Ricardo Noblat
Ricardo Noblat: Em cena, o jogo sujo dos candidatos ameaçados de perder a eleição
Propaganda negativa para destruir os adversários
É assim por toda parte, aqui e no exterior, quando o fantasma da derrota bate à porta dos candidatos na reta final da campanha. Eles apelam para qualquer coisa, de preferência a mentira, como derradeira arma para impedir a vitória dos adversários.
A seis dias do segundo turno, a disputa em São Paulo parece uma guerra travada por monges piedosos desprovidos de armas letais se comparada com o que ocorre de maneira particularmente dura em pelo menos duas capitais: Rio e Recife.
Campeão nacional de rejeição entre os candidatos a prefeito das maiores cidades do país, Marcelo Crivella (Republicanos) mandou distribuir no fim de semana 1,5 milhão de panfletos impressos em uma gráfica do Rio com pesadas acusações a Eduardo Paes (DEM).
Acusações que, de fato, não passam de fake news. Crivella diz que Paes é a favor da legalização do aborto, da liberação do consumo de drogas e do uso do “kit gay” para educar alunos da rede municipal. “Kit gay” foi invenção de Bolsonaro na eleição de 2018.
A mais recente pesquisa Datafolha conferiu a Paes 71% das intenções de voto contra 29% de Crivella. Só entre os evangélicos, Crivella, bispo da Igreja Universal, ainda vence Paes. O apoio de Bolsonaro será incapaz de salvá-lo de uma derrota humilhante.
Nada indica que uma derrota por diferença gigantesca esteja no radar de qualquer dos candidatos a prefeito do Recife que restaram no páreo – João Campos (PSB), bisneto de Miguel Arraes que governou Pernambuco três vezes, e Marília (PT), neta.
Mas Campos, herdeiro do pai Eduardo, que governou o Estado e morreu em um acidente aéreo em 2014 quando concorria à presidência da República, foi ultrapassado pela prima nas pesquisas e 10 pontos percentuais separam os dois.
A luz vermelha acendeu para Campos. E a saída encontrada por estrategistas de sua campanha foi desqualificar Marília. Na propaganda de televisão, ela foi acusada de ser contra a Bíblia. Em panfletos apócrifos, de ser pau mandado do PT.
A justiça proibiu Campos de questionar a religiosidade de Marília, católica, e que ontem ganhou o apoio de 13 igrejas evangélicas. Quanto à suposta subserviência de Marília ao PT, nada fez nem poderia fazer. É uma acusação política. Ela que se defenda.
O antipetismo no Recife é forte, e nisso Campos joga sua última cartada. Acontece que ele e o PSB sempre foram aliados do PT. Estiveram juntos na campanha por Lula livre e Fernando Haddad presidente. Juntos, ainda governam Pernambuco.
Do primeiro para o segundo turno, Campos não conquistou novos apoios e viu Marília crescer no eleitorado que votou nos candidatos da direita – Mendonça Filho (DEM) e a Delegada Patrícia Amorim (PODEMOS), avalizada por Bolsonaro em live no Facebook.
Esta semana, 3 pesquisas de intenção de voto darão uma ideia de como vai o humor dos recifenses. Ou Marília ampliará a vantagem sobre Campos ou assistiremos, domingo, a uma apuração dramática de votos. A primeira hipótese parece mais provável.
No combate à Covid-19, um novo desastre se anuncia
Imunização parcial
Enquanto o Ministério da Saúde se cala, e os especialistas no assunto discutem se esta ainda é a primeira ou o começo da segunda onda, só no Estado do Rio de Janeiro, em comparação com duas semanas atrás, houve um aumento de 112% na média móvel de casos e de 153% na de mortos pelo coronavírus.
Pelo sexto dia consecutivo, a doença avança no Rio. Desde março passado, ali foram infectadas 338.263 pessoas, e mortas 21.974. No país, segundo números de ontem, o vírus já infectou 6.070.419 de pessoas, matando 169.197. Ele ganhou fôlego um pouco em toda parte com o relaxamento das medidas de isolamento.
A levar-se em conta o desempenho desastroso do governo federal no combate à pandemia, o próximo desastre ganha contornos nítidos. Um total de 6,86 milhões de testes para o diagnóstico do vírus comprados pelo Ministério da Saúde perde a validade até janeiro. Estão estocados num armazém em Guarulhos, São Paulo.
O ministério informou que assinará em breve “cartas de intenção não-vinculantes” para a compra de vacinas produzidas pela Pfizer, Janssen, Bharat Biotech, Fundo Russo de Investimento Direto (responsável pela Sputinik V) e Moderna. Não citou a Coronavac, a vacina chinesa aqui produzida pelo Instituto Butantã.
O general Eduardo Pazuello, ministro da Saúde, quer evitar colidir outra vez com o presidente Jair Bolsonaro que deu as costas à vacina chinesa porque ela será adotada pelo governo de São Paulo. Bolsonaro elegeu o governador João Dória (PSDB) como seu principal adversário nas eleições de 2022.
O governo federal diz haver previsão de acesso a 142,9 milhões de doses pelos contratos já firmados, o que garantiria a imunização de cerca de 30% da população brasileira. A imunização de toda a população dos Estados Unidos e dos principais países da Europa já foi garantida por seus respectivos governos.
Ricardo Noblat: Exortação à brava gente brasileira
Longe vá temor servil
Racismo não existe. Tampouco desmatamento da Amazônia e, nesse caso, embaixadores de países europeus puderam conferir ao vivo. Pantanal em chamas? Que é isso? Começou a chover por lá. Quanto à pandemia, não passou de exagero da Organização Mundial de Saúde. Foi uma gripezinha. Só os mais fracos, que mais dia, menos dia, morreriam, de fato morreram.
E antes de dar por findo o rol de fake news criadas pelos verdadeiros inimigos do Brasil – sim, os extremistas de esquerda -, acrescente-se que ditadura militar, por aqui, nunca houve. Nem assassinatos de inimigos de um regime que, no limite, pode ser chamado de autoritário. Necessariamente forte na época em que o comunismo ameaçava a civilização ocidental e cristã.
Resta desmentir o apagão que deixou às escuras 13 dos 16 municípios do Amapá esquecido durante 14 anos pelos governos do PT e de Michel Temer. Exagero chamar de apagão o que ocorreu por lá. Um raio queimou duas subestações de energia. Quem pode prever um raio e o local onde ele vai cair? De imediato, o governo federal tomou as providências cabíveis.
Diga-se que o governo federal nada teria a ver com isso. A responsabilidade é do governo local. Mas o presidente da República não ficaria de braços cruzados enquanto uma fatia dos brasileiros enfrentasse dificuldades mesmo que temporárias. Em breve, a luz voltará a iluminar o Amapá. E as vozes isoladas que, ontem, hostilizaram o presidente se calarão arrependidas.
O país está em ordem. Reina a paz. E dará em nada a tentativa em curso de importar o vírus da segregação social para se jogar irmãos contra irmãos só porque dois policiais mal treinados mataram sem querer uma pessoa de cor. Somos todos daltônicos, e assim deveremos ser. As cores que enxergamos são o verde e o amarelo. Nossa bandeira jamais será vermelha. Deus acima de tudo!
Ricardo Noblat: A segregação, no Brasil, é social, racial e dissimulada
O assassinato de João Alberto Silveira Freitas, 40 anos, casado, pai de quatro filhos e negro
Subiu o preço das ações do Carrefour no fechamento da Bolsa de Valores de São Paulo. O motivo, segundo analistas do mercado financeiro: os maiores fornecedores de produtos da rede de supermercados não reagiram ao assassinato de João Alberto Silveira Freitas, 40 anos, negro, espancado até morrer por dois seguranças do Carrefour na Zona Norte de Porto Alegre.
Em pronunciamento de cinco minutos, Eduardo Leite (PSDB), governador do Rio Grande do Sul, só chamou o morto pelo nome uma vez. Falou em “excesso de violência” como causa da morte, o que permite concluir que se não tivesse havido excesso seria um episódio menor. Disse que “os excessos serão apurados”. E por duas vezes referiu-se ao ato como “crime” e “fato lamentável”.
No início da tarde, o general Hamilton Mourão, vice-presidente da República, lamentou a morte de João, mas negou que exista racismo no Brasil: “Não, para mim no Brasil não existe racismo. Isso é uma coisa que querem importar, isso não existe aqui. Eu digo para você com toda tranquilidade, não tem racismo”. O presidente Jair Bolsonaro escreveu no Twitter perto da meia-noite:
“O Brasil tem uma cultura única entre as nações. Somos um povo miscigenado. Brancos, negros, pardos e índios compõem o corpo e o espírito de um povo maravilhoso. […] Aqueles que instigam o povo à discórdia, fabricando e promovendo conflitos, atentam não somente contra a nação, mas contra nossa própria história. Quem prega isso está no lugar errado. Seu lugar é no lixo!”
Qual será o lugar de quem tratou a pandemia como gripezinha, prescreveu remédio que não curava a doença, e nega tudo o que o contraria? Em aparições públicas passadas, Mourão referiu-se a negros como “pessoas de cor”, associou indígenas a “certa herança de indolência” e revelou ter um neto bonito devido ao “branqueamento da raça”. Presidente e vice se merecem.
Fazem parte do currículo de Bolsonaro as seguintes declarações:
– Ele [o deputado Hélio Lopes, negro] demorou pra nascer e deu uma queimadinha.
– Eu não aceitaria ser operado por um médico cotista.
– Não sou racista. Tenho até um cunhado negro.
– O afrodescendente mais leve pesava sete arrobas [sobre os quilombolas].
Informa o Fórum Brasileiro de Segurança Pública: a quantidade de mortes entre pessoas de pele preta ou parda cresceu 33% entre 2007 e 2017. Entre não negros, subiu apenas 3,3%. Ou seja: dez vezes menos. Em 2019, a cada 100 pessoas assassinadas no Brasil, 75 eram negras. A chance de um jovem negro ser assassinado é 2,7 vezes maior do que a de um jovem branco.
Nos Estados Unidos, os negros representam 13% da população, mas são 25% dos mortos pela polícia. No Brasil, a soma de pretos e pardos representam 55%, mas são 75% dos mortos pela polícia. Ainda que a população norte-americana seja maior que a brasileira, a polícia de lá matou no ano passado 1.099 pessoas. A de cá, em igual período, 5.804, quase seis vezes mais.
No país que foi o último das Américas a abolir a escravidão, a soma dos deputados federais eleitos há dois anos que se autodeclaram pretos (21) e pardos (104) cresceu 5%. Os brancos são 75% da Câmara. Há uma indígena. Somente daqui um quarto de século o quadro de juízes no país será composto por, pelo menos, 22,2% de pessoas negras e pardas, segundo o Conselho Nacional de Justiça.
A primeira transmissão da televisão no Brasil ocorreu há 70 anos. Desde então, e por curto período de tempo, o país teve um negro como dono de uma concessão de TV, de acordo com uma pesquisa da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. O jornalista Roberto Marinho foi até hoje o mais poderoso empresário da área de comunicação. Sabem como a ele se referiam seus desafetos?
Africano (alcunha criada por Assis Chateaubriand, fundador do Grupo Diários Associados); Neguinho (Leonel Brizola, uma vez governador do Rio Grande do Sul, duas do Rio); Crioulo (Manoel Francisco do Nascimento Brito, dono do Jornal do Brasil); e Marinho Quase Negro (Carlos Lacerda, o político que derrubou dois presidentes da República, Getúlio Vargas e Jânio Quadros).
Em 2018, pretos e pardos eram apenas 13,5% dos jornalistas em postos formais no estado de São Paulo, segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos. Ganhavam, em média, salários 30,4% menores do que os pagos aos colegas brancos. Em 2019, homens negros não passavam de 2% dos colunistas da Folha, O Estado de São Paulo e O Globo.
“Não há como concorrer de igual para igual quando não se tem oportunidades de vida iguais”, observou a primeira colocada no vestibular para medicina da Universidade de São Paulo em 2017. E acrescentou: “A casa-grande surta quando a senzala vira médica”. Se a senzala não se rebela, a casa-grande jamais reconhecerá seus direitos – entre eles, o da igualdade.
A segregação, no Brasil, é social, racial e, como tudo aqui, dissimulada.
Ricardo Noblat: Arraes é o novo!
Na guerra dos primos, Marília, candidata do PT, sai na frente com apoio da direita
O novo virou velho e o velho o novo na guerra pela prefeitura do Recife travada por João Campos (PSB) e Marília Arraes (PT) – ele, filho do ex-governador Eduardo Campos que morreu em um acidente aéreo em agosto de 2014; ela, filha de um dos 10 filhos de Miguel Arraes que governou Pernambuco três vezes. Portanto, João, bisneto de Arraes, e Marília, neta.
Se a idade pesasse na definição de quem seria o novo, João venceria Marília. Ele tem 26 anos, ela 36. Mas na política, o novo e o velho se alternam a depender do que cada candidato representa. Coube a João representar um conjunto de forças que ocupa há 14 anos o Palácio do Campo das Princesas, sede do governo de Pernambuco, desde que ali chegou seu pai, neto de Arraes.
João foi o candidato mais votado no primeiro turno com 29,13% do total de votos válidos. Marília, o segundo com 27,90%. Pesquisa do Ibope aplicada entre a última segunda-feira e ontem conferiu a Marília 53% das intenções de voto e a João, 47%. Para Marília migrou parte dos votos de Mendonça Filho (DEM) e da Delegada Patrícia (PODEMOS), terceiro e quarto colocados.
Se a direita não tivesse se dividido no primeiro turno, ela estaria no segundo. Somados, Mendonça Filho e a Delegada Patrícia obtiveram 40% do total dos votos válidos. O PT só disputa o segundo turno em duas capitais – Vitória e Recife. Deve perder em Vitória e ganhar no Recife onde o PT e a direita se uniram para derrotar o PSB de Eduardo Campos e de João, seu herdeiro.
Marília foi três vezes vereadora do Recife– uma pelo PSB e duas pelo PT. Sua votação cresceu a cada eleição. Lançou-se candidata pelo PT a governadora há dois anos, mas na última hora, o partido passou-lhe a perna e apoiou o atual governador do PSB Paulo Câmara. Ela então disputou uma vaga de deputada federal. Elegeu-se como o segundo nome mais votado – o primeiro foi João.
Criada pelos pais livre e solta, Marília meteu-se na política desde cedo e à sombra do avô. João começou a despontar para a política quando apareceu no alto de um carro do Corpo de Bombeiros que conduzia o caixão com o corpo do seu pai. Foi uma das cenas mais comoventes que o Recife testemunhou. Menos de 2 anos depois, foi nomeado chefe de gabinete de Câmara.
Sob o comando do senador Humberto Costa, o PT de Pernambuco tentou barrar a candidatura de Marília a prefeita. Desta vez, a direção nacional do PT bancou a candidatura. O PT de Costa tem cargos no governo estadual e torce sem discrição para que Marília perca. Lula gravou mensagem pedindo votos para ela e prometeu comparecer à sua eventual posse como prefeita.
O PODEMOS da Delegada Patrícia e o PTB do senador Armando Monteiro Neto que apoiou Mendonça Filho anunciaram o apoio a Marília. O Cidadania, que votou em Patrícia, mas faz dura oposição ao PSB, deverá ir pelo mesmo caminho. O bolsonarista Anderson Ferreira (PL), prefeito reeleito de Jaboatão, município vizinho ao Recife, aderiu a Marília. O PL votou em Mendonça Filho.
João conseguiu no primeiro turno esconder o apoio dos dois maiores caciques locais do PSB – Câmara, o governador, e Geraldo Júlio, prefeito do Recife. É grande a reprovação aos dois. Esse será um dos trunfos de Marília no horário de propaganda eleitoral e nos debates de televisão com João. O PSB foi amplamente derrotado nas eleições para prefeito nas maiores cidades do Estado.
Se ocorrer de fato, a vitória de Marília poderá marcar o início do declínio do PSB como partido nacional de médio porte. Em 2012, liderado por Eduardo, pai de João, o PSB conquistou 433 prefeituras. Em 2016, sem Eduardo que morrera, 405. Agora, 250.
Ricardo Noblat: Bolsonaro requenta notícia velha para livrar-se de culpa
Madeira extraída ilegalmente no Brasil fica por aqui mesmo
Junto com a madeira do Brasil contrabandeada, o presidente Jair Bolsonaro quer exportar para países europeus a culpa pelo desmatamento da Amazônia.
Países não compram madeira – são pessoas que compram. Como compram também pedras preciosas, ouro, cocaína e tudo o mais que possa ser revendido com bom lucro.
O crime organizado, aqui, alimenta-se de armas compradas no mercado internacional. Aos governos, transações ilegais não interessam porque são isentas de impostos, e eles a combatem.
Ex-garimpeiro malsucedido, terrorista frustrado que acabou afastado do Exército ao descobrir-se que planejara detonar bombas em quartéis, Bolsonaro sempre teve um pé na ilegalidade.
Empregou funcionários fantasmas em seu gabinete de deputado federal. Destacou um amigo parceiro de milicianos (Queiroz) para cuidar do seu filho mais velho na Assembleia Legislativa do Rio.
Incentivou-o, e também ao filho vereador, a prestigiar notórios milicianos, vários deles acusados de assassinato, com discursos e honrarias concedidas pelo poder público.
Isso não o impediu de conquistar o apoio dos generais para barrar a eventual volta do PT ao Palácio do Planalto. E ali permanece a exercer o poder para muito além do limite da irresponsabilidade.
Quando seus atos ou a sua omissão o tornam alvo de críticas, culpa os outros. A degradação da Amazônia cresceu nos seus primeiros dois anos de governo, mas ele nada tem a ver com isso, diz.
Como não tem? A máquina de fiscalização do Ibama foi desmantelada. Em fevereiro último, o instituto dispensou-se de ter que autorizar a exportação de madeira nativa brasileira.
Bolsonaro se opôs à destruição de equipamentos usados para pôr florestas abaixo. Tomou partido, portanto, dos que desmatam ao arrepio das leis. No mínimo, é cúmplice de crime.
Menos de 15% da madeira contrabandeada tem como destino outros países. O resto é para consumo interno. O transporte é feito a céu aberto. Se a fiscalização falha, se o governo faz vista grossa…
Uma operação da Polícia Federal, em dezembro de 2017, à época do governo Michel Temer, apreendeu 120 contêineres com 2.400 m³ de madeira extraída ilegalmente.
Ela seria vendida com base em certificados falsos expedidos pelo Ibama para empresas importadoras na Alemanha, Bélgica, Dinamarca, França, Itália, Holanda, Portugal e Reino Unido.
A notícia é velha. Mas foi requentada, ontem, por Bolsonaro ao participar da cúpula virtual dos Brics (grupo de países formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).
Bolsonaro prometeu revelar o nome das empresas importadoras. Fará isso com as americanas? Os governos desses países ficarão gratos pela informação que já lhes deveria ter sido repassada.
É mais uma bravata de um presidente acuado. Se for dada publicidade ao nome das empresas, elas poderão processar o governo brasileiro sob a alegação de que foram enganadas. E aí?
Ricardo Noblat: A orfandade dos que ainda acreditavam na força de Bolsonaro
Por mais que ele negue, como negou a pandemia, perdeu
São Paulo, em 2022, estará para Jair Bolsonaro como a Filadélfia esteve há pouco para Trump? Há dois anos Bolsonaro venceu em São Paulo, como há quatro Trump havia vencido na Filadélfia. São Paulo, na eleição de ontem, deu as costas a Bolsonaro e deixou os bolsonaristas órfãos de um candidato a prefeito.
Farão o quê quando tiverem de comparecer outra vez às urnas no próximo dia 29? Votar em Guilherme Boulos (PSOL), um candidato de esquerda que mimetiza Lula, nem pensar. Até hoje ainda fazem questão de lembrar que o desequilibrado mental que esfaqueou Bolsonaro em Juiz de Fora era filiado ao PSOL.
Votar em Bruno Covas (PSDB), mas como? O partido de Covas faz oposição a Bolsonaro. O governador João Doria foi escolhido por Bolsonaro como seu inimigo número um. Doria fez questão de dizer que Bolsonaro foi o grande derrotado no primeiro turno da eleição na capital paulista. Covas já avisou que quer distância dele.
Na eleição da pandemia, cresceu por toda parte a parcela do eleitorado que preferiu abster-se. Com 99,89% das urnas apuradas, o país registrou 23,14% de abstenções, o maior índice para eleições municipais dos últimos 20 anos. No Brasil, o voto é obrigatório. Talvez no futuro próximo se torne facultativo.
A deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) revelou a perplexidade dos bolsonaristas de raiz ao escrever no Twitter: “O que houve com os conservadores? Erramos, nos pulverizamos ou sofremos uma fraude monumental?”. A hipótese de fraude é para relativizar a derrota. Os erros e o racha da direita aconteceram.
Era uma vez um presidente que quis mandar sozinho no partido pelo qual foi eleito. Como não conseguiu abandonou-o, como antes abandonara outros nove partidos. Lançou-se à aventura de construir um para chamar de seu, mas fracassou. Então imaginou que mesmo assim os eleitores votariam em candidatos que ele indicasse.
Não podia dar certo, como não deu. Perdeu na Filadélfia – ou melhor: em São Paulo. Perdeu no berço onde se criou – o Rio, onde Eduardo Paes (DEM) dará um passeio em Marcelo Crivella no segundo turno. Dos 45 candidatos a vereador que apoiou em diversas cidades, pelo menos 33 não se elegeram.
Bolsonaro apoiou também 13 candidatos a prefeito – e apenas dois venceram – Mão Santa (DEM), em Parnaíba, no Piauí, e Gustavo Nunes (PSL), em Ipatinga (MG). Na eleição suplementar para o Senado em Mato Grosso, sua candidata, Coronel Fernanda (Patriota), perdeu. Como justificar tão pífio desempenho?
Bem, segundo Bolsonaro afirmou tarde da noite, a ajuda dele “a alguns candidatos a prefeito resumiu-se a 4 lives num total de 3 horas”. Se foi capaz de negar uma pandemia e tantas outras coisas, por que não negaria a derrota no seu primeiro grande teste político desde que assumiu a presidência da República?
O deputado Rodrigo Maia (DEM), presidente da Câmara, disse que estas eleições servirão para devolver Bolsonaro ao seu verdadeiro tamanho, muito menor do que aparenta ter. Pode ser que sim. Pode ser que não. Vai depender das lições que Bolsonaro extraia do episódio. O tempo ainda joga a seu favor.
Centrão espera tirar vantagem de um presidente enfraquecido
Reforma ministerial à vista
O presidente Jair Bolsonaro não deve temer que o Centrão afaste-se dele. Isso não acontecerá. Quanto mais fraco ele estiver, mais o Centrão ficará ao seu lado pelo menos até às vésperas das eleições presidenciais de 2020. O Centrão quer é entrar mais no governo, jamais sair. A não ser para aderir a um novo governo.
Mas para que fique e sustente Bolsonaro em votações no Congresso, o Centrão cobrará mais cargos, mais vantagens e mais favores, confessáveis ou não. Bolsonaro será pressionado a fazer a reforma ministerial que tem administrado a conta-gotas. E a entregar cabeças que gostaria de preservar.
Em fevereiro próximo serão escolhidos os presidentes da Câmara e do Senado. O DEM e o MDB saíram fortalecidos das eleições de ontem, e os dois, e mais o PSDB de João Doria deverão se aliar de olho em 2022. Bolsonaro não terá vida fácil no Congresso. O mais bobo dos parlamentares sabe tirar a meia sem descalçar o sapato.
Ricardo Noblat: Estas eleições enterram o que Bolsonaro chamou de Nova Política
Para onde o vento sopra
Em suas lives semanais no Facebook, o presidente Jair Bolsonaro pediu votos para 55 candidatos a prefeito e a vereador. Mas ontem, em mensagem postada nas redes sociais, reduziu para apenas 7 seus candidatos a prefeito, e 5 a vereador.
Os candidatos a prefeito: Coronel Menezes, em Manaus; Sartori em Santos; Delegada Patrícia no Recife; Bruno Engler em Belo Horizonte; Capitão Wagner em Fortaleza; Celso Russomanno em São Paulo; e Marcelo Crivella no Rio.
Salvo se as pesquisas de intenção de voto errarem feio, o que em tempos de epidemia é mais do que possível, estas eleições enterrarão o que Bolsonaro chamou de Nova Política quando candidato a presidente e depois de ter sido empossado.
Foi ele que matou a Nova Política, que nunca explicou direito do que se tratava. E o fez entre final de abril passado e final de maio ao concluir que se não vestisse a fantasia de presidente normal correria o risco de não completar o mandato.
No final de abril, ele ainda desafiava o Congresso e a Justiça, embora já se rendesse ao Centrão loteando o governo em troca de votos. Chegou ao ponto de ameaçar fechar o Supremo Tribunal Federal. No final de maio, depois da prisão de Queiroz, amansou.
Deu por esquecido o que dissera em sua primeira viagem a Washington como presidente quando defendeu que era preciso quebrar o “sistema” para no futuro reconstruí-lo. Bons tempos aqueles em que se apresentava como o Trump do Brasil.
O “sistema” venceu. Das 82 candidaturas mais bem posicionadas nas pesquisas em 26 capitais (Brasília não tem eleição), apenas 4 são de nomes que podem ser considerados estreantes, segundo levantamento feito pela repórter Júlia Dualibi.
As ferramentas tradicionais de disputa, como dinheiro, alianças partidárias e tempo de propaganda eleitoral no rádio e na televisão foram reabilitadas. O espaço para surpresas foi reduzido a um tamanho insignificante. Virou pó a influência de Bolsonaro.
Se não desistir da reeleição em 2022, Bolsonaro será obrigado a se reinventar. É possível? Sim, é possível. Mas a conta da pandemia ainda não chegou para ele com todo o seu horror. E o estado da economia até lá não será seu maior trunfo.
Roberto Freire: Os democratas saúdam Biden (um recado para Bolsonaro)
Vitória democrata mostra que há caminho para derrotar um líder autoritário
Os democratas de todos os matizes, em todos os lugares do mundo, saúdam a vitória de Joe Biden, o 46º presidente eleito dos Estados Unidos da América. Com ele, a primeira vice-presidente da história do país, a senadora Kamala Harris, uma mulher negra, símbolo de que a luta contra o racismo e pelo processo de integração étnica, apesar dos pesares, continua naquele país.
E, ao saudarem a vitória, comemoram a derrota do obscurantismo, do negacionismo, do preconceito e da xenofobia de Donald Trump e de sua retórica tão divisa quanto corrosiva para os valores universais e democráticos – não apenas nos EUA, mas em todo o mundo. O baguncismo trumpista, como se sabe, estendia seus tentáculos para além de suas fronteiras, inspirando líderes extremistas em outros países e ameaçando o concerto entre as nações.
O muro de hipocrisia entre os EUA e o México; os campos de detenção de imigrantes, separados de seus filhos e deportados; as sinalizações a grupos supremacistas brancos dentro e fora de seu país; a saída dos norte-americanos do Acordo de Paris; os ataques à Organização Mundial da Saúde; a verdadeira cruzada contra os direitos das mulheres na Organização das Nações Unidas; as medidas protecionistas e a paralisação da Organização Mundial do Comércio; a ameaça, enfim, à governança global.Tudo isso é um resumo incompleto das razões por que um pouco mais de sensatez, racionalidade e humanismo à frente daquela que ainda é a maior potência mundial é salutar.
É um passo adiante no processo civilizatório, certamente com imensos desafios pela no porvir, mas deixando para trás um período sombrio e os riscos mais iminentes de uma convulsão social de desdobramentos incalculáveis.Para nós, brasileiros, as relações diplomáticas entre os dois países não mudariam substancialmente. Não fosse a condução desastrosa, pessoal e sabuja da política externa pela trinca formada por Ernesto Araújo, o ministro das Relações Exteriores; Filipe Martins, assessor internacional e vidente de filme B que garantira aos bolsonaristas a vitória de Trump; e Jair Bolsonaro, o presidente que pensa ser amigo, mas é constantemente humilhado em sua subalternidade ao norte-americano.
O país nada ganhou com a histeria fanática de Bolsonaro, que colocou seus interesses pessoais com Trump acima dos interesses de Estado. Falam por si as sobretaxas ao aço brasileiro, um déficit explosivo na balança com os EUA, retaliações da China, nosso maior parceiro comercial, e um crescente isolamento no exterior. Ao ponto de a nulidade que comanda o Itamaraty ostentar orgulhosamente o título de pária internacional.
Mas esse alinhamento bisonho a Trump terá ao menos um efeito colateral positivo mais imediato: a pressão que Biden certamente passará a fazer contra a ação de criminosos na Amazônia e no Pantanal, que continuam a ser destruídos pelo fogo, e pela leniência de Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, e Bolsonaro.Para a política, o exemplo da vitória democrata mostra que há um caminho para derrotar um líder autoritário, extremista e populista. Os democratas trilharam o caminho do centro, reunindo todas as forças do partido, a esquerda, os liberais, de Bernie Sanders a Pete Buttigieg, e venderam união e esperança.
Em seu protofascismo, Bolsonaro é um seguidor e imitador barato de Trump. Caberá a nós, aqui, reunirmos o pólo democrático, buscando mais as nossas convergências do que as divergências, para oferecer aos brasileiros, em 2022, um projeto alternativo aos extremos. Que ouça e enxergue os que se sentem esquecidos, fale a todos os brasileiros em sua diversidade e lhes dê esperança de um futuro melhor.
Quanto a Biden, seguiremos vigilantes. Como pedem as democracias.
*Roberto Freire é presidente nacional do Cidadania
Ricardo Noblat: Bolsonaro escolheu sair derrotado das eleições americanas
O risco do isolamento
Deu no The New York Times, o mais importante jornal do planeta: “Enquanto os líderes da América Latina e do Caribe se apressaram em parabenizar Biden por sua vitória e prometeram trabalhar em estreita colaboração com seu governo, os governos do México, Brasil e El Salvador permaneceram em silêncio”.
O presidente Jair Bolsonaro custou a acreditar que Donald Trump pudesse ser derrotado pelo democrata Joe Badin, “esse cara”. Ao perceber que isso seria possível, passou a acreditar que ao fim e ao cabo as ações movidas por Trump e pelo Partido Republicano acabariam sendo acolhidas pela Suprema Corte.
Ao dar-se conta nas últimas 48 horas de que não serão, decidiu ainda assim que tão cedo enviará a Biden uma mensagem de parabéns. O que ele pensa em ganhar com isso? Até Boris Johnson, o primeiro-ministro do Reino Unido, mais ligado e mais dependente de Trump do que é Bolsonaro, parabenizou Biden.
Não falta vida inteligente ao lado do presidente brasileiro ou ao alcance de um telefonema dele em busca de conselho. Falta vida inteligente em Bolsonaro, bem como disposição de ouvir o que o contrarie. Nisso ele e Trump são iguaizinhos: querem que todos que os cercam digam amém às suas ideias e as exaltem.
Há os que imaginam que existe método na loucura de Bolsonaro. Ocorre que nem sempre há. Sobra estupidez. O que Trump fez por ele ou pelo Brasil para merecer tamanha admiração e vassalagem por parte dele? Nada. O que Bolsonaro fez para que Trump pelo menos se interessasse por ele? Tudo que pode.
Nem assim Trump se interessou. A única coisa em Bolsonaro que chamou a atenção do presidente americano foi o fato de ele ser apontado pela imprensa internacional como o Trump do Brasil. Trump achou curioso e mais de uma vez falou a respeito. Uma coisa, de fato, os aproximava: eram presidentes acidentais.
Bolsonaro é bem capaz de bater o pé e de resistir às evidências de que terá de rever suas posições em relação a vários temas se quiser se entender com Biden depois que ele tomar posse. A questão ambiental é um desses temas, mas não é o único. O respeito aos direitos humanos é outro. A situação da Venezuela, outro.
O que é bom para os Estados Unidos nem sempre é bom para o Brasil, mas algumas coisas podem ser. As apostas internacionais feitas por Bolsonaro deram erradas. O país que ele governa perdeu conceito no exterior. Bolsonaro arrisca-se a se tornar um presidente cada vez mais isolado, o que é péssimo para o Brasil.
Ricardo Noblat: Trump deve perder, mas o trumpismo continuará vivo
Eleição histórica, mas não decisiva
Na noite de 4 de novembro de 2008, minutos depois de Barack Obama ter feito o discurso da vitória, começou nas redes sociais a articulação para eleger um presidente de direita. Para a eleição seguinte não deu – Obama foi reeleito com folga.
Mas deu para a próxima quando o empresário do ramo imobiliário e astro de televisão de nome Donald Trump derrotou a candidata democrata Hillary Clinton, duas vezes primeira-dama dos Estados Unidos e senadora pelo Estado de Nova Iorque.
A primeira eleição de Obama pode ser considerada histórica. Foi o primeiro presidente negro. A de Trump pode ser tachada de eleição improvável, surpreendente. Nem ele acreditava que fosse possível. Entrou na Casa Branca sem saber o que fazer.
Deverá sair por sua culpa. Subestimou a pandemia do coronavírus que já matou mais de 235 mil americanos, e que somente ontem registrou 100 mil novos casos, o que levou as pessoas a anteciparam seus votos e a votarem pelo Correio.
A eleição de Joe Biden não surpreenderá. Foi prevista pelos institutos de pesquisa. O desempenho de Trump foi que surpreendeu, mais vigoroso do que se imaginava. Histórica, esta eleição é pelo número gigante de americanos que votaram.
Discute-se se será uma eleição decisiva para definir novos rumos a serem trilhados pelo país com Biden à frente. Tudo indica que não. Os Estados Unidos continuarão rachados quase ao meio. E seus dois principais partidos sem condições de governar direito.
Biden apresentou-se como o presidente de todos os americanos. É isso o que ele gostaria de ser. Trump, como presidente da parcela dos americanos que se alinha às suas ideias. Trump perdia até esta madrugada. O trumpismo continuará vivo.
Os Estados Unidos ainda são a maior potência econômica e militar do mundo, mas tal condição está com seus dias contados. A economia chinesa superará a americana até o final deste ano. A China já é a maior potência tecnológica do planeta.
Não importa quantos mísseis os Estados Unidos tenham a mais – os da China seriam suficientes para provocar grandes estragos. O que inviabiliza a guerra atômica é a capacidade de destruição mútua. A paz armada mantém o mundo relativamente em paz.
Não haverá paz interna nos Estados Unidos porque a radicalização ideológica, não só ali, veio para ficar ou para durar muito tempo. A divisão está na essência do sistema bipartidário. Os brancos de raiz não se conformam com a perda de sua supremacia.
A herança de Trump será pesada. Nunca antes na história dos Estados Unidos a democracia foi tão solapada. Trump contribuiu para corroer seus dois principais pilares: a confiança e a verdade. Sabotou um dos valores fundadores do país.
Democratas e republicanos não conseguem se mover para além de suas caixas. Por mais experiente, afável, experiente e habilidoso que possa ser, Biden terá dificuldades para governar com um Senado e uma Suprema Corte sob controle dos adversários.
Obama foi melhor presidente fora do que dentro. Seu primeiro mandato foi melhor do que o segundo porque os republicanos barraram todas as suas iniciativas. Clinton, que o antecedeu, emporcalhou o vestido da estagiária Monica Lewinsky.
Biden será o presidente americano mais velho a assumir o cargo. Pela idade, natural que tenha uma saúde frágil. Seu substituto é uma mulher, negra, senadora brilhante. Chegou a Washington há apenas 3 anos. É uma estreante nas altas rodas do poder.
Deus salve a América!
Queiroz assumirá a culpa pela rachadinha para salvar Flávio
Ele não tem muito o que perder
É, vai sobrar para Fabrício Queiroz. E, por tudo que vaza do terceiro andar do Palácio do Planalto, onde funciona o gabinete do presidente Jair Bolsonaro, Queiroz está disposto a assumir sozinho a responsabilidade pelo que aconteceu, livrando o senador Flávio Bolsonaro, o Zero Um, de qualquer culpa.
Flávio foi denunciado por peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa no caso do esquema da rachadinha à época em que foi deputado estadual no Rio. Sua situação agravou-se com o depoimento prestado ao Ministério Público pela ex-funcionária Luiza Souza Paes. Ela confessou tudo.
Contou que durante seis anos devolveu quase todo o salário a Queiroz, pelo menos 90% da remuneração, benefícios do cargo e até a restituição do imposto de renda. Como ela, dezenas de outros servidores do gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa. Luiza apresentou comprovantes dos depósitos para Queiroz.
O Ministério Público tem provas de contas pessoais de Flávio e da sua mulher Fernanda pagas regularmente por Queiroz. E de transferência de dinheiro feitas por Queiroz para Flávio. No mínimo 89 mil reais foram depositados por Queiroz e sua mulher Márcia na conta de Michelle Bolsonaro, a primeira-dama.
Se a denúncia do Ministério Público for aceita pela justiça, Flávio virará réu. E para salvá-lo de uma condenação, Queiroz dirá que a culpa foi unicamente sua. Por que fará isso? Porque é amigo de Bolsonaro, o pai, desde os tempos de quartel. A ele e aos filhos deve muitos favores. De resto, quer proteger sua própria família.
Assim como o abrigaram em um sítio de Atibaia do advogado Frederick Asseff, e deram um jeito para que fossem pagas todas as suas contas quando foi obrigado a desaparecer, os Bolsonaros se comprometem em seguir amparando Queiroz até o fim de sua vida. Queiroz está doente. Se condenado, pegará uma pena leve.
Ricardo Noblat: Biden perde o favoritismo, vira azarão, mas pode surpreender
Nunca antes na história dos Estados Unidos um presidente da República falou em fraude em meio a apuração de votos. Mas Donald Trump não seria o que é se não fosse o primeiro a falar, mesmo quando sua eventual vitória poderá ser confirmada a qualquer momento.
Por que o fez? Sabe-se lá. Talvez por receio de que os votos que ainda faltam ser apurados em Estados importantes possam favorecer o Democrata Joe Biden. Ou talvez para ser coerente com o discurso que mais repetiu durante a campanha, o de que poderia ser vítima de uma fraude.
Biden amanheceu nesta quarta-feira com 238 votos no Colégio Eleitoral dos 270 necessários para que se eleja, contra 213 de Trump. Esse placar é das 6h30m. E com algo como dois milhões de votos populares a mais do que Trump. Sua sorte depende dos resultados da apuração em Nevada, Geórgia e Pensilvânia.
Caminha para vencer em Nevada. Na Geórgia, os votos que restam ser apurados são dos condados de Fulton e DeKalb. Ficam em Atlanta. DeKalb já apurou 98% dos votos, e ali Biden tem 83%. Fulton falta contar todos os seus 440 mil votos. Espera-se mais de 70% para Biden. Ou seja: ele tem chances de vencer na Geórgia.
A apuração na Pensilvânia será retomada às 11h. Trump, ali, está na frente. Dos 2 milhões e meio de votos enviados pelo Correio, só 39% foram apurados. Filadélfia, capital da Pensilvânia, costuma votar em democratas. Há poucos instantes, Biden emparelhou com Trump no Estado do Wisconsin.
A eleição ainda está aberta.
Bolsonaro inventa vacina para se imunizar contra derrotas
Se não se reeleger em 2022, seu discurso da derrota já está pronto
Em 2016, a vitória de Donald Trump sobre Hillary Clinton surpreendeu o mundo, inclusive o próprio Trump que até o último minuto da apuração não acreditava que venceria. Já fazia planos para retornar aos seus milionários negócios imobiliários.
À época, portanto, não passava pela cabeça de Trump bater às portas da Suprema Corte para contestar sua eventual derrota. Não falava disso. Passou a falar agora quando se viu desafiado por Joe Biden. “Perder logo para esse cara?” – comentou com um amigo.
Pelo menos nisso, Jair Bolsonaro largou à frente de Trump. Em 2018, ao lançar-se candidato a presidente, começou a desqualificar o processo eleitoral caso não vencesse. Disse que jamais reconheceria os resultados se não fosse eleito.
Para espanto dele mesmo, elegeu-se. Na verdade, o que ele pretendia com sua candidatura era ajudar a carreira política dos seus três filhos mais velhos – Flávio aspirante a senador, Eduardo a deputado federal e Carlos à reeleição como vereador.
Este ano, em março, ao visitar os Estados Unidos de onde voltou com a ideia de que o coronavírus não passaria de uma gripezinha, Bolsonaro afirmou que a eleição presidencial brasileira de 2018 fora fraudada para impedir que ele ganhasse no primeiro turno.
Sim, ele garantiu que tinha provas disso e que as apresentaria em breve. Como sempre, mentiu e por conveniência esqueceu o assunto. Ontem, temendo uma derrota de Trump de quem se diz amigo, idiomas à parte já que um não fala a língua do outro…
Bolsonaro, que despreza a utilidade de vacinas contra o coronavírus, inventou uma para se imunizar contra possíveis derrotas nas urnas – hoje ou no futuro. Hoje, a julgar pelo que se desenha nos Estados onde ele apoia candidatos a prefeito.
Não há um só candidato bolsonarista a prefeito em cidades importantes que lidere as pesquisas de intenção de voto. Havia um até ontem: o Capitão Wagner (PROS), em Fortaleza, que evita falar o nome de Bolsonaro ou defender o seu governo. Não há mais.
Wagner deve sua posição nas pesquisas ao desempenho como deputado estadual e ao fato de que liderou uma greve ilegal de policiais militares. Se for para o segundo turno, enfrentará uma parada dura contra um candidato apoiado pelo PT e PDT.
Foi de olho nestas e nas eleições de 2022 que Bolsonaro, ante a ameaça de ver Trump na lona, criticou a “ingerência de outras potências” nas eleições americanas, e advertiu que isso poderá repetir-se também por aqui. Bolsonaro com a palavra:
– No Brasil, poderemos sofrer uma decisiva interferência externa, na busca, desde já, de uma política interna simpática a essas potências, visando às eleições de 2022.
Se ele não se reeleger como pretende, seu discurso da derrota já está pronto. Com a diferença de que não adiantará apelar para o Supremo Tribunal Federal porque, ali, não contará com a maioria folgada de votos que Trump detém na Suprema Corte.
Ricardo Noblat: Ganhe Trump ou Biden, a eleição de hoje já passou à história
Nunca tantos votaram tão cedo
A eleição presidencial norte-americana de 2020 já garantiu seu lugar na história. Em um país onde o voto não é obrigatório, até o final da tarde de ontem, pessoalmente ou pelo Correio, 97,6 milhões de pessoas já haviam votado. Isso significa mais de dois terços do número total de votos apurados na eleição de 2016.
No último dia de campanha, na maioria dos cinco comícios que fez em quatro Estados, o presidente Donald Trump atacou a Suprema Corte onde 6 dos 9 ministros são conservadores. Trump disse que tribunal pôs o país em perigo ao permitir que a Pensilvânia aceite votos que chegarem pelo Correio após o dia da eleição.
Segundo Trump, a decisão da Suprema Corte foi política e poderá estimular manobras fraudulentas dos seus adversários. No Twitter, escreveu que ela seria capaz até de induzir “à violência nas ruas”. De imediato, o Twitter classificou as afirmações do presidente como potencialmente falsas e alertou os seus usuários para isso.
A segunda-feira foi um dia de muitas queixas feitas por Trump. Além da Suprema Corte, foram alvos delas a mídia, o ex-presidente Barack Obama, a senadora Hillary Clinton e a investigação sobre a interferência russa nas eleições de 2016. O coronavírus foi mencionado apenas de passagem. Trump tentou desacreditar as pesquisas que apontam a vitória do Democrata Joe Biden.
Parecia claramente nervoso. Em Kenosha, cidade do Estado de Wisconsin, Trump reclamou até das falhas do microfone que lhe deram. “Este é o pior microfone que já usei na vida”, disse segundo o jornal The New York Times. Prometeu devolver a todos que ali compareceram metade do preço que pagaram pelo ingresso.
Os institutos de pesquisa, menos um, concordam que Biden deverá vencer Trump com uma larga vantagem no voto popular, e uma vantagem menos expressiva no Colégio Eleitoral. O instituto que discorda da eventual vitória de Biden também no Colégio Eleitoral foi o único que há 4 anos previu a eleição de Trump.
Em cinco ocasiões, o presidente que ganhou no voto popular perdeu no Colégio Eleitoral, que é o que vale de fato. A última vez foi o próprio Trump. Cada Estado tem sua própria legislação. Há Estados menos populosos com mais votos no Colégio Eleitoral, e Estados mais populosos com menos votos. É uma zorra total.
Falta aos Estados Unidos um órgão como o nosso Tribunal Superior Eleitoral para coordenar a apuração dos votos. É a mídia, com base nas pesquisas de boca de urna, que antecipa o nome do provável vencedor. Isso poderá acontecer na madrugada desta quarta-feira. Ou arrastar-se por mais um dia.