Ricardo Noblat

Ricardo Noblat: Bolsonaro infecta o Supremo com a nomeação de Kassio Nunes

Os danos colaterais serão enormes

Algumas perguntas a respeito da surpreendente nomeação do desembargador Kassio Nunes Marques para ministro do Supremo Tribunal Federal já havia sido respondidas. Como o nome dele chegou ao presidente Jair Bolsonaro? Foi levado pelo advogado Frederick Wassef, aquele que escondeu Fabrício Queiroz em sua casa de Atibaia, e avalizado pelo senador Flávio Bolsonaro.

Quem conduziu Kassio pela mão para audiência no Palácio da Alvorada com Bolsonaro? Foi o senador Ciro Nogueira, presidente do Partido Progressista, um dos líderes do Centrão, e alvo de ações da Lava Jato. Kassio apresentou-se como candidato a uma vaga de ministro no Superior Tribunal de Justiça, que é o que ele era. Bolsonaro gostou da conversa e decidiu: “Vai para o Supremo”.

Faltava resposta pelo menos a uma pergunta: por que a pressa de Bolsonaro em nomear Kassio se a vaga do ministro Celso de Mello, o decano do Supremo, se ele só se aposentará na próxima semana? Seria uma descortesia, mas não só. Seria romper com a praxe seguida pelos presidentes anteriores de gastar algum tempo para refletir melhor sobre os nomes de aspirantes à vaga.

Com a descoberta, ontem, de que o currículo de Kassio está impregnado de falsos títulos acadêmicos e de alguns duvidosos, a resposta à pergunta sobre o motivo de tanta pressa parece evidente. Era preciso correr contra o tempo para que o teste do currículo do desembargador não desse positivo para mentiras. A dar, que isso só ocorresse depois de sua aprovação pelo Senado.

Além de Bolsonaro, a operação “Acelera, Kassio!” envolveu dois ministros do Supremo, Gilmar Mendes e Dias Toffoli, líderes do Centrão como Nogueira, e David Alcolumbre (DEM) presidente do Senado. Gilmar e Toffoli talvez não soubessem dos furos no currículo do seu futuro colega. Avaliaram que ele seria mais um aliado das teses que defendem dentro do Supremo.

Nogueira é conterrâneo de Kassio, ambos do Piauí, e seu amigo. Interessado em cargos onde quer que eles estejam, o Centrão uniu-se a Bolsonaro e compartilha também o seu propósito de desmanchar a Lava Jato. Para tal, a presença de Kassio no tribunal seria mais um voto certo. Alcolumbre… Bem, esse quer se reeleger presidente do Senado e faz o que Bolsonaro lhe pede.

Ainda está por vir muita coisa capaz de criar dificuldades para a nomeação de Kassio. Se não pôde fechar o Supremo como cogitou no final de maio último, sem encontrar apoio nem mesmo entre os militares que o vigiam de perto, Bolsonaro conseguiu infectá-lo com o poderoso vírus da banalização. O que antes era só desprestígio do tribunal agora é de todo o Poder Judiciário.

E com severos danos colaterais a serem registrados no exterior, afinal, Kassio pôs no currículo cursos e títulos fantasmas de universidades de boa reputação. Não se espere, porém, nenhuma reação do Supremo em legítima defesa de sua imagem conspurcada. Falta fibra à boa parte dos seus integrantes, coragem para se insurgir, e sobram receios.

Ah, as fraquezas humanas! Quem não as tem? Dos 11 ministros do Supremo, um cometeu o mesmo pecado de Kassio; outro deve sua indicação à mulher do presidente que o nomeou; outro contou com a colaboração de uma empresa para ser aprovado pelo Senado; outro foi reprovado em concursos para juiz; e outro agradeceu de joelhos à mulher do governador que o ajudou a chegar lá.

Por que Kassio Nunes não pode ser ministro do Supremo

O que a Constituição exige

O desembargador Kassio Nunes Marques, nomeado pelo presidente Jair Bolsonaro para ministro do Supremo Tribunal Federal, disse ontem a um grupo de senadores, em conversa reservada, que já sabe como driblar os efeitos deletérios da descoberta de que seu currículo está repleto de falsos títulos.

Segundo ele, a Constituição não exige do indicado que seja formado em Direito. Basta que tenha mais de 35 anos, menos de 75, e reputação ilibada. Usará desse argumento para defender-se nos próximos dias. Esqueceu-se de dizer que a Constituição exige também “notável saber jurídico”. E aí está o nó. Ou deveria estar.

“Notável”, segundo os dicionários, é toda pessoa renomada, destacada e famosa por suas obras ou seus feitos. Uma pessoa insigne. Sem a produção de obras ou feitos relevantes ou as duas coisas, não há notabilidade em termos técnicos e jurídicos. Assim entenderam os autores da Constituição em vigor desde 1988.

José Afonso da Silva, o professor de Direito Constitucional mais citado pelos ministros do Supremo Tribunal Federal em seus votos, ensina em um dos seus muitos livros:

“[…] não bastam, porém, a graduação científica e a competência presumida do diploma; se é notável o saber jurídico que se requer, por seu sentido excepcional, é porque o candidato deve ser portador de notoriedade, relevo, renome, fama, e sua competência ser digna de nota, notória, reconhecida pelo consenso geral da opinião jurídica do país e adequada à função”.

Kassio não tem esse perfil. Ou porque é muito jovem, 48 anos apenas, ou porque se formou muito tarde, a acreditar-se no que ele diz. Ou simplesmente porque não escreveu livros nem é autor de feitos relevantes. Decididamente, sua competência não é reconhecida “pelo consenso geral da opinião jurídica do país”.

De resto, seus poucos e ralos títulos estão sendo contestados pelas entidades que supostamente os conferiram. Precisa mais?


Ricardo Noblat: Receita de coronavírus à italiana

Sem perder o medo

Mesmo que o assunto os aborreça, prezados leitores, sinto-me obrigado por razão de consciência a lembrar que a pandemia da Covid-19 ainda não foi debelada, talvez não seja tão cedo, se é que um dia será debelada. Nem mesmo o surgimento de vacinas a serem lançadas em breve garante imunização para sempre.

Celebremos o fato de que o pior já passou, pelo menos é o que parece. A primeira morte por coronavírus no Brasil aconteceu em 12 de março. Foi de uma mulher de 57 anos, em São Paulo. Em 5 de agosto, o Ministério da Saúde informou que 1.437 pessoas haviam morrido nas últimas 24 horas e 57.152 infectadas.

A média móvel de mortes nos últimos 7 dias foi de 659. É o 13º dia seguido com essa média abaixo da casa dos 700. Mesmo assim o país registrou 398 mortes pela Covid-19 nas últimas 24 horas, o equivalente à lotação completa de dois Boeings 737-800. É de 146.773 o total de óbitos desde o começo da pandemia.

O fantasma da segunda onda do coronavírus já assombra a Europa. E a Itália, que viveu momentos trágicos no primeiro semestre do ano, é apontado como o país que aprendeu a lição e que está pronta para enfrentar o que virá. O primeiro ingrediente da receita italiana foi a rigidez do isolamento que, aqui, nunca foi para valer.

O segundo ingrediente, a gradual volta à normalidade, com grupos de atividade econômica divididos para que fossem criadas as regras de segurança de cada setor. O terceiro: o grande número de testes com rastreamento de casos. E o quarto: o período de quarentena obrigatória fixada em 14 dias, e não em sete.

Todo mundo usa máscara, e a multa é absurda para quem desrespeitar a ordem. Os estádios estão reabrindo aos poucos, assim como as escolas. Os concertos seguem proibidos. O maior aliado dos italianos é o medo.

Está tudo ficando numa boa para Bolsonaro

Um ano inesquecível para ele

Está tudo ficando numa boa para Bolsonaro, e a continuar assim, mesmo com pandemia, este ano terá sido melhor para ele do que foi 2019. Aquele abraço efusivo no ministro Dias Toffoli, seguido por generosas fatias de pizza regadas a vinho de boa marca, acabou por selar a paz entre o presidente e o Supremo Tribunal Federal.

Quem ouviu falar mais do inquérito das fake news aberto por Toffoli e conduzido pelo ministro Alexandre de Moraes que fechara o cerco ao gabinete do ódio comandado de dentro do Palácio do Planalto pelo vereador Carlos Bolsonaro, o Zero Dois? Nem do inquérito, nem do gabinete do ódio que, por enquanto, hiberna.

O presidente e o tribunal passaram o pano sobre a ocasião em que o país esteve à beira de uma crise institucional. Foi no final de maio último quando a Polícia Federal saiu à caça de bolsonaristas radicais, esculachou alguns e prendeu outros. Bolsonaro convocou sua tropa e ameaçou pôr o Supremo em recesso.


Ricardo Noblat: Bolsonaro antecipa votos do ministro que nomeou para o Supremo

Jamais se viu isso

Nunca antes na história deste país um presidente da República revelou com antecedência como deverá votar ministro indicado por ele para o Supremo Tribunal Federal. Pois foi o que fez, ontem à noite, Jair Bolsonaro a pretexto de defender o desembargador Kássio Nunes Marques, que não foi sequer sabatinado ainda no Senado como manda a lei. Sua nomeação depende disso.

Em sua conta no Facebook, Bolsonaro irritou-se com o comentário de um leitor insatisfeito com a escolha de Kássio: “Presidente, próxima indicação ao STF indica o Lula”. Primeiro, ele respondeu assim: “Ele tem mais de 65 anos. Estude e se informe antes de acusar as pessoas”. Em seguida, para alegria do Centrão, disse que a nomeação de Kássio “é completamente sem volta”.

Acrescentou: “Kassio é contra o aborto (votará contra a ADPF 442 caso seja pautada). É pró-armas nos limites da lei (ele é CAC). Defende a família e as pautas econômicas (quem duvida que aguarde as votações). Resumindo, ele está 100% alinhado comigo”. A ADPF 442 é a ação que tramita no Supremo pedindo a descriminalização do aborto. CAC é colecionador de armas.

Faltou dizer como Kássio votará o pedido de suspeição de Sérgio Moro que, segundo a defesa de Lula, comportou-se de modo parcial no processo do tríplex do Guarujá; as ações contra a Lava Jato; e o caso do senador Flávio Bolsonaro denunciado pelo Ministério Público do Rio por lavagem de dinheiro, organização criminosa e expropriação do salário de servidores públicos.

Bolsonaro ocupou grande parte do seu domingo a oferecer explicações nas redes sociais para seus devotos que não engoliram a nomeação do novo ministro. Em maio do ano passado, o desembargador Kássio liberou uma licitação do Supremo para a compra de lagostas e vinhos caros, derrubando a decisão de uma juíza federal que a vetara. Um devoto escreveu:

– Péssima escolha. Está criando cobras que lhe darão o bote.

Bolsonaro retrucou: “Aguarde, outra mentira”. Outro devoto lembrou o voto de Kássio contra a extradição para a Itália do terrorista Cesare Battisti, acusado por quatro assassinatos e que agora cumpre prisão perpétua. Bolsonaro retrucou: “[Kássio] participou de julgamento que tratou exclusivamente de matéria processual e não emitiu opinião ou voto sobre a extradição”.

Foi lacônico quando outro dos seus seguidores perguntou por que no sábado à noite ele foi à casa do ministro Dias Toffoli, do Supremo, comer pizza e assistir ao jogo do Palmeiras contra o Ceará: “Preciso governar. Converso com todos em Brasília. Um abraço”. Parte do domingo de Toffoli também foi gasto com respostas à pergunta se fez certo em confraternizar com Bolsonaro.

“Eu sou um cara que gosta de unir as pessoas, que todo mundo se divirta. Confraternizar. Foi uma confraternização, ninguém falou de trabalho. Não estávamos aqui para discutir assunto sério”, disse o ministro. Nos bastidores, ele tem dito que é preciso manter a harmonia entre os Poderes e que não há nenhum prejuízo de que a cúpula deles se reúna com alguma frequência.

Quanto mais Toffoli tenta justificar a cena de promiscuidade explícita com Bolsonaro, mais escandalosa ela fica. Só grandes amigos se abraçam com tanto carinho. Isso nada tem a ver com harmonia entre os Poderes. Impensável que um ministro da mais alta Corte de justiça seja tão íntimo do presidente da República que pode justamente ser alvo de muitas de suas decisões.

Nada faltou na cena reveladora das entranhas do poder que serviu para reforçar a convicção de que a independência dos tribunais é coisa para inglês ver. Toffoli e Bolsonaro sem máscara em meio à pandemia; abraçados quando se recomenda o distanciamento; à porta da casa do ministro e não dos gabinetes oficiais de um ou do outro; observados por um policial sem máscara.

À tiracolo de Bolsonaro, Kássio, focado em conquistar a simpatia dos futuros colegas e o voto dos senadores que poderão lhe abrir as portas do tribunal. Presente ao regabofe, Davi Alcolumbre (DEM-AP), presidente do Senado. É ele que presidirá a sessão para aprovação do nome de Kássio. Empenhado em se reeleger, suplica ajuda a Bolsonaro e faz tudo para agradá-lo.

São favas contadas no Senado a aprovação de Kássio. A sabatina será mera formalidade. Desde sua fundação no século XIX, o Senado só recusou cinco indicações para ministro do Supremo, todas feitas por Floriano Peixoto, o segundo presidente da República do Brasil que passou à história como “o marechal de ferro”, tantas foram as revoltas que esmagou durante seu governo.

No final de maio último, um dia depois de o Supremo fechar o cerco contra o “gabinete do ódio” comandado pelo vereador Carlos, o Zero Dois, Bolsonaro perdeu as estribeiras e afirmou que “ordens absurdas não se cumprem”. Em tom exaltado, criticou a operação da Polícia Federal que atingiu seus aliados no âmbito do inquérito das fake news. Por fim, gritou: “Acabou, porra!”.

De lá para cá, trocou de arma. Descobriu que a melhor forma de vencer o Supremo é cooptar o maior número possível dos seus integrantes, expondo suas fraquezas. Está se dando bem até aqui.


Ricardo Noblat: Paulo Guedes tornou-se obsoleto

Bolsonaro não o mandará embora, nem o impedirá de sair

De repente, o governo ficou pequeno demais para abrigar ao mesmo tempo os ministros Paulo Guedes, da Economia, e Rogério Marinho, do Desenvolvimento Regional. Uma dos dois acabará sobrando, e se depender do presidente Jair Bolsonaro, e dos militares que o cercam, não será Marinho.

Quem mais agrada um governante que só pensa em se reeleger? O ministro que diz: não pode gastar tanto assim ou o ministro que diz o contrário? Até quando Bolsonaro conseguirá se equilibrar entre Guedes e Marinho? Ou melhor: até quando conseguirá manter os dois no governo em meio a tanta turbulência?

Em conversa reservada, ontem, com investidores e economistas em São Paulo, Marinho criticou a política de Guedes e disse que ele foi o autor da proposta de dar um calote no pagamento de dívidas judiciais do governo para financiar o programa Renda Cidadã. Dias antes, Guedes negou que tivesse algo a ver com isso.

A reação de Guedes às críticas de Marinho foi imediata e dura. Mal desceu do carro à porta do seu ministério, Guedes foi logo dizendo que não acreditava que Marinho o tivesse criticado, mas se de fato o fizera, não passava de um “despreparado, desleal e fura-teto”. Se não acreditava porque atacou seu colega de governo?

Faltou o general Luiz Eduardo Ramos, ministro-chefe da Secretaria de governo, para puxar Guedes pelo braço e tirá-lo de cena como fez na semana passada. Marinho está para a reeleição de Bolsonaro como Guedes esteve para a eleição. Bolsonaro não mandará Guedes embora, mas não o impedirá de sair.

Resta saber se Guedes adotará a “receita Mandetta”. Ao concluir que seus dias como ministro estavam no fim, Henrique Mandetta decidiu que não pediria demissão. Se quisesse, que Bolsonaro o demitisse. Foi o que Bolsonaro acabou fazendo. Sérgio Moro, não, demitiu-se e aparentemente não se deu bem por ter agido assim.

As mil e uma utilidades do novo ministro do STF

Não é assim uma Brastemp, mas dará conta do recado

O chamado mercado financeiro, essa poderosa entidade sem rosto, sem sede própria, sem mandato obtido por meio do voto popular, mas capaz de dar as cartas no país, avisou ao presidente Jair Bolsonaro que não gostou nem um pouco da nomeação de Kássio Nunes Marques, “o nosso Kássio”, para ministro do Supremo Tribunal Federal na vaga de Celso de Mello.

Nada de pessoal contra ele. É porque o dito mercado se preocupa com Bolsonaro e aposta na sua reeleição. Por isso, teme que a escolha de Kássio, avalizada pelo senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente, reforce a impressão de que o governo está aparelhando a mais alta corte de Justiça do país, e isso pode gerar maior insegurança jurídica, o que não é bom para os negócios.

Bolsonaro não está nem aí. A escolha relâmpago de alguém tão improvável como o desembargador piauiense não se deu apenas porque Bolsonaro é impulsivo. Teve muito cálculo político nisso. Era uma maneira de amarrar ainda mais o Centrão ao governo e de garantir a aprovação pelo Senado do nome do novo ministro. E de esterilizar a esquerda a quem Kássio já foi ligado.

Era também uma maneira de fustigar Celso, que detesta Bolsonaro e de quem se espera um duro discurso de despedida. E de não dar tempo ao ministro Luiz Fux para que sentasse na cadeira de presidente do Supremo e começasse a puxar as rédeas que o cargo lhe oferece. Por isso ele só ficou sabendo da nomeação de Kássio pela imprensa, e passou recibo do golpe que levou.

Fux e Bolsonaro não se bicam. No ano passado, aconselhado pelo ministro Dias Toffoli, Bolsonaro convidou Fux para um encontro. Fux agradeceu o convite, mas não foi. Bolsonaro compareceu em setembro último à cerimônia de posse de Fux que sucedeu Toffoli na presidência. Mas nem assim recebeu um tratamento especial. Fux é a favor da Lava Jato, Bolsonaro contra.

De resto, nas contas de Bolsonaro, quanto mais rápido o “nosso Kássio” possa envergar sua toga novinha em folha, mais se avizinhará a ocasião de Sérgio Moro, uma pedra no sapato dele, ter seu pedido de suspeição aceito pelo tribunal. Tudo indica que Kássio substituirá Celso na Segunda Turma, herdando todos os processos que a ele caberia julgar se não se aposentasse.

E ali, por ora, há dois votos a favor do pedido de suspeição de Moro no processo do tríplex do Guarujá que tornou Lula inelegível, e dois votos contra. Kássio poderá desempatar contra Moro – para satisfação de Lula e também de Bolsonaro. Condenado em outro processo, o do sítio de Atibaia, Lula dificilmente será candidato a presidente em 2022 como o PT quer.

Moro, candidato contra Bolsonaro, passaria a campanha tendo de explicar por que ganhou do Supremo o carimbo de juiz parcial. Quer carimbo pior? É com isso que sonha Bolsonaro. É para essas e outras cositas mais que o “nosso Kácio” foi nomeado. A sorte de Flávio, denunciado por lavagem de dinheiro e rachadinha, ao fim e ao cabo será decidida pelo Supremo. Acordão à vista.


Ricardo Noblat: Bolsonaro é desmentido em tempo quase real

Retratos de um desgoverno

Bolsonaro disse que estava proibida a discussão sobre o programa Renda Cidadã até o fim do seu governo. Depois anunciou que o programa será enviado em breve para votação no Congresso. Então o ministro Paulo Guedes, da Economia, vetou as fontes de financiamento do programa – dinheiro da Educação e calote no pagamento de precatórios.

Em menos de uma semana, descobriu-se que por enquanto não há como se lançar o programa e que é melhor deixar para fazê-lo depois das eleições ou em 2021 Quer retrato melhor do desgoverno Bolsonaro? Tem outro também que acabou de ser revelado. A Amazônia teve o segundo pior setembro de queimadas da última década, e o Pantanal o pior mês de sua história.

O presidente conseguiu ser desmentido quase que em tempo real. Na última quarta-feira, em vídeo destinado à Cúpula da Biodiversidade das Organizações das Nações Unidas, ele disse que não pode aceitar o que classifica de “informações falsas e irresponsáveis” que desconsideram “as importantes conquistas ambientais” alcançadas pelo Brasil em benefício do mundo.

Pois é. Quem nega realidade passa vergonha, mas ele não liga. Está acostumado.

Nosso Kássio virou um peão na mão dos seus patrocinadores

Bolsonaro é obrigado a defender-se nas redes sociais

Bom de faro, o senador Ciro Nogueira, presidente do Partido Progressista (PP) e um dos líderes do Centrão, aliado de todos os governos que passaram por ele e os que um dia ainda possam passar, conterrâneo e avalista número um do próximo ministro do Supremo Tribunal Federal, Kássio Nunes Marques.

Em junho do ano passado, quando Marques era vice-presidente do Tribunal Regional Federal da 1.ª Região, em Brasília, Nogueira profetizou durante uma solenidade:

– Nosso Kássio é uma figura respeitadíssima no mundo jurídico hoje. Tenho certeza de que vai chegar aos tribunais superiores. É uma figura muito querida.

“Nosso Kássio” virou senha para senador disposto de antemão a aprovar a indicação de Marques para a vaga do ministro Celso de Mello, que se aposenta no próximo dia 13. A sabatina obrigatória será uma mera formalidade. Direita e esquerda votarão unidas com algumas raras exceções para não dar tanto na vista.

Só bolsonaristas de raiz, que acreditaram no conto do ministro “terrivelmente evangélico”, ainda resistem aos encantos do “nosso Kássio”, um católico de boa cepa. Ou às conveniências que ditaram a sua escolha. A esses, o presidente Jair Bolsonaro dedicou sua live das noites das quintas-feiras no Facebook.

“Todo mundo aqui ao longo de 14 anos de PT teve alguma ligação. Não é por isso que o cara é comunista, é socialista”, explicou Bolsonaro. “Vão desqualificar só porque ele deu uma liminar para retomar o cardápio do Supremo? Não tem nada demais comer lagosta. Qual é o problema? Quem pode, come.”

E disse mais: “Você quer que eu troque o Kássio pelo Sérgio Moro? Vocês querem o Sérgio Moro ministro do Supremo? Será que ele vai ser um ministro leal às nossas causas? Será que ele vai ser aprovado no Senado?”. Bolsonaro sabe que Moro poderia ser rejeitado pelo Senado, mas não foi por isso que se livrou dele.

As cobranças dos devotos e as respostas às pressões oferecidas pelo presidente da República mostram a que patamar baixou o processo de nomeação de um ministro da mais alta Corte de Justiça. O Brasil de Bolsonaro envergonha quem antes levava o país a sério. Um dos seus produtos: o Real foi a pior moeda global em 2020.

Se temos na presidência um paraquedista que nunca leu um livro, nem mesmo as memórias do coronel torturador Brilhante Ulstra; que foi afastado do Exército porque planejou jogar bombas em quartéis; que é ligado a milícias e suspeito de ter-se beneficiado de rachadinhas; nada mais pode causar estranheza.

No passado, o Supremo foi um templo de juristas consagrados que ali chegavam para coroar suas carreiras. Hoje, entra qualquer um – de Dias Toffoli, duas vezes reprovado em exames para juiz, ao “nosso Kássio” que batalhava por uma vaga no Superior Tribunal de Justiça e que se credenciou a beber tubaína com Bolsonaro.

Mas ele é “um garantista”, dizem a seu favor. Não tem maior empulhação do que essa história de juiz garantista e juiz não garantista. Garantista de quê? Do que manda a Constituição? Ora, diabos! Respeitar a Constituição não é pré-requisito para que alguém possa vestir a toga e ser respeitado como juiz?

Em editorial, o jornal O Estado de S. Paulo resgatou palavras dirigidas por Paulo Brossard ao então presidente Itamar Franco sobre o processo de escolha de seu substituto no Supremo:

“Pode ocorrer que surjam candidatos, mas é preciso não esquecer que ninguém, por mais eminente que seja, tem direito de postular o cargo, que não se pleiteia, e aquele que o fizer, a ele se descredencia”.

O “nosso Kássio” é o menos culpado pelo modo como se dará sua ascensão. Virou um peão nas mãos de Bolsonaro e dos seus demais patrocinadores.


Ricardo Noblat: Calote e tunga para furar a lei do teto de gastos

De volta ao tempo das pedaladas

Reforma Tributária? Só no próximo ano, e mesmo assim ali pelo fim, será votada no Congresso com grandes chances de não passar ao gosto do governo federal. Reforma Administrativa, ou o remendo a que se deu esse nome? Também só no próximo ano.

Quanto ao programa Renda Cidadã que deveria substituir o programa Bolsa Família… Já nasceu morto. É uma pedalada para furar a lei do teto de gastos capaz de deixar boquiaberto malandro carioca e maloqueiro paulista.

Quem melhor o definiu a trolha até agora foi o economista Gustavo Franco, um dos criadores do Plano Real e ex-presidente do Banco Central: “Precatório é quando a Justiça manda pagar um calote. Calotear um calote é uma reincidência”.

Para financiar o Renda Cidadã, o governo pretende deixar de pagar R$ 39,4 bilhões dos R$ 55,2 bilhões de precatórios e sentenças judiciais devidos e previstos no Orçamento de 2021. É calote no calote dado antes. Empurrar dívida com a barriga engorda dívida.

Quer tomar com a mão grande R$ 980 milhões do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação. Dinheiro para Estados e municípios gastarem com a educação. Isso é tunga.

Em tempo de queimadas naturais, acidentais ou criminosas, o mercado financeiro ardeu com a engenharia pilantra montada para sustentar o programa dos sonhos de um candidato à reeleição que só recentemente descobriu seu amor pelos pobres.

A Bolsa de Valores caiu, o dólar foi às alturas e o investidor estrangeiro preparou-se para tirar mais um pouco do que pôs aqui. Mais uma realização de Paulo Guedes, uma vez que é ele que entende de economia. Bolsonaro entende de rachadinhas.

O olho gordo do clã Bolsonaro

Vai rolar muita grana

Negócios são negócios, e alguns deles, por bilionários, desafiadores e atraentes. Adrenalina na veia. Por esses, vale correr riscos.

Enquanto distraem o distinto público com suas rachadinhas, bizarrices e fake news, os Bolsonaro investem em pelo menos três áreas que prometem prosperidade aos eleitos pela sorte: armas (há empresas israelenses no páreo), cassinos (empresas americanas) e telecomunicações, mais especificamente o 5-G que aumentará a velocidade da internet.

Sob a supervisão atenta do pai, presidente da República, os Zeros Um e Três (senador Flávio Bolsonaro e deputado federal Eduardo Bolsonaro) estão muito operantes e à vontade. Garotos ousados e espertos.


Ricardo Noblat: Bolsonaro assiste indiferente ao tiro que Michelle deu no próprio pé

Ele tem medo de quê?

O vídeo com a música “Micheque”, da banda de rock Detonautas, não parecia destinado a virar um campeão de audiência no Youtube quando ali foi postado no último dia 4.

De autoria de Tico Santa Cruz, vocalista da banda, a letra da música foi inspirada pela descoberta de que Fabrício Queiroz depositou 89 mil reais na conta de Michelle Bolsonaro.

Mas aí, na quinta-feira dia 25, a primeira-dama prestou queixa na Delegacia de Crimes Eletrônicos do Departamento Estadual de Investigações Criminais (DEIC), em São Paulo.

Ela quer que sejam processados por calúnia, injúria e difamação todos os que passaram a chamá-la de “Micheque” nas redes sociais, inclusive os roqueiros da banda. Resultado?

Foi um tiro no pé. Até a quinta-feira, a sátira dos Detonautas somava quase 700 mil visualizações. No início desta madrugada, ultrapassou a marca de 1 milhão e 330 mil. Um sucesso!

Não foi a música que colou em Michelle o apelido de “Micheque”. O apelido foi replicado quase 9 milhões de vezes no Facebook, Twitter e Instagram entre 22 de agosto e 21 de setembro.

A banda apenas surfou na onda e se deu bem. O que espanta é que ninguém no governo, nem mesmo o presidente Jair Bolsonaro, tenha aconselhado Michelle a não fazer o que fez.

A ira da primeira-dama é justa. Ela nada teve a ver com o dinheiro depositado em sua conta. Foi usada. Ao que tudo indica, o dinheiro era um negócio particular entre Queiroz e seu marido.

Bolsonaro poderia ter poupado a mulher do constrangimento a que se vê exposta. Por que não se apressou em esclarecer o motivo pelo qual Queiroz depositou 89 mil reais na conta dela?

Que tipo de vantagem política imagina extrair da iniciativa que teve Michelle de procurar a polícia? Por que insiste em permanecer calado? Está com medo do quê?


Ricardo Noblat: Governo ignora o que lhe cabe e se mete onde não deve

E segue o baile

Talvez o presidente Jair Bolsonaro não chegue ao ponto de ter vontade de sacar do revólver quando ouve falar em Cultura. Numa peça antinazista de Hanns Jost, encenada em Berlim em 1933, ano em que Hitler assumiu o poder, um personagem dizia: “Quando ouço alguém falar em Cultura, saco o meu revólver”.

Mas Cultura não é lá do agrado do ex-capitão, que já confessou que nunca leu um livro. “Tem muita letra”, queixou-se. “Precisa ter mais figuras”. Por extensão, Educação também não é. Em pouco mais de um ano e meio de governo, dois tristes nomes passaram pelo Ministério da Educação. E o terceiro começou mal.

O pastor presbiteriano Milton Ribeiro revelou-se um homofóbico logo em sua primeira entrevista desde que assumiu o cargo. Disse que a homossexualidade é uma “opção”, que ele atribui ao que chamou de “famílias desajustadas”. “Normalizar isso e achar que está tudo certo é uma questão de opinião”, declarou. Não é.

Pediu para receber uma dura resposta de qualquer dos seus antagonistas, e a recebeu do youtuber Felipe Neto (33 milhões de seguidores nas redes sociais), recém-incluído na lista das 100 pessoas mais influentes do mundo em 2020, segundo a insuspeita revista americana “Time”. Neto perguntou ao ministro:

“Se família desajustada gera homossexuais… Que tipo de família gera envolvimento com milicianos e desvio de verba de gabinete para compra de imóveis, além de lavagem de dinheiro?”

Ribeiro pensa o que disse, mas fez questão de dizer para reconciliar-se com Bolsonaro, irritado desde que ele recebeu em audiência um grupo de deputados federais da oposição – entre os quais, Tabata Amaral (PDT-SP). Foi na quarta-feira da semana passada, segundo contou Igor Gadelha, repórter da CNN Brasil.

Bolsonaro orientou Ribeiro a filtrar mais quem recebe no ministério. E, se tiver que receber opositores do governo por obrigação, que não saia divulgando positivamente esses encontros. Que não fosse ingênuo e não se auto sabote. Ribeiro explicou que os deputados integravam uma comissão da Câmara. E daí?

Além de preconceituoso, Ribeiro revelou-se ignorante ao sugerir na entrevista que seu ministério não está interessado em aperfeiçoar a tecnologia nas escolas. Para ele, por exemplo, a dificuldade do ensino a distância durante a pandemia do coronavírus é problema dos outros, dele não:

– A sociedade brasileira é desigual, e não é agora que a gente vai conseguir deixar todos iguais. Esse não é um problema do MEC, é um problema do Brasil.

É possível que um problema do país, tanto mais o do ensino à distância, não seja também problema do Ministério da Educação? A verdade fugiu à boca de Ribeiro. Por muito menos, ao falar sobre impostos em uma entrevista recente, o ministro Paulo Guedes, da Economia, foi arrancado de cena por um dos seus colegas.

Este é um governo que fecha os olhos ao que lhe compete e se envolve com o que nada tem a ver. A opção sexual de cada um é assunto privativo de cada um – ao governo só cabe respeitar. A destruição do meio ambiente é um problema de todos, mas incumbe ao governo liderar os esforços para combatê-la.

Ribeiro não se auto sabota quando aceita reunir-se com deputados da oposição – é dever do homem público porque o governo foi eleito por uns, mas governa para todos. Bolsonaro se auto sabota e, pior, sabota o país quando em meio a uma pandemia com mais de 140 mil mortos é capaz de dizer, como disse ontem:

“Fico vendo Brasília, não posso falar nomes aqui, mas a alta cúpula do poder, alguns do Executivo, Judiciário, Legislativo também, com máscara 24 horas por dia. Dormiam com máscara, cumprimentavam assim [com ombro], pegaram o vírus agora. Não adianta isso aí”.

Bons tempos para Bolsonaro graças aos mais pobres

Aproveite o quanto possa

De janeiro do ano passado quando tomou posse e até dezembro, a popularidade de Bolsonaro só fazia cair, bem como a confiança dos brasileiros nele e a aprovação do seu governo, segundo pesquisa Ibope encomendada pela Confederação Nacional da Indústria.

O que aconteceu de lá para cá que justifique o crescimento exponencial de Bolsonaro conferido pela mais recente pesquisa Ibope? Certamente não foi a alta da inflação, nem a saída de Sérgio Moro do governo, nem o aumento do desemprego.

Tampouco o desempenho desastroso do governo durante a pandemia que já matou quase 140 mil pessoas e infectou mais de 4.650.000. Foi basicamente o pagamento do auxílio emergencial de 600 reais para os brasileiros mais pobres.

Entre os eleitores com renda familiar de até um salário mínimo, a popularidade de Bolsonaro subiu de de 19% em dezembro para 35%. Entre os eleitores com menor grau de instrução, a avaliação de ótimo ou bom saltou de 25% para 44%.

Aproveite Bolsonaro o tempo das vacas gordas. Em breve elas poderão emagrecer quando ao invés dos 600 reais, os contemplados com o auxílio passarem a receber só 300, e quando depois o auxílio cessar por falta de dinheiro.


Ricardo Noblat: Como cobra, o general troca de pele para melhor servir ao capitão

Mourão quer ser vice outra vez. Pegou gosto

Procura-se alguém do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais que prioriza a divulgação de dados negativos sobre as queimadas que devastam a Amazônia e o Pantanal. Só nos últimos 14 dias, o número de focos de incêndios na Amazônia superou o total de focos registrados nos 30 dias de setembro do ano passado.

Que alguém é esse que tanto se procura? Vice-presidente da República e comandante do Conselho da Amazônia, o general Hamilton Mourão não faz ideia de quem seja. Ou se faz não quer dizer. Foi ele que falou do alguém que prioriza a divulgação de dados negativos. Mas não apresentou provas de que ele exista.

O provável é que o general tenha posto a circular mais uma teoria conspiratória tão ao gosto do presidente Jair Bolsonaro e dos seus filhos. Porque não é preciso que nenhum alguém divulgue dados negativos ou positivos sobre o meio ambiente. Os dados do instituto, com base em imagens de satélites, estão na internet.

Na semana passada, Mourão confessou que está em campanha para continuar vice de Bolsonaro caso ele se reeleja. Mourão troca de pele como as cobras. Na campanha de 2018, comportou-se como o general linha dura que foi. Eleito, pôs a máscara de liberal e passou a fazer contraponto a Bolsonaro. Carlos não gostou.

Então, aos poucos, Mourão foi mudando de postura. Trocou a máscara de liberal pela de tradutor condescendente de Bolsonaro, atenuando suas declarações mais explosivas. E, agora, vestiu a máscara de aliado incondicional do seu chefe e ex-companheiro de armas. Ambos já foram punidos quando serviram ao Exército.

O capitão acompanha a metamorfose do general. Por enquanto, ela o satisfaz.


Ricardo Noblat: O que confere sentido às aparentes ações desconexas de Bolsonaro

Candidato a pai dos pobres, sem desprezo aos ricos

Algum sentido deve fazer o presidente da República vetar parte de uma lei aprovada pelo Congresso e recomendar a derrubada do seu veto, a Amazônia e o Pantanal arderem em chamas e o orçamento do Ministério do Meio Ambiente acabar reduzido, a pandemia ainda infectar e matar milhares de brasileiros e um general especialista em logística ser nomeado ministro da Saúde.

Qual sentido? É tentador concluir que o único sentido capaz de dar sentido a tantos passos em contrário é o desejo do presidente Jair Bolsonaro de se reeleger daqui a dois anos. Desejo supremo que orienta todas as suas ações. Não importa o mal que muitas delas causem ao país para sempre, desde que algum bem faça a Bolsonaro. Reeleição acima de tudo, só abaixo de Deus – e olhe lá!

O presidente vetou o trecho da lei que isentava as igrejas da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido e anulava as multas já aplicadas pelo não pagamento dessa contribuição. Se não o fizesse, se arriscaria a ser acusado por crime de responsabilidade ao desrespeitar regras do Orçamento para a concessão de benefício tributário. E o que ele fez em seguida?

Recomendou por escrito a deputados e senadores que derrubem o veto. Disse que se ainda fosse deputado era isso o que faria. Jogada esperta para livrar-se do desgaste de uma decisão que desagradou os líderes religiosos que o apoiam. Se sua recomendação não for atendida, a culpa será do Congresso. Se for atendida, ele lucrará à custa do rombo de 1 bilhão de reais a ser produzido no Orçamento.

A maior planície alagável do planeta, o Pantanal, pega fogo. O desmatamento na Amazônia deverá destruir mais florestas este ano do que no ano passado, o primeiro do governo Bolsonaro. Por causa disso, países da Comunidade Econômica Europeia ameaçam não ratificar o acordo comercial firmado com o Mercosul, até aqui o único feito diplomático da diplomacia bolsonarista.

O que Bolsonaro ganha com tudo isso? Estreita suas relações com os militares, devotos da teoria de que a Amazônia deve ser ocupada e explorada economicamente por ser uma região plena de riquezas naturais. Danos ao meio ambiente poderão ser reparados no futuro. Enquanto isso, passe livre para que garimpeiros, empresas de mineração e pecuaristas façam a festa. Afinal, 2022 é logo ali.

Valeu a pena para Bolsonaro livrar-se dos ex-ministros da Saúde Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, ambos médicos que se opunham à aliança do governo com o coronavírus para que morressem os que um dia acabariam morrendo de qualquer jeito. Ministro interino da Saúde no auge da pandemia, o general Eduardo Pazuello comportou-se no cargo ao gosto do chefe.

Nada mais natural, portanto, que fosse promovido à condição de titular. Um militar a mais ou a menos não fará diferença para o governo mais militarizado desde o fim da ditadura de 64. Os brasileiros já deram a pandemia como vencida. De resto, se bem não fez a Bolsonaro, tampouco lhe fez mal sabotar o confinamento, desprezar o uso da máscara e receitar a cloroquina.

Bolsonaro descobriu os pobres e a vantagem de socorrê-los. Quem um dia chamou o programa Bolsa-Família de Bolsa-Farelo está atrás de algo semelhante para imprimir suas digitais. Eleito pelos mais ricos e escolarizados quer ser reeleito agora também com o voto dos mais pobres e menos escolarizados. Da Avenida Brigadeiro Faria Lima, em São Paulo, às palafitas de Manaus.


Ricardo Noblat: Presidente recomenda ao Congresso que anule o que ele decidiu

Que país é este?

Antes já se viu presidente da República orientar seus aliados no Congresso para votarem contra projetos que ele mesmo propôs. Alguns fizeram isso, mas de maneira discreta. Jair Bolsonaro é o primeiro a recomendar publicamente aos seus aliados que derrotem uma decisão que ele não gostaria de ter tomado.

Trata-se do veto à parte da anistia concedida pelo Congresso a tributos que deveriam ser pagos por igrejas, medida que poderia produzir um impacto de R$ 1 bilhão no Orçamento da União. Para superar o que ele sentiu-se obrigado a fazer, Bolsonaro mandará ao Congresso uma Proposta de Emenda à Constituição.

Quer dizer: ele concorda em bancar o impacto R$ 1 bilhão no Orçamento. Só vetou porque o projeto de lei aprovado pelo Congresso “apresentava obstáculo jurídico incontornável”. Se o sanciona, poderia ser acusado de “crime de responsabilidade”. Bolsonaro escreveu nas redes sociais:

– Confesso. Caso fosse deputado ou senador, por ocasião da análise do veto que deve ocorrer até outubro, votaria pela derrubada do mesmo.

Bolsonaro não quer ficar mal com sua base de apoio evangélica. Vinha sendo pressionada por ela a não vetar. A Frente Parlamentar Evangélica do Congresso é composta por 195 dos 513 deputados e por oito dos 81 senadores. Esse pessoal tem muita bala na agulha – Isto é: muito voto a dar a candidatos necessitados.

O governo avalia que, apesar da revolta dos religiosos com o veto, eles dificilmente romperão com Bolsonaro porque não haverá em 2022 candidato mais afinado com suas ideias do que o atual presidente. Que trabalhem, pois, para derrubar o veto. E segue o baile. Situação sob controle, só não se sabe exatamente de quem.

Bolsonaro torce por Lula livre e candidato em 2022

Depende de Celso de Mello

Só se realmente preferir, o presidente Jair Bolsonaro será interrogado presencialmente por delegados da Polícia Federal e advogados de defesa do ex-ministro Sérgio Moro no processo que apura se ele de fato tentou interferir onde não devia – no caso, na Polícia Federal que queria pôr sob seu controle.

Como Bolsonaro tem a prerrogativa de escolher dia e hora para cumprir a ordem do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, poderá empurrar a decisão com a barriga. Até que Celso se aposente, em outubro. E até que os demais ministros do tribunal confirmem ou revoguem a ordem dada por ele.

Bolsonaro está sendo aconselhado a valer-se de recursos judiciais e a ganhar tempo à espera do adeus de Celso. Vozes isoladas a quem ele dá ouvidos sugerem o contrário para que não corra o risco de comprometer a melhora nas suas relações com o tribunal, agora sob o comando do ministro Luiz Fuz, recém-empossado.

Para Celso, tanto faz como tanto fez. Cumpriu sua missão no processo. De resto, a competência para denunciar Bolsonaro ou absolvê-lo da acusação feita por Moro não é sua, é do Procurador-Geral da República, Augusto Aras. Parece remota a hipótese de Aras denunciar Bolsonaro, a quem deve seu cargo.

Celso tem mais o que fazer antes de começar a limpar as gavetas do seu gabinete. A defesa de Lula levantou a suspeição de Moro nos processos que o condenou. A questão será examinada pela Segunda Turma do tribunal. O placar, ali, está empatado – 2 a 2. Caberá a Celso desempatar, talvez seu último voto como ministro.

Se desempatar contra Lula, tudo fica como está. Ou seja: com seus direitos políticos cassados, Lula, um ficha suja, não poderá ser candidato às próximas eleições. Se Celso desempatar a favor de Lula, a eleição de 2022 oferecerá aos brasileiros fortes emoções. Bolsonaro torce em silêncio para que dê Lula na cabeça de Celso.

Lula livre e ainda por cima candidato significaria a esquerda rachada e menos espaço para o surgimento de um nome do centro capaz de tirar Bolsonaro do segundo turno. Não teria para mais ninguém. Mamão com açúcar. Polarização acirrada, bem ao gosto de Bolsonaro. Reeleição à vista. É, pelo menos, o que ele imagina.


Ricardo Noblat: O teatrinho de Bolsonaro para enganar seus devotos mais uma vez

Guedes, o coadjuvante

O que o presidente Jair Bolsonaro diz ou faz não deveria mais causar espanto aos que discordam dele. Porque não é para eles que Bolsonaro fala e faz, mas para os que o elegeram e estão dispostos a reelegê-lo. Simples assim. Uma banalidade, ou quase isso.

“Estamos praticamente vencendo a pandemia”, afirmou Bolsonaro em mais uma viagem ao Nordeste, o mais novo alvo de sua caça permanente a votos. “O Brasil foi um dos países que menos sofreu dada às medidas tomadas pelo governo federal”.

Verdade ou mentira? Grossa mentira. A pandemia ainda está longe de ser vencida. E quando for, o governo federal não terá sido o maior responsável, pelo contrário. A levar-se em conta o número de mortos e de infectados, o Brasil é o segundo país que mais sofre.

Sim, mas, e daí? Os devotos de Bolsonaro querem escutar que ele lhes diz, querem acreditar em suas palavras, quando nada para concluírem que seu voto valeu a pena. Assim procedem nos Estados Unidos, por exemplo, os eleitores de Trump.

No momento, Bolsonaro e Paulo Guedes, ministro da Economia, encenam a farsa sobre a “crise do arroz”. Guedes reclama porque o Ministério da Justiça pediu explicações para a alta do preço do produto. Bolsonaro diz que autorizou que o pedido fosse feito.

Guedes sabe que Bolsonaro jamais cairia da arapuca de tabelar preços. Bolsonaro sabe que Guedes sabe disso. Mas para o público de Guedes, os empresários, pega bem que ele reclame. E para os pobres que Bolsonaro quer conquistar, que ele cobre explicações.

E segue o baile. Cada um com o seu papel e a situação sob controle. À falta de oposição, o céu é de brigadeiro para eles.

A corrupção sequestrou a política do Rio e tão cedo a libertará

Futuro com cara de presente

A corrupção emporcalhou de tal maneira a imagem política do Rio de Janeiro que o bacharel em Direito Eduardo Paes, duas vezes prefeito da cidade do Rio e candidato, este ano, ao mesmo posto, teria razões de sobra para comemorar o fato de ter-se tornado réu por irregularidades em contratações antigas.

A situação dele não é nada má se comparada, por exemplo, com a de Wilson Witzel, afastado do cargo por 180 dias e ameaçado de impeachment por desvio de dinheiro da Saúde. Ou com a situação do governador interino Cláudio Castro, investigado por ter recebido propina na época em que era vereador.

Paes parece menos enrolado do que o seu sucessor, o atual prefeito Marcelo Crivella, candidato à reeleição, acusado de fraude em licitações e lavagem de dinheiro. E do que o secretário estadual da Educação e a ex-deputada federal Cristiane Brasil, ambos presos ontem, suspeitos de desvio de 117 milhões de reais.

Só nesta semana, no Rio, foram três operações policiais contra corrupção em apenas quatro dias. Houve agente e promotor que participarem de duas em menos de 48 horas. Cansativo. Nem por isso há sinais de que o futuro possa ser o oposto do presente. O crime infiltrou-se no aparelho do Estado e sequestrou a política.