Ricardo Noblat

Ricardo Noblat: A intervenção desarmada

O risco de tutelar o governo

Celebrem os comandantes militares se suas fardas saírem apenas levemente manchadas das eleições prestes a terminar. E se acautelem para que o pior não esteja por vir.

Pode ter colado até um dia desses a história de que o entusiasmo pela candidatura do capitão Jair Bolsonaro era coisa da tropa rude e ignara, jamais de oficiais com patente elevada.

Não cola mais. Oficiais da reserva de alto coturno assessoram Bolsonaro e participarão do governo caso ele se eleja. E às sombras, oficiais da ativa colaboraram com o candidato e torcem pelo seu sucesso.

O bolsonarismo infiltrou-se nas Forças Armadas como se fosse um vírus poderoso, e é. O sonho de um governo tutelado discretamente pela farda deixou de ser um sonho e está à vista de quem sabe enxergar.

Relatórios de inteligência produzidos por órgãos do governo e das três armas ajudam Bolsonaro a planejar seus movimentos de campanha e a selecionar futuros auxiliares. Nada de parecido havia acontecido até hoje.

A intervenção desarmada só servirá para enfraquecer a democracia submetida por aqui a estresses tão duros desde que foi restaurada há somente 33 anos.

Mesmo que ela resista a mais um teste, o eventual fracasso de um governo como o que se anuncia poderá causar estragos à imagem dos seus patrocinadores ocultos, dissimulados ou assumidos.

As Forças Armadas são a instituição de maior prestígio no país ao lado de outras poucas. Não há por que correr o risco de jogar fora o que conquistou com tanto empenho e sacrifício.

Cala a boca, Bolsonaro!
Um pouco de emoção faz bem

Quem se limitava a contar sem disfarçar o tédio os dias que faltavam para que o deputado Jair Bolsonaro (PSL) se elegesse presidente da República agora não poderá mais se queixar. Pelo menos até sábado, quando o Ibope divulgará sua última pesquisa de intenção de votos, haverá espaço para alguma emoção. Menos mal.

A pesquisa Ibope conhecida ontem só trouxe más notícias para o candidato que tinha a faixa presidencial ao alcance da mão. Sua vantagem sobre Fernando Haddad (PT) caiu quatro pontos percentuais. Aumentou a rejeição de Bolsonaro. E diminuiu o percentual dos que com certeza diziam que votariam. Não é nada, não é nada, mas pode ser.

Eleição só acaba quando acaba, cansam de repetir os que já acompanharam de perto muitas delas. Livros contam histórias de eleições que foram tratadas como decididas de véspera e que tiveram um desfecho surpreendente. Mas isso não quer dizer que Bolsonaro possa estar perto de perder seu favoritismo. Longe disso.

Bolsonaro tem tudo para vencer no próximo domingo, e com folga. Que ninguém se surpreenda se ele bater o recorde de Lula que em 2002 se elegeu com 62% dos votos válidos. Todos os fatores que impulsionaram sua candidatura ladeira acima permanecem vivos e em bom estado. Só o acaso poderia aprontar uma surpresa.

O acaso – ou melhor: a imprevidência – pode explicar o eventual freio na trajetória ascendente de Bolsonaro. Teve a denúncia de que notícias falsas poderão tê-lo beneficiado no esforço de se eleger direto no primeiro turno. Teve o vídeo de um dos filhos sobre como fechar o Supremo Tribunal Federal. E teve a fuga de Bolsonaro aos debates.

É impossível medir o efeito de cada um desses episódios sobre o desempenho do candidato. Mas algo de negativo aconteceu para que ele parasse de crescer. Certamente não foi nada que se possa atribuir a Haddad, um candidato de pouco brilho e, ainda por cima, sabotado dentro do próprio partido por aqueles que preferiam outro nome.

O mais recomendável seria que Bolsonaro fechasse a sua e a boca dos que o cercam para que nada saia dali de impróprio até o início da noite de domingo. A essa altura, Bolsonaro só perderá para Bolsonaro, ou para os filhos intrépidos, ou para os Mourões da vida. Por falar nisso, quando será preso o coronel que no YouTube prega o golpe?


Ricardo Noblat: Lula, de candidato a ventríloquo

À procura de um boneco. Ou mais uma jogada do guia genial

Procura-se um candidato a vice que se resigne a ser uma espécie de boneco de ventríloquo de Lula. Pode ser de carne e osso e movimentar-se como se fosse uma pessoa normal. Exige-se apenas que abra e feche a boca em sincronia com a voz do seu dono. E que faça tudo o que ele mandar até o fim da campanha eleitoral e, caso se eleja, até o último dia do mandato de presidente da República.

Se tivesse procedido dessa maneira, é bem possível que Dilma ainda fosse a locatária do Palácio da Alvorada, às vésperas de transferir a faixa presidencial para seu sucessor – provavelmente Lula. Mas ela rebelou-se e preferiu governar ao seu estilo, obedecer às próprias ideias, candidatar-se a um novo mandato quando não deveria, e aí deu no que deu. É história conhecida.

A senadora Gleisi Hoffmann, presidente do PT, tem o perfil do boneco ao gosto de Lula. O ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, menos, mas Lula poderá escolhê-lo à falta de algo melhor. Manuela d’Ávilla foi reprovada no primeiro teste. Lula queria que ela renunciasse primeiro à candidatura a presidente mesmo depois de lançada por seu partido.Só mais tarde seria indicada para vice.

Manuela talvez topasse. Quem não topou foi o Partido Comunista do Brasil (PC do B). Seria humilhação demais para os dois – Manuela e o partido. E se mais tarde, por qualquer razão, Lula desse o dito pelo não dito? Não foi assim com Marília Arraes, candidata do PT ao governo de Pernambuco? Lula disse que votaria nela se militasse por lá. Depois rifou sua candidatura.

Não se descarte a hipótese de que Lula acabe por não escolher boneco algum. Ou que só a escolha, vencido o prazo estipulado pela Justiça que termina hoje, e que ele quer prorrogar até o próximo dia 15 contra a opinião dos seus advogados. Mais uma afronta à Justiça que serviria a Lula para que se vitimizasse. Todavia, poderia ser também mais uma jogada bolada por ele de dentro do cárcere.

Sem candidato a presidente (e para Lula é inconcebível que o PT concorra ao cargo com outro nome), o partido usaria o que lhe cabe no milionário Fundo Partidário para financiar a eleição de deputados e senadores, preservando sua força no Congresso. Ainda sobraria grana para sustentar-se pelos próximos anos. Seria, digamos assim, uma nova versão do mensalão. O mensalão ponto três.


Ricardo Noblat: A arma do PT para tocar fogo no país

O perigo do caos institucional

Uma coisa é o PT, ante a possível decisão do Tribunal Superior Eleitoral de barrar a candidatura de Lula, lançar de imediato outro candidato a presidente para substituí-lo. Ou apoiar um nome de outro partido, o que parece improvável.

Outra, bem diferente, será o PT travar a partir daí uma batalha de recursos judiciais que poderá levar Lula a ser candidato, para que só depois das eleições se saiba se os votos colhidos por ele serão considerados válidos ou nulos.

O primeiro caminho é razoável, seja para dar conforto ao próprio Lula, condenado a 12 anos de prisão e encarcerado em Curitiba, seja para reforçar suas chances de transferir o maior número de votos para o candidato que venha a merecer sua benção.

O segundo caminho seria uma aposta no caos institucional. Imagine que Lula dispute a eleição e que se eleja. O que aconteceria mais tarde se a Justiça, em última instância, anulasse seus votos? Tomaria posse o candidato derrotado por ele. Que tal?

Há uma fatia grande do PT que investe no quanto pior, melhor. A prevalecer, é o que acontecerá. Salvo se a Justiça der um jeito de liquidar a situação no prazo mais curto possível. Por lenta e sujeita a injunções políticas, não será tão simples assim.

A estabilidade política do país – ou o risco de uma ruptura – está nas mãos do PT


Ricardo Noblat: Joaquim é o novo

Te cuida, Bolsonaro!

Espreme daqui, espreme dali, e são poucas as surpresas colhidas pela mais recente pesquisa de intenção de votos do Instituto Datafolha revelada nesta madrugada. A saber:

# O novo é Joaquim Barbosa;

# Marina Silva está bem à beça;

# Sem Lula no páreo, Bolsonaro não irá a lugar algum.

O juiz do mensalão filiou-se ao PSB há menos de 15 dias. Sem a garantia sequer de que será o candidato do partido à sucessão do presidente Michel Temer.

Mas bastou para mostrar que poderá ir longe. Nas grandes cidades, tem 12% das intenções de voto contra 6% de Geraldo Alckmin, candidato do PSDB. Empata com Alckmin no Sudeste.

Alckmin, Marina e Ciro Gomes já foram candidatos a presidente. Barbosa jamais disputou eleição, nem mesmo para síndico de prédio. Por ser negro, Lula o indicou para ministro do Supremo.

Com Lula preso e impedido de concorrer, Marina empata com Bolsonaro nas simulações de primeiro turno. E no segundo turno, vence Alckmin (por 27 pontos) e Bolsonaro (por 13 pontos).

Acendeu a luz vermelha no bunker de Bolsonaro, agora denunciado por crime racial. Ele corre o risco de até agosto, antes do início oficial da campanha, ser ultrapassado por Marina, Ciro e Barbosa.

Como o PT, Bolsonaro é também luladependente. Carece de apoio entre os maiores partidos. E seu tempo de propaganda no rádio e na televisão será ínfimo.

Alckmin vai como sempre, se arrastando e represado onde poderia ir bem pela candidatura de Álvaro Dias, do PODEMOS, que lhe subtrai algo como uns cinco milhões de votos no Sul.

Os dois aspirantes a substituir Lula como candidato, Fernando Haddad e Jaques Wagner, por ora patinam no fim da fila. Torcem para que Lula não seja esquecido e possa abençoar um deles.

Sim, em tempo: no país da jabuticaba, mais uma foi inventada – a de se testar em pesquisa as chances de quem está preso e não será candidato.

Lula perdeu parte dos votos que tinha na pesquisa anterior, de janeiro. Passou para 62% o percentual dos que não acreditam que ele será candidato. Sua prisão é considerada justa por 54%. Já era.

https://veja.abril.com.br/blog/noblat/joaquim-e-o-novo/


Ricardo Noblat: “Quero ser candidato a presidente da República”, diz Cristovam Buarque

O senhor é candidato a Presidente da República?

Cristovam: Quero ser. O momento exige que qualquer um de nós que está na política, e acha que tem o que dizer sobre o futuro do Brasil, ponha seu nome à disposição dos partidos. Ofereço o meu ao PPS.

Por que o senhor quer ser candidato?

Porque quando olho os candidatos que aí estão, não vejo nenhum deles refletir sobre duas coisas essenciais para o Brasil: o resgate da coesão nacional e a definição de um rumo de médio e longo prazo.

O senhor acha que terá o apoio do PPS?

Não sei ainda, mas vou tentar. Começo hoje.

O Presidente do seu partido, o deputado Roberto Freire (SP), disse que o senhor não tem voto para ser candidato à presidência da República.

Não vejo nenhum candidato que, hoje, tenha votos, salvo Lula e Bolsonaro que estão à frente das pesquisas. Os dois, que representam extremos, justificam a minha disposição para ser candidato. Bolsonaro tem saudades do autoritarismo. Lula, do populismo. São extremos antiquados, obsoletos.

Outro dia o senhor disse que não seria o João Doria de Roberto Freire...

Se Roberto for candidato a presidente pelo PPS, eu não serei. Ele tem uma cabeça moderna, pensa bem o país e acumula larga experiência política.

Mas a oposição dele ao seu nome não o inibe?

Não. Como posso desde já ter votos para presidente se é a primeira vez que digo com todas as letras que quero ser candidato? Fui candidato a presidente em 2006. Disputei com Lula no auge dele, com Geraldo Alckmin no auge do PSDB, e com Heloísa Helena no auge do charme da esquerda. Mesmo assim tive 2.5% dos votos.

O apresentador de televisão Luciano Huck pode entrar no PPS para ser candidato à sucessão de Temer.

A eventual entrada dele seria positiva para meu partido. Luciano goza de muita simpatia na opinião pública. Mas não estou convencido de que ele seria uma boa alternativa como candidato. Porque eu me pergunto: ‘Como seriam os primeiros dias de um governo Luciano Huck?’. O próximo presidente será o primeiro do terceiro centenário da nossa independência. Como que a gente vai construir uma economia eficiente? Uma educação eficiente e mais justa que não desperdice nenhum cérebro, nem de rico nem de pobre? O cérebro é o poço de petróleo do futuro. Não vejo ainda o Hulk apresentando propostas nesse sentido.

Como seriam os primeiros cem dias de um eventual governo do senhor?

O presidente e seus ministros devem ser os primeiros a dar bons exemplos. Um deles: austeridade. Ministros sem mordomias, comprometidos com o programa do governo, competentes. Presidente que não interfira no Banco Central, que logo comece a quebrar as amarras que dificultam os investimentos no Brasil. Presidente com prioridades sociais definidas - transferência de renda via o Bolsa Família, escolas de boa qualidade. Presidente que não seja demagogo. Que deixe claro que os principais problemas do país levarão mais de 20 anos para ser resolvidos.

A reforma da Previdência teria espaço no seu governo se ela não for feita antes ?

Lógico, quando nada por respeito à aritimética. Ainda não se descobriu como fazer dois mais dois virarem cinco. A Previdência quebrou.

Como seria sua relação com o Congresso?

Defendo que se faça um processo eleitoral plebiscitário. Não basta eleger um nome para presidente, mas um conjunto de propostas. Se for candidato como quero ser, apresentarei os primeiros decretos, os primeiros projetos de lei, as primeiras propostas da reforma da Constituição que assinaria se fosse eleito. Diante disso, acho que o futuro Congresso seria capaz, sim, de aprovar o que os eleitores já teriam aprovado antes.

E se não for candidato a presidente, concorrerá a mais um mandato de senador?

Pode até ser, mas isso, hoje, não está na minha cabeça. A presidência da República é que está.

 

 

 


Ricardo Noblat: Delenda Lava Jato

Temer ficou porque era melhor para todo mundo. Melhor para o Congresso acuado pela Lava Jato e interessado em extrair vantagens de um presidente fraco. Melhor para a oposição que imagina crescer batendo nele.

Melhor para os reais donos do poder satisfeitos com a sua agenda de reformas. Melhor até para a maioria dos brasileiros que o rejeita. Trocá-lo por quem? E a 15 meses de uma nova eleição?

As ruas não roncaram contra Temer porque não são tão bobas. Em junho de 2013, o ronco repentino e espontâneo surpreendeu governantes e partidos de todas as cores. Foi só um susto, contido pela ação violenta da polícia e dos black blocs.

Movimentos como aquele, sem líderes para conduzi-lo, sem pauta definida, esgotam-se como simples ventanias. Por vezes funcionam como aviso. Foi o caso.

A partir de 2015, as ruas roncaram forte contra Dilma pelas razões conhecidas – estelionato eleitoral, governo desastroso, recessão econômica com o desemprego de mais de 15 milhões de pessoas e a corrupção revelada pela Lava Jato.

O gatilho do impeachment foram os gastos não autorizados pelo Congresso e a maquiagem das contas públicas, uma clara violação da lei. De fato, Dilma caiu pelo conjunto da sua obra.

Temer foi acusado de corrupção. Seria o verdadeiro destinatário da mala com R$ 500 mil entregues pelo Grupo JBS ao então deputado Rocha Loures.

De fato, ele foi salvo por falta de alternativa e pelo conjunto da sua obra – a lenta recuperação da economia, a inflação quase negativa, a redução da taxa de juros, a compra de votos de deputados e a promessa de reformas que se forem feitas já virão tarde e pela metade.

Raros os deputados – Miro Teixeira (REDE-RJ) foi um deles – que discutiram a fundo e votaram com seriedade o pedido de licença para que a Justiça examinasse a denúncia de corrupção contra Temer.

Não será diferente se ele for de novo denunciado. É improvável que Rodrigo Janot tenha guardada alguma flecha de prata. Mas de prata ou de chumbo, se disparada ela paralisará o Congresso outra vez.

Neste país, corrupção não derruba presidente. Getúlio Vargas matou-se ao concluir que perdera apoio político para governar. Jânio Quadros renunciou para voltar depois como ditador. João Goulart foi deposto por um golpe militar.

A morte impediu a posse de Tancredo Neves. Fernando Collor governou de costas para os partidos. Se não fosse por isso teria completado o mandato. Dilma, também. Temer foi mais sabido.

A oposição ao governo havia anunciado que negaria quórum à sessão da Câmara. Só entraria no plenário se o governo tivesse conseguido reunir ali 342 deputados, o mínimo exigido para dar início à votação. Não foi assim.

Entrou o líder do PT a pretexto de participar da discussão da denúncia. Em seguida, mais três deputados do PT. A porteira havia sido aberta. O governo celebrou. Só contava com 263 deputados para votar.

Lula e Temer têm mais coisas em comum do que parece. Juntos comandam a Operação Delenda Lava Jato, um rol de iniciativas que visam a frear os avanços no combate à corrupção e, se possível, revertê-los.

Contam para isso com a ajuda de ilustres portadores de becas e de representantes das elites corruptoras e corrompidas. O Brasil velho de guerra estrebucha e resiste a ser passado a limpo. Continua de pé apesar das avarias.

A crise política ficou do mesmo tamanho. Poderá crescer com o que ainda está por vir.

 

 

 

 

 


Ricardo Noblat: PSDB, uma nau à deriva  

“A Lava-Jato tem de ter prazo de validade. Tudo tem de terminar.” FÁBIO RAMALHO (PMDB-MG), vice-presidente da Câmara

A nove dias da sessão da Câmara que decidirá sobre o pedido de licença para que o presidente Michel Temer seja julgado por corrupção, o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), o terceiro maior do país em número de filiados e o segundo em número de governadores e de ministros de Estado, ainda não sabe se é a favor ou contra. Por não saber, liberou seus 46 deputados para que votem como quiser.

A UM ANO DAS CONVENÇÕES que indicarão os candidatos à próxima eleição presidencial, o PT tem candidato — Lula. O PDT, também — Ciro Gomes. A REDE tem — Marina Silva. Até o minúsculo PSC tem candidato — Jair Bolsonaro, o segundo nas pesquisas de intenção de voto. O PSDB não tem. O governador Geraldo Alckmin (SP) quer ser. O prefeito João Doria (SP), também. E até os senadores José Serra (SP) e Aécio Neves (MG).

SERRA E AÉCIO, ENCRENCADOS com a Lava-Jato? Sim, eles mesmos. Serra prepara em segredo um programa de governo a ser apresentado ao partido no próximo ano, caso tenha chances de ser candidato. Afastado do mandato e reconciliado com ele por decisão da Justiça, Aécio enfrenta o pior momento de sua trajetória política com a certeza de que poderá se recuperar se não for atropelado por nenhuma nova denúncia de corrupção.

TEMER E SEUS PRINCIPAIS conselheiros dão como certo o desembarque do PSDB do governo — em breve, ou no início de 2018. E estão atrás de nomes de outros partidos para substituir os quatro ministros do PSDB e seus filiados que ocupam cargos nos diversos escalões da administração federal. O PSDB ainda não sabe se desembarcará, e quando. Se dependesse do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, seria logo.

SE DEPENDER DE ALCKMIN, Serra e Aécio, nem tão cedo. Ou talvez só depois das eleições, a ver mais adiante. Se dependesse de larga fatia dos deputados federais e do presidente em exercício do partido, o senador Tasso Jereissati (CE), já teria desembarcado. Tasso e Doria querem abreviar a condição de Aécio de presidente licenciado do PSDB. Alckmin, Serra e demais cardeais do partido não querem.

RECEIAM O QUE AÉCIO sabe e possa dizer sobre como os candidatos do PSDB financiaram suas campanhas nas eleições passadas. Ele está a par de tudo. Mais do que isso: como candidato a presidente da República em 2014 e como presidente do partido em 2016, foi Aécio quem se encarregou de arranjar e de repassar dinheiro para as principais campanhas. Além do temor, há uma dívida de gratidão com ele.

É POR ISSO QUE O ALTO comando do PSDB se reúne, discute qualquer assunto, dá palpites na vida de outros partidos, pressiona o governo, mas não trata da situação de Aécio. Em sua mais recente reunião, em São Paulo, na presença de Aécio, Doria cobrou enfaticamente a retirada dele do cargo. Tasso nada disse. Os demais criticaram a atitude de Doria, inclusive Alckmin, que já desejou presidir o PSDB.

POR MAIS QUE NEGUE, Alckmin está para lá de incomodado com a pretensão de Doria de desbancá-lo como possível candidato do partido à sucessão de Temer. Doria finge desconhecer o incômodo, e jura que jamais disputará com Alckmin uma eventual prévia para a escolha do candidato. Que prévia? Doria aposta que não haverá nenhuma. E que o candidato será aquele que pontuar melhor nas pesquisas.

O PSDB É UMA NAU À DERIVA, desgovernada. Não é sequer uma biruta de aeroporto que aponta para o lado que o vento sopra.

 


Ricardo Noblat: Retrato de um corrupto

“Não importa o quão alto você esteja, a lei ainda está acima de você”. Ditado que SERGIO MORO usou em sentença para condenar Lula. Lula é corrupto. É o que ele é até sentença em contrário. Continuará a ser caso a Justiça em segunda instância confirme a decisão do juiz Sergio Moro que o condenou a nove anos e seis meses de prisão. Então ficará impedido de assumir cargos públicos por sete anos. No caso do tríplex do Guarujá, Lula incorreu em dois crimes: corrupção passiva e lavagem de dinheiro. É réu em mais quatro processos.

LULA INSISTE EM DIZER
que somente o povo tem o direito de julgá-lo. Como se o exercício do voto em uma democracia dispensasse a existência da Justiça. Prega o desrespeito às leis uma vez chancelado pelo povo. Se não reconhece que o mensalão existiu, por que admitir os crimes de que o acusam? Mente sem pejo. Na política, a verdade é tudo aquilo que os políticos querem vender como tal.

GETÚLIO VARGAS CHAMOU
de “Estado Novo” o regime autoritário que comandou entre 1937 e 1946. Jânio Quadros morreu repetindo que renunciara à presidência devido à ação de “forças terríveis”. Fê-lo para voltar com poderes ilimitados. Ao golpe militar de 1964, responsável pela morte e o desaparecimento de 434 pessoas, os militares deram o nome de “revolução” e ainda hoje o festejam assim.

PARA TENTAR SOBREVIVER,
Lula jamais abdicará do papel de vítima. Foi vítima do destino ao nascer de mãe analfabeta e de pai mulherengo que a deixou com oito filhos; da seca do Nordeste que o fez embarcar em um pau de arara com destino ao sul do país; da miséria na periferia da capital de São Paulo; do torno mecânico que lhe amputou um dedo; da ditadura que o perseguiu; e por fim do preconceito das elites.

É INOCENTE DOS SEUS ATOS.
De não ter estudado por alegada falta de tempo; de não ter se preparado para entrar na vida pública confiando na própria intuição; do seu primeiro governo ter pagado propinas a deputados; de seu segundo governo ter parido o maior escândalo de corrupção da história do país; de ter elegido um poste que acabou no chão; e de ter construído uma fortuna à base de obséquios.

VALEU-SE DA ESQUERDA
para alcançar o poder. Governou com a direita, os 300 picaretas que identificou no Congresso, e outros tantos que ajudou a criar. Emparedado pela Justiça, tirou a fantasia de Lulinha Paz e Amor, autor da Carta aos Brasileiros, para vestir a da jararaca venenosa, de volta ao regaço da esquerda. Se ele ensaiava refletir sobre seus erros, o ensaio foi adiado. É refém dele. Seguirá refém

A CONDENAÇÃO DE LULA
por Moro imobiliza o PT e seus parceiros e unifica os políticos alvejados pela Lava-Jato. Todos torcem para que Lula seja bem-sucedido porque isso lhes abriria as portas para que também escapem da punição da Justiça e dos eleitores. A próxima eleição presidencial se dará mais uma vez à sombra de Lula, como a primeira depois de 21 anos de ditadura e como as posteriores.

SE ELE NÃO PUDER DISPUTÁ-LA,
seu apoio ainda valerá ouro para políticos carentes de votos (alô, alô, Renan Calheiros!). Se ele um dia defendeu José Sarney como “um homem incomum”, a merecer reverências, o mínimo que espera é ser tratado como o mais incomum dos homens, seja pela Justiça ou pelos crentes nas urdiduras do destino. Há que reconhecermos: Lula é de fato um homem especial.

PODERIA TER ENTRADO
para a História com a maior aprovação popular conferida a um governante. Preferiu entrar como o primeiro ex-presidente da República do Brasil condenado por corrupção.

 


Ricardo Noblat: À beira do precipício

“Chiste que caiu na internet: “El “comandante máximo”, todavia, soy yo!”
De Fidel Castro para Lula

Exagero se disser que o mundo quase desabou sobre a minha cabeça quando escrevi, em 2005, tão logo José Dirceu foi apontado como chefe do esquema do mensalão, que a denúncia contra ele carecia de provas convincentes. Apanhei feio dos leitores do meu blog. Amparava-me na opinião de meia dúzia de juristas que consultara — um deles o atual ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal.

DIRCEU FOI condenado como mensaleiro, mas absolvido da acusação de chefiar o esquema que subornou deputados para que votassem como o governo mandava. Passou quase um ano preso na penitenciária da Papuda, em Brasília. Foi preso novamente e condenado pelo juiz Sérgio Moro a 23 anos de cadeia por beneficiar- se do dinheiro desviado da Petrobras que enriqueceu empreiteiros e políticos.

UM ANO ANTES, ele havia profetizado em conversa com amigos: “De que serve toda a covardia que o Lula e a Dilma fizeram na ação penal 470 (a do mensalão) e estão repetindo na Lava-Jato? Agora estamos no mesmo saco, eu, o Lula, a Dilma”. Embora não cogite delatar, Dirceu valeu-se de recados nos últimos 11 anos para dizer que, se o mensalão e o petrolão tiveram um chefe, não foi ele.

AO JORNAL “O Estado de S.Paulo”, afirmou: “Nunca fiz nada que Lula não soubesse”. Ouvi dele antes do julgamento do mensalão: “Lula se disse traído, mas traído por quem? Por mim? Por Delúbio Soares (extesoureiro do PT)? Todo mundo sabe que Delúbio sempre foi muito mais ligado a Lula do que a mim. É homem dele, não meu”. Delúbio foi condenado a oito anos e 11 meses de prisão.

MAL LULA SE elegeu presidente pela primeira vez, batizou Dirceu de “capitão do time” que montara para governar. Mal o deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) detonou o escândalo do mensalão poupando ele, mas acusando Dirceu, Lula tratou de livrar- se do “capitão”. Despejou-o do governo. Quis convencê-lo a não assumir o mandato de deputado federal. Dirceu assumiu e foi cassado.

“LULA É UM político conservador, sempre foi. Mas seria o único meio que as esquerdas tinham de chegar ao poder ou de se aproximar dele. Acabou decepcionando a todos”, revelou-me Dirceu. “Ele deveria ter defendido o governo dele dizendo que o governo não era corrupto. Errou ao falar de traição. (…) É um indeciso. Não comanda, é levado. Só decide sob pressão”.

NEM SEMPRE é mal só decidir sob pressão. Atribui-se ao ex-presidente José Sarney uma frase que ele não disse: “Cinquenta por cento dos problemas não têm solução. E os outros cinquenta por cento se resolvem sozinho”. Sob pressão ou não, o mal está em decidir errado. Lula decidiu certo ao entregar a cabeça de Dirceu para salvar a sua. Reelegeu-se, elegeu Dilma e reelegeu-a.

DECIDIU ERRADO ao imaginar que só haveria um meio de manter o poder: deixando que roubassem e usufruindo do roubo. Seus comparsas reagiram com fúria aos procuradores da Lava-Jato que o nomearam “o presidente máximo, o general, o comandante” da organização criminosa responsável pelo mensalão e pelo petrolão, que não passaram de uma coisa só.

PARECEM ESQUECER que algo do mesmo tipo já fora dito por Rodrigo Janot, procurador-geral da República, em denúncia contra Lula e Dilma por obstrução da Justiça encaminhada ao Supremo Tribunal Federal em maio último. Janot afirma que Lula teve “papel central” na trama para tentar barrar a Lava-Jato. Se não fosse culpado, por que procederia assim? (O Globo – 19/09/2016)


Fonte: pps.org.br