Ricardo Noblat

Ricardo Noblat: Flávio Bolsonaro nada aprendeu e nada esqueceu

Descoberto o golpe que ele tentou aplicar no Senado

Ensinou Tancredo Neves, o presidente da República eleito em 1985 que morreu sem tomar posse: “Esperteza quando é muita engole o esperto”. No caso do senador Flávio Bolsonaro, o Zero Um, seria um exagero classificar de muita esperteza o que ele fez. Seus colegas de Congresso estão cansados de fazer a mesma coisa.

Flávio decidiu ir curtir com a sua mulher o feriado de Finados na paradisíaca ilha de Fernando de Noronha. E debitou na conta do Senado o custo da própria passagem área, o que só seria permitido se ele tivesse viajado a trabalho. Recentemente, o Senado pagou uma viagem dele a Manaus para escapar de uma ação da Justiça.

Cada senador, mensalmente, custa aos cofres públicos algo como R$ 135 mil, entre salário, benefícios, auxílio para que exerça o mandato e despesas de gabinete. Flávio pediu o reembolso de R$ 1.617,66 pelo preço da passagem, e o Senado o reembolsou. Pediu também o reembolso de diárias pelos seis dias que ficará na ilha.

Uma vez descoberto o golpe que pretendia aplicar no Orçamento do Senado, soltou uma nota onde afirma que tudo não passou de um “equívoco” dos seus assessores. Disse que devolverá o dinheiro já embolsado com a compra da passagem e que vai cancelar o pedido de pagamento das diárias. Taokey! Ficará por isso mesmo.

O senador está empenhado em que também fique por isso mesmo a história da rachadinha quando ele era deputado estadual no Rio, e Fabrício Queiroz seu chefe de gabinete. Segundo o Ministério Público, Flávio embolsou parte dos salários pagos pela Assembleia Legislativa a seus funcionários. Está sendo processado.


Ricardo Noblat: Mourão, o vice-presidente, desafia o dono da caneta Bic

Bolsonaro reconcilia-se com o presidente brigão que sempre foi

Beleza! À falta de com quem mais brigar, o presidente Jair Bolsonaro, que não consegue que seus ministros parem de brigar, decidiu enfrentar o general Hamilton Mourão, o vice-presidente e seu substituto imediato. É verdade que Mourão fez por onde.

Bolsonaro disse e não se cansa de repetir que o governo federal não comprará a vacina chinesa para não dar gosto ao governador de São Paulo João Doria (PSDB), seu patrocinador. Sabe-se que isso não passa de marola, mas não vem ao caso.

Em entrevista à VEJA, Mourão disse o contrário: “O governo vai comprar a vacina, lógico que vai. Já colocamos os recursos no Butantan para produzir a vacina. O governo não vai fugir disso aí”. Foi o que bastou. “A caneta Bic é minha”, respondeu Bolsonaro.

Mourão passou a falar para dentro da caserna, mas também para fora, desde que concluiu que não tem futuro como candidato na chapa de Bolsonaro à reeleição. Sonha com uma cadeira no Senado, como admitiu à VEJA. Talvez pelo Rio Grande do Sul.

Os militares cavalgaram a candidatura de Bolsonaro a presidente só para barrar as chances de o PT ganhar a eleição de 2018. Em 2022, se o PT não tiver chance, poderão abandonar Bolsonaro e cavalgar outro nome. Os generais andam irritados com o capitão.

A derrota bate à porta de Russomanno e de Crivella

Os candidatos de Bolsonaro

A história ensina que a duas semanas do dia da eleição, é mais fácil que cresça um candidato atrás nas pesquisas de intenção de voto do que se recupere outro que só tem feito cair. Este é o drama que enfrentam Celso Russomanno em São Paulo e Marcelo Crivella no Rio, ambos candidatos do partido Republicanos a prefeito.

A situação de Crivella é pior. 55% dos eleitores entrevistados pelo Ibope esta semana disseram que não votarão nele de jeito nenhum. Crivella aparece empatado com a Delegada Martha Rocha (PDT) que subiu de oito pontos percentuais para 14. Crivella oscilou dois pontos percentuais para cima, dentro da margem de erro.

Em São Paulo, enquanto Bruno Covas (PSDB), candidato à reeleição, cresceu quatro pontos e alcançou 26% nas intenções de voto, Russomanno perdeu cinco pontos e está com 20%. Poderá ser ultrapassado por Guilherme Boulos (PSOL) que saltou de 10% para 13%, ou até por Márcio França que passou de 7% para 11%.

Covas torce para enfrentar Boulos. No Rio, o líder da pesquisa, o Eduardo Paes (DEM), torce para que Crivella reaja. O perigo para Paes seria Martha Rocha. Em apuros, Crivella e Russomano gravaram um vídeo de propaganda com Bolsonaro onde o presidente pede que seus seguidores votem neles.

A rejeição a Bolsonaro é maior em São Paulo do que no Rio. Mas o apoio de Bolsonaro a Russomanno é mais sincero do que o apoio a Crivella. Em sua live semanal no Facebook, Bolsonaro disse sobre Crivella: “E terminando agora, um nome que dá polêmica, né. Porque o Rio de Janeiro sempre é polêmico.”

E em seguida: “Eu tô aqui com o Crivella, tá certo. Conheço ele há muito tempo. Foi deputado federal comigo.” A respeito de Paes, sem citar seu nome, afirmou: “Eu não quero tecer críticas, é um bom administrador. Mas eu fico aqui com o Crivella”. De fato ficou, não sem antes advertir:

– Se não quiser votar nele, fique tranquilo. Não vamos brigar entre nós por causa disso aí porque eu respeito os seus candidatos também.

Crivella está frito. Russomanno ainda alimenta alguma esperança.


Ricardo Noblat: Bolsonaro usa guaraná cor-de-rosa para ofender gays e maranhenses

Homofobia na veia

Guaraná Jesus está para os maranhenses assim como pizza está para os paulistas, Biscoito Globo para os cariocas quando dá praia, bolo de rolo para os pernambucanos, acarajé para os baianos todo santo dia e churrasco para os gaúchos nos fins de semana.

Mas como Bolsonaro tem por hábito atacar seus desafetos, valeu-se do guaraná nas poucas horas que passou, ontem, em território “inimigo” para ofender ao mesmo tempo os maranhenses, os homossexuais e o governador Flávio Dino (PC do B).

Foi sua primeira visita oficial ao Maranhão e ele fez questão de torná-la inesquecível. Desembarcou em São Luís sem máscara e indiferente às medidas de prevenção ao novo coronavírus. Inaugurou um trecho da rodovia BR-135.

E antes de voar para Imperatriz, a segunda maior cidade do Estado, tomou um copo do Guaraná Jesus e debochou da sua cor. Enquanto sua equipe fazia uma transmissão ao vivo nas redes sociais, comentou com o dono de um bar que o recepcionava:

– Agora eu virei boiola. Igual maranhense, é isso? Guaraná cor-de-rosa do Maranhão aí, quem toma esse guaraná aqui vira maranhense. Guaraná cor-de-rosa. Fod…, fod…

Boiola, segundo os dicionários, é homem homossexual, indivíduo fraco ou medroso. Homofobia é uma série de atitudes e sentimentos negativos em relação a pessoas homossexuais. O comentário reforça a acusação de que Bolsonaro é homofóbico.

Não foi a primeira vez que ele se revelou assim. Em 2011, quando perguntado se receberia de bom grado o voto de um eleitor homossexual, respondeu:

– O voto é muito bem-vindo, e tão votando num macho, eles não querem votar em boiola, é que boiola não atende os sonhos deles, tão votando num macho.

Sobre a orientação sexual dos filhos foi taxativo:

– Eu não tenho qualquer informação que um filho meu tenha um comportamento homossexual com quem quer que seja, até porque tudo o que esses bichas têm para oferecer, as mulheres têm e é melhor.

Em 2013, declarou que preferia um “filho viciado a um filho gay”. Em 2014, que a maioria dos gays foi influenciada por “amizade e consumo de drogas”. Em julho último, repetiu que jamais iria a uma parada gay porque acredita em Deus e “nos bons costumes”.

Bolsonaro só deixou o Maranhão após afirmar que o Estado é o mais atrasado do país porque seu governador é comunista. À noite, em sua live semanal no Facebook, desculpou-se:

– Estava conversando com um cara: ‘Pô, o guaraná é cor-de-rosa aqui’. Falei uns troços lá, alguém pegou, divulgou, não sei o quê, como se eu tivesse ofendendo aí quem quer que seja no Maranhão. Muito pelo contrário. […] Agora, a maldade está aí.

Planeja-se em São Luís uma manifestação em desagravo aos maranhenses e ao Guaraná Jesus.

Governo volta a lavar roupa suja em plena luz do dia

Bonde fora dos trilhos

Não é à falta do que fazer que ministros de Bolsonaro entram em choque. É porque o mau exemplo que vem de cima os contamina. Se você tem um chefe que briga por tudo e por qualquer coisa, e depois dá o dito pelo não dito, por que não copiá-lo?

Há três dias, Bolsonaro recomendou aos seus ministros que não lavem roupa suja em público. O ministro do Meio Ambiente havia chamado o general ministro da Secretaria do Governo de Maria Fofoca. Uma humilhação para quem usa farda.

A recomendação foi para o lixo menos de 72 horas depois. Embora sem citá-lo, o ministro da Economia voltou a criticar seu colega do Desenvolvimento Regional, e se não bastasse, atacou a Federação Brasileira de Bancos, um reduto do lobby, segundo ele.

Paulo Guedes fala muito e com frequência diz besteiras. Lembra alguém? O ministro alvo dos seus vitupérios viajou ao Maranhão com Bolsonaro e foi publicamente elogiado por ele. O ministro do Meio Ambiente preferiu viajar em outra direção.

Do paraíso de Fernando de Noronha, mandou dizer que invadiram sua conta no Twitter e que ele nada teve a ver com a mensagem ali postada sobre a má forma física de Rodrigo Maia, presidente da Câmara. Maia, de fato, está acima do peso ideal.

Mas isso uma pessoa educada não fala a respeito de outra. Salles é tudo, menos uma pessoa educada. E, estimulado pelos filhos do presidente, bate em quem eles querem bater. A conta de Salles no Twitter foi cancelada. Ignora-se se pelo Twitter ou por ele.

Maia não respondeu a Salles. Estava ocupado em rebater insinuações malévolas feitas sobre ele pelo presidente do Banco Central, que as negou, e Maia deu-se por satisfeito. O que não tem conserto é a relação de Bolsonaro com João Doria.

Outra vez por causa da vacina chinesa, Bolsonaro voltou a atacar o governador paulista que respondeu com gosto em cima da bucha. E assim segue o Bonde do Planalto, sem rumo certo, desgovernado e fora dos trilhos. Os próximos dois anos prometem.


Ricardo Noblat: Bolsonaro, um presidente acidental, outra vez dá meia volta volver

Marcha soldado, cabeça de papel

Bolsonaro nada aprendeu em 30 anos de vida pública. Em compensação, nada esqueceu. De duas, uma. A inclusão das unidades básicas de saúde num programa de parcerias com a iniciativa privada era uma boa ideia, e por isso ele assinou o decreto publicado, anteontem, no Diário Oficial. Ou então era uma má ideia, e por isso ele revogou o decreto 24 horas depois.

Algo semelhante aconteceu na semana passada quando Bolsonaro disse que a vacina chinesa contra a Covid-19 jamais seria comprada. Foi uma humilhação para o general Eduardo Pazuello, ministro da Saúde, especialista em logística, que anunciara a compra da vacina. Mas, em seguida, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária desautorizou Bolsonaro, e ele calou-se.

O ator Ronald Reagan foi um dos presidentes mais aclamados da história dos Estados Unidos. Detestava pegar no pesado. Não gostava de governar. Entendia de poucas coisas. Soube cercar-se, porém, de auxiliares competentes. Bolsonaro é quase tão ignorante quanto Reagan. Pegar no pesado não é com ele. Gosta do poder, de governar, não. Cercou-se de auxiliares incompetentes.

Onde já se viu assinar um decreto de tal importância, que necessariamente alcançaria larga repercussão como era fácil de prever, sem antes discuti-lo com os mais diretamente interessados e também com representantes do distinto público? Por unanimidade, os secretários estaduais de Saúde rechaçaram o decreto. O distinto público matou-o a pau sem dó nem piedade.

O movimento nas mídias sociais em defesa do Sistema Único de Saúde registrou a maior repercussão negativa via Twitter de uma medida do governo Bolsonaro desde janeiro de 2019. Dados levantados pela consultoria Arquimedes registram que 98,5% das menções feitas sobre o tema foram desfavoráveis ao decreto. A consultoria analisou mais de 150 mil referências.

Se não liga para o que lhe diz o ministro da Saúde, Bolsonaro liga em demasia para o que lê nas redes. Ali, estava acostumado a ver suas decisões aprovadas sem grandes discussões. De uns tempos para cá, parte delas passou a ser rejeitada. Foi o caso da demissão de Sérgio Moro, do seu comportamento na batalha contra o coronavírus e da aliança com o malsinado Centrão.

O mais bizarro: ao anunciar a revogação do polêmico decreto, Bolsonaro afirmou que ele era muito bom, sim senhor, e que poderá mais tarde ser reeditado. É mais fácil concluir que ele simplesmente não sabe direito por que assina certas coisas. Só sabe por que recua depois – mas isso não conta. Recua com medo de não se reeleger. É só o que lhe importa e orienta.


Ricardo Noblat: Quando o presidente abusa dos seus poderes em socorro dos filhos

O país, anestesiado, considera tudo normal

Se nada havia de anormal, por que a presidência da República tentou esconder o encontro de Jair Bolsonaro com duas advogadas de defesa do seu filho Flávio, o Zero Um, denunciado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro por lavagem de dinheiro, apropriação de parte dos salários de funcionários do seu gabinete à época em que era deputado estadual, e organização criminosa?

O encontro ocorreu há pouco mais de dois meses no gabinete de trabalho de Bolsonaro que fica no terceiro andar do Palácio do Planalto. Dele participaram também o general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional, e o delegado Alexandre Ramagem, chefe da Agência Brasileira de Inteligência, órgão encarregado de espionar adversários do governo.

Discutiu-se como salvar Flávio dos problemas que enfrenta na Justiça, e como o aparelho estatal de segurança poderia ajudar na tarefa. As advogadas apresentaram um dossiê onde estão listadas supostas irregularidades cometidas por um grupo de funcionários da Receita Federal no fornecimento de informações sobre as contas bancárias de Flávio a órgãos oficiais de fiscalização.

O governo não diz como o caso evoluiu a partir do encontro. Tudo é segredo. O general Augusto Heleno só falou a respeito quando a imprensa descobriu o uso escandaloso da máquina pública para favorecer o filho do presidente da República. E o que ele disse? Que só participou do encontro porque lhe compete garantir a segurança da família presidencial. Nada demais.

O mundo quase desabou na cabeça da ex-presidente Dilma ao saber-se que ela avisou com antecedência ao marqueteiro de sua campanha em 2014 que a Polícia Federal poderia prendê-lo a qualquer momento. Diz-se, e com razão, que o gesto de Dilma, mais do que uma simples demonstração de afetividade, configura uma clara tentativa de obstrução da justiça.

Ela não poderia ter feito o que fez. Da mesma maneira como Bolsonaro também não. Os dois abusaram dos poderes e dos privilégios do cargo. Acontece que Dilma foi derrubada, mas não por isso. Bolsonaro continua presidente, apesar disso. É investigado porque quis intervir na Polícia Federal em defesa de Flávio e de Carlos, o Zero Dois. O processo dará em nada.

De tanto se sucederem anormalidades desde que Bolsonaro chegou à presidência da República, o país, anestesiado, já não parece se espantar com mais nada. Pandemia é uma gripezinha? Tudo bem. Gripezinha que não matará sequer mil brasileiros? Tudo bem. Cloroquina é o remédio ideal contra o vírus? Tome-se. Vacina só para quem quiser se vacinar? Assim deve ser. Vida que segue.

Poupe-se o Supremo Tribunal de legislar no lugar do Congresso

Sanções para quem não se vacinar

Faz bem Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara dos Deputados, em tomar a iniciativa de tentar se entender com o governo em torno da aplicação obrigatória ou não de vacinas contra o coronavírus. Assim, poupa o Supremo Tribunal Federal de ter que se meter no assunto. Congresso existe para legislar.

O presidente Jair Bolsonaro é partidário de que se vacine quem quiser. Quem não quiser, não deve ser obrigado. Ocorre que a saúde coletiva não pode subordinar-se à saúde individual. A esmagadora maioria dos brasileiros diz querer vacinar-se. Há meios e modos legais de forçar os demais a se vacinarem também.

Um desses meios seria criar vários tipos de sanções para os que resistem à imunização. Quem não se vacinar, por exemplo, seria proibido de frequentar locais públicos onde possa haver aglomerações. Pela mesma razão, seria também proibido de usar o transporte coletivo e de viajar ao exterior. E assim por diante.


Ricardo Noblat: Bolsonaro mente enquanto a Amazônia pega fogo

O exercício permanente e obstinado do engodo

Por ignorância, estupidez ou conveniência, as declarações do presidente Jair Bolsonaro sobre a Amazônia foram de um extremo a outro nesses quase dois anos de (des)governo. Ainda no primeiro semestre do ano passado, ele disse que a Amazônia estava oquei e chamou de feia a mulher do presidente francês, preocupado com a destruição da maior floresta do planeta.

Em meados deste ano, ante o aumento do número de focos de incêndio por lá, Bolsonaro negou que a Amazônia pegasse fogo porque o clima, ali, é úmido. O que pegava fogo, segundo ele, era a periferia. Não disse que o fogo ateado na periferia deve-se à ação humana criminosa e ao desinteresse do Estado em detê-la. A omissão do Estado só fez crescer desde que ele tomou posse.

Na última quinta-feira, durante cerimônia de formatura de alunos do Instituto Rio Branco no Ministério das Relações Exteriores, Bolsonaro deu pelo não dito até então para afirmar que não há “nada queimado” na Amazônia, sequer “um hectare de selva devastada”. Sim, foi isso mesmo que você leu: nada queima na Amazônia e nenhum hectare de selva foi devastado.

Aproveitou a ocasião para anunciar que, em breve, vai convidar diplomas estrangeiros para um sobrevoo de uma hora e meia de parte da floresta entre Manaus e Boa Vista. Assim eles poderão constatar que a Amazônia não arde. Na verdade, o sucesso da viagem dependerá da rota traçada e da perícia do piloto para passar longe dos trechos em chama e desmatados.

Ainda faltam dois meses para 2020 acabar, mas na Amazônia o número de focos ativos de calor já ultrapassou o total registrado nos 12 meses de 2019, informa o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. O bioma Amazônia registrou este ano 89.734 focos. Em todo o ano passado, 89.176. Até anteontem, o número já era quase o dobro do visto no mês inteiro de outubro do ano passado.

O que Bolsonaro diz não se escreve ou não deveria ser escrito. Mas o pior é que se escreve, quando nada porque não é normal que um presidente da República minta tanto ao seu país e ao mundo.


Ricardo Noblat: General Pazuello, pede pra sair!

Farda manchada

Como acreditar no que o general Eduardo Pazuello, ministro da Saúde, disser ou fizer doravante? Se tivesse o mínimo de preocupação com a sua e a imagem dos colegas de caserna, pediria demissão depois de desautorizado pelo presidente Jair Bolsonaro no caso da compra da vacina chinesa contra a Covid-19.

Mas, não. Infectado pelo vírus, recolhido ao hotel do Exército em Brasília, onde mora, Pazuello foi acordado, ontem à tarde, para receber a visita de Bolsonaro. E foi constrangido a gravar uma parte de sua conversa com ele onde afirmou: “É simples assim, um manda e outro obedece. Mas a gente tem carinho”.

Vexame, vexame, vexame! Onde já se viu um general render-se a um capitão? Ou melhor: a um ex-capitão? Tudo bem, o ex-capitão é hoje o presidente da República, e o general ainda na ativa, seu vassalo. De toda forma, pegou muito mal para ele entre seus colegas de farda. Primeiro foi desautorizado. Depois, humilhou-se.

No último fim de semana, Pazuello havia combinado com Bolsonaro no Palácio da Alvorada o que diria quando se reunisse com os governadores para discutir a compra de vacinas. E cumpriu o combinado ao anunciar:

“A vacina do Butantan será a vacina brasileira. Já fizemos carta em resposta ao ofício do Butantan, e essa carta é o compromisso da aquisição das vacinas que serão fabricadas até o início de janeiro, em torno de 46 milhões de doses, e essas vacinas servirão para nós iniciarmos a vacinação ainda em janeiro. Essa é a nossa grande novidade e isso reequilibra o processo”.

Aí, o governador João Doria (PSDB), de São Paulo, o padrinho da vacina chinesa no Brasil, celebrou o anúncio nas redes sociais e por toda parte. Aí, no dia seguinte, os bolsonaristas de raiz foram para cima de Bolsonaro nas redes. Aí, furioso e a conselho dos três filhos zeros, Bolsonaro deixou Pazuello pendurado na brocha.

Militares próximos ao presidente, e militares da reserva ficaram indignados com o episódio. Inicialmente, com o que Bolsonaro fez. Ontem, com o que fez também Pazuello. Até porque a vacina chinesa, ainda em fase de teste como as demais, se aprovada acabará sendo comprada. Doria continua rindo à toa.

Essa parada foi ganha por ele, que mais e mais se oferece como o candidato capaz de derrotar Bolsonaro em 2022. Cerca de 70% dos brasileiros se dizem dispostos a se vacinar, segundo pesquisa Datafolha. E parte deles começa a ver Bolsonaro como inimigo de tudo o que possa salvar vidas.

Em tempo: Pazuello revelou que está sendo tratado com cloroquina. Bolsonaro ficou muito satisfeito com o que ouviu.

Delegadas em alta, candidatos a prefeito favoritos, preocupados

Russomano derrete e rejeição a Crivella aumenta

O sonho de qualquer candidato é poder escolher o seu adversário. O adversário dos sonhos do prefeito Bruno Covas (PSDB), de São Paulo, por exemplo, é o deputado Celso Russomano (Republicanos), apoiado pelo presidente Jair Bolsonaro.

Nas contas de Covas, se os dois disputarem o segundo turno, ele se reelegerá com o apoio dos eleitores de Guilherme Boulos (PSOL) e de Jilmar Tatto (PT), e de uma parte dos eleitores de Márcio França (PSB). O candidato mais difícil para Covas seria França.

O adversário dos sonhos de Eduardo Paes (DEM), candidato a prefeito do Rio, é Crivella (Republicanos). O mais perigoso, a Delegada Martha Rocha (PDT). No Recife, tanto faz para João Campos (PSB) enfrentar Marília (PT) quanto Mendonça (DEM).

Marília é prima de Campos, e o PT não está inteiramente fechado com ela. Uma fatia grande apoia Campos desde já. Mendonça, que estimula a campanha “Mendonça é Bolsonaro, Bolsonaro é Mendonça”, costuma perder as eleições majoritárias que disputa.

Quem poderia dar trabalho a Campos seria a Delegada Patrícia (Podemos), apoiada pelo Cidadania, antigo Partido Comunista Brasileiro. Pois foi justamente ela que cresceu e atropelou Marília e Mendonça na mais recente pesquisa Datafolha.

As delegadas estão em alta. Enquanto Crivella despenca e sua rejeição sobe, Martha Rocha empata com ele e deve superá-lo na pesquisa da próxima semana. Em simulação de segundo turno, Patrícia e Campos já aparecem empatados.

Russomano está ladeira abaixo, para aflição de Covas e felicidade de França. Parece escrito que ele cumprirá sua sina de ser líder na largada de campanha e em seguida começar a derreter. É como cavalo paraguaio: dispara na frente e depois perde o páreo.


Ricardo Noblat: Mais uma bravata de quem não governa o país, só é candidato

Veto de mentirinha à vacina chinesa

Boa notícia: o presidente Bolsonaro passou a acreditar na Ciência. Se até outro dia recomendava o uso da cloroquina para os infectados pela Covid-19, agora diz que a vacina chinesa contra o mal não será aplicada porque carece de aprovação científica.

Ou ele fala sério ou dança em cima dos cadáveres de 156 mil brasileiros vítimas do vírus até aqui. Como Bolsonaro é um homem honrado, deve falar sério porque jamais trairia os que o elegeram e poderão reelegê-lo daqui a dois anos.

A situação é tão ruim para os que gostariam de vê-lo derrotado que a oposição comemora a aprovação pelo Senado do novo ministro do Supremo Tribunal Federal, indicado pelo presidente, e sai em socorro do ministro da Saúde, ameaçado pelo presidente.

A oposição sente saudade dos ministros Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, forçados por Bolsonaro a desembarcarem do governo. E a essa altura, seria capaz até de votar para presidente no general Santos Cruz, escorraçado do governo pelos três zeros.

Que falta faz Gustavo Bebianno, um dos mais fanáticos adoradores de Bolsonaro, o primeiro ministro a ser demitido por ele. Desgostoso, morreu. Se pelo menos fosse possível resgatar o conteúdo do seu celular desaparecido, lamenta a oposição…

Bolsonaro autorizou o general Eduardo Pazuello a anunciar, como ele fez anteontem, que “a vacina do Butantan será a vacina brasileira. Com isso, o registro vem pela Anvisa e não pela Anvisa chinesa. E isso nos dá mais segurança e margem de manobra”.

Mas ontem cedo, como costuma fazer diariamente, ao entrar nas redes sociais para avaliar o humor dos seus seguidores, deparou-se com a reação negativa deles à vacina chinesa. Então disse que também se sentia traído e que a vacina não será comprada.

O que se passou ao longo do dia foi o de sempre: alguns assessores presidenciais queriam ver Pazuello ardendo em praça pública, a maioria tentando apagar o fogo. À noite, mais calmo, Bolsonaro ditou sua mais recente posição em entrevista à CNN:

– O ministro Pazuello não vai sair do governo. O que aconteceu foi um mal-entendido, mas isso não vai envenenar o nosso ambiente. Pazuello é meu amigo particular e ele é um dos melhores ministros da Saúde que o Brasil já teve.

Reafirmou, é claro, que a decisão de não comprar a vacina chinesa é “definitiva porque não há vacina pronta.” Deixou aberta a porta para comprá-la quando estiver pronta e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária der seu ok. Nenhuma vacina está pronta.

Mais uma fanfarronice de um presidente que não governa e que só é candidato a desgovernar o país por mais quatro anos.


Ricardo Noblat: Na reta final, Trump une-se aos democratas contra os republicanos

Coisas da política americana

Imagine a seguinte situação. A poucos dias do segundo turno da eleição de 2022, ameaçado de não se reeleger, Jair Bolsonaro, aconselhado por assessores, concorda em negociar com a oposição um pacote de socorro aos brasileiros que mais sofreram com os efeitos da pandemia do coronavírus.

A oposição no Congresso quer um pacote o mais generoso possível. Bolsonaro está de acordo porque seria uma chance de não ser derrotado. Mas, o conjunto de partidos que apoia o governo é contra. Alega que suas bases eleitorais, predominantemente conservadoras, acham o pacote um exagero. Questão de ideologia.

Essa é a situação que vive neste momento o presidente Donald Trump. Ele e o Partido Democrata negociam um pacote que poderá injetar na economia algo como pouco mais de dois trilhões de dólares além do que já foi gasto até aqui com os americanos mais afetados pelo Covid-19. O Partido Republicano discorda.

Segundo o jornal The New York Times, o senador Mitch McConnell, líder dos republicanos, disse ontem a seus colegas que havia alertado a Casa Branca para não chegar a um acordo pré-eleitoral com a presidente da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, a democrata Nancy Pelosi.

Pelosi e o Secretário do Tesouro, autorizado por Trump, já ultrapassaram a casa dos 1,8 trilhão de dólares na discussão sobre o tamanho da ajuda. Trump quer mais. McConnell garante que o máximo que os republicanos poderiam tolerar seria um pacote de 500 bilhões. Sem os votos dos democratas, não haverá pacote.

Em outra frente, Trump pressiona o Secretário de Justiça William Barr a abrir uma investigação sobre um novo e suposto escândalo que envolveria Joe Biden, candidato do Partido Democrata a presidente, e o laptop de seu filho Hunter. “Temos de fazer o Secretário de Justiça agir”, disse Trump à Fox News.

Um e-mail encontrado em um laptop que Hunter Biden teria deixado em uma assistência técnica daria conta que ele marcara uma reunião entre seu pai, à época vice-presidente de Barack Obama, e um funcionário da Burisma, empresa ucraniana de energia que pagava para ter Hunter no seu conselho de acionistas.

O jornal New York Post publicou a história cuja fonte original é Rudy Giuliani, advogado de Trump. O FBI investiga se o material entregue ao jornal está ligado a um esforço de desinformação russo. Biden afirma que o encontro nunca ocorreu. Trump abordará o assunto no debate de amanhã com Biden, o último.

Para Trump, na reta final da campanha, vale tudo para dar a volta por cima. As pesquisas de intenção de voto apontam Biden como favorito.


Ricardo Noblat: Na raiz do conflito entre ministros, a chaga dos presos provisórios

O que diz a lei não vale para todos

Não convidem para dividir a mesma mesa os ministros Marco Aurélio Mello e Luiz Fux do Supremo Tribunal Federal. Nem Fux e os ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli. Jamais os ministros Gilmar e Marco Aurélio. Gilmar e Marco Aurélio, por querelas antigas que quase resultaram em troca de socos.

Fux detestou o acordo feito pelo presidente Jair Bolsonaro com Gilmar e Toffoli em torno da indicação do desembargador Kassio Nunes Marques para a vaga no Supremo aberta com a aposentadoria do ministro Celso de Mello. Falta ao “nosso Kassio” envergadura para tal, ou mesmo currículo confiável.

O troco veio rápido. Para evitar que Kassio chegue ao tribunal com essa bola toda e blindar a Lava Jato contra seus futuros votos, Fux sugeriu devolver ao plenário o poder de julgar ações penais que era repartido entre a Primeira e a Segunda Turma, cada uma delas formada por cinco ministros. Sugestão dada, sugestão aceita.

No último fim de semana, explodiu o conflito entre Marco Aurélio e Fux por causa de uma decisão do primeiro revogada em tempo recorde pelo segundo. Marco Aurélio mandou soltar o traficante André do Rap, um dos líderes do Primeiro Comando da Capital (PCC). Fuz revogou a ordem do colega.

Quem tem razão? Marco Aurélio e Fux têm razão, a levarem-se em conta os argumentos esgrimidos para justificar uma e a outra coisa, e esse é o nó da questão. Marco Aurélio baseou-se em novo trecho do artigo 316 do Código de Processo Penal, incluído após a aprovação do pacote anticrime aprovado no Congresso em 2019.

O novo trecho diz que o juiz precisa reavaliar a prisão preventiva a cada 90 dias – antes não havia prazo. Como isso não foi feito no caso de André do Rap, e sua defesa bateu às portas do Supremo, Marco Aurélio libertou-o. Desconfia a polícia paulista que o traficante fugiu para o Paraguai e que será difícil recapturá-lo.

Fux entendeu que o traficante deveria continuar preso porque é de “comprovada e altíssima periculosidade, com dupla condenação em segundo grau por tráfico transnacional de drogas, investigado por participação de alto nível hierárquico em organização criminosa e com histórico de foragido por mais de 5 anos”.

Marco Aurélio partiu para cima de Fux: “Ele assumiu a postura de censor. Eu não sou superior a ele, mas também não sou inferior”, disse. “Atuo segundo o direito posto pelo Congresso Nacional e nada mais. Evidentemente não poderia olhar a capa do processo e aí adotar um critério estranho a um critério legal”.

Presidente do Supremo há menos de um mês, Fux não quis polemizar com Marco Aurélio. Mas disse a pessoas que com ele, ontem, conversaram que viu “perigo” na tese do seu colega que beneficiou o traficante, pois se ela vingasse, “inúmeros réus perigosos acabariam sendo soltos”. Sobrou para quem?

Para o Congresso. Em sua defesa, saiu Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara. Ele não descartou revisão na lei que amparou a decisão de Marco Aurélio, mas afirmou que a falha foi do Ministério Público que deveria ter renovado o pedido de prisão preventiva do traficante em um prazo de 90 dias, e não o fez.

O Brasil tem mais de 773 mil presos provisórios, informou em fevereiro deste ano o Ministério da Justiça e Segurança Pública. Preso provisório é aquele cuja prisão foi decretada com o intuito de garantir que o acusado passe por um processo penal com amplo direito de defesa antes de ser sentenciado em definitivo.

São quase todos jovens, pobres, negros e mulatos. Somam algo como 40% do total de encarcerados em 2,6 mil cadeias de presídios e delegacias. A maioria está trancada há pelo menos quatro anos à espera da assinatura de um juiz que decida seu destino. Muitos, desde antes da sentença de primeira instância.

A Constituição assegura “a todos” o direito à “razoável duração do processo” e “a celeridade de sua tramitação”. Na vida real, a história é outra. Ministério Público, juízes e parlamentares sabem disso. A discussão pega fogo quando acontece um caso como o do traficante famoso, mas depois o fogo baixa e tudo fica como está.


Ricardo Noblat: Candidatos a prefeito de capitais que apoiam Bolsonaro começam mal

Cresce em São Paulo a rejeição a Russomanno, e no Rio a Crivella

A segunda rodada de pesquisas Datafolha sobre intenção de voto para prefeito em quatro das 10 capitais mais populosas do país só trouxe más notícias para o presidente Jair Bolsonaro. Candidatos apoiados por ele, ou que poderão vir a ser, ou que simplesmente invocam seu apoio inspiram preocupação.

O deputado federal Celso Russomanno, em São Paulo, não só caiu dois pontos percentuais como sua rejeição aumentou oito pontos. Ainda lidera, com 27% das intenções de voto, contra 21% de Bruno Covas (PSDB), o atual prefeito. Mas o grupo de eleitores que disse não votar nele de jeito nenhum saltou de 21% para 29%.

Essa parece ser a sina de Russomano sempre que disputa uma eleição majoritária. Costuma sair na frente, mas começa a cair, a cair até ser ultrapassado e ficar fora do segundo turno. A história poderá repetir-se. Covas manteve-se estável. Guilherme Boulos, do PSOL, demarcou-se de Márcio França (PSB). É o terceiro colocado.

O eleitorado de esquerda na capital paulista dá sinais de que prefere Boulos (12%) a Jilmar Tatto, do PT, um dos lanterninhas da pesquisa com 1%. Boulos é o candidato que tem atraído mais novos seguidores nas redes sociais. Ali, ele tem procurado compensar seu pouco tempo de propaganda na televisão.


Ricardo Noblat: No “debate da mosca”, a vice de Biden engole o vice de Trump

Pesquisa confere vitória a Kamala

A senadora Kamala Harris, a vice na chapa de Joe Biden, candidato do Partido Democrata à presidência dos Estados Unidos, é uma jiboia: pega sua presa, prende, aperta, se enrosca nela e a tritura até o último osso. Foi o que fez, ontem à noite, com Mike Pence, o vice de Donald Trump e candidato à reeleição.

Foi por uma diferença de sete pontos percentuais que Biden venceu Trump no primeiro debate entre os dois. O segundo e último debate será travado na próxima semana se Trump puder comparecer, uma vez que se recupera do vírus que o infectou. Pegar o vírus, segundo ele, foi “uma benção de Deus”.

Divulgada pela rede de televisão CNN no início desta madrugada, a primeira pesquisa sobre o debate entre Kamala e Pence apontou uma vitória da senadora pelo elástico placar de 59% contra 38% de Pence – diferença de 21 pontos percentuais. Se não foi um massacre, foi quase isso, e nada teve a ver com a mosca.

Por pouco mais de dois minutos, uma mosca, certamente de origem chinesa, passeou sobre os cabelos brancos de Pence que não passou recibo – por não tê-la visto ou porque fingiu não vê-la. Como os americanos têm mania de dar nome a tudo, certamente esse será conhecido no futuro como o “debate da mosca”.

Acima de tudo, foi um debate bem educado, à moda antiga, nada que lembrasse o quase não debate entre Trump e Biden marcado pela estupidez do presidente que interrompeu por mais de cem vezes, durante uma hora e meia, a fala do seu adversário, e a do mediador que tentava pôr ordem à discussão.

Pence jogou para os eleitores cativos de Trump. Kamala, para os eleitores ainda indecisos. Houve momentos, principalmente quando a Economia estava em cena, que Pence foi melhor. Mas no resto, Kamala dominou o debate. Ela é carismática, Pence não. Ela fala com a boca e o corpo, ele parece um robô programado.

A senadora teve o cuidado de não ser agressiva, pois entre os eleitores brancos são muitos os que acusam as mulheres negras de serem agressivas. Mas usou palavras duras para criticar Trump e seu vice. Acusou-os de racismo e de subestimar a pandemia que matou mais de 200 mil pessoas nos Estados Unidos.

E repetiu duas vezes, de olho na câmera, a frase que pode ter ficado na memória de muitos que assistiram ao debate:

– Eles sabiam o que estava acontecendo e não lhe contaram.

Bolsonaro detona a Lava Jato e Fux sai em socorro dela

Quem mandou acreditar no ex-capitão…

E agora que Jair Bolsonaro decretou o fim da Lava Jato, o que dirão os que votaram nele por acreditar que em seu governo a Lava Jato seguiria em frente, para o alto, e cada vez mais forte?

Opinião é direito de todo mundo, mas fato é fato. Bolsonaro se elegeu pegando carona na Lava Jato. Fez de Sérgio Moro, o líder da Lava Jato, seu ministro da Justiça (fato).

Até desentender-se com ele por tentar intervir na Polícia Federal, sempre falou bem da Lava Jato. Para ontem, finalmente, anunciar que acabou com a Lava Jato (fato).

Não lhe cabe acabar com a Lava Jato. Quem pode fazê-lo é a Procuradoria-Geral da República. Assim, o anúncio trai sua intenção de ver a Lava Jato no buraco, mas não passa disso.

A Procuradoria virou um puxadinho do Planalto (opinião, embora compartilhada por grande parte dos procuradores). Augusto Aras, seu chefe, quer extinguir a Lava Jato.

Por que Bolsonaro virou um inimigo da Lava Jato? Porque virou um inimigo de Moro e teme que ele possa atrapalhar sua reeleição (fato). Mas não só por isso. Tem mais.

Bolsonaro nasceu para a política dentro do Centrão, cresceu dentro do Centrão, trocou oito vezes de partidos, todos eles do Centrão, e chamou o Centrão para ajudá-lo a governar. São fatos.

É fato: o Centrão está repleto de deputados e senadores denunciados pela Lava Jato. Os que não foram, a detestam. Bolsonaro agrada o Centrão em troca de votos.

Quanto ao que afirmou, que não precisa da Lava Jato porque o seu é um governo sem corrupção, não é fato. É fake – no caso, para ver se diminui a insatisfação dos bolsonaristas órfãos de Moro.

Trump não teve o descaramento de proclamar nas últimas horas que contraiu o Covid-19 de tanto se expor a ele em defesa da saúde dos norte-americanos? Charlatanice pura!

Bolsonaro copia Trump. Mente sem receio. Falsifica fatos. Nega o impossível, porque aposta que sempre haverá uma parcela de público disposta a lhe dar crédito. E haverá, sim.

Sob nova administração, a do ministro Luiz Fux que sucedeu na presidência a Dias Toffoli, aliado de Bolsonaro, o Supremo Tribunal Federal decidiu dar mais um respiro à Lava Jato.

Doravante, caberá ao plenário, formado por 11 ministros, julgar as ações da Lava Jato, não mais à Segunda Turma composta por apenas cinco ministros. Em Fux, Moro sempre confiou.

Celso de Mello, o ministro que sai, faz parte da Segunda Turma, o endereço mais provável do novo ministro que chegará ali para votar como Bolsonaro quiser, e depois ir beber tubaína com ele.

Fux deu um chega pra lá em Bolsonaro, nos seus colegas Gilmar Mendes e Toffoli, padrinhos do ministro que Bolsonaro escolheu, e fixou limites ao aparelhamento do tribunal.

No final de maio último, Bolsonaro quis fechar o Supremo. Agora, quer dominá-lo.