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Ribamar Oliveira: Incentivos distorcidos na escolha da profissão

Governo acredita que medida contribuirá para melhoria alocativa na economia

Além de tornar a máquina estatal mais eficiente, para que preste melhores serviços aos cidadãos, a reforma administrativa a ser proposta pelo governo tem um outro objetivo que não é facilmente perceptível. Ela pretende corrigir os incentivos distorcidos dados aos trabalhadores na escolha de uma profissão, informa uma nota produzida pela Secretaria de Política Econômica (SPE), do Ministério da Economia, que será divulgada hoje.

O governo avalia que, atualmente, existe um prêmio salarial para o ingresso no setor público, que paga melhores salários do que o setor privado para ocupações semelhantes. Ao reduzir esse prêmio, o governo acredita que contribuirá para uma melhoria alocativa na economia.

O pressuposto é que a alocação dos talentos é direcionada de acordo com o retorno em cada ocupação. Uma economia com elevado nível de burocracia, observa a nota da SPE, tende a estimular ocupações orientadas por busca de renda (rent-seeking, no termo em inglês), em vez de busca pelo lucro (profit-seeking), que seria a recompensa do empreendedorismo e da produção.

“Ao invés de enviesar as escolhas de carreiras através do pagamento de um prêmio salarial artificial, a nova estrutura de salários e carreiras do setor público (que será proposta pela reforma administrativa) tornará os incentivos mais adequados à alocação dos talentos onde eles têm maior vocação e logo maior retorno”, diz a nota, intitulada “Redução do Misallocation para a Retomada da Produtividade Brasileira”.

A nota garante que “os impactos sobre o crescimento (com a redução do prêmio salarial do setor público) devem ser superlativos”. Ela cita um estudo feito pelos pesquisadores Tiago Cavalcanti, da Universidade de Cambridge, e Marcelo Santos, do Insper, o qual estima que a redução do prêmio salarial em seis pontos percentuais e o alinhamento das perspectivas de previdência entre o setor público e privado, conforme estabelecido pela reforma recentemente aprovada pelo Congresso Nacional, produziriam um aumento de 17% no Produto Interno Bruto (PIB) per capita a longo prazo no Brasil.

A SPE, em sua nota, apresenta 11 diferentes medidas e propostas para aumentar a eficiência alocativa dos recursos na economia. Segundo a SPE, “a redução do ‘misallocation’ (alocação ineficiente) é a estratégia central de política pública do governo para o aumento da produtividade”.

Em entrevista a este colunista, o secretário de Política Econômica, Adolfo Sachsida, garantiu que existe um problema sério de alocação de recursos na economia brasileira. Ele disse que o governo brasileiro gasta mal e direciona recursos para lugares menos eficientes, o que gera uma queda brutal na produtividade. E que é preciso corrigir isso com urgência. “A alocação ineficiente é pior do que queimar dinheiro”, afirmou.

Ele citou vários exemplos de alocação ineficiente, como as numerosas obras públicas inacabadas existentes no país, que, além de não poderem ser utilizadas, ainda custam recursos para serem conservadas, e alguns estádios que foram construídos para a Copa do Mundo de 2014 e continuam onerando os cofres públicos.

Em sua nota, a SPE formula uma definição que torna o conceito de “‘misallocation” mais fácil de ser entendido. “Se uma firma apresenta retorno menor que outras, e, ainda assim, recebe mais investimento, este está sendo alocado de forma ineficiente, configurando-se ‘misallocation’.”

A SPE observa que, entre os anos de 2010 e 2017, a produtividade da economia brasileira caiu, em média, 2,1% ao ano, acumulando uma queda de 13,9% no período. A produtividade pode ser resultado de inovações tecnológicas, de melhores condições de infraestrutura, e de capital humano. “Porém, nenhum desses aspectos mudou significativamente nos últimos dez anos. Assim, a explicação fundamental para esse movimento de queda da produtividade é a piora da ineficiência na alocação (misallocation) dos recursos da economia”, diz a nota.

A SPE cita a tese de doutorado do economista Rafael Vasconcelos, da Fundação Getulio Vargas (FGV), sobre essa questão. A tese indicou que a alocação ineficiente de recursos aumentou de forma dramática no Brasil desde 2006, o que, na avaliação da SPE, “fortalece o diagnóstico de que a perda de produtividade foi promovida por aumento da ‘misallocation’”.

Na mesma tese, o economista indica que há um espaço muito grande para o aumento da produtividade ao se eliminar falhas de mercado e/ou falhas de governo que promovam o “misallocation”. “Pode-se mais que dobrar a produtividade, e logo, o produto per capita, ao se eliminar tais ineficiências”, diz a nota da SPE.

Entre as 11 medidas e propostas para reduzir a “misallocation”, a nota cita a proposta de reforma tributária, que deve ser encaminhada ao Congresso pelo governo nas próximas semanas. A SPE explica que há uma variância substancial de alíquotas no sistema tributário brasileiro para firmas similares, ou entre setores, de forma a enviesar investimentos. Isto produz, segundo a nota, uma dispersão elevada e persistente da alocação dos recursos, o que configura um exemplo claro de perda de eficiência alocativa.

Há ainda no atual sistema tributário custos substanciais de conformidade e riscos judiciais intrínsecos ao sistema. “Tais características produzem perda de recursos em atividades não produtivas e estimulam comportamentos oportunistas para encontrar brechas no sistema tributário”, diz a nota. E acrescenta: “A reforma tributária buscará reduzir a variância de alíquotas, simplificar o sistema, reduzir riscos judiciais e eliminar parte dos custos de conformidade”.

A nota elenca ainda as medidas que já foram adotadas pelo governo na área do crédito (com a redução do crédito direcionado), a criação do “novo FGTS”, a proposta de extinção do seguro obrigatório DPVAT, a proposta de abertura comercial, entre outras. O objetivo da nota, segundo Sachsida, é estimular o debate sobre a atual alocação ineficiente de recursos na economia brasileira.


Ribamar Oliveira: Parlamentarismo orçamentário

Agora, é o ministro que vai atrás do parlamentar

O Congresso criou, nos últimos anos, o que já está sendo chamado na área técnica de “parlamentarismo orçamentário”. Além de toda a peça orçamentária ter se tornado impositiva, mais de 50% dos investimentos da União foram alocados no Orçamento de 2020 por meio de emendas parlamentares. Isto significa que deputados e senadores vão dizer, neste ano, na maioria dos casos, onde e em que obras as verbas serão gastas.

A nova realidade orçamentária abrirá a primeira crise entre o governo Jair Bolsonaro e o Congresso Nacional neste início de ano legislativo. Já está negociada pelas principais lideranças da Câmara dos Deputados e do Senado a derrubada do veto do presidente da República ao artigo 64-A da lei 13.957, que alterou a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), válida para 2020.

A lei 13.957 torna obrigatória as emendas ao Orçamento feitas pelas comissões do Senado e da Câmara e pelo relator-geral. O artigo 64-A, motivo da disputa entre Executivo e o Congresso, determina que a execução das programações das emendas deverá observar as indicações de beneficiários e a ordem de prioridades feitas pelos respectivos autores.

Traduzindo o economês, o parlamentar é que vai indicar o órgão para onde os recursos de suas emendas serão destinados, as obras ou serviços que serão realizados e, em caso de contingenciamento das dotações orçamentárias, qual é a ordem de prioridade. O parlamentar será, portanto, o verdadeiro gestor do recurso orçamentário.

Além disso, o artigo vetado pelo presidente determina que o governo, ao fazer o contingenciamento das dotações orçamentárias, reduza as emendas feitas pelas comissões do Senado e da Câmara e pelo relator-geral na mesma proporção das demais despesas. Bolsonaro vetou dispositivos que darão efetivo controle sobre a execução das emendas parlamentares aos seus autores.

Na mensagem do veto, o presidente argumenta que o dispositivo proposto pelos parlamentares é contrário ao interesse público, pois “é incompatível com a complexidade operacional do procedimento estabelecer que as indicações e priorizações das programações com identificador de resultado primário derivado de emendas sejam feitas pelos respectivos autores”. É muito provável que Bolsonaro perderá nesta questão, pois o artigo vetado tem o apoio dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). Os deputados e senadores não abrem mão de gerir suas emendas e da proporcionalidade no contingenciamento.

As emendas parlamentares ao Orçamento deste ano somam R$ 48,5 bilhões - um recorde histórico. Do total, R$ 9,4 bilhões são de emendas individuais, R$ 8,2 bilhões, de emendas de bancadas estaduais, e R$ 687,3 milhões, de comissões. Só o relator-geral do Orçamento, Domingos Neto (PSD-CE), apresentou emendas no total de R$ 30,1 bilhões (ver tabela abaixo). Do total das emendas parlamentares, R$ 23,8 bilhões foram destinados aos investimentos, que estão programados em R$ 41 bilhões para este ano.

Com a derrubada do veto, os parlamentares passarão a gerir, diretamente, mais da metade dos investimentos da União. Na prática, isto significa que serão eles que dirão aos ministros de cada área onde deverão aplicar os recursos orçamentários. Irão escolher a obra e definir prioridades. Toda a lógica orçamentária que predominou até agora será alterada.

Era comum encontrar deputados e senadores nos gabinetes de autoridades, às vezes sem conseguir serem recebidos, com pedidos para que os recursos das emendas fossem liberados e que a destinação ocorresse para as obras que desejavam. As solicitações eram atendidas, muitas vezes, depois de assegurados os votos favoráveis a projetos de lei de interesse do Executivo.

A partir deste ano, serão os ministros que terão que procurar os deputados e senadores para que eles destinem suas emendas para as obras que o governo considera prioritárias. Os encontros de ministros com parlamentares com esse objetivo já começaram.

“Agora, é o ministro que está indo atrás do parlamentar”, sintetizou um líder partidário, em conversa com o Valor.

Mesmo que o veto do presidente não seja derrubado, o artigo quarto da lei orçamentária deste ano (lei 13.978/2020) proíbe, em seu parágrafo 7º, o cancelamento de valores incluídos ou acrescidos no Orçamento por emendas parlamentares. Tudo terá que ser feito com a concordância ou sugestão do autor da emenda.

A emenda constitucional 100 estabelece que é um dever da administração executar as programações orçamentárias. A emenda 102 esclarece que a execução obrigatória se aplica exclusivamente às despesas primárias discricionárias, que são, justamente, os alvos das emendas parlamentares.

Nas próximas semanas, o governo deverá editar o primeiro decreto de programação orçamentária e financeira do Tesouro neste ano, com um contingenciamento das dotações. Neste documento, saberemos como o governo entendeu a impositividade das emendas parlamentares.


Ribamar Oliveira: Situação inusitada na área fiscal em 2020

Há um risco concreto neste ano de piora do déficit primário do governo central e, ao mesmo tempo, de melhora do déficit nominal

Existe um risco concreto de uma piora do déficit primário do governo central (Tesouro, Previdência e Banco Central) neste ano e, ao mesmo tempo, de uma melhora do déficit nominal, que considera a despesa com o pagamento dos juros da dívida pública.

Esta situação inusitada poderá acontecer, em parte, porque o resultado primário em 2019 ficou em torno de R$ 70 bilhões, muito abaixo da meta, segundo estimativa do secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues. Os dados fiscais do ano passado serão divulgados no fim deste mês.

No ano passado, a meta de déficit primário do governo central era de R$ 139 bilhões, mas o ingresso nos cofres públicos de um volume recorde de receitas atípicas, não recorrentes, principalmente de leilões do petróleo, reduziu substancialmente o “buraco” nas contas.

Outro fator que contribuiu para a substancial melhora foi o chamado “empoçamento” de recursos, quando o Tesouro libera o dinheiros e o órgão público não consegue gastar. O “empoçamento” foi turbinado pelo fato de que o governo só acabou com o contingenciamento das dotações orçamentárias nos últimos meses de 2019, deixando pouco tempo para o dinheiro ser gasto.

Para este ano, a meta de déficit primário do governo central é de R$ 124,1 bilhões, mas o resultado efetivo, certamente, será menor do que este valor. Atualmente, as metas fiscais estabelecidas na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) não têm correspondência com a realidade. Elas são estabelecidas para que o governo não corra risco de não cumpri-las. Esta prática foi estabelecida depois da criação do teto de gastos da União.

O tamanho do déficit primário deste ano dependerá da arrecadação tributária e das receitas atípicas que serão obtidas. A tributária está relacionada ao crescimento da economia, à inflação, ao crescimento da massa salarial e ao volume das importações, entre outros parâmetros econômicos.

Na semana passada, o governo alterou todos esses parâmetros e, consequentemente, a previsão de receita. O governo elevou sua projeção para o crescimento da economia de 2,32 para 2,4%. A estimativa da inflação subiu de 3,53% para 3,62%. O crescimento da massa salarial, que impacta diretamente a receita previdenciária, passou de 6,26% para 7,16%.

Com isso, a nova previsão de receita tributária a ser anunciada pelo governo nos próximos dias será maior do que aquela que está no Orçamento deste ano. Como as despesas da União estão submetidas ao teto de gastos, qualquer aumento da arrecadação resultará em melhor resultado primário.

O governo incluiu no Orçamento uma previsão de R$ 16 bilhões com os novos contratos de concessão das usinas hidrelétricas da Eletrobras. O problema é que há uma forte reação no Senado contrária à privatização da Eletrobras. Se essas resistências não forem vencidas, o governo terá que excluir esta receita do Orçamento, o que afetaria diretamente o resultado primário.

Diferentemente do que ocorreu em 2019, o governo poderá não contar com receitas atípicas expressivas neste ano. Dois campos de petróleo da chamada cessão onerosa (Atapu e Sépia), que não receberam ofertas no leilão realizado no ano passado, poderão ser oferecidos novamente neste ano. A receita com bônus de assinatura prevista para os dois campos era de R$ 36,6 bilhões, sendo que R$ 12,1 bilhões seriam distribuídos aos Estados e municípios. O leilão, no entanto, poderá ficar para o próximo ano, pois o governo sinalizou que pretende alterar alguns termos do edital para atrair os investidores estrangeiros.

Outras receitas atípicas poderão ocorrer, como a arrecadação de Imposto de Renda derivada de IPO (emissão primária de ações) da Caixa Seguridade, prometida para o primeiro semestre deste ano, e outras empresas públicas. A receita do Imposto de Renda com essas operações não está prevista no Orçamento.

O déficit nominal do setor público, por sua vez, vai diminuir. O resultado no ano passado já foi uma enorme surpresa, pois o mercado e o próprio governo esperavam que ele ficasse em torno de 7% do Produto Interno Bruto (PIB). Ele terminou em torno de 5% do PIB. E vai cair mais ainda, principalmente, por causa da redução dos juros. O Tesouro está conseguindo colocar títulos no mercado com juro real de 1% ao ano, enquanto o juro real em janeiro de 2016 estava em torno de 7% ao ano. O maior impacto da queda no custo da dívida pública ocorrerá neste ano.

Segundo o secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, mais de 50% da dívida mobiliária federal gira em 12 meses, incluindo no cálculo as operações compromissadas feitas pelo Banco Central. Por esta razão, o efeito da queda dos juros sobre o custo da dívida é rápido.

Mansueto estimou uma redução de R$ 120 bilhões no custo do endividamento público neste ano, o que corresponde a 1,5% do PIB. Como o atual ciclo de redução da Selic pelo Banco Central começou em julho do ano passado, o efeito da queda dos juros sobre o custo da dívida federal será pleno em 2020. Em 2019, a redução do custo da dívida foi estimada pelo secretário em R$ 60 bilhões.

O custo da dívida vai cair também pelo pagamento antecipado pelo BNDES de empréstimos tomados junto ao Tesouro, pela venda de reservas internacionais pelo Banco Central e pela privatização de estatais federais. Essas variáveis, no entanto, ainda não são conhecidas.

O secretário especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados, Salim Mattar, disse ao Valor, no fim do ano passado, que o BNDES deve pagar antecipadamente “no mínimo” R$ 100 bilhões. Mattar também informou que a meta do governo é obter R$ 150 bilhões com a venda de suas participações em empresas estatais. É difícil saber, no entanto, quanto desses recursos ingressará efetivamente nos cofres do Tesouro e poderá ser utilizado para abater a dívida pública.


Ribamar Oliveira: A despesa da União que mais cresce

Despesa com sentenças judiciais é nova ameaça ao teto de gastos

Não é apenas o crescimento das despesas previdenciárias que ameaça a manutenção do teto de gastos da União nos próximos anos. O pagamento de sentenças judiciais, que é uma despesa primária submetida ao teto, tem aumentado em ritmo muito mais acelerado nos últimos anos, tornando-se uma verdadeira dor de cabeça para as autoridades do Ministério da Economia. Mesmo assim, ela está fora do atual debate fiscal.

Desde 2017, após a criação do teto pela Emenda Constitucional 95, parte do enxugamento que o governo realizou em suas despesas foi para acomodar a elevação deste gasto. E sua trajetória é imprevisível. A tendência, no entanto, é de crescimento, de acordo com o Relatório de Riscos Fiscais da União, recentemente divulgado pela Secretaria do Tesouro Nacional.

Em 2014, os pagamentos referentes a ações judiciais ficaram em R$ 19,8 bilhões, enquanto a previsão do Tesouro Nacional é que a despesa tenha atingido R$ 42 bilhões no ano passado - um crescimento nominal de 112,1% ou 62,1% em termos reais, considerando uma inflação de 4,13% em 2019, medida pelo IPCA, como prevê o mercado, de acordo com o boletim Focus do Banco Central.

O governo projetou um gasto de R$ 53 bilhões com o pagamento de sentenças judiciais no Orçamento da União deste ano - R$ 11 bilhões a mais do que o previsto para o ano passado. Se a despesa se confirmar, o aumento nominal será de R$ 33,2 bilhões, em comparação com o que foi pago em 2014, ou seja, crescimento nominal de 167,7%.

Nenhuma despesa da União cresceu tanto no mesmo período. Em termos de comparação, o gasto com benefícios previdenciários foi de R$ 394,2 bilhões em 2014 e está projetada em R$ 677,6 bilhões para este ano - um aumento nominal de 71,9%. É uma elevação explosiva, mas sem comparação com o pagamento de sentenças judiciais.

As demandas judiciais contra a União são classificadas segundo a probabilidade de perda, podendo ser de risco provável, de risco possível ou de risco remoto. As ações de risco provável são contabilizadas pelo Tesouro em contas de provisão para perdas judiciais, afetando o balanço patrimonial da União.

De 2014 até junho de 2019, as ações na Justiça contra a União registraram um aumento de 290%, passando de R$ 559 bilhões para R$ 2,184 trilhões. Deste total, R$ 634 bilhões dizem respeito a ações classificadas com risco de perda provável, que foram provisionadas no balanço patrimonial da União em 30 de setembro do ano passado.

Os valores mais expressivos de ações contra a União, de acordo com o Relatório de Riscos Fiscais, são de natureza tributária, inclusive previdenciária. O anexo de riscos fiscais da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2020 informa que tramitam atualmente perante o Supremo Tribunal Federal (STF) 163 temas tributários com repercussão geral reconhecida e que podem ter algum risco fiscal ao Orçamento da União.

Quando um tema em discussão no STF, por meio de recurso extraordinário, é reconhecido como de repercussão geral, sua decisão final aplica-se a todas as ações judiciais sobre a mesma questão.

O STF já tem decisão favorável, por exemplo, à exclusão do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) da base de cálculo das contribuições do PIS e da Cofins. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) entrou com recurso no STF, pedindo a modulação da sentença, para que o valor do ICMS considerado seja apenas o que a empresa recolheu, e não o que está na nota fiscal e solicitando que a decisão só se aplique a partir de janeiro de 2018.

O recurso da PGFN será julgado em abril. O anexo da LDO estima o impacto da decisão em R$ 45,8 bilhões para um ano e em R$ 229 bilhões para cinco anos. Esta ação já foi classificada como de risco provável.

A preocupação da área econômica com a evolução da despesa da União com sentenças judiciais pode ser avaliada por três movimentos que foram feitos no ano passado. A proposta de reforma da Previdência Social encaminhada pelo governo (PEC 06/2019) continha um artigo estabelecendo que nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderia ser criado, majorado ou estendido por ato administrativo, lei ou decisão judicial, sem a correspondente fonte de custeio total. O dispositivo foi excluído da proposta.

A PEC 186/2019, mais conhecida como “PEC Emergencial”, estabelece que, no exercício em que o volume de operações de crédito exceda a despesa de capital, os três Poderes da República estarão impedidos de criar despesas obrigatórias ou adotar medida que implique reajuste de despesa obrigatória acima da variação da inflação. Não está claro se esta proibição se aplica às decisões judiciais.

A PEC 188/2019, também conhecida como “PEC do Pacto Federativo”, cria o Conselho Fiscal da República, que terá participação dos presidentes de todos os Poderes, com o objetivo de “salvaguardar a sustentabilidade de longo prazo dos orçamentos públicos”. A inclusão do presidente do STF no conselho indica uma preocupação em mostrar diretamente ao Judiciário a situação das contas públicas.


Ribamar Oliveira: O ano em que os juros foram jogados ao chão

Queda do custo da dívida representa mais de dois Bolsas Família

Há boas razões para acreditar que 2020 será melhor para a economia do que o ano que passou. O ritmo da atividade econômica ganhou impulso nos últimos meses de 2019, por causa da liberação dos saques do FGTS e do aumento do crédito. A confiança dos empresários aumentou com a estratégia econômica adotada pelo governo, com a aprovação da reforma da Previdência Social e com a melhora do quadro fiscal do setor público.

A expectativa que predomina no mercado é a de que um cenário de maior crescimento deverá se consolidar ao longo dos próximos meses, embora algumas nuvens negras que vêm do exterior ainda provoquem incertezas. Existem dúvidas também sobre o encaminhamento de algumas reformas indispensáveis à continuidade do ajuste das contas públicas, em virtude do ano eleitoral.

É importante destacar nesta coluna, no entanto, o fato econômico mais marcante de 2019 - ano que ficará conhecido como aquele em que os juros no país foram jogados ao chão. Quem acompanhou a economia brasileira ao longo das últimas duas décadas sabe avaliar a dimensão do fenômeno que presenciamos no ano passado. Durante anos, o Brasil foi um dos campeões dos juros altos no mundo, com taxas reais que eram verdadeiras aberrações.

O enorme custo financeiro dessa anomalia, que perdurou por longo tempo, foi suportado pela população mais pobre, ajudando a agravar a brutal desigualdade de renda do país. Uma Selic (a taxa básica de juros da economia, fixada pelo Banco Central) de dois dígitos foi considerada como normal durante muito tempo. Em março de 1999, por exemplo, ela chegou a 45% ao ano.

Na década de 1990, o país conviveu com taxa de juro real acima de 10% ao ano, situação que se manteve no início deste século. Depois, ela foi caindo lentamente para algo em torno de 5%, ainda muito distante das taxas praticadas no mercado internacional. Numerosos artigos e teses, escritos nos últimos anos pelos mais renomados economistas do país, tentaram explicar a anomalia brasileira dos juros altos e encontrar uma saída.

Ela veio, da forma mais dolorosa possível. Uma brutal recessão econômica, seguida de uma lenta recuperação, acompanhada de uma mudança radical na estratégia econômica do governo quebraram a espinha dorsal da inflação e os juros caíram para patamares inimagináveis.

A gestão do ex-presidente do Banco Central Ilan Goldfajn foi responsável, em grande medida, pela mudança. O cenário internacional de juros baixos, negativos em vários países, ajudou também na empreitada.

A queda dos juros foi rápida e forte. Em janeiro de 2016, a taxa Selic estava em 14,25% ao ano e o Tesouro pagava juro real de 7,2% ao ano em seus títulos corrigidos pelo IPCA (NTNB principal), com prazo de quatro anos. Hoje, a Selic está em 4,5% e o Tesouro consegue vender papéis com taxa real de 1% ao ano. Se, em 2016, um economista fizesse tal previsão, seria considerado delirante.
Como mais de 50% da dívida pública federal, incluindo no cálculo as operações compromissadas feitas pelo BC, gira em 12 meses, o efeito da queda dos juros sobre o custo do endividamento é muito rápido. Em conversa com o Valor, o secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, estimou que o custo médio da dívida pública federal ficou R$ 69 bilhões menor no ano passado, na comparação com 2018.

Para fazer o cálculo, ele utilizou a taxa média de juros de emissão dos papéis do Tesouro em 2018. Em seguida, estimou o custo da dívida em 2019 se essa taxa média tivesse permanecido. Depois, comparou com o custo verificado com as taxas médias efetivamente praticadas pelo Tesouro no ano passado.

A economia da União com a despesa de juros em 2019, estimada pelo secretário do Tesouro, representa mais de duas vezes o gasto anual com o programa Bolsa Família, que atende 13,5 milhões de famílias extremamente pobres. A projeção de Mansueto Almeida para este ano é de uma economia ainda maior: R$ 120 bilhões. Estamos vivendo uma nova realidade de juros.

Outros aspectos desta questão precisam ser destacados. A forte e rápida queda dos juros, junto com a venda de reservas pelo Banco Central, o pagamento antecipado pelo BNDES de empréstimos feitos junto ao Tesouro e a revisão dos valores do Produto Interno Bruto (PIB) em 2017 e 2018, anunciada pelo IBGE, obrigou o Tesouro a alterar também sua trajetória para a dívida pública.

Antes, o Tesouro projetava que a dívida pública bruta terminaria este ano em 80,8% do PIB e que continuaria aumentando até 2022, quando alcançaria 81,8% do PIB. Então, passaria a cair até 73,5% do PIB em 2028. Em sua nova projeção, o Tesouro considerou que a dívida bruta terminaria 2019 em 77,3% do PIB, subiria para 78,2% do PIB neste ano, quando estabilizaria. Passaria a cair a partir de 2023. Isso aconteceria mesmo com os déficits primários previstos para 2020, 2021 e 2022.

Na verdade, é difícil projetar a trajetória da dívida porque algumas variáveis com impacto fiscal ainda são desconhecidas. Não é possível estimar, por exemplo, quanto a União arrecadará com as privatizações de estatais e com vendas de imóveis neste ano. Nem quanto o BC venderá de reservas.

É difícil prever até mesmo a trajetória da arrecadação tributária em 2020, em decorrência da recuperação econômica. Também não é possível saber se a União conseguirá leiloar, em 2020, os dois campos de petróleo da chamada cessão onerosa que não tiveram ofertas no ano passado. Essas variáveis afetam, de alguma forma, a dívida bruta.

Existe, no entanto, um consenso entre os principais economistas do país de que os juros baixos continuarão por um bom tempo. Alguns acreditam que o BC ainda tem espaço para reduzir a Selic. A equipe econômica considera que os efeitos da queda da Selic ainda não foram transmitidos para economia. Como o ciclo de redução começou em julho de 2019, e existe uma defasagem da política monetária sobre a atividade, as autoridades acreditam que o impacto maior ocorrerá a partir de fevereiro.

O cenário econômico é, portanto, favorável, principalmente porque o país passou a conviver com uma nova realidade de juros.


Ribamar Oliveira: Orçamento impositivo alastra-se pelo país

Modalidade já é adotada por 13 Estados, o DF e mais 9 capitais

Até o fim de 2018, 13 Estados brasileiros, o Distrito Federal e nove capitais adotavam algum tipo de Orçamento impositivo, de acordo com pesquisa realizada pelo professor Rodrigo Luís Kanayama, chefe do Departamento de Direito Público da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Em conversa com o Valor, Kanayama alertou para o fato de que os números podem ter aumentado neste ano e que a sua pesquisa não abrangeu os municípios do interior.

No caso dos Estados, cinco deles adotam em suas constituições a obrigatoriedade para a execução de todas as programações orçamentárias. Outros sete e o Distrito Federal tornaram obrigatória a execução apenas das emendas parlamentares, e um deles, das emendas e das decisões tomadas em audiências públicas sobre o Orçamento.

Seis Estados inscreveram o princípio em suas legislações antes de o Congresso Nacional incluir na Constituição da República, por meio da Emenda Constitucional 86/2015, a obrigatoriedade de execução das emendas individuais dos parlamentares ao Orçamento. De 2015 a 2018, outros seis Estados foram pelo mesmo caminho.

A aprovação das emendas constitucionais 100 e 102 à Constituição da República, neste ano, poderá abrir uma verdadeira avenida para que outros Estados e municípios avancem em direção ao Orçamento impositivo. A emenda 100 tornou obrigatória a execução das emendas de bancada estadual e determinou que “a administração tem o dever de executar as programações orçamentárias, adotando os meios e as medidas necessários, com o propósito de garantir a efetiva entrega de bens e serviços à sociedade".

A emenda 102 estabeleceu que a obrigatoriedade de execução “aplica-se exclusivamente às despesas primárias discricionárias”, que são os investimentos e o custeio da máquina pública. Como as demais despesas são de execução obrigatória por algum dispositivo constitucional ou legal, todo o Orçamento passou a ser impositivo.

A tradição brasileira é de Orçamento apenas autorizativo, como lembrou o professor Kanayama. No fim da década de 1990, alguns parlamentares deram início a um movimento a favor do Orçamento impositivo. A PEC 77/1999, de iniciativa do então senador Iris Rezende, do PMDB goiano, propôs a obrigatoriedade da execução orçamentária. A bandeira foi, então, empunhada pelo então poderoso senador Antônio Carlos Magalhães, do PFL da Bahia, que, em 2000, apresentou uma proposta no mesmo sentido. Naquela época não se falava em emenda impositiva, mas na obrigatoriedade de execução de todas as programações orçamentárias.

O movimento foi uma reação ao uso excessivo, por parte do Executivo, da barganha na execução das emendas que os parlamentares faziam ao Orçamento, para que eles aprovassem as propostas de interesse do governo. A crítica principal era que o Executivo executava o que queria e que o Orçamento tinha virado uma peça de ficção.

Em 2015, os parlamentares impuseram uma derrota à ex-presidente Dilma Rousseff e aprovaram a Emenda Constitucional 86, que tornou obrigatória a execução das emendas parlamentares individuais ao Orçamento, até o limite de 1,2% da receita corrente líquida da União.

O máximo que o então governo conseguiu foi que 50% dos recursos seriam destinados obrigatoriamente à área da saúde. Depois vieram as emendas 100, 102 e agora a emenda 105, que permite ao parlamentar doar ao município ou governo que desejar, sem destinação específica e sem fiscalização do Tribunal de Contas da União (TCU), até a metade do valor de suas emendas individuais.

Para o professor Kanayama, a mudança que está ocorrendo no Orçamento é de fundamental importância, pois altera a relação entre o Executivo e o Legislativo. “A força que o Parlamento ganha é muito grande”, avaliou. Ele acredita que, se a prática se espalhar para os municípios do interior, é alto o risco de que ocorra um aumento da ineficiência na alocação dos recursos públicos.

A procuradora Élida Graziane Pinto, do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo, acha que o país caminha para uma espécie de “parlamentarismo fiscal”. Para ela, está ocorrendo uma paulatina reversão do poder que o Executivo tinha de capturar lealdades parlamentares por meio das emendas ao Orçamento. “Assim, tem sido expandido o nicho de deliberação autônoma do Congresso em caráter obrigatório para o Executivo”, observou. “Como o presidente Bolsonaro cedeu espaço para o Congresso, foi mais fácil para este acelerar o processo da impositividade orçamentária que diminui a discricionariedade do Executivo em favor da ampliação de poder do Legislativo”.

Ainda é difícil prever as consequências para o sistema político brasileiro da mudança que está em curso.

Inconstitucional
Especialistas consultados pelo Valor garantem que um aspecto da proposta orçamentária aprovada pelo Congresso Nacional, na noite de terça-feira, poderá ser considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Em seu parecer, o relator-geral da proposta, deputado Domingos Neto (PSD-CE), promoveu uma redução da ordem de R$ 6 bilhões nos gastos de pessoal em 2020, condicionada à aprovação da proposta de Emenda Constitucional 186/2019, que permite que o governo diminua a jornada de trabalho e o salário dos servidores em até 25%. A economia com pessoal foi usada para programar outros gastos.

O problema é que o parágrafo terceiro do artigo 166 da Constituição proíbe, expressamente, a redução da dotação para o pagamento de pessoal e encargos sociais por meio de emenda parlamentar. Em conversa com o Valor, o deputado Domingos Neto observou que a lei orçamentária aprovada determina que, no caso da não implementação dos dispositivos da PEC 186, poderão ser recompostos os valores das despesas de pessoal com o cancelamento dos gastos que ficaram condicionados. “Avaliamos pela constitucionalidade exatamente por entender que fica preservado o Orçamento em todas as circunstâncias”, disse.


Ribamar Oliveira: Opção preferencial pelos militares

Investimentos da Defesa se tornam obrigatórios

Contrariando o discurso oficial, que prega a redução do engessamento orçamentário, o governo aceitou que os investimentos do Ministério da Defesa programados para 2020 não sejam objeto de limitação de empenho, ou seja, não poderão sofrer contingenciamento. Os investimentos da Defesa serão, portanto, obrigatórios no próximo ano. Os únicos do Orçamento.

O governo poderia ter vetado o dispositivo da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) - lei 13.898/2019 - que dá tratamento privilegiado aos investimentos da Defesa, como fez com outros gastos que os deputados e senadores tentaram proteger da tesoura no próximo ano, mas não o fez.

Os parlamentares incluíram na lista das despesas que estão livres do contingenciamento 13 novas ações e programas. Eles excluíram dos cortes, por exemplo, todas as ações vinculadas à educação, os gastos com o programa Mais Médicos e as ações do Plano Nacional de Segurança Pública. Tudo isso foi vetado pelo presidente Jair Bolsonaro, depois de ouvido o Ministério da Economia.

A explicação para os vetos foi a seguinte: “Os itens propostos não são passíveis de limitação de empenho, o que, por consequência, eleva o nível de despesas obrigatórias e reduz o espaço fiscal das despesas discricionárias, além de restringir a eficiência alocativa do Poder Executivo na implementação das políticas públicas”. O governo também argumentou que “a inclusão contribui para a elevação da rigidez do Orçamento, dificultando não apenas o cumprimento da meta fiscal como a observância do Novo Regime Fiscal, estabelecido pela EC nº 95/2016 [teto de gastos], e da ‘regra de ouro’, constante do inciso III, do art. 167 da Constituição Federal”.

Os mesmos argumentos, no entanto, não foram válidos para os investimentos do Ministério da Defesa e para as despesas com ações vinculadas à função ciência, tecnologia e inovação, no âmbito do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC). Quando encaminhou ao Congresso a mensagem modificativa da proposta orçamentária de 2020, o governo informou que incluiu na relação das despesas obrigatórias do próximo ano dotações de R$ 4,1 bilhões do Ministério da Defesa e R$ 3,1 bilhões do MCTIC.

Na mesma mensagem modificativa, o governo ampliou em R$ 5,4 bilhões as chamadas despesas discricionárias, que são os investimentos e o custeio estrito da máquina pública. Elas estavam com valores muito baixos na proposta orçamentária original. Do total, 44% foram destinados ao Ministério da Defesa, ou R$ 2,376 bilhões. A área de infraestrutura ganhou só 17,6% do total e o Ministério da Educação, ficou com apenas 11%.

Não houve explicações oficiais para a maior destinação de recursos ao Ministério da Defesa nem para a inclusão dos investimentos do órgão no rol das despesas obrigatórias da União, principalmente diante da carência de recursos em áreas vitais da infraestrutura, no momento em que o país passa por um verdadeiro apagão logístico.

Os investimentos do Ministério da Defesa que passarão a ter execução obrigatória no próximo ano são: programa de desenvolvimento de submarinos (Prosub) e programa nuclear da Marinha (PNM), com dotação de R$ 1,5 bilhão; desenvolvimento de cargueiro tático militar de 10 a 20 toneladas, com R$ 166,430 milhões; aquisição de aeronaves de caça e sistemas afins, projeto FX-2, com R$ 951,370 milhões; aquisição de cargueiro tático militar de 10 a 20 toneladas, projeto KC-390, com R$ 613,830 milhões; implantação do sistema de defesa estratégico Astros, com R$ 155,7 milhões; implantação do projeto Guarani, com R$ 338,1 milhões; e implantação do sistema integrado de monitoramento de fronteiras (Sisfron), com R$ 239,7 milhões. Os dados constam da mensagem modificativa da proposta orçamentária de 2020.

Mais gastos
Por meio do decreto 10.120, de 21 de novembro deste ano, o presidente Jair Bolsonaro elevou os limites para despesas com pessoal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) e do Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios (MPDFJ). Especialistas em finanças públicas ouvidos pelo Valor estimam que os novos limites permitem que os dois órgãos elevem seus gastos com pessoal em até 45% ou algo em torno de R$ 1,4 bilhão.

A Constituição determina que o gasto da União com pessoal não pode exceder a 50% da receita corrente líquida, sendo o limite de 40,9% para o Executivo. Deste total, 3% serão distribuídos entre o Distrito Federal, o TJDFT, o MPDFT e o quadro em extinção dos ex-territórios do Amapá e de Roraima. Com o decreto, o limite do TJDFT passou de 0,275% para 0,399%, enquanto que o limite do MPDFT passou de 0,092% para 0,133%. Os limites dos ex-territórios foram diminuídos, o do Distrito Federal foi mantido, respeitando o limite global de 3%.

Consultado pelo Valor sobre a mudança, o Ministério da Economia informou que o decreto 10.120 “não altera os gastos no total, tendo em vista os limites estabelecidos pela emenda constitucional 95, de 2016, ou seja, para aumentar a despesa com pessoal, os órgãos envolvidos deverão reduzir os mesmo valores nas despesas discricionárias”.

Segundo o Ministério da Economia, “a alteração partiu de demanda do órgão em comum acordo com os outros órgãos submetidos ao mesmo limite para ajustar à realidade da divisão de gastos de pessoal entre os envolvidos”.

É preciso considerar, no entanto, outros aspectos desta questão. Em 2012, o TJDFT usava 65,1% do seu limite para gasto com pessoal e em 2019 foi para 87,3%. O MPDFT, por sua vez, saiu de 57,8% de seu limite para 86,1%, no mesmo período. Os dados indicam que há uma tendência nesses dois órgãos para uma política de pessoal expansionista. A modificação realizada não é neutra do ponto de vista fiscal, pois abre espaço para a continuidade dessa política.

Um eventual aumento do gasto com pessoal dos dois órgãos terá que ser compensado pelo corte de outras despesas para que a regra do teto seja cumprida. A questão é que haverá, mais uma vez, aumento de despesa obrigatória, com redução das despesas discricionárias, o que é, justamente, o que o atual governo deseja evitar.


Ribamar Oliveira: Receita atípica bate recorde neste ano

Os leilões de petróleo salvaram o governo mais uma vez

A União vai registrar, neste ano, um novo recorde. A receita atípica ou não recorrente (aquela que não se repete nos anos seguintes) será a maior da história e ficará próxima de R$ 100 bilhões. A arrecadação obtida com os leilões de petróleo, principalmente, salvou o governo mais uma vez, compensando com sobras a queda da receita com tributos em relação ao que estava previsto no Orçamento.

Mesmo com toda a arrecadação extra, o governo central (Tesouro, Previdência e Banco Central) deverá fechar um ano com déficit primário pouco abaixo de R$ 80 bilhões, de acordo com previsão do ministro da Economia, Paulo Guedes. Isso corresponde a mais de 1% do Produto Interno Bruto (PIB), o que é um “buraco” considerável, mostrando que um superávit primário, mesmo que pequeno, ainda está longe de ser obtido.

A receita atípica recorde ajudou o governo não só a melhorar o resultado primário deste ano, como também permitiu descontingenciamento das dotações orçamentárias, que estava sufocando os ministérios. Neste ano, o corte de verbas foi provocado pela frustração das receitas tributárias, e não pelo teto de gastos. Assim, as receitas não recorrentes ajudaram o governo a sair do aperto.

Somente a receita que será obtida pela União com as concessões atingirá R$ 92,6 bilhões neste ano, de acordo com o relatório extemporâneo de avaliação de receitas e despesas de novembro, divulgado na semana passada. Deste total, R$ 83,9 bilhões foram obtidos com os leilões do excedente de petróleo dos campos da cessão onerosa, com a 16ª rodada de concessões e com a 6ª rodada de partilha de produção. Mesmo com a frustração que houve com o leilão da cessão onerosa.

É importante observar que este será o maior valor anual obtido com a concessão de serviço público já registrado pelo Tesouro Nacional. Em 2014, por exemplo, a receita com este item foi de apenas R$ 7,9 bilhões. No ano passado, ela ficou em R$ 21,9 bilhões. Se o valor de R$ 92,6 bilhões previsto para este ano se confirmar, será um pouco mais de quatro vezes a cifra obtida em 2018.

O resultado primário só não será melhor porque o governo federal vai usar parte do que arrecadou com o leilão do excedente de petróleo da cessão onerosa para compensar a Petrobras, no âmbito do acordo que fez com a empresa em 2010. Além disso, decidiu destinar 33% do valor líquido obtido (depois de descontado o pagamento à Petrobras) para Estados e municípios. A União ficará com R$ 23,7 bilhões.

Houve receita atípica expressiva também nos tributos federais. De janeiro a setembro (o dado de outubro será divulgado nos próximos dias), a Secretaria da Receita Federal do Brasil (SRFB) registrou pagamentos atípicos de Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) de R$ 13 bilhões.

Em fevereiro, os recolhimentos extraordinários por diversas empresas totalizaram R$ 4,6 bilhões, de acordo com dados da SRFB. Em julho, o valor foi de R$ 3,2 bilhões e de R$ 5,2 bilhões em agosto. A SRF não revelou as razões desses pagamentos atípicos.

O fato é que, sem a receita atípica do IRPJ/CSLL, provavelmente não haveria crescimento real da arrecadação dos tributos administrados pela Receita Federal neste ano ou ele seria muito pequeno. Considerando a receita dos programas de regularização tributária e os parcelamentos de dívida, a receita não recorrente neste ano foi R$ 4 bilhões superior à registrada em 2018 até agora.

No montante das receitas não recorrentes, não foi considerada a arrecadação com dividendos das empresas estatais federais repassados ao Tesouro. Neste ano, o governo mudou a política de dividendos dos bancos estatais (Caixa e BNDES), aumentando o percentual do lucro a ser distribuído e a periodicidade. Com isso, a previsão da receita com dividendos passou de R$ 7,5 bilhões na lei orçamentária para R$ 16 bilhões no relatório de avaliação de receita e despesas do quarto bimestre. Em 2018, a receita foi de R$ 7,7 bilhões.

O governo conseguiu, até agora, segurar o crescimento das despesas da União. De janeiro a setembro (último dado disponível), a despesa primária total (não considera o pagamento dos juros das dívidas) caiu 1,1%, em termos reais, na comparação com o mesmo período de 2018, mesmo com o aumento real dos gastos com benefícios previdenciários, com benefícios de prestação continuada e com pessoal. Infelizmente, os investimentos continuaram sendo cortados.

Por causa do elevado montante da receita atípica, o resultado primário deste ano não é um bom indicador para avaliar a situação fiscal da União.

Orçamento 2020
A discussão no Congresso Nacional em torno do Orçamento de 2020 está paralisada à espera do envio, pelo governo, de uma mensagem modificativa da proposta inicial. O Ministério da Economia chegou a informar que ela seria divulgada na segunda-feira, mas o anúncio foi cancelado sem maiores explicações. “Sem a mensagem, não consigo fazer o meu parecer”, disse ao Valor o relator da proposta, deputado Domingos Neto (PSD-CE). Não há prazo para o envio e o Congresso deverá encerrar os seus trabalhos até o dia 20 de dezembro.


Ribamar Oliveira: Governo muda teto para acionar gatilhos

Medida corrige erro cometido pela equipe de Michel Temer

A proposta de emenda constitucional (PEC) que estabelece um novo modelo fiscal para o Brasil, enviada pelo governo na terça-feira ao Congresso, altera o chamado teto de gastos da União. O texto da PEC prevê que, se a despesa obrigatória de um determinado Poder ou órgão ultrapassar 95% da despesa primária total, as duras medidas de ajuste previstas na emenda constitucional 95, de 2016, terão que ser acionadas.

Com essa alteração, a equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, pretende corrigir um erro cometido pela equipe econômica do ex-presidente Michel Temer, quando foi elaborado o mecanismo do teto de gastos. Pelas regras do teto que foram aprovadas em dezembro de 2016, somente se o limite individual de gasto for descumprido o Poder ou órgão terá que adotar as medidas de ajuste.

Descobriu-se, no início deste ano, que o gatilho que aciona as medidas jamais será disparado, pois o Poder ou órgão pode ir reduzindo progressivamente suas despesas discricionárias (investimentos e custeio da máquina) para acomodar o aumento das despesas obrigatórias. Poderá reduzir esses gastos até zero, ou seja, até eliminar o espaço para os investimentos e o custeio, o que resultaria na paralisação da atividade do Poder ou do órgão. Ou seja, haveria o que os economistas chamam de “shutdown”.

Os gatilhos do teto de gastos criados pela equipe do ex-presidente Michel Temer - que acionariam as medidas de ajuste - simplesmente não dispararam, o que levou o governo a reduzir cada vez mais os investimentos públicos e as verbas de custeio. Para acomodar o aumento continuado das despesas obrigatórias de 2017 até agora, o governo foi obrigado a reduzir fortemente os gastos discricionários. As despesas discricionárias atingiram R$ 118,6 bilhões no período de 12 meses encerrado em setembro deste ano, o mesmo nível de setembro de 2009, em termos reais, de acordo com dados do Tesouro Nacional.

Na proposta orçamentária para 2020, as despesas discricionárias atingiram o menor nível da história, ficando em R$ 89,1 bilhões, sendo R$ 19,9 bilhões para os investimentos, o menor nível já registrado. A esse montante devem ser acrescentados R$ 16,1 bilhões programados para as emendas parlamentares individuais e de bancada. Em documento divulgado na terça-feira, durante a coletiva para o anúncio do Plano Mais Brasil, o Ministério da Economia informa que “o investimento público tende a zero” se nada for feito.

Com a PEC apresentada pelo governo, o critério para acionar os gatilhos não será mais o descumprimento dos limites individuais de gastos. Agora, o Poder ou órgão terá que acionar as medidas de ajuste se as despesas obrigatórias superarem 95% das despesas primárias totais (que exclui o pagamento de juros das dívidas). É interessante observar que, no mesmo documento divulgado ontem, o Ministério da Economia informa que as despesas obrigatórias já absorvem 93% dos gastos primários da União. Ou seja, o gatilho para acionar as medidas já está bastante próximo.

O governo tomou o cuidado de estabelecer, no texto da PEC, que as medidas de ajuste serão adotadas durante a elaboração da proposta orçamentária anual. Ou seja, o Orçamento será enviado ao Congresso com os ajustes já adotados pelo Poder ou órgão que tiver sua despesa obrigatória superior a 95% do gasto primário. O dispositivo evita o que ocorreu com a proposta orçamentária de 2020, quando o governo foi obrigado a programar um montante muito baixo para os investimentos e agora procura adotar medidas destinadas a abrir espaço orçamentário para aumentar as despesas discricionárias.

Entre as medidas de ajuste que terão que ser adotadas, consta a proibição de concessão, a qualquer título, de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração de membros de Poder ou de órgão, de servidores e empregados públicos e militares, exceto dos derivados de sentença judicial transitada em julgado ou de determinação legal decorrente de atos anteriores à entrada em vigor da emenda 95.

Direitos sociais
Ao aprovarem a Constituição de 1988, os constituintes definiram que são direitos sociais “a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a Previdência Social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados”, na forma do texto constitucional. Este é o artigo 6º, que abre o capítulo dos “Direitos Sociais” da Constituição.

Na PEC que trata do novo regime fiscal, o ministro Paulo Guedes e sua equipe propuseram um parágrafo único ao artigo 6º, estabelecendo que, na promoção dos direitos sociais, “será observado o direito ao equilíbrio fiscal intergeracional”. Caso a PEC seja aprovada, o governo poderá alegar que o atendimento a determinado pleito social colocará em risco o equilíbrio fiscal e, com base nesse argumento, negar o atendimento ao pedido.

A preocupação da equipe econômica, de acordo com fonte credenciada do governo, é com a tese, que começa a ganhar corpo entre os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) do “princípio de vedação do retrocesso social”. De acordo com esse princípio, os direitos sociais e econômicos, uma vez obtido um determinado grau de realização, passam a constituir, simultaneamente, uma garantia institucional e um direito subjetivo. O princípio limita a reversibilidade dos direitos adquiridos. De acordo com esta tese, seria inconstitucional, por exemplo, uma lei que extinga o direito ao seguro-desemprego.

O “princípio de vedação do retrocesso social” foi utilizado quando o Supremo julgou uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) contra a mudança que o governo fez na vinculação do gasto com saúde. O objetivo da alteração do artigo 6º proposto pela equipe econômica é fazer com que a Justiça brasileira comece a entender que, para assegurar direitos sociais, é preciso olhar a questão do financiamento da política pública, explicou a fonte.

Nesse sentido, a PEC do novo regime fiscal determina, por exemplo, que decisão judicial que aumente a despesa pública somente será cumprida quando houver a respectiva e suficiente dotação orçamentária.


Ribamar Oliveira: A euforia do governo com os juros baixos

Custo da dívida pública será fortemente reduzido

Os integrantes da equipe econômica do governo estão eufóricos com o atual ciclo de queda de juros no Brasil. “Se, há três anos, alguém tivesse me dito que hoje o Tesouro estaria vendendo títulos com juros reais de 2,5% ao ano, eu teria falado que ele estava delirando”, observou um graduado assessor do ministro da Economia, Paulo Guedes, em conversa com o Valor. “Em dois ou três anos, com esse cenário benigno de juros, o perfil da dívida pública vai mudar muito”, disse.

Em outubro de 2016, a taxa básica de juros (Selic) estava em 14% ao ano. Hoje, está em 5,5% ao ano, com todo o mercado acreditando que ela cairá para 4,5% até o fim deste ano e podendo chegar a 4% em 2020. Na mesma data, o Tesouro emitia títulos corrigidos pelo IPCA (NTNB principal) com prazo de quatro anos e taxa de juro real de 5,95% ao ano. Em janeiro daquele ano, os juros reais do mesmo papel chegaram a 7,27% ao ano. Ontem, a NTNB com prazo de cinco anos estava pagando juros reais de 2,41%.

Os últimos dados do Tesouro mostram que 53,2% da dívida pública mobiliária federal vence nos próximos três anos. São aqueles papéis emitidos, em grande medida, durante o auge da crise econômica brasileira (2015/2016), com taxas de juros elevadíssimas. Eles serão substituídos por papéis que terão taxas de juros reais bem mais baixas e, possivelmente, com prazo médio de vencimento maior.

O atual movimento de queda dos juros deve alterar consideravelmente a dinâmica do endividamento público, permitindo que o esforço fiscal necessário para estabilizar a relação da dívida bruta com o Produto Interno Bruto (PIB) seja menor. Claro que, para isso, é preciso que o governo continue reduzindo as suas despesas para obter um resultado primário positivo.

As questões que estão sendo discutidas no governo e no mercado, neste momento, são: até que patamar o juro real vai cair? Por quanto tempo ficará tão baixo? E, quando fechar o hiato do produto (diferença entre o PIB potencial e o observado), qual será o juro real neutro, ou seja, a taxa que mantém um ritmo de crescimento que não gera inflação? Alguns bancos trabalham com uma Selic de 4% no fim do próximo ano e com inflação de 3,7%. Ou seja, com juro real de 0,3%, muito próximo de zero.

Como explicar essa queda contínua da taxa real de juros em um cenário fiscal dramático, com elevados déficits primários sendo registrados nas contas públicas desde 2014? A avaliação de um integrante da área econômica é que o juro real está caindo no Brasil por uma péssima razão. Por causa da forte recessão registrada no país e por uma recuperação anêmica da economia, que estão mantendo por um prazo muito longo um alto índice de desemprego e de capacidade ociosa da indústria. Essa anemia produtiva explica a baixa inflação que, neste ano, ficará muito próxima do piso da meta perseguida pelo BC.

Há também uma razão externa. A economia mundial dá sinais preocupantes de desaquecimento, em meio a uma guerra comercial entre os Estados Unidos e a China. Em consequência, as taxas de juros reais estão baixas em todos os lugares, sendo que, em alguns países desenvolvidos, estão negativas. “Neste momento, há mais de US$ 15 trilhões em busca de alguma rentabilidade”, observou a fonte.

Já há uma discussão sobre a possibilidade de juros negativos no Brasil. Se a taxa real ficar muito baixa, a equipe econômica não vê dificuldade para a rolagem da dívida pública, com o argumento de que a queda de retorno nas aplicações será generalizada, atingindo também os títulos privados. Desta forma, o investidor terá que correr mais riscos ou se contentar com uma menor rentabilidade de suas aplicações, pois não haverá alternativa.

O cenário de juro real muito baixo pode durar, projeta a fonte, cerca de dois anos - prazo que parece ser uma unanimidade no mercado. Com um crescimento mais dinâmico da economia, a capacidade ociosa da indústria será reduzida, assim como o desemprego. O aquecimento econômico fará a inflação subir e, em algum momento, o Banco Central voltará a aumentar a Selic. A questão é saber qual será a taxa real neutra que resultará desse movimento. Parece haver um consenso de que ela não voltará ao nível anterior ao atual ciclo de queda.

Em conversa com a jornalista Claudia Safatle, do Valor Econômico, o ministro Paulo Guedes disse que trabalha com uma taxa de juro real neutra abaixo de 2% ao ano. A Instituição Fiscal Independente (IFI), entidade do Senado, estima que ela ficará em torno de 3,5% ao ano. A resposta a esta questão é fundamental para estimar a dinâmica da dívida pública daqui para frente.

Como está ficando claro que, com a queda acentuada dos juros reais, caiu o superávit primário necessário para estabilizar a dívida/PIB, a questão passou a ser definir o ritmo de redução da dívida/PIB. A atual equipe econômica considera que o nível de endividamento de 80% do PIB, como está neste momento, é demasiado elevado.

Para o governo, o endividamento público brasileiro é muito alto na comparação com os outros países em desenvolvimento. O ideal, para a equipe econômica, seria reduzi-lo para algo em torno de 50% ou 60% do PIB, pois, nesse patamar, o governo poderia, em futura crise econômica, executar uma política fiscal expansionista.

Contingenciamento
Surgiu uma dúvida sobre o que a equipe econômica fez no relatório extemporâneo de avaliação de receitas e despesas de outubro, divulgado na segunda-feira. Ela incluiu na programação financeira do Tesouro uma receita de R$ 52,5 bilhões a ser obtida no megaleilão do excedente de petróleo da cessão onerosa, marcado para o próximo dia 6 de novembro, mas não liberou todas as dotações do Executivo que estão contingenciadas. Ainda estão bloqueados cerca de R$ 18 bilhões em despesas do Orçamento deste ano.

Se há receita, se há espaço no teto de gastos e se gastar mais não afetará a meta fiscal, qual é a razão de não executar a programação orçamentária? Principalmente diante da determinação da emenda constitucional 100, que diz que “a administração tem o dever de executar as programações orçamentárias”.


Ribamar Oliveira || Suécia é exemplo para as regras fiscais

Limite para a dívida pode ser a âncora da política fiscal

A comissão criada pelo relator da proposta de emenda constitucional (PEC) 438/18, deputado Felipe Rigoni (PSB-ES), para definir um novo desenho de regras fiscais para o Brasil debateu, recentemente, o modelo utilizado pela Suécia. Desde 1997, o governo daquele país adota uma política fiscal que tem um limite para a dívida pública bruta - a âncora do regime - uma meta fiscal e um teto para os gastos de base móvel.

Há um reforço importante às regras: a legislação adotada pela Suécia exige que o governo adote todas as medidas necessárias para evitar que o teto de gastos seja descumprido, inclusive encaminhando ao Parlamento proposições legislativas que julgar necessárias.

Quem tiver interesse em conhecer mais sobre o modelo de regras fiscais daquele país pode acessar o Estudo Técnico nº 24/2018, disponível na página da Comissão Mista de Orçamento do Congresso Nacional, de autoria do economista Hélio Tolini, ex-secretário da Secretaria de Orçamento Federal (SOF) e consultor da Comissão de Orçamento da Câmara dos Deputados.

A Suécia enfrentou uma grave crise econômica no início da década de 1990 que derrubou o Produto Interno Bruto (PIB) do país por três anos consecutivos, aumentou o desemprego e provocou déficits nominais do setor público que excederam 10% do PIB. Para enfrentar a situação, Tolini informa, em seu estudo, que o governo sueco introduziu metas fiscais, fez a reforma da Previdência, a reforma tributária, deu independência ao banco central e instituiu o regime de metas para a inflação.

Uma agenda semelhante, é bom que se diga, à que o governo brasileiro está tentando executar neste momento, em que o país continua com altas taxas de desemprego e com a economia com crescimento anêmico, depois de forte recessão.

Como a maioria dos países membros da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), a Suécia utiliza um quadro das despesas de médio prazo (QDMP) como um instrumento básico de sua política fiscal. O quadro é usado pelo governo sueco para realizar o seu planejamento fiscal de médio prazo, fixando o teto de gastos de caráter impositivo com três anos de antecedência e subtetos de caráter indicativo para 27 áreas temáticas, como explica Tolini em seu estudo.

A âncora da política fiscal do governo sueco é o limite para a dívida bruta consolidada que, para 2019, foi fixada em 35% do PIB. Se a dívida se desviar, para cima ou para baixo, mais de cinco pontos percentuais do PIB, o governo é obrigado a apresentar uma comunicação ao Parlamento, explicando a causa do desvio e apresentando um plano de como pretende retornar a dívida para o patamar determinado.

Ao elaborar a proposta orçamentária, o governo sueco trabalha com um teto de gastos (que exclui a despesa com os juros da dívida) para um período de quatro anos, sendo que o valor definido para o terceiro ano (T+2) é considerado impositivo. Ou seja, não pode ser alterado nos novos cenários a serem apresentados em anos seguintes. Para o quarto ano, o valor é apenas indicativo.

Os novos cenários econômicos são anualmente analisados. Com base neles, o governo define o teto de gastos para outro período de quatro anos. Há, portanto, a possibilidade de ajustar o valor do teto ao fim de três anos. O objetivo do modelo é evitar pressões políticas de curto prazo e dar uma previsibilidade para a trajetória da despesa. As metas de resultado primário são fixadas também para o período de quatro anos. Tanto o teto de gastos como a meta de resultado primário são fixados para manter a dívida bruta na trajetória definida.

O modelo sueco prevê também a existência de uma "margem orçamentária". Ou seja, uma reserva de recursos que não é distribuída entre os órgãos. Ela serve para evitar alterações no teto de gastos por causa de incertezas na evolução das despesas provocadas por mudanças da conjuntura econômica ou erros de estimativas. A reserva varia de 1% a 3% do valor do teto, dependendo do ano.

Há muita semelhança entre os instrumentos fiscais disponíveis e os processos orçamentários da Suécia e do Brasil. A semelhança mais evidente, segundo Tolini, é a estruturação do processo orçamentário em duas etapas distintas. Aqui, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) antecede a proposta orçamentária. Na Suécia, uma Lei de Política Fiscal, apresentando o cenário macrofiscal, é aprovada antes da lei orçamentária.

Mas há, como é evidente, grandes diferenças entre os dois modelos. O teto de gasto no Brasil foi fixado para o período de dez anos, com os valores anuais sendo corrigidos pela inflação. As medidas para o ajuste das contas públicas só podem ser adotadas depois que o teto for descumprido, o que, segundo a área técnica, é algo impossível de acontecer. O teto só será descumprido no momento em que todas as despesas discricionárias (custeio e investimento) forem cortadas, o que é uma impossibilidade, pois isso paralisaria totalmente a administração pública.

A segunda diferença marcante entre o modelo sueco e o brasileiro é que, no marco legal do Brasil, não existe uma determinação para que as metas fiscais sejam estabelecidas de forma compatível com uma trajetória pré-definida para a dívida bruta. Em seu artigo 30, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) determinou que o Senado aprovasse limites globais para o montante da dívida consolidada de União, Estados e municípios.

O Senado só aprovou para os Estados e municípios, pois o governo federal nunca aceitou um limite para a dívida da União. A LRF também determinou que fossem aprovado limite para o montante da dívida mobiliária federal e que ele fosse compatível com o limite para a dívida consolidada. Isto nunca foi feito.

Na comissão criada pelo deputado Rigoni, que conta com participação de representantes do Ministério da Economia, um princípio de entendimento começou a ser esboçado. A necessidade de estabelecer um limite para a dívida, como âncora da política fiscal, parece ser o caminho a ser proposto, assim como a obrigação de o governo adotar medidas de ajuste para que o teto de gastos seja cumprido.


Ribamar Oliveira: "Vou resolver o caso de vocês, viu"?

Policiais querem benefícios que foram extintos em 2003

O presidente da República é capitão do Exército. O líder do governo na Câmara é major. O líder do PSL na Câmara é delegado. O líder do PSL no Senado é major. Todos eles fizeram suas campanhas eleitorais defendendo as respectivas categorias e a bandeira da segurança pública. Agora, nada mais lógico que essas categorias esperem ser atendidas em seus interesses. Elas querem regras previdenciárias muito favorecidas em relação aos demais servidores e trabalhadores. O Congresso vai aceitar? A resposta a esta questão poderá ter desdobramentos importantes a frente.

O que querem os policiais? O direito a se aposentar com 100% da última remuneração do cargo efetivo que ocupam - benefício chamado de integralidade. E que os inativos tenham os mesmos aumentos salariais concedidos aos policiais da ativa - benefício conhecido como paridade.

A integralidade e a paridade, como regras de aposentadorias, foram extintas em dezembro de 2003 pela emenda constitucional 41, de iniciativa do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A partir de então, o cálculo do valor da aposentadoria passou a considerar a média das remunerações utilizadas para a contribuição ao Regime Próprio de Previdência Social (RPPS). Os aumentos das aposentadorias e pensões dos servidores passaram a ser definidos em lei específica e, agora, têm que ser iguais aos concedidos no Regime Geral da Previdência Social (RGPS).

A emenda 41 garantiu, no entanto, a integralidade e a paridade aos servidores que já haviam preenchidos os requisitos para se aposentar e para aqueles que ingressaram no serviço público até a data de publicação da mudança constitucional. Mas, para estes últimos, o servidor deveria cumprir 35 anos de contribuição e 60 anos de idade, se homem, e 30 anos de contribuição e 55 anos de idade, se mulher.

O que os policiais querem agora, portanto, é voltar à realidade anterior à emenda constitucional 41, ou seja, para a situação que existia em 2003. Mas eles querem o pacote completo que existia naquela época: não querem também ter idade mínima, mesmo que seja especial, para requerer a aposentadoria. Ou seja, querem benefícios que foram negados a todos os servidores que ingressaram no serviço público depois de dezembro de 2003.

Um dos principais objetivos da reforma da Previdência proposta pelo governo Bolsonaro é acabar com privilégios, igualando as regras previdenciárias aplicadas a servidores e aos trabalhadores da iniciativa privada. As reivindicações dos policiais destoam desse propósito. Eles querem um tratamento mais do que privilegiado.

Os riscos de morte e de agressões a que os policiais estão submetidos em seu dia a dia devem ser considerados, sem dúvida, quando se estabelecem regras de aposentadoria e de pensão. Mas eles terão direito a tratamento especial se a complementação de voto do relator da reforma, deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), apresentada na terça-feira passada, for aprovada.

Na complementação de seu voto, Moreira manteve a proposta de aposentadoria aos 55 anos para homens e mulheres, com 30 anos de contribuição. A regra geral para os demais servidores e trabalhadores da iniciativa privada é de 65 anos para homens e 62 anos para mulheres, com contribuição mínima de 25 anos. Para ter direito ao valor máximo do benefício de aposentadoria, o servidor ou trabalhador terá que contribuir por 40 anos.

Samuel propôs ainda que a pensão por morte, devida ao cônjuge do policial, seja vitalícia e correspondente à remuneração do cargo. Mesmo esse tratamento diferenciado não satisfez os policiais que, em manifestação realizada na terça-feira, chegaram a chamar o presidente Jair Bolsonaro de "traidor". Ontem, ao chegar a evento em São Paulo, o presidente apontou para um grupo de policiais militares que estavam em serviço e disse: "Vou resolver o caso de vocês, viu?".

O PSL, partido de Bolsonaro, ameaça não votar a reforma se as reivindicações dos policiais não forem atendidas. O líder do governo na Câmara, deputado Major Vitor Hugo (PSL-GO), chegou a dizer que, se a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal conseguissem tudo o que haviam proposto, o impacto seria menor que R$ 4 bilhões em dez anos. Ele acha que é possível chegar a um meio termo. "Se houver algum tipo de desidratação [da proposta de reforma], vai ser algo de pequena monta", afirmou em entrevista.

O problema é que os policiais querem a mesma coisa que o governo concedeu a militares das Forças Armadas. O projeto de lei encaminhado ao Congresso em março (PL 1.645/2019), que reformula carreiras, concede aumentos salariais e altera as regras de pensão dos militares, prevê que, durante a inatividade, eles continuarão tendo direito à remuneração integral e à paridade.

Além disso, o projeto propõe aumentar de 30 anos para 35 anos o tempo mínimo de atividade. Eles continuarão contribuindo apenas para a pensão, com alíquotas aumentadas, mas não para o período de inatividade. A economia que será obtida com o projeto dos militares também será de "pequena monta" para usar as palavras do líder do governo, de só R$ 10,5 bilhões em dez anos. As regras para policiais militares dos Estados e bombeiros serão as mesmas dos militares das Forças Armadas.

Apesar das pressões, na noite de ontem, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), informou que não houve acordo entre os líderes partidários sobre as reivindicações dos policiais. A questão é saber se o governo Bolsonaro conseguirá manter as vantagens para os militares das Forças Armadas se for negado, agora, o que os polícias reivindicam.

BNDES e o PIS/Pasep
O BNDES continuará recebendo os recursos do PIS/Pasep se a complementação de voto de Samuel Moreira for aprovada pelo Congresso. O relator da reforma desistiu de tirar os atuais 28% dos recursos do PIS/Pasep que o banco estatal recebe atualmente. Mas o voto de Moreira determina que os programas de desenvolvimento econômico financiados com esses recursos serão anualmente avaliados e divulgados em meio de comunicação social eletrônico. Terão que ser também apresentados em reunião da Comissão Mista de Orçamento do Congresso.