia pelo Comando Militar do Leste.
No dia 4 de abril daquele ano, a seis meses do primeiro turno da eleição presidencial, o Supremo julgaria uma ação que, se aceita, revogava a possibilidade de prisão de condenado em segundo instância. Lula já fora condenado em segunda instância no processo do tríplex do Guarujá. Se o Supremo recusasse a ação, ele poderia ser preso e ficar impedido de concorrer com Bolsonaro.
A versão suavizada da nota de Villas Bôas, postada no Twitter na véspera do dia do julgamento, foi uma clara advertência aos ministros do Supremo: “Nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do País e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais?”
E concluía sem ter o cuidado de disfarçar a intenção golpista do seu autor: “Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais”. Imagine a versão abortada da nota original…
Uma vez que o Supremo, por 6 votos contra 5, manteve a prisão de condenado em segunda instância, Lula foi preso e levado para Curitiba em 7 de abril, ali permanecendo por 580 dias. Liderou as pesquisas de intenção de voto até meados de agosto. Apoiou então a candidatura de Fernando Haddad. Bolsonaro venceu Haddad no segundo turno. Villas Bôas e os generais celebraram a vitória.
Missão que se propuseram (evitar que a esquerda voltasse ao poder), missão cumprida com êxito! Villas Bôas reconhece que Lula como presidente foi generoso com as Forças Armadas dando-lhes dinheiro para a compra de equipamentos. Critica Dilma por ter instalado a Comissão Nacional da Verdade que investigou casos de tortura e de mortos pela ditadura militar de 64.
A ojeriza dos militares brasileiros à esquerda é uma questão ideológica que data do início do século passado. A revolução comunista russa foi em 1917. O Partido Comunista do Brasil é de 1922. Em 1935, uma intentona comunista tentou depor o governo de Getúlio Vargas, mas fracassou. Na 2ª Guerra Mundial, militares brasileiros e comunistas russos lutaram contra Hitler.
Logo depois começou a chamada Guerra Fria entre os Estados Unidos e seus aliados, um deles o Brasil, e a União Soviética e seus aliados. Capitalismo x comunismo. A União Soviética desmoronou em 1991. O mundo tornou-se unipolar. A China se diz comunista, mas é tão capitalista quanto os Estados Unidos e, em breve, sua economia será a maior do planeta.
O comunismo, hoje, resiste em Cuba, na Coreia do Norte e onde mais? Serve de espantalho a governantes autoritários que querem se perpetuar no poder, e aos seus apoiadores, fardados ou não. Serve também de aríete para corroer a democracia mundo afora.
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CPI é sempre um suplício para qualquer governo
Rodrigo Pacheco, mineiro sem sotaque nascido em Rondônia, há 12 dias presidente do Senado, enfrentará na próxima quinta-feira dois compromissos incômodos. O primeiro: recepcionar seu colega de DEM, o senador Chico Rodrigues, que em outubro passado licenciou-se do mandato por 121 dias. O segundo: decidir se instala ou não a CPI da Pandemia requerida pela oposição.
Será mais fácil para Pacheco riscar de sua agenda o primeiro compromisso do que o segundo. Chico Rodrigues licenciou-se depois de preso pela Polícia Federal escondendo pouco mais de 33 mil reais dentro da cueca – parte deles entre as nádegas, vejam só. A licença serviu para que ele driblasse o risco de ser processado por quebra de decoro parlamentar.
Não era lá um grande risco – os colegas estavam dispostos a protegê-lo e o Conselho de Ética do Senado está desativado há mais de um ano. Mas era aconselhável que ele saísse de cena para esfriar o escândalo. Tudo passa, passará, a memória coletiva é fraca, e são tantos os casos de políticos envolvidos com corrupção que um a mais ou a menos não fará diferença.
Se tivesse dependido unicamente de Rodrigues, não haveria licença. Jurou ser inocente e achou que isso bastava. A haver licença, de início concordou que fosse por 90 dias. Ao descobrir, porém, que o afastamento por até 120 dias dispensa a posse do suplente, licenciou-se por 121 dias – e assim o suplente ocupou seu lugar com direito a salário e tudo mais. O suplente era seu filho.
O segundo compromisso de Pacheco é impostergável. O pedido da CPI da Pandemia foi assinado por 32 senadores – cinco a mais do que o mínimo necessário. Pacheco deu tempo ao governo para convencer quem quisesse a retirar sua assinatura. Aconselhou ao presidente Jair Bolsonaro que mandasse o ministro Eduardo Pazuello, da Saúde, explicar-se em sessão do Senado.
Foi um vexame – para o governo e para o ministro. A sessão durou cinco horas. Pazuello entrou no Senado com um tamanho de médio para baixo e conseguiu sair menor. Em certo momento, chegou a falar grosso como um general a dar ordens a cadetes indisciplinados. Desculpou-se em seguida. Acabou enquadrado por alguns senadores que reduziram a pó suas explicações furadas.
CPI é um caso sério. Políticos experientes costumam repetir que se sabe como começa uma CPI, mas nunca como termina. É por isso que governos de todas as cores pagam caro para abortar CPIs. Pagam pela retirada de assinaturas, pagam para indicar os integrantes da comissão, pagam para que não lhes criem embaraços, pagam por um relatório final que dê em nada.
E mesmo assim, sentem-se inseguros por meses a fio. É um verdadeiro suplício.
Ricardo Noblat: Os fatos teimam em contrariar Bolsonaro e Pazuello
Pandemia avança apesar da brigada da cloroquina
Na Sessão Mentiras das quintas-feiras no Facebook, o presidente Jair Bolsonaro voltou a bater de frente com a verdade ao negar que o governo tivesse encomendado à Fundação Oswaldo Cruz a produção de comprimidos de cloroquina para uso contra a Covid-19. Segundo ele, a cloroquina seria empregada no tratamento de outras doenças como malária e lúpus.
Acontece que a Folha de S. Paulo e a TV Globo tiveram acesso a documentos do Ministério da Saúde, de 29 de junho e de 6 de outubro do ano passado, que mostram a encomenda de 4 milhões de comprimidos de cloroquina, e também de fosfato de oseltamivir (o Tamiflu) a serem distribuídos entre infectados pelo vírus. Não há comprovação científica de que tais remédios sejam eficazes.
“Está uma polêmica muito grande sobre hidroxicloroquina, fabricou a mais, gastou, era dinheiro do Covid, não era”, disse Bolsonaro. “Pessoal, tem a Covid, outras doenças continuam. Não é só ela. A malária continua. O lúpus continua. Nós temos aqui, em média, 200 mil casos de malária no Brasil. Muita gente na Amazônia toma”. Manobra diversionista desmentida pelos fatos.
Outro documento do Ministério da Saúde, este enviado ao Ministério Público Federal no dia 4 de fevereiro, aponta a distribuição de cloroquina produzida pela Fundação Oswaldo Cruz a pacientes com Covid-19, e não dentro do programa nacional de controle da malária, como originalmente previsto. Para sustentar uma mentira, o governo é obrigado a dizer outra, e outra, e outra…
No Facebook, Bolsonaro fica à vontade porque fala sozinho, e o que quer. Os que aparecem ao seu lado estão ali para lhe dar razão e reforçar sua palavra. Entrevistas coletivas ele só concede a grupos de jornalistas e a emissoras de rádio e de televisão que compartilham suas ideias ou que estão sempre dispostos a ajudá-los. Esse, por sinal, é o sonho de consumo de todo governante.
Infelizmente para o ministro Eduardo Pazuello, da Saúde, nem sempre ele dispõe de ambientes tão pacíficos. Como há número suficiente de assinaturas para a instalação de uma CPI no Senado sobre a pandemia, Bolsonaro mandou que ele fosse até lá se explicar. O general foi e pouco ou nada convenceu. Se não houver CPI, Bolsonaro deverá mais um favor ao Centrão.
A certa altura da sua exposição sobre os acertos do governo no combate à pandemia, Pazuello foi aparteado pelo senador Eduardo Braga (MDB-AM) que reagiu sem disfarçar sua indignação:
– Senhor ministro, não está tudo bem, não está tudo certo e não foi feito tudo que poderia ser feito. Lá no início de dezembro, eu já dizia a vossa excelência que nós iríamos enfrentar uma onda no Amazonas muito grave. Lhe sugeri, inclusive, que assumisse uma unidade hospitalar no Amazonas diante da comprovação da ineficiência do governo do meu Estado quando da primeira onda.
Covardia de Bolsonaro expor seu ministro dessa maneira. Pazuello é especialista em logística militar. Teve a humildade de confessar que só soube o que é o Sistema Único de Saúde (SUS) depois de ter sentado na cadeira de ministro. E, uma vez ali, por melhores que sejam suas intenções, ele se ressente da falta de conhecimentos médicos e administrativos, e sua autonomia é quase nenhuma.
Fala o que os outros o orientam a falar – e, muitos dos que o orientam, são militares como ele, recém-chegados ao Ministério da Saúde. Profissionais da área técnica do ministério, os mais antigos e experientes, estão no freezer. Não são ouvidos pelo ministro e sua turma. E se tentam ser, acabam afastados ou simplesmente calados. Enquanto isso, a pandemia segue em frente.
Dos 5.570 municípios brasileiros, só 135 têm uma população maior do que o número de vidas perdidas para a Covid até agora, segundo a edição de ontem do Jornal Nacional. De quarta-feira dia 10 para a quinta-feira dia 11, foram registradas 1.452 mortes por Covid, o maior número desde 29 de julho. O Brasil tem 236.397 vítimas da Covid e quase 10 milhões de casos confirmados.