Ricardo Noblat
Ricardo Noblat: Que saudade Bolsonaro sentirá de Dias Toffoli
O que Fux promete
A entregar pelo menos em parte tudo o que prometeu no seu discurso de posse, ontem, como novo presidente do Supremo Tribunal Federal, o ministro Luiz Fux fará o presidente Jair Bolsonaro sentir falta, muita falta do ministro Dias Toffoli.
Há dois anos, ao ser empossado no cargo que cedeu a Fux, Dias Toffoli prometera tirar o tribunal da boca do palco da política, reduzindo seu protagonismo. Fez o contrário. E surpreendeu seus pares e o próprio governo aliando-se a Bolsonaro.
Fux comprometeu-se também com uma “intervenção minimalista” em assuntos sensíveis. “Menos é mais”, enfatizou. Repetiu o truísmo da necessária independência entre Poderes, mas acrescentou: “Com altivez” e não com contemplação e subserviência.
Sentado ao seu lado e usando máscara porque todos, ali, também usavam, Bolsonaro não foi alvo de tratamento especial, nem de salamaleques. Ouviu do ministro Marco Aurélio Mello que deve governar para todos os brasileiros, e não só para os que o elegeram.
Ouviu de Fux, no trecho mais aguardado do seu discurso, uma defesa enfática do combate à corrupção. O ministro citou a Lava-Jato mais de uma vez, exaltando seus resultados. Fez por merecer o que o ex-juiz Sérgio Moro vaticinou em 2016:
– Excelente. “In Fux we trust” (‘em Fux nós confiamos’)
Histórias do Brasil
O alô do prefeito e o mico do general
Dez de março passado, uma segunda-feira. Manhã, bem cedo. Na casa do empresário Rafael Alves, na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, toca seu celular. Ao ouvir “alô”, o prefeito Marcelo Crivella (Republicanos), autor da chamada, foi logo perguntando:
– Bom dia, Rafael. Está tendo uma busca e apreensão na Riotur [empresa de turismo do município]? Você está sabendo?
Não foi Rafael que atendeu a ligação, mas o delegado Clemente Nunes Machado Braune, um dos responsáveis pela primeira fase da Operação Hades que investiga um esquema de pagamento de propinas a funcionários da prefeitura.
Naquele instante, a casa de Rafael estava sendo vasculhada por policiais em busca de documentos e de objetos. O delegado disse ao prefeito quem era e por que estava ali. Sem falar mais uma só palavra, Crivella desligou rapidamente.
Segundo o delegado, a forma de tratamento, o horário da chamada e o assunto em questão deixaram clara a relação de confiança entre o prefeito e o empresário, que teve o celular apreendido. Seu conteúdo deflagrou, ontem, a segunda fase da operação.
Desta vez, foram cumpridos 22 mandados de busca e apreensão, três deles em endereços de Crivella: seu apartamento na Barra da Tijuca, seu gabinete na sede da prefeitura, e o Palácio da Cidade, usado por ele para reuniões e eventos.
O prefeito estava em casa quando os policiais chegaram. Seu celular foi confiscado, embora, por orientação de advogados, ele tenha se recusado a fornecer a senha. Depois da batida, Crivella foi ao encontro do presidente Jair Bolsonaro num quartel da Marinha.
Ricardo Noblat: Ministério da Saúde inunda o país com hidroxicloroquina
Bolsonaro, o garoto propaganda da droga, agradece
Jamais se viu e dificilmente se verá algo que supere o absurdo protagonizado pelo presidente Jair Bolsonaro e os que o ajudam a governar ou a desgovernar o país. Verdade que ele seguiu os passos de Donald Trump a quem imita por falta de referência que mais o agrade. Verdade também que Trump recuou ao ver a enrascada em que se metera. Bolsonaro segue em frente como um celerado.
Em questão, o uso da hidroxicloroquina no combate a Covid-19. O mal começou a preocupar o mundo quando fez suas primeiras vítimas na China ainda em novembro do ano passado. Oito meses depois, não surgiu um único estudo científico que tenha comprovado a eficácia da droga contra a doença que ganhou status de pandemia. Nem por isso Bolsonaro desistiu dela.
A Organização Mundial de Saúde, em junho último, interrompeu os testes com o remédio para tratamento do coronavírus após revisão de estudos não atestar efeitos positivos. Um mês depois, a Sociedade Brasileira de Infectologia divulgou um comunicado em que propõe que as medicações com a hidroxicloquina sejam abandonadas “no tratamento de qualquer fase” da doença. E daí?
Daí que o governo não ligou a mínima. Durante a pandemia, o Ministério da Saúde quintuplicou a distribuição da droga a estados e municípios. E agora tenta desovar na rede pública doses em estoque doadas pelo governo dos Estados Unidos depois que Trump mudou de lado. Foi o que apurou o jornal Folha de S. Paulo por meio da Lei de Acesso à Informação.
De março a julho deste ano, já foram enviados 6,3 milhões de comprimidos de cloroquina, na dosagem de 150mg, para abastecer as unidades do Sistema Único de Saúde. Segundo o jornal, é 455% a mais do que o repassado no mesmo período do ano passado (1,14 milhão), quando a aplicação se dava apenas em terapias contra a malária e outras doenças.
Até julho, cerca de 5 milhões de comprimidos foram remetidos pelo ministério só para uso em pacientes com o novo coronavírus. As remessas cresceram em maio e junho graças ao papel desempenhado por Bolsonaro de garoto propaganda do remédio. No período, foram afastados dois ministros de Saúde contrários ao aumento do uso do medicamento – Mandetta e Nelson Teich.
Disciplinado, o atual ministro interino da Saúde, general Eduardo Pazuello, não se opôs à vontade de Bolsonaro. Missão dada, missão cumprida. No final de junho, o Ministério da Defesa informou que havia 1,8 milhão de comprimidos de cloroquina em estoque no Laboratório do Exército. O valor representa cerca de quase 20 vezes a produção anual da droga nos anos anteriores.
Ricardo Noblat: Fantasma de uma derrota acachapante nas eleições assombra o PT
2020 pode ser pior do que 2016
O fantasma das eleições municipais de 2016 volta a assombrar o PT e seu principal líder, Lula. Em 2012, o partido elegeu 11,4% do total de prefeitos do país. Foi um desempenho considerado de razoável para bom. Quatro anos depois, deu-se o desastre: o partido elegeu apenas 4,6% dos prefeitos. E nenhum nas capitais.
Nas eleições de novembro, o desempenho do PT ainda poderá ser pior. Centenas de pesquisas de intenção de voto já foram registradas até esta semana no Tribunal Superior Eleitoral. Sabe em quantas delas candidatos do PT a prefeito aparecem na condição de líder? Em uma. No Recife com Marília Arraes.
Neta de Miguel Arraes que governou Pernambuco três vezes, prima de Eduardo Campos que governou duas vezes, Marília lidera as pesquisas de intenção de voto aplicadas até aqui. No segundo lugar, alternam-se o deputado João Campos (PSB), o filho mais velho de Eduardo, e o ex-ministro Mendonça Filho (DEM).
A Bahia é vista como uma fortaleza do PT desde que o atual senador Jaques Wagner se elegeu e se reelegeu governador e foi sucedido por Rui Costa, que se elegeu e se reelegeu também. O PT lançou para disputar a prefeitura de Salvador uma policial militar, famosa pelo trabalho que fez na defesa da Lei Maria da Penha.
Quem tem mais chances de se eleger prefeito de Salvador até agora é o atual vice-prefeito da cidade, apoiado por ACM Neto, o prefeito e presidente nacional do DEM. Tem um pastor evangélico por lá, dono de uma creche, que aparece nas pesquisas com índice maior de intenção de voto do que a candidata do PT.
Mas não é só em Salvador que o PT vai mal das pernas. Em São Paulo, onde o partido nasceu, seu candidato a prefeito da capital está com pinta de que ficará de fora do segundo turno. Jilmar Tatto, ex-deputado federal, vem sendo pouco a pouco abandonado pelos petistas que preferem apoiar Guilherme Boulos (PSOL).
O Rio Grande do Sul é, digamos, o segundo berço do PT que mais de uma vez governou o Estado e Porto Alegre. Ali, o partido emplacou o vice de Manuela D’Ávila (PC do B), candidata a prefeita. No Rio, Benedita Silva (PT), ex-governadora e em ministra de Lula, está em quarto lugar nas pesquisas.
Ricardo Noblat: O desprezo de Bolsonaro pela Ciência, as leis, a razão e a vida
Investida contra a vacina que seu governo financia
Jair Messias Bolsonaro, aquele que foi candidato, se elegeu e governou até há pouco quando cedeu a vez ao presidente da República aparentemente normal que se vê hoje, pois bem, o Jair tal como sempre foi nos seus quase 30 anos de deputado federal reapareceu ao reunir-se com um bando de devotos no cercadinho de entrada do Palácio da Alvorada, em Brasília.
Foi uma breve aparição, como se quisesse demonstrar que está vivo e apenas adormecido. Ao ouvir uma mulher dizer: “Ô, Bolsonaro, não deixa fazer esse negócio de vacina, não, viu? Isso é perigoso”, Jair respondeu sem pestanejar: “Ninguém pode obrigar ninguém a tomar vacina”. Bastou para que a Secretaria de Comunicação do governo reproduzisse o comentário no Twitter.
“O governo do Brasil investiu bilhões de reais para salvar vidas e preservar empregos. Estabeleceu parceria e investirá na produção de vacina”, escreveu a Secretaria. “Recursos para estados e municípios, saúde, economia, tudo será feito, mas impor obrigações definitivamente não está nos planos”. E, por fim: “O governo do Brasil preza pelas liberdades dos brasileiros”.
Pelas leis, não preza. O parágrafo primeiro do artigo 14 do Estatuto da Criança e do Adolescente diz que “é obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias”. O artigo 3º da Lei 13.979, assinada por Bolsonaro, diz que “para enfrentamento da emergência de saúde pública as autoridades poderão adotar a realização compulsória de vacinação”.
No momento, o Ministério da Saúde investe em um acordo com a Fiocruz em busca de uma vacina contra a Covid-19 e discute estratégias e públicos prioritários para uma possível futura oferta. Na mais recente pesquisa Datafolha, 9 em cada 10 brasileiros disseram que pretendem ser imunizados contra o vírus que só por aqui já matou quase 123 mil pessoas, infectando 4 milhões.
Bolsonaro já pregou contra o isolamento social, o uso de máscaras e defendeu o direito das pessoas de irem e virem livremente mesmo durante uma pandemia. Como se indo e vindo e sem usar máscaras, elas não corressem o risco de se contaminar e de transmitir a doença. Contrariou a Ciência, desrespeitou as leis e desprezou a razão e a vida. O que mais falta fazer?
Ricardo Noblat: Paulo Guedes tem um pé dentro e o outro fora do governo
Ministro da Economia fraco não se sustenta
O Ministério da Economia informa e o Palácio do Planalto confirma: Paulo Guedes fica no governo e segue prestigiado pelo presidente Jair Bolsonaro.
Por ora, a primeira parte da informação é verdadeira. A segunda, não. O Posto Ipiranga virou a mercearia da esquina, nem mesmo loja de conveniência.
Para ficar no governo, Antônio Delfim Netto, o xerife da economia à época do regime militar de 64, dizia que só o tirariam de lá se fosse amarrado à cadeira.
Com o mesmo objetivo, mas com sacada menos assertiva do que a de Delfim, Guedes diz que o eleito foi Bolsonaro e que, portanto, é ele quem manda.
Um dos dois será obrigado a recuar de suas posições para seguirem juntos. Respeito à lei do teto de gastos (Guedes) não combina com mais gastos (Bolsonaro).
Em ano de eleição, e a dois de eleição presidencial, o Congresso parece mais receptivo ao que pensa Bolsonaro, candidato a pai dos brasileiros mais pobres.
O nó a desatar é que aparentemente só haveria uma maneira de respeitar o teto de gastos e de, no entanto, poder gastar mais: a criação de um novo imposto.
Algo do tipo da antiga CPMF, só que bem mais robusta e abrangente, que incidisse sobre transações de toda natureza, sem poupar nenhuma.
Guedes topa. Bolsonaro poderia topar. Não lhe fará a menor diferença dar mais uma vez o dito pelo não dito. Ou seja: que é contra novos impostos.
Quanto ao Congresso… Quanto à reação do distinto público… Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara dos Deputados, é contra uma nova CPMF.
O Supremo Tribunal Federal está pronto para dizer que eleição e reeleição de presidentes da Câmara e do Senado são questões internas das duas casas.
Davi Alcolumbre (DEM-AP) quer mais um mandato de presidente do Senado e deverá consegui-lo. Maia não diz que quer mais um, mas não nega.
Pelo menos até fevereiro do próximo ano, ao fim do seu atual mandato, Maia, sensível aos humores do mercado, será um obstáculo à aprovação de um novo imposto.
Bolsonaro está fazendo com Guedes o que tentou fazer com Sérgio Moro, ministro da Justiça: dobrá-lo às suas vontades. Moro caiu fora. Guedes também poderá cair.
Quando Guedes diz que o eleito foi Bolsonaro e que ele é quem manda, incorre em uma platitude. Mas não significa que ele se conforma com qualquer coisa.
Quem sabe faz a hora. Ministro da Economia fraco não se sustenta por mais que só admita sair amarrado na cadeira. Delfim sabia, e acabou saído. Guedes sabe.
Ricardo Noblat: Cala boca já morreu, Bolsonaro!
Presidente ameaçou encher jornalista de porrada
E a festa marcada para esta manhã no Palácio do Planalto que celebraria o sucesso do governo Bolsonaro no combate ao Covid-19? Seria aberta à imprensa. Continuará sendo? Está mantida? E se um jornalista resolver perguntar ao presidente porquê Fabrício Queiroz e sua mulher Márcia Aguiar depositaram 89 mil reais na conta de Michelle, a primeira-dama?
Alguns poucos bolsonaristas de raiz exultaram com a reação de Bolsonaro à pergunta de um repórter feita quando ele saía, ontem, de mais uma visita dominical à Catedral de Brasília. Sempre que sabe há aglomeração de turistas à porta da catedral, Bolsonaro vai até lá a pretexto de rezar. É mais uma oportunidade para tirar fotos com apoiadores, abraçar criancinhas e distribuir sorrisos.
Tudo teria saído como previsto não fosse a pergunta que o deixou furioso: “Presidente, porquê Queiroz depositou 89 mil reais na conta de dona Michelle?” A pergunta era mais do que pertinente. No final de 2018, quando o Ministério Público Federal do Rio revelou que Queiroz depositara 24 mil reais na conta de Michelle, Bolsonaro espontaneamente correu a explicar-se.
Jurou que o dinheiro era o pagamento de uma dívida contraída por Queiroz com ele. Lembrou que os dois eram amigos há mais de 30 anos e que não era a primeira vez que emprestara dinheiro a Queiroz. Semanas depois, sem que ninguém lhe perguntasse, corrigiu-se. A dívida não era de 24 mil, mas de 40 mil. Mas não adiantou se ela foi paga integralmente.
Num primeiro momento, a pergunta do repórter ficou sem resposta. Enquanto caminhava, Bolsonaro comentou com os seguranças que o cercavam que ainda daria uma porrada “na boca daquele cara”. Como o repórter repetiu a pergunta, finalmente encarou-o e disse: “Minha vontade é encher sua boca de porrada”. Em seguida, pressionado pelos seguranças, foi para casa.
“Ele voltou! Ele voltou!”, transbordavam de felicidade apressados bolsonaristas nas redes sociais antes de serem sufocados por milhares de mensagens em sentido contrário que se limitavam a reproduzir a pergunta do repórter. Não teve mais para nada. A hashtag Queiroz reinou soberana durante pelo menos 8 horas como o assunto mais comentado do Twitter no Brasil.
Por que tamanho espanto diante da ameaça do presidente de encher a boca de um jornalista com porrada? Até começar a fingir ser o que não é, Bolsonaro defendeu a tortura, o torturador Brilhante Ustra, lamentou que a ditadura não tivesse matado um número maior de presos políticos e quase foi condenado por dito que só não estuprava uma deputada porque ela era feia.
Bolsonaro reconciliou-se, afinal, com ele mesmo. Deve estar se sentindo muito melhor, mais leve, mais à vontade para frustração dos que imaginavam tê-lo convertido em um presidente normal. Tirou um peso insuportável nas costas. Se quiser, vai retomar o hábito de mandar jornalista calar a boca, provocar a Justiça, hostilizar o Congresso e bater no Centrão.
Êpa! Chega de exagero. Ameaçar encher a boca de jornalista com porrada não é motivo para abertura de processo de impeachment, concluiu o deputado Rodrigo Maia, presidente da Câmara. Provocar a Justiça não seria recomendável, pois dela dependem as investigações sobre seus filhos. Tampouco bater no Centrão do qual depende hoje para aprovar projetos no Congresso.
É hora de Bolsonaro dar mais força a Paulo Guedes, o ministro da Economia. Se fizer isso, todos os pecados lhe serão perdoados pelos que de fato mandam no país. Vida que segue até a próxima recaída.
O governo nada em dinheiro quando é para atender aos militares
Gasto polêmico
O Ministério da Defesa já empenhou 145,3 milhões de reais para a compra de um microssatélite que fará o monitoramento da devastação da Amazônia, segundo o jornal GLOBO.
Tudo estaria certo, tudo muito bem, não fosse por um fato: o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, órgão do governo, tem um microssatélite tão ou mais moderno e já faz esse serviço.
O custo do microssatélite para que os militares possam chamar de seu é 48 vezes maior do que a verba prevista no Orçamento deste ano para projetos de monitoramento da área e risco de incêndios.
Ricardo Noblat: Na Venezuela e no México, como no Brasil
Qualquer semelhança não é mera coincidência
Na Venezuela, o chavismo contaminou a imagem de isenção dos militares como o bolsonarismo tenta fazer por aqui. No México, eleito depois de prometer moralizar a vida pública, o presidente Andrés López Obrador, um político de esquerda, está às voltas com denúncias que o embaraçam e à sua família. Lembra algo?
Vídeos divulgados na última quinta-feira mostram um dos irmãos de Obrador, Pío Lopes, recebendo dinheiro de David León, diretor da nova distribuidora estatal de medicamentos. As imagens são de 2015. Os pagamentos já eram feitos há um ano e meio. Foram cerca de dois milhões de pesos, o equivalente a 500 mil reais.
Em um dos vídeos, León, que na época trabalhava como consultor, vai à casa de Pío López para lhe entregar um milhão de pesos (250 mil reais). E pede que informe ao seu irmão sobre a origem do dinheiro: “Avise o advogado […] que nós o estamos apoiando”. Pío responde: “Irmão, irmão. Já sabe, já sabe perfeitamente bem”.
López Obrador afastou David León: “Vamos procurar outra pessoa enquanto isso é esclarecido e ele fica limpo.” E disse que não sabe se o dinheiro foi declarado à Justiça, algo obrigatório. Esquivou-se: “Só sei que muitas pessoas contribuíram com recursos para a campanha.” No México, caixa 2 também é crime.
A divulgação dos vídeos ocorre em meio ao chamado Caso Lozoya. Uma gravação mostra um grupo de políticos recebendo subornos e a denúncia do ex-diretor da Pemex (a Petrobras mexicana) Emilio Lozoya que implica três ex-presidentes da empresa e 14 outros políticos em episódios de corrupção.
Foi López Obrador quem bancou a divulgação do Caso Lozoya para “purificar a vida pública”. Serviu para que comparasse os valores envolvidos nas duas situações: o equivalente a 90 mil dólares, entregues ao seu irmão, e o equivalente a 200 milhões de dólares, que ele tratou como “corrupção do dinheiro público”.
No mesmo dia em que o presidente mexicano tentava se apartar de mais um escândalo que abala seu governo, no Brasil a defesa do senador Flávio Bolsonaro recorreu da decisão da Justiça que autorizou o prosseguimento das investigações sobre seu eventual envolvimento no crime de lavagem de dinheiro.
O novo procurador-geral da Justiça do Rio será escolhido em dezembro próximo. Comandará o órgão que investiga Flávio e também seu irmão Carlos, vereador. Ameaçado de impeachment, o governador Wilson Witzel admite negociar a indicação de um nome ao gosto de Flávio, desde que não perca o cargo.
Flávio parece preferir negociar a indicação com Cláudio Castro, o vice de Witzel, e que assumirá a vaga se o governador for derrubado. Nada disso seria necessário se o próprio Flávio tivesse convencido da sua e da inocência do irmão. Não é verdade?
Ricardo Noblat: Desabafo da mulher de Queiroz indica que o casal viveu cativo
Hóspedes forçados do advogado dos Bolsonaro
Os áudios com o desabafo de Márcia de Aguiar, mulher de Fabrício Queiroz, divulgados pela VEJA, deixam claro que ela e o marido sentiam-se como prisioneiros de Frederick Wassef, advogado de Flávio Bolsonaro e do seu pai, o presidente Jair Bolsonaro. Uma história bem diferente da contada pelo advogado quando a polícia prendeu Queiroz em sua casa no município paulista de Atibaia.
Na versão de Wassef, ele se comoveu com a situação de Queiroz a quem nunca vira antes, procurou-o sem que ninguém o orientasse a fazê-lo e ofereceu abrigo para ele, sua mulher e parentes. Só por “razões humanitárias”, como disse. Queiroz tornara-se um dos homens mais procurados do país pela imprensa, e mais tarde, pelo Ministério Público Federal do Rio que queria interrogá-lo.
Por que Queiroz e a mulher aceitariam a oferta de abrigo feita por um desconhecido? Por que passariam a confiar em um homem que emergiu assim do nada, sem que ninguém o recomendasse? Não faria o menor sentido. Elementar: Wassef deve ter sido bancado por alguém com bastante influência sobre o casal Queiroz. E não é tão difícil imaginar quem foi direta ou indiretamente.
Os áudios de Márcia datam de novembro do ano passado quando ela e o marido eram hóspedes de Wassef, mantidos numa espécie de cativeiro e contrariados por serem impedidos de sair de lá. Em conversas com a advogada Ana Flávia Rigamonti, contratada por Wassef para vigiá-los junto com um empregado da casa, Márcia traiu toda a sua insatisfação com a vida que levava.
Contou que, ao longo de um ano, fora obrigada a abrir mão de sua vida particular, privar-se de ir ao médico até para fazer exames de rotina e, em alguns momentos, não podia sequer utilizar o celular. As medidas cautelares foram ditadas pelo “Anjo”, codinome de Wassef, segundo o Ministério Público Federal, empenhado em manter sob segredo o paradeiro de Queiroz.
“A gente não é foragido. Isso está acabando comigo, amiga, acabando. De boa mesmo. Está acabando”, diz Márcia a Ana Flávia. “Está me destruindo por dentro. Eu estou aqui me desabafando, porque não consigo passar isso para ele [Queiroz]. E a minha preocupação é esse stress, esse emocional dele abalado, piorar a situação dele com essa doença”.
Ana Flávia retruca: “Eu sei que ele não está bem. Ele está tentando se distrair. Mas a gente sabe que não está fácil. (…) Ele mesmo falou para o Anjo: ‘Olha, eu não estou aguentando mais. Quero ir para minha casa’”. E Márcia completa: “Eu estou vendo que todo mundo está vivendo a sua vida. Agora, a gente não. Então, somos foragidos para viver fugindo? Não é possível isso, entendeu?”
Márcia não estava com Queiroz quando ele foi preso em 19 de junho último. Havia uma ordem de prisão contra ela. Márcia fugiu e só reapareceu quando o marido deixou a cadeia no dia 10 de julho para cumprir prisão domiciliar com tornozeleira eletrônica. Desde então ela está ao lado dele, também com tornozeleira. O Ministério Público Federal aposta que um deles acabará delatando.
A prisão de Queiroz foi responsável pela radical mudança de comportamento do presidente Bolsonaro. Saiu de cena o incendiário, o promotor de crises, o falastrão, o agitador que marcava presença em manifestações de rua hostis à democracia. Entrou em cena o presidente moderado, que loteia cargos do governo com os partidos e chama os parlamentares de “sócios”.
Ricardo Noblat: Aperta o cerco ao senador Flávio Bolsonaro, o Zero Um
Depósitos suspeitos em dinheiro vivo
O primogênito do presidente Jair Bolsonaro tem mais o que fazer em setembro do que atender à convocação do Ministério Público Federal do Rio para ser acareado com o empresário Paulo Marinho. Foi o que disseram seus advogados, e, como senador, ele tem de fato o direito de escolher dia e hora para depor.
Marinho disse que às vésperas da eleição presidencial de 2018, Flávio foi avisado por um delegado da Polícia Federal que seu assessor Fabrício Queiroz seria em breve um dos alvos de uma operação de combate à corrupção, e que o fato poderia prejudicar a candidatura do seu pai, líder das pesquisas.
Foi o próprio Flávio quem teria revelado isso à Marinho, na casa do empresário. Queiroz foi demitido no dia seguinte, bem como uma de suas filhas, funcionária do gabinete de Bolsonaro, o pai, em Brasília. Flávio admite a reunião com Marinho, mas nega o teor da conversa. Um dos dois, portanto, mente. Daí a acareação.
Não seria difícil descobrir quem fala a verdade. Segundo Marinho, ao saber que o delegado tinha um comunicado importante a lhe fazer, Flávio mandou três emissários ao seu encontro. A quebra do sigilo telefônico dos três indicaria se eles trocaram informações a respeito, mas um juiz proibiu que isso fosse feito.
Mesmo assim avançam as investigações do Ministério Público Federal e aperta o cerco em torno do senador. Extratos bancários da loja de chocolates de Flávio no Rio mostram depósitos em dinheiro vivo sucessivos, com o mesmo valor, entre março de 2015 e dezembro de 2018. O Jornal Nacional cruzou os dados.
Chama atenção a quantidade de depósitos em dinheiro vivo na conta da franquia feitos de maneira fracionada e muitos com valores redondos. Foram 63 depósitos de R$ 1,5 mil em espécie, 63 de R$ 2 mil e 74 de R$ 3 mil. Dos depósitos no valor de R$ 3 mil, 12 foram na boca do caixa e 62 no terminal de autoatendimento.
Ricardo Noblat: Medo do impeachment contém ímpeto de Bolsonaro por mais gastos
No momento, é claro…
O que mais deixou Jair Bolsonaro furioso com o ministro Paulo Guedes, da Economia, foi Guedes ter dito em público que a pressão por mais gastos com obras de infraestrutura e o desrespeito à lei que limitou o crescimento de despesas poderiam provocar a abertura de um processo de impeachment contra ele.
Pois o ministro, em conversas reservadas com o presidente na semana passada, voltou a adverti-lo para o perigo se enveredar por tal caminho. O nervo exposto de Bolsonaro é justamente esse: ainda não contar com número seguro de votos confiáveis no Congresso para derrotar um pedido de impeachment.
Lembre-se do que aconteceu com a ex-presidente Dilma Rousseff, insistiu Guedes com Bolsonaro. Para gastar mais ou para disfarçar gastos que já fizera, Dilma acabou pedalando a Lei de Responsabilidade Fiscal. Como, de resto, presidentes que a antecederam haviam feito. Deu no que deu.
Tudo bem que presidente com popularidade em alta dificilmente é alvo da abertura de um processo de impeachment. Dilma, e antes dela Fernando Collor, só começaram a cair quando a avaliação positiva dos seus governos oscilou entre 10% a 15%. A de Bolsonaro está longe disso, e sobe. Mas…
Bolsonaro tem cobrado pressa aos ministros que negociam o apoio do Centrão. Às favas todos os escrúpulos – adiante com o loteamento de cargos do governo. Foi ele mesmo que há uma semana bateu o martelo para a troca do líder do governo na Câmara. Saiu o Major Vitor Hugo (PSL-BA). Entrou…
Entrou uma figura com a cara do Centrão – o deputado Ricardo Barros (Progressista-PR), que já foi condenado a devolver dinheiro aos cofres públicos quando era prefeito de Maringá, apareceu na lista da Odebrecht como beneficiário de propina e foi denunciado por improbidade administrativa quando ministro da Saúde.
Tem ou não tem as credenciais necessárias para representar o Centrão junto ao governo e falar pelo governo na Câmara? Nada separa Barros de Bolsonaro. Os dois se conhecem há muito tempo. Bolsonaro já foi filiado a diversos partidos do Centrão. A tal da Nova Política, com a qual acenou, era de brincadeira.
Bolsonaro, hoje, embarca para Sergipe. E ainda esta semana deverá ir ao Rio Grande do Norte. Se tudo começou pelo Nordeste quando Pedro Álvares Cabral deu às costas da Bahia em 1500, por que Bolsonaro não poderá finalmente descobrir o Nordeste depois de tê-lo ignorado por tanto e tanto tempo?
Quanto a Guedes e a sua relutância em gastar além do que deve… Bolsonaro está deixando que ele se acostume com a ideia. Se não se acostumar, todas as vênias lhe serão feitas, mas o Brasil deve sempre estar acima de todos e só abaixo de Deus. E o futuro radiante do Brasil, segundo Bolsonaro, passa por sua reeleição.
E Antonio Palocci, hein? E Sérgio Moro, hein?
Só Lula e Bolsonaro têm o que comemorar
Sem mais nem menos, a seis dias do primeiro turno da eleição presidencial de 2018, o então juiz Sérgio Moro divulgou um anexo da delação do ex-ministro Antonio Palocci feita à Polícia Federal surpreendendo os procuradores da força tarefa da Operação Lavo Jato, em Curitiba, que a haviam recusado por falta de provas.
Sabe-se lá o quanto a divulgação do anexo fortaleceu à época a candidatura de Jair Bolsonaro que liderava as pesquisas de intenção de voto, mas certamente não a prejudicou, antes pelo contrário. Palocci acusava Lula de ter autorizado o loteamento de cargos na Petrobras com os partidos que apoiavam seu governo.
Dois dias depois da divulgação do anexo por Moro, uma procuradora perguntou aos colegas: “Vamos fazer uso da delação do Palocci?” Outro procurador respondeu: “O que Palocci trouxe parece que está no Google”. Um terceiro disse: “O acordo é um lixo, não fala nada de bom (pior que anexos Google)”.
Uma semana antes do anexo tornar-se público graças a Moro, um procurador havia escrito: “Russo [apelido do juiz] comentou que embora seja difícil provar, ele é o único que quebrou a ‘omertá’ petista”. Foi rebatido por uma procuradora: “Não só é impossível provar como é impossível extrair algo da delação dele”.
Bingo! Um relatório da própria Polícia Federal que, ontem, se tornou público, aponta que a delação premiada de Antonio Palocci era recheada de desinformação. “As afirmações foram desmentidas por todas testemunhas, declarantes e por outros colaboradores da Justiça”, concluiu o delegado Marcelo Feres Daher.
Nada restou de pé do que afirmou Palocci sobre um caixa de propinas para Lula administrado pelo banqueiro André Esteves, do BTG. Recentemente, o Supremo anulou outra acusação de Palocci: a de que Lula teria recebido 12,5 milhões de reais da Odebrecht para a compra de um novo terreno para seu instituto.
Os procuradores da Lava Jato acertaram ao considerar a delação de Palocci um pastel de vento. Moro ainda deve explicações por ter divulgado o anexo da delação às vésperas da eleição de 2018. Condenado a 18 anos de prisão, Palocci teve sua pena reduzida pela metade e a cumpre em sua casa com tornozeleira eletrônica.
O desmonte da delação de Palocci reforça o discurso do PT de que Lula é inocente, deixa Moro outra vez sujeito a críticas, e Bolsonaro por isso mesmo feliz.
Ricardo Noblat: Metade dos brasileiros decidiu passar o pano em Bolsonaro
Se todos são culpados, ninguém é
A julgar pelos resultados da nova pesquisa do Datafolha, a maioria dos brasileiros decidiu absolver Jair Bolsonaro dos seus pecados. Quase metade dos entrevistados nos últimos dias 11 e 12 disse acreditar que o presidente não tem culpa alguma pelo fato de o coronavírus ter matado mais de 100 mil pessoas no país.
Dos 52% que responderam que ele tem, sim, apenas 11% o veem como principal culpado, e 41% como um dos culpados, mas não o principal. Naturalmente, o maior percentual dos que passam o pano em Bolsonaro está os que consideram seu governo ótimo ou bom e que votaram nele no segundo turno da eleição de 2018.
A turma do andar de cima, que ganha mais de 10 salários mínimos por mês, aponta Bolsonaro como o principal ou um dos culpados pelas mortes. A do andar de baixo, que ganha até dois salários mínimos e que se beneficiou com o auxílio emergencial para combater a doença, acha justamente o contrário.
E não dá importância ao fato de que ele minimizou a pandemia chamando-a de gripezinha, boicotou as medidas de isolamento social decretadas por governadores e prefeitos, defendeu a volta ao trabalho para salvar a economia, e recomendou o uso de uma droga que se revelou ineficaz para deter o vírus.
Mais de 3 milhões de brasileiros já foram infectados pelo Covid-19, segundo os registros oficiais, mas o número provavelmente é muito maior por causa da subnotificação. E daí? Exatos 49% dos entrevistados concordam com a afirmação genérica de que o Brasil não fez o suficiente para livrar-se do flagelo.
Essa é a melhor maneira de isentar de culpa Bolsonaro ou quem quer que seja. Se todos são culpados, ninguém é culpado. Passa-se o pano. E ainda existem os que dizem que o necessário para evitar tantas mortes foi feito (24%), e os que afirmam que as mortes não poderiam ter sido evitadas (22%). Vida que segue.
Em tempo: Bolsonaro só queria pagar aos brasileiros mais pobres um auxílio emergencial de 200 reais. Ao saber que o Congresso aprovaria um auxílio emergencial de 500 reais, antecipou-se e anunciou o auxílio de 600, que será pago só até setembro. Por ora, concorda em prorrogar o auxílio, mas no valor de 200 reais.
Ricardo Noblat: No país do presidente capitão a Amazônia está intacta
Apologia da mentira
As edições desta quarta-feira dos principais jornais do país ofereceram espaço tão generoso ao discurso de Bolsonaro durante a 2ª Cúpula Presidencial do Pacto de Letícia pela Amazônia que só pude imaginar uma coisa: ficaram tão chocados quanto eu fiquei, e e irão refutá-lo ponto por ponto. Isso não aconteceu.
Sem tirar nem pôr, o discurso foi uma defesa apaixonada da mentira. Bolsonaro disse que “não há nenhum foco de incêndio, nem um quarto de hectare desmatado” na floresta. “É uma mentira essa história de que a Amazônia arde em fogo”. Segundo ele, a floresta amazônica permanece “intacta”.
Afirmou que em julho último, o Brasil apresentou redução de 28% no desmatamento em relação a 2019, mas não mencionou que os números totais indicam avanço de 34% no desmate. Os dados são do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), alvo de críticas do presidente no passado.
Repetiu a conversa de que convidou embaixadores e representantes de outros países que defendem a proteção da Amazônia a sobrevoarem região entre Manaus e Boa Vista para confirmar que está tudo bem. E reforçou que, por ser uma floresta úmida, a Amazônia “não pega fogo”. Sim, “não pega fogo”.
Como se não bastasse, referiu-se ao seu como um governo que não tolera e muito menos incentiva a prática de crimes ambientais. Assegurou: “Nossa política é de tolerância zero, não somente para o crime comum, mas também para a questão ambiental. Combater os ilícitos é essencial para a preservação da nossa Amazônia”.
O desmatamento na Amazônia que será divulgado em novembro próximo será muito maior que o de 2019. As projeções indicam que a taxa deverá ficar entre 12 mil km2 e 16 mil km2, uma escalada de aumento de destruição da maior floresta tropical do planeta só comparável aos piores momentos de sua história.
Dados dos satélites do Inpe mostram que, até 9 de agosto, 23.749 focos de calor foram detectados na Amazônia. Um aumento de 1% em relação ao mesmo período do ano passado, que teve 23.420 focos. E a temporada de queimadas está só começando: historicamente, o pico de registros acontece no mês de setembro.
Um levantamento do Fakebook.eco, iniciativa do Observatório do Clima e uma rede de organizações da sociedade civil para combater a desinformação ambiental, revelou que, até 31 de julho, o Ibama gastou apenas 20,6% dos R$ 66 milhões autorizados para ações de fiscalização. É a execução mais baixa dos últimos anos.
A aplicação de multas também caiu: foram 3.421 autos de infração de janeiro a julho, uma queda de 52,1% em comparação com o mesmo período do ano anterior. Em 2019, primeiro ano em do governo Bolsonaro e do ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, observou-se uma redução de 17% das multas ambientais.
Guedes tenta assustar Bolsonaro com o fantasma do impeachment
O apagão do ex-Posto Ipiranga
De público, pelo menos, ninguém da equipe do presidente Bolsonaro jamais ousara admitir que ele pudesse correr o perigo de ser deposto por meio de um processo de impeachment. Paulo Guedes, ministro da Economia, admitiu. Logo ele, tido como uma das colunas de sustentação do governo. A outra coluna ruiu desde que Sérgio Moro demitiu-se do Ministério da Justiça.
Foi Bolsonaro que chamou Guedes de seu Posto Ipiranga, onde nada falta e tudo se resolve. Poderia tê-lo chamado de ministro número 1, tamanha a importância que lhe conferiu antes e depois de se eleger presidente. Pois bem: o posto vem sofrendo sucessivos apagões. E se alguma vez foi o número 1, já não é mais. O título está sendo disputado por outros ministros em ascendência.
O plano de Guedes para arrumar o governo e fazer a economia crescer deu em pouca coisa por culpa do próprio ministro, das hesitações de Bolsonaro em bancá-lo, e dos efeitos da pandemia do coronavírus. Resultado natural: os principais auxiliares de Guedes começaram a debandar. Foram embora frustrados e à procura de novos desafios. Guedes poderá segui-los em breve.
Nas últimas semanas, Mansueto Almeida deixou a Secretaria do Tesouro, Caio Megale a diretoria de programas da Secretaria Especial da Fazenda e Rubem Novaes a presidência do Banco do Brasil. Por fim, Salim Matar largou a Secretaria da Desestatização, e Paulo Uebel a da Desburocratização. A perda de tanta gente em tão pouco tempo foi batizada por Guedes de debandada.
Embora tenha dito que a reação do governo à debandada será “avançar com as reformas”, Guedes passou todos os sinais de quem nem ele acredita mais no que diz. Na mesma ocasião, ao lado de Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara dos Deputados, e empenhado tanto quanto ele em aprovar as reformas, Guedes comentou como se tirasse o seu da reta e apontasse para o alto:
– Se o presidente da República quiser mandar alguma reforma, ela é mandada. Se ele não quiser, não é mandada. Quem manda não é o ministro. Quem manda não são os secretários, e o secretário quando o negócio não tiver andando, ele pode desistir ou ele pode insistir. Então, é simplesmente isso que aconteceu.
Contou o que ouviu dos dois mais recentes demissionários: “Em nome da transparência, o Salim hoje me disse o seguinte: ‘A privatização não está andando. Eu prefiro sair’. E o Uebel me disse o seguinte: ‘A reforma administrativa não está sendo enviada. Eu prefiro sair’. Esse é o fato. Essa é a verdade”. A estocada final de Guedes teve endereço certo:
– Se tentarmos [em 2021] seguir com o [atual] padrão de gastos iremos para o caos. Os conselheiros do presidente que o [instigam] a pular cerca e a furar teto o levarão para uma zona de incerteza, uma zona sombria. Uma zona de impeachment, de irresponsabilidade fiscal e o presidente sabe disso. Então, o presidente tem nos apoiado.
Não, Bolsonaro não tem apoiado Guedes como ele esperava. Como seu único objetivo é se reeleger, deixou-se seduzir pela ala militar e civil do governo que quer gastar mais com obras de infraestrutura e programas assistencialistas. Tudo por mais votos no curto prazo. Teto de gastos? Dá-se um jeito de driblá-lo. Reforma administrativa? Fica para depois.
E não adianta o choro do mercado financeiro, nem as críticas dos que acreditaram no discurso das reformas. Nos cálculos de Bolsonaro e dos que roubaram seu coração, em 2022 os chorões e os críticos estarão condenados a votar nele para barrar a volta da esquerda ao poder. É prego batido e ponta virada. Se quiser sobreviver, Guedes terá de abrir o cofre. Vida que segue.