Ricardo Noblat

Ricardo Noblat: O dia amargo em que Bolsonaro só colheu derrotas

Seus seguidores estão ficando impacientes

Para o gosto do presidente Jair Bolsonaro, a quinta-feira 17 de dezembro até que começara bem. Em cerimônia no Palácio do Planalto, ele deu posse ao novo ministro do Turismo, Gilson Machado, líder de uma banda de forró em Pernambuco, e sanfoneiro que costuma tocar o instrumento nas lives semanais do presidente no Facebook. Uma vez até cantou a Ave-Maria.

O que disse Machado no seu discurso soou como música aos ouvidos de Bolsonaro e o deixou feliz a poucas horas de ter que voar para inauguração de obras em Minas Gerais e na Bahia. Refratário, como seu chefe, a medidas de isolamento social, Machado defendeu que festas de fim de ano reúnam ao menos 300 pessoas. Assim as aglomerações seriam evitadas.

“A gente tem que viver a vida, não morrer por antecipação”, argumentou o ministro, e recebeu aplausos. Em seguida, derramou-se em elogios a Bolsonaro: “O senhor está recuperando a autoestima do povo” (mais aplausos). “Aonde o senhor vai, o povo o aclama” (nesse momento, Bolsonaro sorriu). A cerimônia foi curta. O dia seria estafante para o presidente, e de fato foi.

Ele ainda estava em Jacinto, município de Minas Gerais, para o lançamento da pedra fundamental da implantação e pavimentação da BR-367, quando começou a receber notícias que o indignaram. O Supremo Tribunal Federal decidira que a vacinação contra a Covid-19 seria obrigatória. E também que governadores e prefeitos poderão impor restrições a quem não se vacinar.

Em Porto Seguro, na Bahia, segunda escala da viagem, Bolsonaro ficou sabendo que uma liminar concedida pelo ministro Ricardo Lewandowski autorizara Estados e municípios a comprar vacinas registradas por agências sanitárias de outros países. Foi em Porto Seguro que Bolsonaro resolveu passar recibo do seu desconforto. Sem referir-se às notícias, discursou:

– Se o cara não quer ser tratado, que não seja. Eu não quero fazer uma quimioterapia e vou morrer, o problema é meu, porra.

Ao desembarcar de volta a Brasília, seu humor só fez piorar. Foi quando conheceu trechos dos votos dos ministros do Supremo no julgamento das ações sobre a vacinação. Todos, à exceção do único ministro indicado por ele para o tribunal, Kássio Nunes Marques, bateram de frente com o que Bolsonaro pensa, fala e repete à exaustão país afora, dia sim e o outro também.

“A preservação da vida, da saúde individual ou pública, em país como Brasil com quase 200 mil mortos pela Covid-19, não permite demagogia, hipocrisia, ideologias, obscurantismo, disputas eleitoreiras e ignorância” (Alexandre de Moraes). “O egoísmo não é compatível com a democracia. A Constituição não garante liberdade a uma pessoa para ela ser egoísta” (Cármen Lúcia).

Para amargar ainda mais o dia de Bolsonaro, a Câmara endossou decisão do Senado e rejeitou ampliar o repasse de recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica para escolas ligadas a igrejas. E, nas redes sociais, seguidores dele ocuparam-se em criticá-lo a pretexto de qualquer coisa – uma delas, o não pagamento este ano da 13ª parcela do Bolsa Família.

Bolsonaro jogou a culpa no deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara. Que retrucou chamando-o de “mentiroso”. O presidente só foi dormir depois de responder pessoalmente aos ataques dos que antigamente se limitavam a lhe dar razão em tudo ou em quase tudo:

– Impressionante, os caras descem a lenha em mim. Lógico que a esquerda bate palma para essa direita burra, direita idiota. Bateram palmas para vocês. Vocês não sabem, não interpretam, não conseguem saber o que foi votado e descem o cacete. Não fica agindo como papagaio, repetindo o que um idiota escreve.

A certa altura, cairá a ficha da maior parte dos brasileiros e eles descobrirão que o presidente acidentalmente eleito lhes fez muito mal. O risco é de que tal momento de iluminação só se dê depois de ele ser reeleito daqui a dois anos. Seriam mais quatro anos perdidos – e a que preço? Preservar o meio ambiente não lhe interessa como já demonstrado. Tampouco educação e cultura.

Reforma do Estado foi promessa para atrair o voto dos liberais. A combater a corrupção, prefere aliar-se a políticos corruptos. Segurança pública resume-se a facilitar o acesso a armas – e os milicianos agradecem. Enfrentar a pandemia é deixar o vírus livre para infectar o maior número de pessoas. Vidas não importam porque todos haverão de morrer um dia, e ele não é coveiro.


Ricardo Noblat: Doria derrota Bolsonaro, e o Brasil só tem a ganhar com isso

Presidente rende-se à vacina chinesa e à pressa do governador

Quando se vê em apuros depois de esticar a corda e ela dá sinais de que se romperá do seu lado, o presidente Jair Bolsonaro costuma recuar e falar manso. Foi o que fez mais uma vez – desta, no anúncio do que chamou de “plano de vacinação contra a Covid-19”, ao pregar “a união” para combater “algo que nos aflige há meses”.

O “algo”, tratado por ele como “gripezinha” incapaz de matar 8 mil pessoas, matou até ontem quase 184 mil e infectou mais de 7 milhões. A média móvel de casos chegou a 44.654. O país não atingia esse nível de contaminação desde 4 de agosto. Já a média móvel de mortes foi de 684, a maior desde 2 de outubro.

O recuo de Bolsonaro deve-se à iminente aprovação da vacina CoronaVac pela agência de vigilância sanitária da China, uma das quatro referências globais para a avaliação de novos medicamentos. Pela lei brasileira, tão logo isso aconteça, o uso da CoronaVac em território nacional torna-se imediatamente possível.

Daí porque o Ministério da Saúde anunciou que a CoronaVac será uma das vacinas a ser compradas, no caso ao Instituto Butantã, de São Paulo, encarregado de produzi-la. Vitória do governador João Doria (PSDB) que saiu na frente. Doria poderá se dar ao luxo de deixar por conta do ministério a aplicação da vacina.

Eduardo Pazuello, doublé de general especialista em logística e ministro da Saúde, disse não ver motivo para tanta “angústia” e “ansiedade”. Bolsonaro, que havia falado que o Brasil vive “o finalzinho da pandemia”, completou que o país vive agora uma “situação de quase normalidade”. Negacionismo na veia!

Não haverá normalidade até que todos ou quase todos os brasileiros sejam vacinados. Isso se dará só ali pelo final do próximo ano ou início de 2022 por culpa de um governo que não levou a pandemia a sério, não preparou-se para enfrentá-la e até aqui sequer dispõe de seringas e agulhas para aplicar as vacinas.

Edital do Ministério da Saúde publicado ontem prevê a aquisição de 300 milhões de kits de seringas e agulhas. A entrega será permitida até 31 de dezembro de 2021. O ministério ignora há 6 meses um pedido do Ministério da Economia para que diga se tem interesse ou não na importação de seringas da China.

“Com o desastre que é o ministro da Saúde, os militares vão perder o que ganharam de imagem nos últimos anos após a redemocratização”, afirmou Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara. “Pazuello é um ótimo general para fazer a logística do Exército, mas, para fazer a logística da Saúde, é um desastre”.

Desastre maior é quem o escolheu para a tarefa.


Ricardo Noblat: Bolsonaro descumpre a Constituição que jurou respeitar

Comportamento criminoso

Jair Messias Bolsonaro tem o direito de comportar-se como um suicida diante da pandemia que matou mais de 182 mil pessoas no Brasil desde março último. A vida é sua e ele faz com ela o que quiser. Mas nem ele e nem ninguém tem o direito de pôr em risco a vida alheia por não dar valor à sua ou porque se julga imortal.

Direito à opinião todo mundo tem. Bolsonaro e seus devotos de raiz, por exemplo, acreditam que a Covid-19 é um vírus criado em laboratório e posto a circular pelo mundo para servir aos interesses geopolíticos da China. Direito a fatos ninguém tem. Fatos são verdades provadas, comprovadas e inquestionáveis.

Repete o presidente que sua saúde é de atleta. De fato, foi de atleta quando ele se destacava nos quartéis por correr a grande velocidade. Ganhou várias provas. Há registros no seu prontuário. Quanto a gozar ainda de saúde de atleta, não passa de opinião. Nunca mais deu provas disso. Foi vítima do coronavírus.

Somente ontem, em três ocasiões, protagonizou atos contra a vida – dos outros, diga-se. O primeiro ao reunir-se com milhares de produtores e de vendedores de frutas e legumes em São Paulo, quase todos sem máscaras, ele também. O segundo, outra vez sem máscara, ao visitar Sílvio Santos, um idoso de 90 anos de idade.

O terceiro foi o mais escandaloso. Bolsonaro aconselhou Eduardo Pazuello, doublé de general e de ministro da Saúde, a fazer uma campanha nacional de propaganda alertando os brasileiros para o perigo de se vacinarem. Desta vez não se referiu diretamente à vacina da China. Haveria perigo de morte em tomar qualquer uma.

Sua conduta não foi quase criminosa. Foi inteiramente criminosa. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), órgão técnico do governo agora contaminado pelo vírus ideológico, existe para testar e conferir a eficácia de remédios e de vacinas. Sem o seu aval, nenhum produto médico é liberado para uso em massa.

Desacreditar a Anvisa, e é isso o que está em curso, e tocar horror nas pessoas para que elas fujam de vacinas que estão sendo aplicadas largamente em outros países, é atentar contra a vida coletiva. Haverá crime maior do que esse? E logo praticado por um presidente que ao tomar posse jurou cumprir a Constituição?

Diz o artigo 5º do Capítulo 1 da Constituição em vigor: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. Inviolabilidade do direito à vida!

O que isso significa? Que na atual legislação brasileira “o direito à vida é tido como o alicerce para a prerrogativa jurídica da pessoa, motivo pelo qual o Estado tem por dever resguardar a vida humana, desde a concepção até a morte. Diante de sua importância o direito à vida é uma cláusula pétrea.”

E o que é uma cláusula pétrea? “É um artigo da Constituição que não pode ser alterado. Pétrea é um adjetivo para aquilo que é como pedra, imutável e perpétuo. Uma cláusula pétrea é, portanto, um dispositivo do texto constitucional que é estabelecido como regra e que não pode sofrer nenhuma mudança.”

Por quanto tempo mais o país assistirá inerte o presidente da República afrontar a lei? Não se trata de opinião que ele desrespeita a vida, é um fato que se sucede à vista de todos e quase que diariamente. Se apesar disso nada acontece, a Constituição então serve para quê?


Ricardo Noblat: Nota da Anvisa trai sua contaminação pelo bolsonavírus

Órgão técnico vira órgão político

Criada pela Lei nº 9.782 de 1999, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) é uma autarquia que “tem por finalidade institucional promover a proteção da saúde da população […] mediante a intervenção nos riscos decorrentes da produção e do uso de produtos e serviços sujeitos à vigilância sanitária, em ação coordenada e integrada no âmbito do Sistema Único de Saúde”

É um órgão de natureza eminentemente técnica como ela própria, em nota distribuída, ontem, a propósito do uso de vacinas contra o coronavírus, fez questão de ressaltar. Ocorre que a nota é o maior atestado público de que a Anvisa, em tempos de governo presidido por um ex-capitão do Exército e de Ministério da Saúde repleto de militares, foi inoculada pelo vírus ideológico.

A primeira parte da nota disserta sobre o plano mal ajambrado de vacinação em massa ainda sem data marcada para começar – mas até aí nada demais a levar-se em conta um presidente que tratou a Covid-19 como uma gripezinha, estimou que não mataria mais do que oitocentas pessoas, menos ele dotado de saúde de atleta, e que ao fim acabariam morrendo os que tivessem de morrer, e daí?

Vale como confissão do aparelhamento político da Anvisa o que está escrito na nota do seu meio para seu final. Está dito lá que deve ser levada em consideração ao se avaliar o uso emergencial de vacinas “a potencial influência de questões relacionadas à geopolítica que podem permear as discussões nacionais e decisões estrangeiras relacionadas à vacina da Covid-19”.

Segundo a Anvisa, “há o risco ainda de que países coloquem interesses nacionais em primeiro lugar na garantia de acesso a uma vacina para seus próprios cidadãos, criando potencial de corromper o rigor com que as vacinas candidatas contra a Covid-19 são avaliadas para autorização de uso de emergência”. E aí? Aí a nota entra no assunto que de fato a justifica: a vacina chinesa.

O Brasil é o líder internacional no processo de avaliação da Coronavac, vacina que já se encontra com Autorização de Uso Emergencial (AUE) na China desde junho. A agência argumenta que os critérios chineses para concessão de autorização de uso emergencial não são transparentes e que não há informações sobre os critérios empregados para essa tomada de decisão.

E decreta: “Até o momento, nenhuma outra autoridade reguladora estrangeira tomou decisão semelhante. Caso venha a ser autorizada a replicação automática da AUE estrangeira no Brasil, sem a devida submissão de dados à Anvisa, são esperados enfraquecimento e retardação na condução do estudo clínico no Brasil; além de expor a população brasileira a riscos”.

Há pouco mais de um mês, depois de ter sido autorizado pelo presidente Jair Bolsonaro, o general Eduardo Pazuello, ministro da Saúde, reuniu-se com mais de 20 governadores e anunciou que todas as vacinas comprovadamente eficazes seriam compradas pelo governo federal, inclusive a Coronavac. Desautorizado no dia seguinte, recuou sob a desculpa de quem tem juízo obedece.

A questão é muito simples: à falta de interesse do governo federal em preservar vidas, João Doria (PSDB), governador de São Paulo, saiu em defesa do seu rebanho, e o Instituto Butantã fechou um acordo com a China para a produção da Coronavac. Ao invés de correr atrás de outras vacinas, Bolsonaro faz tudo para impedir que Doria seja bem-sucedido, mesmo que à custa de mais mortes.


Ricardo Noblat: Era Bolsonaro marca mais uma fase de fechamento político

A reabertura virá, só não se sabe quando

Ideias, princípios e valores que catapultaram Jair Bolsonaro para o cargo que ocupa foram convalidados na eleição municipal deste ano que deu a vitória às forças da direita e do centro, e outra vez assim será em fevereiro próximo quando a Câmara dos Deputados e o Senado escolherem seus novos dirigentes.

Candidatos a prefeito e a vereador apoiados por Bolsonaro podem ter sido derrotados, mas ele não foi. E disso também informam as pesquisas mais recentes de avaliação do governo, do presidente, e de intenção de votos para 2022. Com mais de 180 mil mortos pela pandemia, a aprovação de Bolsonaro permanece estável.

Os que apostam no seu eventual fracasso nas urnas daqui a dois anos argumentam que a economia em 2021 atravessará seu pior momento. Aumentará o número de desempregados e faltará dinheiro para quase tudo, inclusive para o pagamento do auxílio emergencial contra o vírus, tenha ele o nome que tiver.

De resto, de acordo com os mais otimistas, emergirão os dispostos a enfrentar Bolsonaro, o que fará muita diferença. Por ora, ele galopa sozinho sem que ninguém o acosse. O distinto público observa à distância e de maneira desinteressada. Quando os demais cavaleiros entrarem na raia, tudo mudará. A ver.

O raciocínio pode até fazer algum sentido, mas está longe de enfraquecer a condição de favorito de quem se candidata à reeleição. Dizia-se que Bolsonaro não sobreviveria a sua trágica performance durante a fase mais assassina do coronavírus. Pois sobreviveu sem que se registrassem danos à sua imagem.

Diz-se, agora, que corre o risco de ir para a estrebaria se a vacinação em massa, sem data marcada para começar e sem meios adequados para ser aplicada, frustrar a expectativa da população ansiosa por virar a página do ano mais sofrido de sua vida. Não é o que parece. O vírus ideológico joga a favor de Bolsonaro.

A resiliência do brasileiro é notável, o que significa sua capacidade de assimilar golpes sem reagir à altura. É o que explica o fato de o Brasil ser um dos países de maior concentração de riquezas do mundo. Explica porque nele dá-se o nome de “bala perdida” aos projéteis que matam inocentes, e fica tudo por isso mesmo.

O general Golbery do Couto e Silva, um dos arquitetos do golpe militar de 64 e, mais tarde, do processo de abertura política do regime, valeu-se de termos da cardiologia para ilustrar o que acontece também com a política. Sístole quer dizer fechamento. Diástole, distensão. São dois estágios do ciclo cardíaco.

Entende-se por sístole a fase de contração do coração, em que o sangue é bombeado para os vasos sanguíneos. Diástole é a fase de relaxamento, quando o sangue entra no coração. A ascensão de Bolsonaro ao poder é mais uma fase de sístole do processo político. A diástole virá, só não há sinais dela no horizonte. Isso é ruim.


Ricardo Noblat: A rendição de Bolsonaro ao sistema que prometera desmontar

Uma vez Centrão, sempre Centrão

Jair Bolsonaro chegou à presidência da República com uma ideia fixa, por sinal a única que lhe sopraram sem maiores detalhes e ele gostou logo de saída: quebrar o maldito sistema.

Não sabia bem o que era o sistema, mas de tanto ouvir falar dos seus males e da sua força intuiu que essa poderia ser uma bandeira atraente para despertar esperança.

Afinal, não tinha projeto para o país porque sempre fora incapaz de conceber um ou de sequer preocupar-se com isso. E a facada acabou salvando-o do risco de revelar-se um candidato vazio.

Em sua primeira visita aos Estados Unidos, limitou-se a repetir vagamente que destruiria o sistema para só mais tarde construir outro. Foi ouvido pelos americanos como um líder pitoresco.

Bem que ele tentou derrubar o sistema, se entender-se assim a fase em que provocou uma crise atrás da outra e ameaçou o Congresso e a Justiça com manifestações de rua antidemocráticas.

Recuou com medo de ter o mandato cassado e os filhos presos por corrupção. Desde então se rendeu ao sistema que pretendia demolir e se empenha em extrair o maior proveito dele.

A mais recente prova disso foi a demissão do ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, um dos homens que o carregaram ensanguentado nos braços depois da facada redentora.

Marcelo não foi despachado porque havia sido denunciado por corrupção nas eleições de 2018. Nem porque chamou de “traíra” o general Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria do Governo.

O general é um pau mandado de Bolsonaro e está acostumado a ser desacatado por colegas. Ricardo Salles, do Meio Ambiente, já o chamou de Maria Fofoca e nada lhe aconteceu.

O de Bolsonaro não é um governo, mas um serpentário onde quase todos se golpeiam o tempo inteiro na tentativa desesperada de acumular mais poder e de agradar mais ao chefe.

Salles agradou Bolsonaro ao desqualificar o general que já teve na marca do pênalti várias vezes. Marcelo não o agradou por ter dito que o general negociava seu cargo com o Centrão.

Haverá algo que se identifique mais com o sistema, alvo pretérito de Bolsonaro, do que o Centrão? O cargo de Marcelo caberá ao Centrão na reforma ministerial prevista para janeiro próximo.

Bolsonaro, hoje, depende do Centrão para eleger o deputado Arthur Lira (PP-AL) presidente da Câmara daqui a dois meses. E do Centrão depende para se reeleger em 2022.

Para quem acenara com a recriação da política, decorrência natural do baque a ser imposto ao sistema, o Centrão é tudo o que existe de velho, podre e corrompido desde que surgiu em 1988.

Nada de estranho para Bolsonaro. Ele já se filiou a cerca de 10 partidos nos seus quase 30 anos como deputado federal. E todos eles faziam parte do Centrão que agora se robustece.

Nem se poderá dizer que o filho pródigo retornou à casa porque Bolsonaro de fato jamais a abandonou.


Ricardo Noblat: O Supremo Tribunal salva-se do vexame de rasgar a Constituição

Menos mal, mas nada a celebrar

Nada a comemorar quando o Supremo Tribunal Federal decide que os atuais presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado não poderão ser reeleitos. Por maioria de votos, os ministros do Supremo limitaram-se apenas a respeitar o que está escrito no parágrafo 4 do artigo 57 da Constituição que diz:

“Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de 2 (dois) anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente”.

A atual legislatura começou em fevereiro de 2019 com a eleição de David Alcolumbre (DEM-AP) para presidente do Senado, e a reeleição de Rodrigo Maia (DEM-RJ) para presidente da Câmara. E se estenderá até fevereiro de 2023. Logo, eles não poderiam permanecer onde estão a partir de fevereiro próximo.

O que espanta é que até a semana passada houvesse no Supremo uma maioria de votos para favorecer os dois e, na prática, rasgar a Constituição. Ministros que acabaram votando contra, como Luiz Fux, por exemplo, presidente do tribunal, admitiam votar a favor com a intenção de barrar o avanço de Bolsonaro no Congresso.

O presidente da República queria a recondução de Alcolumbre, seu aliado, mas não a de Maia a quem considera um desafeto e aliado do governador João Doria (PSDB-SP) que deseja concorrer com ele na eleição de 2022. Agora, para que Bolsonaro consiga o que quer, precisaria aprovar uma emenda à Constituição. Mas como?

Emendar a Constituição requer dois terços dos 513 votos possíveis na Câmara e dos 81 no Senado. Bolsonaro não conta com mais do que 200 na Câmara, e menos da metade necessária no Senado. Resta-lhe trabalhar para que os sucessores de Alcolumbre e Maia sejam nomes pelo menos simpáticos ao seu governo.

Na Câmara, esse nome seria o do deputado Arthur Lira (PP-AL). Acontece que Lira é alvo de denúncias de corrupção e Maia se opõe à sua escolha. A parada para Bolsonaro poderá ser menos difícil no Senado onde são muitos os que desejam seu aval para se eleger. Muita água ainda rolará por debaixo da ponte até lá.

O Supremo salvou-se da vergonha de se meter onde não deveria e fechar os olhos ao que manda a Constituição – menos mal. Mas só o fez, é bom reconhecer, porque foi grande e unânime a reação da opinião pública. Pena que tenha sido acima de tudo por isso. O episódio não engrandeceu a toga.


Ricardo Noblat: O Supremo tem direito de errar, mas não de fingir-se de cego

A marcha da insensatez

Se por “excesso de provas”, o Tribunal Superior Eleitoral deixou de condenar a chapa Dilma-Temer acusada de abuso do poder econômico na eleição de 2014, por que o Supremo Tribunal Federal não pode simplesmente mandar às favas a Constituição, permitindo a reeleição de Rodrigo Maia (DEM-RJ)) e de Davi Alcolumbre (DEM-AP) para o comando da Câmara e do Senado?

Em maio de 2004, o presidente Lula quis expulsar do país Larry Rohter, correspondente do New York Times, que dissera em reportagem que ele bebia além de conta. Durante uma tensa reunião no Palácio do Planalto, um assessor de Lula, com um exemplar da Constituição aberto na mão, apontou o artigo que impedia a expulsão do jornalista. Lula respondeu de bate pronto:

– Foda-se a Constituição.

À época, este blog foi o único meio de comunicação que publicou a história. Editores-chefes de vários jornais me telefonaram perguntando se a informação merecia crédito. Respondi que sim e lhes contei mais detalhes. Ela jamais foi desmentida. Um amigo de Lula me disse que ele mandara o assessor se foder, não a Constituição. Como não colou, desculpou-se: “Deixa pra lá”.

O placar no Supremo estava até ontem à noite em 4 votos a favor da recondução de Maia e Alcolumbre, um só a favor da recondução de Alcolumbre e dois contra. Votaram a favor Gilmar Mendes, o relator da ação, Dias Toffoli, Alexandre de Moraes e Ricardo Levandowisk. Só à favor da recondução de Alcolumbre, Kássio Nunes. Contra, Marco Aurélio Mello e Cármen Lúcia.

Até o próximo dia 14, deverão votar Edson Fachin, Rosa Weber, Luís Roberto Barroso e Luiz Fux, o presidente do tribunal. Marco Aurélio, em seu voto, foi curto, grosso e acertou no alvo:

“A tese não é, para certos segmentos, agradável, mas não ocupo, ou melhor, ninguém ocupa, neste tribunal, cadeira voltada a relações públicas. A reeleição, em si, está na moda, mas não se pode colocar em plano secundário o parágrafo 4 do artigo 57 da Constituição”.

O parágrafo 4 do artigo 57 da Constituição afirma: “Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de 2 (dois) anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente”. Mais claro impossível.

O Supremo usurpa o papel do legislador quando se mete em fazer política e se afasta do seu que é o de aplicar as leis com correção. Por mais malabarismos que façam, argumentos delirantes que apresentem e citações que ilustrem seus raciocínios, os ministros não vão conseguir disfarçar que nesse caso preferiram de fato despir a toga para exercer um poder que não lhes compete.

Valem-se – quem sabe? – do que o tribuno Ruy Barbosa, em sessão do Senado no início do século passado, disse para o colega Pinheiro Machado que se insurgira contra uma decisão do Supremo:

“Em todas as organizações, políticas ou judiciais, há sempre uma autoridade extrema para errar em último lugar. O Supremo Tribunal Federal, não sendo infalível, pode errar. Mas a alguém deve ficar o direito de errar por último, a alguém deve ficar o direito de decidir por último, de dizer alguma coisa que deva ser considerada como erro ou como verdade.”

Sim, o Supremo tem direito a errar por último. Mas não quando o erro é clamoroso e só não o enxerga quem deliberadamente se finge de cego.


Ricardo Noblat: Só cabe ao Supremo Tribunal Federal respeitar a Constituição

Vale o que está escrito

Não fosse por um detalhe, a recondução de Rodrigo Maia (DEM-RJ) à presidência da Câmara dos Deputados em fevereiro próximo, e a de David Alcolumbre (DEM-AP) à presidência do Senado seria bem vista por muitos que os enxergam como freios ao controle que o presidente Jair Bolsonaro gostaria de exercer sobre o Congresso a dois anos de tentar renovar o seu mandato.

O ano da pandemia foi aquele onde, apesar da queda de popularidade por não ter sabido enfrentar a doença, e da derrota que colheu nas eleições municipais, Bolsonaro conseguiu mesmo assim aumentar o seu poder. Livrou-se de Sérgio Moro, passou a mandar na Polícia Federal e nomeou para o Supremo Tribunal Federal um ministro que obedece às suas ordens

É verdade que Alcolumbre tem se comportado mais como aliado do presidente da República do que como político à altura da grandeza do cargo que ocupa. De olho na eleição para governador do seu Estado em 2022, mendiga favores ao governo e em troca funciona como líder in pectore de Bolsonaro no Senado. Apesar disso, escuta Maia e nem sempre ultrapassa certos limites.

Mas é o detalhe que impede que ele e Maia fiquem por mais dois anos nos lugares onde estão. Infelizmente para os dois, e talvez também para o país, o parágrafo quarto do artigo 57 da Constituição diz de maneira a não restarem dúvidas:

“Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de dois anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente”.

Alcolumbre e Maia foram eleitos para presidente do Senado e da Câmara em 2018. Ou seja: na atual legislatura que só se encerrará daqui a dois anos com a eleição de novos senadores e deputados. No caso de Maia, ele completou o mandato de Eduardo Cunha (MDB-RJ), presidente da Câmara, cassado em 2016 por quebra de decoro parlamentar. Reelegeu-se em 2017 e outra vez em 2019.

Bolsonaro quer ver Maia pelas costas porque acha que ele só lhe cria problemas e não o apoiará em 2022. Torce, porém, para que a Alcolumbre seja concedida a graça de se reeleger mesmo na contramão da Constituição. A graça a Alcolumbre e a Maia, ou apenas a um deles, só poderá ser concedida pelo Supremo Tribunal Federal que a partir de hoje começará a julgar a questão.

O resultado é imprevisível, embora não devesse porque a Constituição é clara e o Supremo deve respeitá-la. Mas ele já a ignorou pelo menos uma vez quando o Senado cassou o mandato da presidente Dilma, mas não os seus direitos políticos como previsto na Constituição. À época, a sessão do Senado foi comandada por Ricardo Lewandowski, presidente do tribunal.

Assim, Dilma pode ser candidata ao Senado por Minas Gerais na eleição de 2018. Os mineiros a cassaram.


Ricardo Noblat: O que o futuro reserva para o presidente Jair Bolsonaro

No meio do caminho tem uma pedra – a economia

E o pior para o presidente Jair Bolsonaro ainda está por chegar. Como, sem partido, ele poderia sair-se bem das eleições que terminaram ontem? Nunca antes na história dos últimos 50 anos um presidente da República, mal começou a governar, abandonou o partido pelo qual se elegeu e ficou sem nenhum.

Bolsonaro perdeu feio no primeiro turno, e mesmo tendo apostado em poucos nomes no segundo turno, perdeu feio do mesmo modo. Conseguiu ser amplamente derrotado no seu berço político, o Rio de Janeiro. Só tem a comemorar a eleição do prefeito de Vitória, que é mais conservador do que propriamente bolsonarista.

Os discursos de vitória de Bruno Covas (PSDB), prefeito reeleito de São Paulo, e de Eduardo Paes (DEM) que volta a governar a cidade do Rio, apontaram na direção de uma frente de partidos do centro para tentar derrotar Bolsonaro daqui a dois anos. O PT conseguiu a proeza de eleger menos prefeitos e vereadores do que em 2016.

A próxima batalha a ser perdida por Bolsonaro é da eleição do novo presidente da Câmara dos Deputados. Ele já trabalha a favor do deputado Arthur Lira (PP-AL), do Centrão, que diz contar ali com 200 dos 513 votos possíveis. DEM, PSDB, MDB e os demais partidos de esquerda deverão juntar-se em apoio a outro nome.

No fim de dezembro, expira o pagamento do auxílio emergencial para os brasileiros mais pobres atingidos pelos efeitos do Covid-19. Falta dinheiro ao governo para prorrogá-lo. O auxílio impediu que a popularidade de Bolsonaro medida pelos institutos de pesquisa sofresse uma queda abrupta. Sem ele, como será?

Em palestra virtual na semana passada para um grupo de empresários reunidos pela Associação Comercial de São Paulo, Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central, traçou um quadro assustador da economia brasileira a partir de 2021. Segundo ele, o desemprego poderá bater na casa dos 21%.

Pastore afirmou que a crise que só tende a se agravar alimenta-se da combinação perversa de vários fatores – e citou dois deles. O primeiro: a fragilidade técnica da equipe liderada pelo ministro Paulo Guedes, da Economia. O segundo: o comportamento político errático de Bolsonaro que gera insegurança.

As eleições de 2022 girarão em torno da economia, da situação em que ela se encontre, do que Bolsonaro prometeu entregar e não entregou, e, naturalmente, do seu desempenho no combate à pandemia. Se for candidato à reeleição, é previsível que dispute o segundo turno. Mas tudo conspira para que perca.


Ricardo Noblat: Onde o coronavírus pode decidir quem será eleito hoje

Em algumas cidades, já decidiu

O recrudescimento da pandemia que no Brasil já matou quase 173 mil pessoas de março último para cá, infectando mais de 6.290.160, e o medo que isso provoca em pessoas dos grupos de risco e também nos jovens podem definir quem se elegerá prefeito em muitas das 57 cidades que irão hoje às urnas.

Em algumas delas, o vírus já votou e decidiu. É o caso de Manaus onde Amazonino Mendes (PODEMOS), três vezes prefeito da cidade, três vezes governador do Estado, deverá ser derrotado por David Almeida (Avante). Amazonino tem 81 anos de idade e uma saúde frágil que quase o impediu de fazer campanha.

O vírus já votou e decidiu que Manguito Vilela (MDB) será o próximo prefeito de Goiânia. Ex-governador de Goiás, em agosto passado ele perdeu duas irmãs para a Covid-19. Contraiu a doença e está internado em São Paulo desde o final de outubro. Entubado, não sabe que venceu o primeiro turno e que vencerá o segundo.

Pesquisas de intenção de voto divulgadas ontem apontaram Bruno Covas (PSDB) como o favorito para governar a capital de São Paulo. Guilherme Boulos (PSOL) sequer votará porque testou positivo para o vírus. Mas Covas teme a abstenção de eleitores idosos que em grande número declaram sua preferência por ele.

De fato, o vírus jogará um papel importante nos lugares onde as disputas serão as mais renhidas. Porto Alegre, Vitória e Recife estão entre elas. Ali, os números registram empate técnico. E mesmo pesquisas de boca de urna que ouvem os eleitores depois de votarem podem não conseguir antecipar os resultados.

Manuela d’ Ávila (PC do B) ficou em segundo lugar no primeiro turno. Virou o jogo e ultrapassou Sebastião Melo (MDB) por uma diferença de dois pontos – 51% a 49%. Melo é mais forte entre os eleitores idosos, ela entre os mais jovens. A abstenção promete ser grande em Porto Alegre. Quem mais se absterá?

O Ibope dá como empatada a eleição para prefeito de Vitória travada por Delegado Pazolini (Republicanos) e João Coser (PT). Mas dois respeitáveis institutos de pesquisa do Espírito Santo dão Pazolini na frente. O Ibope não mediu os efeitos do debate entre os dois da sexta-feira passada quando Pazolini saiu-se melhor.

Recife é palco da batalha mais original e talvez a mais eletrizante de sua história desde que, há 20 anos, bateram-se Roberto Magalhães (PFL, hoje DEM) e João Paulo (PT). Magalhães só não venceu no primeiro turno porque lhe faltaram pouco mais de 0,5% dos votos. Por essa mesma margem, acabou derrotado no segundo.

Marília Arraes (PT) é prima de João Campos (PSB) – ela, neta do ex-governador Miguel Arraes, ele, bisneto e filho do ex-governador Eduardo Campos. João teve mais votos do que Marília no primeiro turno, mas no segundo ela abriu mais de 6 pontos de vantagem. Ibope e Datafolha, agora, dão 50% dos votos para cada um.

A ação do vírus favorecerá um ou outro. O antipetismo pode ajudar a derrotar Marília, e a fadiga com o PSB, que governa Pernambuco há 14 anos, pode ajudar a derrotar João.


Ricardo Noblat: Tal pai, tal filho. Ou a arte dos Bolsonaros de negar o inegável

Quem puxa a quem

Como Jair Bolsonaro veio primeiro ao mundo e também à política, é de supor que seus três filhos zero tenham aprendido com ele a negar o inegável. Dito de outra maneira: a mentir.

Mas seria injusto não reconhecer que o pai também aprendeu com os filhos, principalmente com o mais ardiloso deles que o guia nas redes sociais – o vereador Carlos Bolsonaro, o Zero Dois.

Ontem pela manhã, Carlos valeu-se de sua conta no Twitter para culpar a “mídia” por mentir ao dizer que o presidente Jair Bolsonaro anunciara o fim da Lava Jato. Ele escreveu:

“Mas segundo as antas e outros bichos a lava-jato não ia acabar? Toda semana o mesmo papo furado e grande parte da imprensa mentindo sem qualquer pudor!”

Referia-se a uma nova operação da Lava Jato. esqueceu, ou fingiu esquecer, que seu pai, no dia 7 de outubro último, em cerimônia no Palácio do Planalto, afirmou:

“É um orgulho, uma satisfação que tenho ao dizer a essa imprensa maravilhosa que não quero acabar com a Lava Jato. Acabei com a Lava Jato porque não tem mais corrupção no governo”.

Se apenas foi irônico, pouco importa. Ele disse. Está gravado. Como gravado está para a posteridade que Bolsonaro também afirmou o que ontem à noite teve a cara de pau de negar.

Na live semanal das quintas-feiras no Facebook, ele negou que alguma vez tenha comparado a pandemia do Covid-19 com “uma gripezinha”. Falou em “gripezinha” em mais de uma ocasião.

Ao contrário do pai, Carlos consegue muitas vezes ser engraçado, irônico e ferino quando ataca seus desafetos, ou desafetos do presidente. Ultimamente, quando bate em João Doria.

“O cara feia com gravata borrada, aquele que não engana ninguém, continua sujando babadores com seus alinhados. Prudência, sofisticação, calça encravada, socialismo e liberdade!”

Ou então quando atira a esmo.

“Qualquer matéria dos blogueiros gargantas profundas começam com um tema Y e terminam com Bolsonaro. A internet revolucionou a informação e o gasto com papel higiênico!”

Mas vai e volta e revela sua obsessão por teorias conspiratórias.

“Ao que tudo indica, os atos preparatórios para uma nova tentativa de assassinato contra o Presidente continuam… até hoje também não sabemos quem mandou matar @jairbolsonaro”.

Vazamento de dados sigilosos prova que o Brasil é uma peneira

Na internet, o histórico médico de Bolsonaro e de 16 milhões de vítimas do coronavírus

Quer ironia mais perversa? O maior vazamento de dados sigilosos na história do Brasil ocorreu durante o governo de um ex-capitão aterrorizado com a hipótese de o país vir a ser espionado pela China caso ela vença a concorrência para fornecer a tecnologia 5G que aumentará a velocidade de acesso à internet.

Ao menos 16 milhões de brasileiros, o equivalente à soma das populações de São Paulo, Brasília e Maceió, com diagnóstico suspeito ou confirmado de Covid-19, tiveram seus dados pessoais e médicos expostos na internet durante quase um mês devido a um vazamento de senhas de sistemas do Ministério da Saúde.

O ex-capitão é fissurado por informações – dos outros, naturalmente. Seu governo é povoado por militares que padecem da mesma fissura. Pois bem: a ficha médica do ex-capitão, a da mulher dele e a do ministro da Saúde, esse um general especialista em logística, estão entre as 16 milhões que se tornaram públicas.

Fora as fichas de outros seis ministros de Estado, as de 16 governadores e as dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado, segundo o jornal O Estado de São Paulo. Não ceda à tentação de pensar que a exposição de dados foi causada por ataque de hackers ou por falhas de segurança do sistema.

Os dados foram abertos para consulta após um funcionário do Hospital Albert Einstein, em São Paulo, divulgar uma lista com usuários e senhas que davam acesso aos bancos de dados de pessoas testadas, diagnosticadas e internadas por covid nos 27 Estados. O hospital tem acesso aos dados do Ministério da Saúde.

Com as senhas, era possível acessar os registros de Covid-19 lançados em dois sistemas: o E-SUS-VE, no qual são notificados casos suspeitos e confirmados da doença com sintomas leves ou moderados, e o Sivep-Gripe, em que são registradas todas as internações por Síndrome Respiratória Aguda Grave.

Os bancos de dados do ministério trazem, “além das informações pessoais dos pacientes, detalhes considerados confidenciais sobre o histórico clínico, como a existência de doenças ou condições pré-existentes, entre elas diabete, problemas cardíacos, câncer e HIV”. E também a lista de remédios usados durante a hospitalização.

Tais informações, segundo o advogado Juliano Madalena, professor de Direito Digital, ouvido pelo jornal, são ouro puro para “empresas do ramo que queiram criar produtos específicos voltados para determinado público, para empresas de seguro de vida e planos de saúde que poderão usá-las de forma até indevida”.

O Hospital Albert Einstein demitiu seu funcionário responsável pelo vazamento. O Ministério da Saúde disse que vai apurar o caso com rigor. Diplomatas chineses nada comentaram a respeito, mas é razoável supor que tenham achado muita graça. O ex-capitão presidente quer se alinhar aos Estados Unidos contra o 5G chinês.

Em 7 de julho de 2013, o jornal O GLOBO publicou extensa reportagem com a denúncia de que a Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos (NSA) espionara “nas últimas décadas cidadãos e empresas brasileiras”. Telefonemas e e-mails “foram rastreados por meio de programas utilizados pela agência”.

O Brasil aparecia com destaque em mapas da NSA “como alvo importante no tráfego de telefonia e dados ao lado de países como a China, Rússia, Irã e Paquistão”. Em Brasília, pelo menos até 2002, funcionou uma das 16 bases de espionagem “nas quais agentes da NSA trabalhavam em conjunto com agentes da CIA”.

Para escutar conversas por aqui e bisbilhotar o que se escreve em computadores, o governo americano não depende da incúria de um funcionário de hospital, nem de sistemas de dados desprotegidos. Dispõe de satélites que capturam tudo o que lhe interessa. O 5G, para ele, é apenas um negócio que quer ganhar.