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Ribamar Oliveira: Mais uma renegociação de dívidas a caminho
Projeto substitui e amplia o “Plano Mansueto”
Um projeto de lei complementar que deverá ser colocado em votação na Câmara dos Deputados em novembro vai alterar três leis complementares, três leis ordinárias e uma medida provisória. Ele prevê uma nova renegociação das dívidas estaduais com a União e estabelece condições para que os Estados classificados com capacidade de pagamento “C” pelo Tesouro Nacional possam realizar novas operações de crédito, com aval da União. Atualmente, existem 13 Estados com essa classificação de risco.
O projeto de lei complementar 101/2020 é de autoria do deputado Pedro Paulo (DEM-RJ) e substitui e amplia o escopo do chamado “Plano Mansueto” (PLP 149/2019), que foi encaminhado pelo governo ao Congresso no ano passado, mas que não chegou a ser votado.
O objetivo do plano, que leva o nome do ex-secretário do Tesouro Mansueto Almeida, era justamente estabelecer condições para que os Estados classificados como “C” pudessem fazer novas operações de crédito, com aval da União. O PLP 149 terminou sendo transformado, na Câmara dos Deputados, em um seguro-receita aos Estados e municípios, com validade durante a pandemia da covid 19, o que foi rejeitado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e enterrado pelo Senado.
Agora, ele retorna como PLP 101, de autoria do ex-relator do “Plano Mansueto”. O deputado Pedro Paulo disse ao Valor que, passada a pandemia, quando a União transferiu diretamente recursos aos Estados e municípios, é preciso garantir crédito para que os governos estaduais e prefeituras possam realizar investimentos e bancar despesas correntes. “O PLP 101 autoriza novas operações de crédito, condicionadas à adoção de medidas de ajuste fiscal”, explicou.
O projeto de Pedro Paulo, no entanto, é bem mais amplo do que o “Plano Mansueto”. Ele prevê, por exemplo, uma nova renegociação das dívidas estaduais. Mesmo antes da pandemia, vários Estados conseguiram liminares no Supremo Tribunal Federal (STF) para não pagar as suas dívidas com a União.
Pela proposta em análise, os débitos serão incorporados ao saldo devedor e pagos em 240 meses, segundo informou o deputado Mauro Benevides Filho (PDT-CE), relator do PLP 101. Ele disse que as dívidas do Rio de Janeiro também serão renegociadas, com prazo de pagamento de 20 anos. Apenas durante a vigência do Regime de Recuperação Fiscal, o deputado disse que o Rio acumulou dívidas no montante de R$ 52 bilhões. “Ainda estou fazendo o levantamento do total dos débitos estaduais que serão renegociados”, disse Benevides. “O montante é impressionante”, afirmou.
O PLP 101 muda o Regime de Recuperação Fiscal (instituído pela Lei Complementar 159), com o objetivo de criar condições para que outros Estados, além do Rio de Janeiro, possam aderir ao programa. Para isso, o Estado precisará cumprir, simultaneamente, três exigências: ter sua dívida consolidada maior que a receita corrente líquida, ter o valor de suas obrigações superior às disponibilidades de caixa e gastar com pessoal mais do que 60% de sua receita corrente líquida ou sua despesa corrente ser superior a 95% de sua receita corrente líquida. Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Goiás estão na lista de Estados que poderão aderir ao regime.
Benevides Filho informou também que o projeto vai mudar o prazo de duração do regime, que passará dos atuais seis anos para até oito anos, e as condições de pagamento dos débitos, que começarão a partir do segundo ano da adesão, com 10%, aumentando o percentual progressivamente. Outra alteração importante é que o governo estadual não precisará mais privatizar suas estatais para fazer caixa, podendo vender apenas 49% do capital e, com isso, manter o controle da empresa.
Os Estados com classificação de risco “C” que quiserem fazer novas operações de crédito, com aval na União, terão que pactuar um Plano de Promoção ao Equilíbrio Fiscal (PEF), que será instituído pelo PLP 101. Para isso, eles terão que implementar pelo menos três das sete exigências que constam da LC 159. O PEF terá metas fiscais e compromissos a serem aceitos pelos Estados. Cada um deles terá limite individualizado de endividamento.
“Os Estados terão que sofrer um arrocho para ajustar as suas contas”, advertiu Benevides Filho, em conversa com o Valor. Em seu parecer, ele pretende exigir que os Estados cortem os seus incentivos fiscais em 10% ao ano, durante três anos.
O PLP 101 muda também a Lei Complementar 101, mais conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Umas das alterações está relacionada com a forma de cálculo da despesa com pessoal. A proposta que o parlamentar cearense estuda é incluir na despesa com pessoal os gastos com aposentados, pensionistas e os aportes de fundos feitos pelos Estados para cobrir o déficit previdenciário.
No caso da lei complementar 156, será dado aos Estados um prazo de mais três anos para que eles se enquadrem no teto de gastos, com as despesas podendo crescer apenas pela variação da inflação. Mesmo assim, Benevides pretende estabelecer que os Estados poderão deduzir o “excesso” das vinculações com saúde e educação, para efeito de apuração do teto.
Hoje, governos estaduais são obrigados a destinar 25% de sua receita para educação e 12% para saúde. “Se a receita do Estado subir 10% e a inflação for de 3%, a despesa com saúde e educação vai aumentar mais do que a inflação”, explicou. “Há um excesso que precisa ser excluído para o cálculo do teto.” O relator explicou que a União não tem esse problema pois, desde que adotou o teto de gastos, suas despesas com saúde e educação não estão mais vinculadas à receita. O teto estabelece que o gasto mínimo com saúde e educação é o mesmo do ano anterior, corrigido pela inflação.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), colocou o PLP 101 na lista de prioridades para votação ainda neste ano. Benevides disse ao Valor que o seu parecer estará pronto para ser votado no dia 4 de novembro.
Questionado pelo Valor, o Ministério da Economia não quis dizer se está sendo consultado sobre o PLP 101.
Ribamar Oliveira: O calendário político é o que conta
Nem mesmo o mais ingênuo dos analistas vai acreditar que qualquer proposta de reforma poderá ser discutida e votada antes do término das eleições municipais
Aconteceu o que era previsível. O calendário eleitoral deste ano se sobrepôs a todas as demais questões. A partir da próxima semana, deputados e senadores terão olhos e disposição para tratar apenas das eleições municipais. Nem mesmo o mais ingênuo dos analistas vai acreditar que qualquer proposta de reforma poderá ser discutida e votada antes do término do pleito. Entramos no recesso branco, como é chamado o período pré-eleição pelos parlamentares.
Senadores e deputados não conseguiram sequer instalar a Comissão Mista de Orçamento do Congresso, responsável por apreciar e votar a lei de diretrizes orçamentárias (LDO) para 2021 e a proposta orçamentária. Isso dá uma dimensão da falta de acordo político sobre o cenário fiscal do próximo ano.
Os parlamentares estão preocupados é com a eleição de seus principais cabos eleitorais, que são os prefeitos e os vereadores de suas regiões. Neste momento de grandes disputas políticas locais, o Ministério da Economia queria que o governo encaminhasse proposta ao Congresso primeiro acabando com o abono salarial aos trabalhadores que ganham até dois salários mínimos e com o seguro-defeso, concedido aos pescadores artesanais na época da desova dos peixes. Depois propuseram a suspensão, por dois anos, da correção dos valores dos benefícios previdenciários, o que resultaria em redução, em termos reais, das aposentadorias e pensões.
Obviamente, os líderes partidários que apoiam o governo devem ter mostrado ao presidente Jair Bolsonaro que essas propostas, apresentadas pelo governo às vésperas do pleito eleitoral, significariam um suicídio político, que não estavam dispostos a cometer. Ao apresentar as propostas, a equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, deu a oportunidade ao presidente de produzir um frase de grande efeito eleitoral: “Não vou tirar dos pobres para dar aos paupérrimos”.
Às vésperas de uma eleição, ou se apresenta propostas populares ou não se apresenta nenhuma. Há obviedades que parecem serem esquecidas, às vezes até mesmo por pessoas inteligentes e experientes. As medidas para o ajuste das contas públicas, que são duras, e para viabilizar o programa Renda Cidadã, que exigirão cortes em outras despesas, ficaram para ser discutidas após as eleições.
Depois do famoso jantar que pacificou as relações entre o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o ministro Paulo Guedes, duas estratégias foram anunciadas. Em primeiro lugar, o novo programa social do governo terá que caber dentro do teto de gastos da União. Os ministros “fura teto” parece que foram, pelo menos temporariamente, contidos.
Ao mesmo tempo, abriu-se uma janela que já vinha sendo reivindicada pelos políticos desde agosto deste ano. O governo aceitou colocar na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 188, conhecida como PEC do Pacto Federativo, um dispositivo que torna permanente a possibilidade de acionar o chamado “Orçamento de Guerra”, instituído pela emenda constitucional 106 e adotado neste ano para o enfrentamento da pandemia.
Os políticos querem que as regras da emenda constitucional 106 possam ser utilizadas em qualquer situação de calamidade. Fonte do governo explicou ontem que os políticos estão temerosos com a possibilidade de uma segunda onda da pandemia da covid-19 no Brasil, como está ocorrendo atualmente na Europa. E querem se antecipar a essa possibilidade.
O artigo 11 da emenda 106 diz literalmente que a emenda entrará em vigor na data de sua publicação e “ficará automaticamente revogada na data do encerramento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Congresso Nacional”. A interpretação de especialistas ouvidos pelo Valor é que, se o atual decreto de calamidade for prorrogado e o Congresso Nacional reconhecer o estado de calamidade, o regime extraordinário fiscal, financeiro e de contratações instituído pela emenda 106 continuará em vigor.
De acordo com essa interpretação, não haveria motivo, portanto, para que um novo mecanismo prevendo que o “Orçamento de Guerra” seja incluído na PEC 188, a menos que se queira fazer modificações no texto atual da emenda 106. Para que o “Orçamento de Guerra” continue em vigor, bastaria que o decreto de calamidade pública seja prorrogado e que tal situação seja reconhecida pelo Congresso Nacional.
A vontade dos políticos de incluir o “Orçamento de Guerra” na PEC 188 desperta suspeitas. Pode-se especular que o objetivo seja criar condições para a prorrogação do decreto de calamidade pública, que permitiria ao governo destinar recursos para pagar auxílios emergenciais e adotar outras medidas extraordinárias, à margem do teto de gastos e de regras previstas na lei de responsabilidade fiscal (LRF).
Qualquer que seja a intenção dos políticos em tornar permanente as regras do “orçamento de guerra” para os casos de calamidade, é preciso observar que o estado de calamidade precisará estar devidamente caracterizado, pois, do contrário, o acionamento das regras do regime extraordinário fiscal e financeiro poderá ser interpretado como fraude à Constituição.
Na verdade, o governo pode fazer despesas adicionais em 2021 fora do teto de gastos, mesmo sem a prorrogação do decreto de calamidade pública ou da existência do “Orçamento de Guerra”, desde que elas sejam destinadas a combater os efeitos remanescentes da pandemia. Para isso, o presidente da República poderá editar medida provisória de crédito extraordinário.
O “Orçamento de Guerra” autoriza o governo a segregar as despesas realizadas para o combate aos efeitos da pandemia, permite a adoção de processo simplificado de contratação de pessoal, de obras e de serviços, suspende a vigência de regras da LRF para a criação ou expansão de despesas, desde que destinadas ao enfrentamento da calamidade, e dispensa a União de cumprir a chamada “regra de ouro”, que limita o aumento da dívida pública às despesas de capital (investimentos e amortizações da dívida).
Ribamar Oliveira: A impressão é de um governo perdido
Bolsonaro não aceita sugestões apresentadas por seu ministro da Economia, e há um bate cabeça da área técnica com os líderes políticos que apoiam o governo
Na segunda-feira passada, na presença do presidente Jair Bolsonaro, do ministro da Economia, Paulo Guedes, e do líder do governo na Câmara dos Deputados, Ricardo Barros (PP-PR), o senador Marcio Bittar (MDB-AC), relator da proposta orçamentária para 2021, anunciou a criação do novo programa social do governo, que chamou de Renda Cidadã. Ele informou que o governo iria limitar o pagamento de precatórios judiciais e, com os recursos que sobrariam, financiar o programa. Ontem, o ministro Paulo Guedes surpreendeu o país ao afirmar que nada daquilo valeu. Chegou a sugerir que nunca se pensou em tal coisa.
O anúncio de Bittar, no Palácio do Planalto, está gravado e pode ser facilmente acessado na internet. O mais impressionante é que, no dia seguinte, o próprio Bittar e o líder Ricardo Barros reafirmaram a decisão e negaram que o governo pudesse recuar de sua proposta, mesmo com a forte reação contrária dos mercados.
A avaliação unânime dos analistas foi de que o governo estava propondo uma “pedalada fiscal”, com a postergação do pagamento dos precatórios. Iria transferir uma dívida, que todo ano a Justiça manda pagar, para ser quitada pelas futuras gerações.
Guedes aproveitou ontem a entrevista de divulgação dos dados do Caged, que mostraram uma forte criação de empregos com carteira assinada em agosto, para alterar inteiramente o discurso oficial sobre os precatórios. “Sabemos que precatórios são dívidas líquidas e certas, transitadas em julgado. Ninguém vai botar em risco a liquidação de dívidas do governo. Vamos pagar tudo”, disse, demonstrando uma certa exaltação. “Estamos aqui para honrar compromissos. Compromisso fiscal, de dívida”, acrescentou.
O ministro afirmou que sua preocupação era com o “crescimento explosivo” da despesa com o pagamento de precatórios nos últimos anos. Segundo informou, esse gasto era de R$ 10 bilhões a R$ 12 bilhões no governo Dilma Rousseff e a projeção para 2021 é de R$ 55,5 bilhões. “Estamos examinando [os precatórios] estritamente com foco em controle das despesas.”
Guedes reafirmou, no entanto, sua intenção de apresentar um novo programa social para amparar os “invisíveis”, que foram descobertos pelo governo com o auxílio emergencial. Segundo ele, são 40 milhões de pessoas que precisam de ajuda a partir de janeiro, quando o auxílio emergencial acabar. Guedes voltou a afirmar que é preciso promover uma aterrissagem suave, quando isso ocorrer.
Ele disse que nunca pensou em utilizar parte do dinheiro que seria usado para pagar os precatórios para financiar o Renda Brasil. Foi com esse nome que o ministro se referiu ao novo programa social do governo Bolsonaro, e não Renda Cidadã, empregado por Bittar. “Uma despesa permanente precisa ser financiada com uma receita permanente. Não pode ser financiada por um puxadinho, por um ajuste”, afirmou.
O problema, portanto, está do mesmo tamanho. Ou seja, como o novo programa do governo, qualquer que seja o seu nome, será financiado a partir de janeiro do próximo ano?
É importante relembrar que todas as sugestões apresentadas pela área econômica foram vetadas pelo presidente Bolsonaro. A ideia inicial, com a qual a equipe de Guedes trabalhou desde o início, era eliminar os programas sociais considerados ineficientes, ou seja, que não estão atingindo as pessoas mais necessitadas da sociedade, e direcionar os recursos para os mais carentes e para os trabalhadores informais.
A primeira proposta levada ao presidente foi a de acabar com o abono salarial, que concede até um salário mínimo por ano para o trabalhador que ganha até dois pisos por mês. Bolsonaro rejeitou a proposta publicamente, dizendo que não iria tirar dos pobres para dar para os paupérrimos. Aquele foi um banho de água fria na equipe de Guedes, pois o fim do abono abriria um espaço de R$ 20 bilhões para turbinar o Renda Brasil.
Depois, o presidente rejeitou também o fim do seguro-defeso, que é concedido aos pescadores artesanais no período da desova dos peixes. O secretário da Pesca, Jorge Seif Junior, ao lado de Bolsonaro em sua live semanal, chegou a dizer que o fim do seguro-defeso era “fake news”.
Em seguida foi a vez de o secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues, ser desautorizado pelo presidente da República. Em entrevista ao Valor, Waldery defendeu a desindexação de benefício previdenciários, ou seja, suspender pelo prazo de dois anos a correção monetária do valor das aposentadorias e pensões. O secretário estimou que a medida reduziria as despesas da União em R$ 17 bilhões em 2021 e em R$ 41,5 bilhões em 2022.
Com a repercussão das palavras de Waldery, o presidente usou as redes sociais para dizer que uma proposta como aquela só podia ser feita por alguém que não tem coração e anunciou que daria “cartão vermelho” para quem insistisse no assunto. Bolsonaro disse também que não queria ouvir falar em Renda Brasil até 2022. Ele mudou de ideia no dia seguinte, ao autorizar o relator das PEC Emergencial e do Pacto Federativo, senador Marcio Bittar, a incluir em seu substitutivo a criação de um novo programa social.
Depois da forte reação dos mercados e da própria sociedade à “pedalada fiscal” dos precatórios, o ministro Guedes informou ontem que o governo não vai financiar o Renda Brasil com parte dos recursos que seriam utilizado para pagar precatórios. O ministro disse, no entanto, que o programa será criado para fazer a “aterrissagem suave” do auxílio emergencial.
A impressão que está passando ao público é de um governo perdido. Com um presidente que não aceita as sugestões apresentadas por seu ministro da Economia e um bate cabeça da área técnica com os líderes políticos que apoiam o governo. Há também as intrigas entre ministros. Ontem, por exemplo, Guedes afirmou que tinha gente dentro do governo querendo “estourar o teto de gastos em R$ 60 bilhões a R$ 70 bilhões”. E que sua intenção é não deixar que isso aconteça.
Ribamar Oliveira: Para furar o teto, só com restos a pagar
Questão é saber se há disposição política de seguir um caminho que tem riscos jurídicos envolvidos
Neste momento, senadores e deputados discutem alternativas que possibilitem a criação de um programa de renda básica para vigorar a partir de janeiro do próximo ano, a ampliação dos investimentos públicos, o fortalecimento necessário do SUS após a pandemia e a manutenção da desoneração da folha de salários para 17 setores da economia. Como acomodar tudo isso no Orçamento de 2021, mantendo o teto de gastos da União? A resposta simples seria cortando outras despesas. Esse caminho, no entanto, é considerado por muitos como politicamente difícil e esbarra em obstáculos constitucionais e legais.
Os parlamentares ficaram interessados em um artigo publicado na “Folha de S.Paulo”, no domingo passado. Nele, os economistas Felipe Salto, Daniel Couri, Paulo Bijos, Pedro Nery e a professora Cristiane Coelho, do IDP, sugerem que uma saída, ao menos temporária, é romper o teto de gastos, ou seja, colocar no Orçamento do próximo ano despesas em valor superior ao limite permitido, o que acionaria os gatilhos previstos na própria regra do teto, definida pela Emenda Constitucional 95. O texto foi exaustivamente lido por deputados, senadores e seus assessores nesta semana.
Toda a discussão gira em torno de dois parágrafos do artigo 107, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT). Um deles diz que a proposta orçamentária elaborada pelo governo precisa demonstrar o cumprimento do limite da despesa fixado para o ano. O outro estabelece que as despesas autorizadas na lei orçamentária aprovada pelo Congresso Nacional não poderão exceder os valores máximos estabelecidos pela regra do teto.
Em linguagem mais simples: o governo não pode enviar para apreciação de senadores e deputados uma proposta orçamentária que fure o teto de gastos e eles, por sua vez, não podem autorizar despesas que excedam os limites estipulados pela EC 95. Outro parágrafo proíbe a abertura de crédito suplementar ou especial que amplie o montante total de despesa autorizado.
Se não há como estimar nem autorizar despesa acima do teto, como os gatilhos de medidas de ajuste serão acionados? Esse é um problema até aqui sem solução. Para acomodar o aumento contínuo das despesas obrigatórias, o governo está sendo obrigado a cortar cada vez mais os investimentos públicos e o custeio da máquina administrativa, que está chegando a ponto de ameaçar a execução de serviços públicos essenciais - o chamado “shutdown”.
A tese central do artigo publicado na “Folha” é que não se pode fazer uma análise literal e isolada dos dois primeiros parágrafos citados aqui (3º e 4º do artigo 107 da ADCT) e esquecer o princípio do realismo orçamentário, que exige fidedignidade das estimativas de receitas e despesas públicas. “Sem projeções realistas, o Orçamento se confunde com peça de ficção”, diz o texto.
E perguntam: “O que devem fazer os Poderes Executivo e Legislativo quando as leis em vigor demandarem dispêndios superiores ao teto? Deixar de encaminhar e votar o PLOA? Maquiar a estimativa de gastos de modo a fazê-los caber no limite?”. Para os autores, a resposta a essas perguntas é negativa. “A interpretação literal dos parágrafos 3º e 4º do artigo 107 do ADCT, ao eventualmente forçar a elaboração de um Orçamento que não seja crível, fornece uma solução inadequada para o problema”, diz o artigo.
A chave para a interpretação correta, na opinião dos autores, é desvendar a sanção relacionada a sua violação. Eles observam que a sanção para a previsão de despesas orçamentárias superiores ao teto de gastos não é a imputação de crime de responsabilidade do presidente da República, “mas sim o conjunto de vedações previstas no referido artigo, relacionadas à criação ou majorações de gastos obrigatórios”.
Os autores ressaltam ainda que o acionamento dos gatilhos pela via do planejamento orçamentário seria solução fiscalmente mais responsável que pela via da execução orçamentária. “Ao se reconhecer ruptura do teto no próprio Orçamento, medidas de ajuste seriam colocadas em prática no mesmo ano, e não apenas no exercício seguinte, quando os excessos já teriam ocorrido e estariam possivelmente consolidados.”
A equipe econômica pensa diferente. Considera que há um problema real na EC 95, que impede o acionamento das medidas de ajuste e que para cumprir a regra do teto nas condições atuais, em que as despesas obrigatórias não param de crescer, só resta ao governo cortar investimentos e o custeio. E, mantida a atual redação da EC 95, isso seria feito até que as despesas discricionárias fossem reduzidas a zero, o que paralisaria toda a administração pública federal.
A solução apresentada pela equipe do ministro Paulo Guedes é a aprovação da PEC do Pacto Federativo (PEC 188/2019), que corrige a regra do teto de gastos, facilitando o disparo dos gatilhos. Pela proposta, as medidas seriam acionadas quando as despesas obrigatórias chegassem a 95% da despesa primária total. Essa PEC não andou até agora.
A proposta orçamentária de 2021 será agora analisada pelos parlamentares. Eles podem ou não acolher a tese do artigo. Existem pelo menos duas críticas importantes sendo feitas à proposta por consultores do Congresso. A primeira é que o caminho apontado é uma interpretação da EC 95, que estará sujeita a questionamentos na Justiça. A segunda crítica é como definir qual será o valor do “estouro” do teto. Se ele for muito alto, mesmo com o disparo dos gatilhos das medidas não será possível ajustar as contas da União tão cedo, e o teto estará condenado.
Os mesmos consultores disseram ao Valor que só há uma forma de romper o teto de gastos, de acordo com as normas atuais. O parágrafo 10º do artigo 107 da ADCT estabelece que, para fins de verificação do cumprimento do limite de despesa, serão consideradas as despesas primárias pagas, incluídos os restos a pagar (RAPs) de exercícios anteriores pagos. Ou seja, durante a execução orçamentária, o governo poderá pagar um montante de tal ordem de RAPs, que o teto seria rompido, acionando os gatilhos. A questão é saber se há disposição política de seguir esse caminho, pois há riscos jurídicos envolvidos.
Ribamar Oliveira: Remanejar verbas para garantir investimentos
Saúde e educação sofrerão cortes neste ano
O ministro da Economia, Paulo Guedes, encontrou uma forma de atender ao desejo das alas militar e política do governo por mais investimentos em infraestrutura neste ano, sem furar o teto de gastos. A equipe econômica está finalizando um projeto de lei, que deverá ser enviado ao Congresso Nacional nos próximos dias, remanejando verbas orçamentárias no valor de até R$ 5 bilhões. A estratégia é reduzir as dotações de alguns setores, que não ainda não foram empenhadas, como as da saúde e da educação, e aumentar os investimentos.
Tudo será feito, segundo fonte credenciada ouvida pelo Valor, respeitando os gastos mínimos previstos na emenda constitucional 95/2016 para a saúde e a educação. O projeto de lei (PLN) em elaboração será submetido ao Congresso, que dará a última palavra. Está descartada, portanto, a edição de medida provisória abrindo crédito extraordinário para fugir do teto de gastos, como inicialmente foi pensado pelo ministro chefe da Casa Civil, Braga Netto, e pelo ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho.
As Secretarias de Orçamento Federal e do Tesouro Nacional estão fazendo levantamentos para identificar as áreas do governo que estão com “excesso” de verbas e que podem ser remanejadas para outros ministérios, particularmente o da Infraestrutura e o do Desenvolvimento Regional. As alas militar e política querem concluir investimentos em rodovias e em obras de combate à seca no Nordeste. Apenas as dotações que ainda não foram empenhadas poderão ser remanejadas. Ou seja, só aquelas para as quais o governo ainda não autorizou o gasto, que é a primeira fase da execução orçamentária.
A área de educação deverá perder recursos, pois a dotação para este setor está bem acima do mínimo constitucional, como informou a fonte do governo. A área da saúde também está bem acima, pois o governo destinou uma grande quantidade de recursos para o setor no combate aos efeitos da pandemia da covid-19, por meio de créditos extraordinários.
Outros setores do governo também poderão perder recursos. Em defesa de sua estratégia, o governo alega que, se as verbas não forem remanejadas, haverá um “empoçamento”, ou seja, mesmo que o gasto seja autorizado, o Ministério ou órgão não conseguirá gastar os recursos neste ano e o dinheiro ficará no caixa, sem uso. Até junho, o “empoçamento” já atingia R$ 31,1 bilhões. Desse total, o Ministério da Cidadania tinha R$ 8,1 bilhões, o Ministério da Saúde, 6,1 bilhões e o Ministério da Educação, R$ 3,9 bilhões.
Com a estratégia, a equipe econômica espera diminuir as pressões de ministros e aliados políticos contra o teto de gastos. Mas, certamente, enfrentará resistências da oposição ao governo no Congresso, pois deputados e senadores terão dificuldade, especialmente em ano eleitoral, em cortar verbas para a saúde e a educação, mesmo que seja para aumentar investimentos em áreas estratégicas.
Agora, o problema da área econômica é encontrar espaço dentro do Orçamento de 2021 para os investimentos. A proposta orçamentária ficou muito difícil de fechar, pois o teto de gastos foi reajustado em apenas 2,13%. As despesas discricionárias (investimento e custeio da máquina administrativa, exceto gasto com pessoal) ficarão abaixo de R$ 100 bilhões, de acordo com fontes do governo, ante um valor de R$ 120 bilhões previsto para este ano.
O governo só conseguirá fechar a proposta sem cortar ainda mais os investimentos se o Congresso adiar a derrubada do veto do presidente Jair Bolsonaro à desoneração da folha de salários de 17 setores da economia e se conseguir adiar algumas despesas para 2022, como é o caso do Censo Demográfico, feito pelo IBGE, previsto para o próximo ano.
No caso do veto à desoneração, os aliados do governo estão tentando adiar a decisão do Congresso para setembro, após o envio da proposta orçamentária no dia 31 de agosto, pois, nesse caso, caberá aos parlamentares dizer onde cortarão outras despesas para compensar esse gasto. A desoneração representa uma despesa para o Tesouro, submetida ao teto. Ele é obrigado, por lei, a compensar a Previdência Social pela perda de receita com a desoneração.
Inadimplência histórica
Neste mês, poderá ocorrer uma das maiores inadimplências de tributos federais da história, pois as empresas terão que pagar duas parcelas do PIS/Cofins (referentes a março e julho) e duas parcelas da contribuição patronal de 20% sobre a folha de salários ao INSS (referentes a março e julho).
Como todos se recordam, uma das medidas de combate aos efeitos da recessão econômica provocada pela pandemia foi o adiamento do pagamento de alguns tributos, o que é conhecido na área técnica como diferimento. O PIS/Cofins referente a março, que seria pago em abril, foi adiado para agosto, o mesmo acontecendo com a contribuição patronal ao INSS devida em março.
A medida representou um alívio naquele momento para as empresas, mas agora chegou o momento de pagar a conta. O Valor perguntou à Receita Federal se não teme um elevado grau de inadimplência em agosto, devido ao fato de que as empresas ainda estão em fase de recuperação e muitas delas não terão condições de pagar duas parcelas das três contribuições no mesmo mês.
Por meio de sua assessoria de imprensa, a Receita disse que “diversos indicadores já apontam em direção a uma recuperação da economia”. Segundo ela, as vendas no Brasil no mês de junho mostraram o maior patamar do ano de 2020, pois tiveram um resultado 15,6% maior que o de maio deste ano e de 10,3% superior ao de junho de 2019. Além disso, observou, em junho, todas as regiões brasileiras mostraram recuperação no ritmo de vendas, tanto em valor como em quantidades de notas emitidas.
De qualquer forma, é uma aposta, cujo resultado saberemos mais adiante. O ideal talvez fosse encarar o problema e propor o pagamento parcelado dos atrasados.
Ribamar Oliveira: Ala liberal perde substância no governo
Privatizar estatais e fazer reformas sempre foi difícil no Brasil
O que há de mais significativo na saída de duas importantes autoridades do Ministério da Economia, nesta semana, é que elas fazem parte da mesma ala liberal que procura, desde o início, montar uma agenda modernizadora e liberalizante para o atual governo. A saída deles cria interrogações sobre o futuro, pois indica um esvaziamento e perda de substância desse pensamento ideológico dentro do governo.
O momento da saída foi muito ruim, pois o ministro Paulo Guedes enfrenta uma disputa interna com as alas militar e política do governo, que querem um programa de investimento em obras de infraestrutura como estratégia para sair da crise econômica provocada pela pandemia.
Guedes está praticamente sozinho dentro do governo na defesa do teto de gastos da União, quando até o filho mais velho do presidente da República diz que ele precisa arrumar “um dinheirinho” para aumentar os investimentos públicos. O senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) se esquece que “um dinheirinho” o ministro da Economia até pode arrumar, o que ele não conseguirá é abrir um espaço no teto de gastos para fazer os investimentos que o primogênito de Jair Bolsonaro deseja.
Duas coisas espantam nesse episódio. A primeira foram as razões alegadas pelos assessores de Guedes para os pedidos de demissão. O secretário especial de Desestatização, Salim Mattar, disse ao ministro que “é muito difícil privatizar, que o ‘establishment’ não deixa fazer privatização, que tudo é muito emperrado, que tem que ter um apoio mais definido e decisivo”. O secretário especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital, Paulo Uebel, queixou-se, segundo relato de Guedes, que “a reforma administrativa está parada”.
As razões apresentadas parecem ingênuas. Uma rápida olhada na história recente do Brasil vai mostrar que privatizar estatais nunca foi tarefa fácil, desde que o ex-presidente João Figueiredo criou o primeiro programa brasileiro de desestatização, no início da década de 1980. De lá para cá, houve muitos avanços importantes nessa área, como a privatização do grupo Telebrás. Mas outras iniciativas foram paralisadas por interesses conhecidos, como é o caso do grupo Eletrobras, que está para ser privatizado desde o governo do ex-presidente Michel Temer e não se consegue.
Ao contrário do que pensam alguns, não são apenas os partidos de esquerda e os sindicatos que se mobilizam contra as privatizações. Os integrantes dos partidos que fazem parte do chamado Centrão também gostam de ocupar cargos bem remunerados nas estatais. As estatais foram, até passado recente, usadas para fazer negócios escusos, que beneficiaram grupos políticos. Muitos ainda as veem como fonte para obtenção de vantagens ilícitas.
O caso das reformas estruturais, como a administrativa, não é diferente. Se Uebel fosse político saberia das dificuldades para aprovar no Congresso Nacional mudanças que tiram privilégios ou afetam pretensos direitos ou interesses constituídos. Vale lembrar, por exemplo, que a reforma tributária é discutida no Congresso há pelo menos 30 anos, sem avançar.
No livro “Por que é difícil fazer reformas econômicas no Brasil?”, lançado neste ano, o economista Marcos Mendes enumera uma série de questões que dificultam as mudanças. Uma delas é o sistema político-eleitoral, que complica a formação de maiorias parlamentares. No caso do governo Bolsonaro, em que o presidente nem sequer tem partido, o problema é ainda maior. Outros obstáculos citados por Mendes são os conflitos entre os Poderes, uma Constituição muito detalhista, uma baixa coesão social e um país muito grande, com expressivas desigualdades regionais.
Mattar e Uebel achavam que desta vez seria fácil fazer as privatizações e as reformas, apenas porque consideram que elas são o melhor caminho para o avanço do país? Seria ingenuidade acreditar que sem base política ampla no Congresso é possível aprovar medidas que exigem três quintos dos votos de deputados e senadores.
Para fazer as reformas e as privatizações, é necessário também vontade política do presidente da República. A saída de Mattar e Uebel indica que eles concluíram que Bolsonaro já não tem vontade de fazer um forte programa de privatização, a toque de caixa, nem de encarar os desafios de uma reforma administrativa.
Outra coisa que causou espanto foram as palavras de Guedes sobre o teto de gastos. “Os conselheiros do presidente que o estão aconselhando a pular a cerca e a furar o teto vão levar o presidente para uma zona sombria, uma zona de impeachment, de irresponsabilidade fiscal”, disse o ministro. Com a frase, Guedes não apenas tornou pública a disputa dentro do governo em torno desta questão, como lembrou ao presidente que crise fiscal pode levar à sua destituição, como aconteceu com a ex-presidente Dilma Rousseff.
O ministro Paulo Guedes rejeitou a proposta de “seguro-receita” para os Estados durante a pandemia, feita no PLP 149, de autoria do deputado Pedro Paulo (DEM-RJ, que chegou a ser aprovada pela Câmara. Por pressão de Guedes, o Senado fez outro projeto, que resultou na lei complementar 173, fixando um teto de R$ 60,15 bilhões a serem repassados aos governos estaduais e prefeituras para cobrir perdas de arrecadação.
O resultado foi que o tiro saiu pela culatra. Os dois primeiros repasses aos Estados feitos pelo Tesouro superaram as perdas que eles tiveram com o ICMS. “Eu avisei que isso ia acontecer”, disse Pedro Paulo, em conversa com o Valor. “O PLP era muito mais lógico tecnicamente e seria mais barato, eficiente e justo do que a LC 173”, afirmou. “Com os dados reais de queda de arrecadação do ICMS e ISS, vemos que o Tesouro gastará R$ 20 bilhões a mais do que seria necessário e de forma absolutamente desigual”, disse.
Pedro Paulo informou que encaminhou ontem uma Proposta de Fiscalização Financeira e Controle (PFC) ao Tribunal de Contas da União (TCU) solicitando a fiscalização desses recursos para evitar que sejam aplicados em ações não relacionadas à pandemia, cobrando responsabilidade e devolução à União.
Ribamar Oliveira: Aumento da carga está no horizonte
Novas despesas estão sendo contratadas, o que fortalece o pessimismo sobre os rumos da reforma tributária
A condição básica para viabilizar uma reforma tributária é a percepção de que ela não resultará em aumento da carga de impostos. Do contrário, ela não avançará. Infelizmente, há sinais concretos no horizonte de que o peso dos tributos sobre os ombros dos contribuintes brasileiros poderá ficar ainda maior.
O que fortalece o pessimismo sobre os rumos da reforma tributária é que novas despesas estão sendo contratadas, no âmbito da União, dos Estados e dos municípios. A Câmara dos Deputados acaba de aprovar o novo Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação).
Nos próximos dias, o Senado também deverá aprovar. Com as novas regras do Fundeb, a participação da União no financiamento da educação infantil e nos ensinos fundamental e médio crescerá de 10% para 23% até 2026. Já em 2021, ela aumentará de 10% para 12%.
Para a União, a despesa deverá passar dos atuais R$ 15 bilhões por ano para R$ 34,5 bilhões por ano, ao final de um período de seis anos, de acordo com estimativa do economista Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), entidade do Senado. Ou seja, a despesa anual vai mais do que dobrar. É um gasto obrigatório adicional, que está sendo programado sem o corte de nenhum outro.
Haverá aumento de despesa também para os Estados e municípios, como observaram os economistas Marcos Lisboa e Marcos Mendes, em recente artigo para a “Folha de S. Paulo”. A lei 11.738/2008 define que o piso salarial dos professores será reajustado pelo mesmo índice de variação de gasto por aluno do Fundeb.
Como o número de alunos está caindo, resultado da transição demográfica, e a receita de impostos estaduais e municipais vinculados ao Fundeb cresce, os percentuais de reajuste do piso foram expressivos nos últimos anos. Em 2020, o reajuste do piso foi de 12,84%. Ele indexa, segundo os economistas, toda a escala de remunerações, “dando aumentos até para quem está no topo da carreira”. O piso também se aplica a inativos e pensionistas.
Uma das regras do novo Fundeb estabelece que pelo menos 70% dos seus recursos serão destinados ao pagamento dos profissionais da educação básica em efetivo exercício. É fácil perceber o impacto do Fundeb aprovado pela Câmara nas finanças estaduais e municipais, que já estavam fortemente abaladas antes mesmo da pandemia da covid-19.
Outro indício preocupante são as manifestações de setores do governo favoráveis ao imposto sobre pagamentos, idealizado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, para substituir a atual tributação sobre a folha de salários. Na semana passada, o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, disse que o imposto de Guedes, que para muitos é uma CPMF disfarçada, poderia ser utilizado “para reforçar o programa de renda mínima, que vem sendo montado pelo governo”.
Se além de substituir os tributos sobre a folha, a nova CPMF vai também custear parte do programa de renda mínima, obviamente ela representará um aumento da carga tributária. O “reforço” do programa de renda mínima do governo, chamado de Renda Brasil, representará elevação das despesas, se não for compensado pelo corte de outros gastos.
Se o governo federal procurar elevar a sua receita tributária para custear novas despesas será inevitável que governadores e prefeitos façam o mesmo. Quando essa disputa por mais recursos começar a acontecer, é difícil acreditar que a reforma tributária continuará avançando.
Nesta semana, o governo apresentou, finalmente, a primeira etapa de sua proposta de reforma tributária, com a criação da Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS), em substituição ao PIS/Pasep e à Cofins. A alíquota da CBS será de 12%, contra os 9,25% atuais do PIS/Cofins pagos pelas empresas que declaram pelo lucro real. Já há especulações de que a alíquota da nova contribuição embutiria um aumento da carga, o que o governo federal nega.
A realidade das contas públicas pós-pandemia mostra a necessidade de um controle rigoroso sobre os gastos. As últimas estimativas do Ministério da Economia indicam um déficit primário superior a R$ 800 bilhões neste ano e uma dívida pública bruta em torno de 95% do Produto Interno Bruto (PIB).
Com a continuidade de déficits primários nas contas públicas nos próximos anos, a tendência será de que a dívida cresça ainda mais. O que poderá amenizar a trajetória é o juro muito baixo que o Tesouro Nacional está pagando em seus papéis. Para os juros permanecerem em nível historicamente muito baixo, no entanto, o governo não poderá fazer sinalizações erradas, que indiquem descontrole dos seus gastos.
Os economistas ensinam que só há uma forma de controlar o crescimento da dívida pública no médio e longo prazo: fazer superávit primário nas contas. Isso pode ser conseguido pela redução das despesas ou pelo aumento da carga tributária. Desde a posse do ex-presidente Michel Temer, o governo tentou seguir uma estratégia de reduzir os gastos em proporção do PIB, evitando, dessa forma, a elevação do peso dos impostos. É preciso saber se essa estratégia continuará sendo seguida no pós-pandemia.
Uma alternativa à elevação da carga seria uma significativa redução dos benefícios tributários, que hoje atingem 4,2% do PIB. Recente nota técnica da Receita Federal informou que a ampliação das desonerações tributárias concedidas após a crise de 2008/2009 alcançou a totalidade do sistema tributário, de modo que todo tributo possui atualmente alguma forma de tratamento diferenciado.
Na sua proposta de criação da CBS, o governo elimina mais de 100 tratamentos diferenciados e favorecidos que existem na legislação do PIS/Pasep e da Cofins. São subsídios que estão sendo suprimidos e, em tese, deverão, se aprovados, elevar a receita disponível. O fim ou redução significativa dos benefícios tributários será outro obstáculo considerável para a reforma tributária.
Ribamar Oliveira: Só reforma reduz benefícios tributários
IVA prevê crédito presumido para benefício tributário
Não é possível fazer uma redução ampla e linear dos atuais benefícios tributários com medidas isoladas, que possam ser adotadas ao longo dos próximos anos. A redução dos benefícios deve ser tratada no contexto da reforma tributária. Esta é uma das conclusões de nota técnica feita pela Receita Federal do Brasil (RFB), encaminhada ao Congresso Nacional em novembro do ano passado, mantida em sigilo desde então e revelada na edição de terça-feira pelo repórter Murillo Camarotto, deste jornal.
Na terça-feira, o Ministério da Economia informou que os subsídios tributários registraram “queda sutil” de 4,3% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2018 para 4,2% do PIB em 2019. A diminuição do gasto tributário é considerada essencial para elevar a receita disponível e melhorar a situação das contas públicas.
A nota técnica da RFB foi uma resposta à lei de diretrizes orçamentárias (LDO) válida para 2019, que determinou ao presidente da República encaminhar ao Congresso um plano de revisão de despesas e receitas para o período de 2019 a 2022, inclusive de benefícios de natureza tributária, financeira ou creditícia, acompanhado das correspondentes proposições legislativas e das estimativas dos respectivos impactos financeiros anuais.
A LDO determinou ainda que o governo apresentasse “cronograma de redução de cada benefício, de modo que a renúncia total da receita, no prazo de 10 (dez) anos, não ultrapasse 2% (dois por cento) do produto interno bruto”.
A RFB elaborou um elenco de medidas para a redução dos benefícios tributários, que ganhou a tarja de “confidencial”, mas foi publicado na edição do Valor de terça-feira. Se as medidas fossem adotadas, reduziria o gasto tributário em R$ 50 bilhões. Assim, ficou claro para a sociedade quais são os benefícios tributários que são passíveis, na avaliação da Receita Federal, de redução ou eliminação.
Em sua nota, o órgão afirmou que seria temerário o encaminhamento de um cronograma com medidas isoladas destinadas a eliminar os benefícios fiscais ao longo dos próximos anos, pois tal iniciativa “poderá eliminar as chances de êxito da reforma tributária”.
Em sua análise dos gastos tributários, a RFB identificou sistemáticas diferenciadas de apuração dos tributos. Segundo a Receita, estas diferenciações representam fragmentos do sistema tributário brasileiro e, por representarem um tratamento diferenciado conferido a setores específicos, categorias de contribuintes, determinadas atividades ou certas regiões geográficas, se configuram em microrregimes tributários.
Ela constatou também o caráter permanente desses regimes na legislação (vigência indeterminada), ou seja, não obstante a sua classificação como gasto indireto, possuem características de tratamentos incorporados ao sistema tributário, de tal modo que os ajustes na forma de apuração dos tributos refletem mais uma adaptação estrutural no modelo de tributação do que uma política temporária de incentivos fiscais. Dito de uma forma direta, alguns benefícios trazem adequações estruturais do sistema tributário, implementadas sob a forma de benefícios fiscais.
Como exemplo, a RFB cita os microrregimes da Zona Franca de Manaus, os regimes especiais destinados às empresas localizadas na área da Sudam e da Sudene, a isenção adicional do Imposto de Renda conferida aos contribuintes com mais de 65 anos, a isenção constitucional da contribuição previdenciária patronal concedida às entidades filantrópicas, e também o próprio regime especial das microempresas e empresas de pequeno porte (Simples Nacional), que hoje abriga mais três milhões de empresas.
“É facilmente verificável que a ampliação das desonerações tributárias concedidas após a crise de 2008/2009 alcançou a totalidade do sistema tributário, de modo que todo tributo possui alguma forma de tratamento diferenciado”, diz a nota técnica. Para a RFB, os microrregimes fragmentaram o modelo de tributação brasileiro, de modo que em um determinado setor podem coexistir diversos programas de incentivos financiados por meio de renúncia tributária, dada a amplitude que estas medidas alcançaram ao longo dos anos.
Assim, a redução linear da totalidade dos benefícios tributários implica modificações estruturais no modelo de tributação brasileiro, “cuja implementação efetiva só será alcançada no âmbito de uma Reforma Tributária, com abrangência mais ampla, capaz de redistribuir a incidência dos tributos, sem prejuízos aos investimentos em andamento e ao ambiente de negócios”.
Como já foi anunciado, a proposta de reforma tributária do governo contempla quatro movimentos: a unificação do PIS/Cofins, nos moldes de um tributo sobre valor agregado (IVA); a eliminação do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e criação do Imposto Seletivo; a reformulação da tributação sobre a renda das pessoas físicas e jurídicas; e a desoneração da folha de pagamentos.
A proposta para a fusão do PIS/Cofins, nos moldes de um IVA, indica como será a revisão e alteração dos benefícios tributários. Tanto as empresas optantes pelo lucro presumido como as empresas do lucro real, que hoje estão sujeitas à alíquota de 3,65%, passarão a ser tributadas com a alíquota da nova Contribuição sobre Bens e Serviços, que deve ser de 11% ou 12%.
A adoção da sistemática de apuração do IVA exige, segundo a RFB, uniformidade na forma de apuração para se evitar a geração de créditos indevidos e assegurar isonomia da carga tributária ao longo das cadeias produtivas. As empresas optantes pelo Simples seguirão tributadas na forma cumulativa e transferirão crédito na proporção de 30% da alíquota modal da nova contribuição.
A empresa estabelecida na Zona Franca de Manaus sujeita-se à alíquota modal e, como medida redutora da carga tributária, no sentido de equalizá-la àquela hoje decorrente da incidência do PIS/Cofins, é concedido crédito presumido de 25% do valor da nova contribuição calculada em relação à venda. A concessão de crédito presumido será a regra para os benefícios tributários.
Ribamar Oliveira: O QE tupiniquim está limitado
Descuido na redação da PEC deixou de excluir operação do BC do teto de gastos
Durante a atual situação de calamidade pública decretada pelo Congresso Nacional, em virtude da pandemia de covid-19, o Banco Central terá um poder muito grande de intervenção nos mercados. Por meio da emenda constitucional 106, promulgada em maio desse ano, o BC foi autorizado a comprar e a vender títulos de emissão do Tesouro, nos mercados secundários local e internacional, e os ativos, em mercados secundários nacionais no âmbito de mercados financeiros, de capitais e de pagamentos.
Na aquisição dos ativos, o BC dará preferência aos títulos emitidos por microempresas e por pequenas e médias empresas. A única condição é que os ativos tenham classificação em categoria de risco de crédito no mercado local equivalente a BB- ou superior, conferida por pelo menos uma das três maiores agências internacionais de classificação de risco e preço de referência publicada por entidade do mercado financeiro credenciada pelo BC.
O objetivo de todo esse poder que os representantes do povo brasileiro deram ao BC foi para que ele evite uma depressão econômica no Brasil, adotando uma política monetária flexível que, durante a monumental crise financeira de 2008/2009 ficou conhecida como QE - sigla para o termo em inglês “Quantitative Easing”.
Como, naquela crise, a taxa de juros nos países desenvolvidos já estava próxima a zero (negativa, em termos reais), o uso dos juros pelos Bancos Centrais para regular a atividade econômica já não tinha efeito. Alguns deles passaram, então, a comprar grande quantidade de títulos bancários no mercado financeiro e de capitais e de títulos dos seus próprios governos negociados no mercado secundário. Por meio desse mecanismo, os BCs injetaram uma quantidade imensa de moeda na economia, evitando, com isso, uma depressão mundial.
Com a EC 106, o Congresso Nacional deu poderes ao BC para que faça o mesmo, se isso for necessário, para evitar que a economia brasileira entre em depressão. O problema é que, da forma como está sendo operacionalizada, a política do QE tupiniquim ficou limitada.
Quando anunciou as regras e diretrizes do seu programa de compras, o BC informou que as aquisições de títulos privados teriam impacto no resultado fiscal primário. Cada compra elevaria o déficit deste ano e a venda reduziria o déficit. A tese apresentada pelo BC foi que a compra de ativo privado afeta a dívida líquida do setor público (DLSP) e, portanto, o resultado primário.
A dificuldade da tese do BC é que uma despesa primária precisa transitar pelo Orçamento da União, pois um gasto não pode ser executado sem que esteja autorizado pela lei orçamentária. Assim, o governo teria que enviar ao Congresso um pedido de crédito suplementar ao Orçamento para acomodar a despesa com a compra de títulos privados pelo BC, informaram fontes governamentais ao Valor.
A questão é que uma despesa primária está, necessariamente, submetida ao teto de gastos da União, a menos que tenha sido excluída do limite por determinação constitucional. Por um descuido de quem redigiu a chamada PEC do Orçamento de Guerra, que deu origem à EC 106, a despesa do BC com a aquisição de títulos privados não foi excluída do teto.
Para contornar esse problema, bastaria que o presidente Jair Bolsonaro editasse uma medida provisória abrindo um crédito extraordinário no Orçamento, acomodando, assim, a despesa do BC. Pela EC 95/2016, que instituiu o teto, os créditos extraordinários estão excluídos do limite da despesa. Mas, na MP, o presidente teria que dizer o valor do crédito e informar como a despesa seria custeada.
Este é um problema sério, advertiu o consultor da Câmara dos Deputados Antônio D’Ávila Carvalho Júnior, em entrevista ao Valor. Ele disse que o Banco Central vai emitir moeda para comprar os títulos privados e observou que esse aumento do passivo (monetário) do BC “não é, conceitual e legalmente, uma receita orçamentária”. Para ele, inserir tal receita no Orçamento seria inconstitucional.
D’Ávila foi um dos auditores do Tribunal de Contas da União (TCU) que investigaram as “pedaladas fiscais” realizadas no governo da ex-presidente Dilma Rousseff. Ele disse que a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) determina que apenas as despesas relativas a pessoal e encargos sociais, custeio administrativo e os investimentos do BC devem integrar a lei orçamentária anual.
O consultor afirmou também que o teto de gastos não pode limitar a atuação do Banco Central, quando se trata de emissão de moeda, não interessando se a operação possa ser ou não classificada pelas estatísticas fiscais como despesa primária. Ou seja, a emenda de teto de gastos não tem qualquer influência/limitação/restrição no que tange à política monetária.
D’Ávila discorda da interpretação apresentada pelo Banco Central de que a compra de ativos privados altera a DLSP, ou seja, o resultado primário do setor público. Para ele, os títulos privados a serem adquiridos atendem aos critérios estabelecidos pelas estatísticas fiscais para serem registrados como um ativo na dívida líquida do setor público.
O consultor observou ainda que o BC saberá os valores de mercado dos papéis no momento em que for adquiri-los. “Uma debênture no valor de R$ 1.000 e que seja avaliada como BB- será adquirida, por exemplo, por R$ 200. Essa deverá ser a quantia a ser entregue pelo BC ao detentor do título e esse será o valor do ativo a ser registrado nas estatísticas fiscais”, explicou. Por isso, para ele, não haverá variação na DLSP, ou seja, no resultado primário.
D’Ávila considera que a operação de compra de títulos privados pelo BC é de natureza monetária, deve ficar fora do Orçamento, por mandamento constitucional e não se submete ao teto de gastos, ainda que possa ser classificada pelo BC, em suas estatísticas fiscais, como uma despesa primária.
Enquanto essa questão de contabilidade pública não for solucionada, o BC não poderá comprar títulos privados e o QE tupiniquim estará limitado. Só poderá comprar títulos do Tesouro negociados no mercado secundário.
Ribamar Oliveira: Equipe econômica quer veto para desoneração
Fim do benefício sobre a folha de pagamento abre espaço no teto de gastos em 2021
O projeto de conversão da medida provisória 936, aprovado pelo Congresso Nacional, aguarda sanção do presidente Jair Bolsonaro, o que deverá acontecer nos próximos dias. A equipe econômica propôs o veto do presidente ao artigo 33 do projeto, que adiou o fim da desoneração da folha de pagamentos de vários setores da economia de 31 de dezembro deste ano para 31 de dezembro de 2021. O argumento principal para o veto é que a prorrogação do benefício contraria a emenda constitucional 106, recentemente aprovada.
A concessão de benefício tributário que resulte em renúncia de receita tem que ser acompanhada de medida de compensação, com aumento de outro tributo, de acordo com o artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). A área técnica argumenta que a EC 106/2020 estabeleceu que, para criação de benefício tributário, o artigo 14 da LRF não precisa ser obedecido desde que o efeito da medida fique restrito à duração da situação de calamidade, o que, no atual caso, é 31 de dezembro deste ano. Como o objetivo da prorrogação é estender o benefício para 2021, a medida seria inconstitucional para a equipe econômica.
Há, no entanto, um complicador nesse entendimento. No mesmo mês de maio, em que promulgou a EC 106, o Congresso aprovou também a lei complementar 173, alterando algumas regras da LRF. O artigo 3º da nova lei diz que durante o estado de calamidade pública fica afastado o artigo 14 da LRF. E, ao contrário da EC 106, não dá prazo para a produção dos efeitos da renúncia de receita.
O artigo 7º da mesma lei também afasta as condições e vedações do artigo 14 da LRF, desde que o incentivo ou benefício seja destinado ao combate à calamidade pública, sem estabelecer prazo de vigência dos efeitos. A questão agora é saber se uma lei complementar pode “flexibilizar” um dispositivo constitucional, segundo especialista consultado pelo Valor.
A desoneração da folha de pagamento das empresas foi instituída pela ex-presidente Dilma Rousseff, em 2011, com o objetivo de estimular a geração de empregos formais. Amplos setores da economia foram beneficiados com a medida e substituíram a contribuição ao INSS incidente sobre a folha de salários por uma contribuição calculada sobre o faturamento da empresa. Dilma chegou a tornar a desoneração permanente
Em 2015, no entanto, ela mudou de ideia. Como parte de um amplo programa para reequilibrar as contas públicas, a ex-presidente começou a reduzir o número de setores com direito ao benefício e aumentou a alíquota da contribuição sobre a receita bruta das empresas. Em 2018, já no governo do ex-presidente Michel Temer, foi fixada a data de 31 de dezembro deste ano para a extinção do benefício para todos os setores da economia.
A lei que instituiu a desoneração da folha (lei 12.546/2011) determinou que o governo compensasse a Previdência pela perda de receita decorrente da medida. A perda com a desoneração chegou a R$ 25,4 bilhões em 2015. Para este ano, a perda foi estimada em R$ 9,891 bilhões.
A compensação à Previdência é contabilizada como despesa do Tesouro Nacional. Na verdade, é uma despesa puramente contábil, pois qualquer que seja o déficit da Previdência o Tesouro é obrigado a cobri-lo. Assim, se o presidente vetar a prorrogação da desoneração da folha, será aberto um espaço de cerca de R$ 10 bilhões no teto de gastos da União em 2021.
Sem esse espaço, os técnicos dizem que terão que fazer corte significativo nas despesas discricionárias (investimentos e custeio da máquina), inviabilizando vários programas governamentais. Ou seja, é o fim da desoneração da folha que viabilizará o teto de gastos no próximo ano. Junto, é claro, com o congelamento dos salários dos servidores e a não realização de concursos públicos para preencher todos os cargos que ficarem vagos.
Se o cidadão quiser saber o que foi discutido e quais as decisões tomadas pela Junta de Execução Orçamentária (JEO) em qualquer mês de 2018, por exemplo, terá que esperar até 2023. As atas da JEO foram classificadas com o grau de sigilo reservado e só podem ser divulgadas cinco anos depois das reuniões realizadas.
A JEO é um órgão de assessoramento direto ao Presidente da República na condução da política fiscal do governo federal e se reúne, normalmente, uma vez por mês. A ela cabe assessorar o presidente na elaboração dos atos que estabeleçam a programação financeira e o cronograma de execução mensal das dotações orçamentárias e no estabelecimento das metas fiscais, entre outras atribuições. Dela fazem parte os ministros da Economia e da Casa Civil.
As reuniões têm atas, que devem trazer um resumo dos assuntos tratados, dos debates ocorridos e das deliberações tomadas. Com base na lei de acesso à informação, o Valor pediu acesso a uma das atas da JEO do último ano do governo do ex-presidente Michel Temer. Recebeu a resposta de que as atas da JEO são classificadas com o grau de sigilo reservado, tendo como fundamento o inciso IV do artigo 23 da lei 12.527/2011. Este inciso se refere a informações que oferecem “elevado risco à estabilidade financeira, econômica ou monetária do país”
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“É incrível que essas atas sejam sigilosas”, protestou Gil Castello Branco, do Contas Abertas. “Desde quando a divulgação de uma ata da JEO, que discute e define critérios para a execução orçamentária, pode oferecer algum risco à estabilidade financeira, econômica e monetária do país”, questionou Castelo Branco, lembrando que até as atas do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central são divulgadas na semana seguinte à reunião. Ele acredita que está ocorrendo um retrocesso no acesso à informação no Brasil, com o governo adotando medidas no sentido de reduzir a transparência dos atos da administração pública. “Não é fácil exercer o controle social neste país”, constatou.
O Valor apresentou recurso, contestando a decisão de sigilo reservado para as atas da JEO.
Ribamar Oliveira: Vendas reagem com estímulos econômicos
Dados mostram recuperação em todas as regiões do país
As medidas de estímulo econômico adotadas pelo governo conseguiram reverter a forte queda das vendas ocorrida em abril. Em maio, a média diária de vendas voltou a crescer e chegou a R$ 21,1 bilhões, resultado 11,1% superior ao de abril, em termos reais, de acordo com as notas fiscais eletrônicas registradas no Sistema Público de Escrituração Digital (Sped).
“Houve uma recuperação importante no mês passado”, disse o secretário da Receita Federal, José Barroso Tostes Neto, em conversa com o Valor. Segundo ele, os dados iniciais deste mês indicam que “o fundo do poço ficou em abril”. Tostes acredita que as vendas estão em recuperação, pois “a tendência é continuar essa trajetória”.
Ele observou que alguns Estados adotaram protocolos de abertura controlada de alguns setores do comércio e que isso vai impulsionar as vendas em junho, pois “o varejo terá que ser abastecido”. Tostes citou também dados divulgados recentemente pela Fenabrave (Federação Nacional de Distribuição de Veículos Automotores), que apontam para uma alta de 11,6% nas vendas de veículos em maio, em relação a abril, embora em comparação com o mesmo mês do ano passado a queda ainda seja muito elevada, de 71,98%.
As notas fiscais eletrônicas (NFe) registram as operações de compra e venda entre as empresas e das empresas com os consumidores finais. Elas não incluem, no entanto, as vendas no varejo. O movimento agregado das notas capta, principalmente, as vendas entre empresas de médio e grande porte, bem como as vendas não presenciais de empresas para pessoas físicas - o chamado comércio eletrônico.
Embora cresçam em relação a abril, mesmo assim as vendas em maio apresentaram uma queda de 15,2%, em termos reais (descontada a inflação) na comparação com o mesmo mês do ano passado. Em abril, quando se intensificou o isolamento social para controlar a contaminação da população pelo novo coronavírus, a queda real foi de 17,8% na comparação com março.
Em relação a abril de 2019, a redução real do volume de vendas foi de 14,9%. O que as notas fiscais eletrônicas estão indicando é que, no mês passado, houve um ponto de inflexão da curva, que voltou a ser ascendente. Essa tendência terá que ser confirmada pelos dados deste mês.
O gráfico da Receita Federal sobre as vendas semanais (soma das vendas diárias na semana) mostra uma recuperação gradual nas últimas semanas do mês passado. Por esse indicador, o ponto mais baixo ocorreu em meados de abril. “A terceira semana de abril foi o valor mais baixo do ano”, explicou Tostes. A partir daí, inicia-se um aumento gradual, com o pico sendo atingido na última semana de maio. “Em maio, já voltamos ao patamar de março”, disse.
O comércio eletrônico viveu uma situação peculiar. Em vez de cair durante a pandemia, cresceu. E muito. Em março ele aumentou 20,4%, em termos reais, na comparação com o mesmo mês de 2019.
Quando tudo estava despencando em abril, as vendas eletrônicas subiram 17,2% na comparação com o mesmo mês do ano passado. Em maio, o crescimento dessas vendas ainda foi mais explosivo: 40,7%. “Não houve crise nesta modalidade de comércio”, constatou o secretário.
Ele observou ainda que, em maio, todas as regiões do Brasil mostraram recuperação no ritmo de vendas. “As quantidades de notas emitidas, que vinham em declínio em abril, em maio inverteram a tendência e subiram, em todas as regiões”, observou.
Após as medidas de contenção e quarentena adotadas em todo o Brasil, todas as regiões apresentaram queda do volume diário de vendas em abril, na comparação com março. A menor redução foi da região Sul (12,0%) e a maior foi da região Sudeste (22,6%). Em maio, na comparação com abril, todas as regiões apresentaram crescimento de vendas.
É difícil sustentar que as notas fiscais eletrônicas em maio, por si só, já mostrem uma recuperação robusta e sustentável da economia. Elas parecem indicar que as vendas reagiram favoravelmente aos estímulos do governo. O consumo foi alavancado pelo auxílio emergencial de R$ 600 concedido aos trabalhadores informais e todos os aposentados tiveram antecipação de seu décimo terceiro salário, para citar apenas duas medidas adotadas.
Mas os estímulos serão suficientes para garantir uma retomada consistente? O governo está comemorando, principalmente, o fato de que a crise não se aprofundou em maio, como alguns acreditavam que iria acontecer. Houve, na verdade, uma recuperação, que pode ser um alento para o futuro.
Tudo dependerá, e não podia ser diferente, do êxito da abertura da economia. Alguns especialistas consideram que a abertura do comércio e da indústria em algumas regiões do país está sendo feita de forma precipitada, pois a epidemia ainda não teria atingido o seu pico. Se ocorrer um novo surto de contaminação pelo coronavírus, o país poderá voltar a uma nova etapa de distanciamento social e a recuperação que se inicia poderá ser abortada.
Ribamar Oliveira: Programas precisam ser mais agressivos
Ação do governo para ajudar micro e pequenas empresas é necessária antes que seja tarde demais
A trajetória de contaminação da população brasileira pelo novo coronavírus parece ser aquela traçada pelo ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, de que o pico da doença ocorrerá somente em julho, com um platô em agosto e uma queda a partir de setembro. Se esse é o cenário mais provável, o governo precisa adotar programas mais agressivos, que deem sustentação financeira às micro e pequenas empresas, antes que seja tarde demais.
O noticiário mostra que o crédito não está chegando a essas empresas, que são aquelas que mais empregam trabalhadores na economia. Milhares de pequenos e microempresários lutam para sobreviver e não encontram quem lhes dê suporte financeiro para enfrentar esta fase de hibernação da economia, que vai passar. Eles se viram diante de uma situação em que, de uma hora para outra, o dinheiro deixou de entrar no caixa de suas empresas, pois as vendas acabaram. E estão à beira da falência, se é que muitos já não sucumbiram.
Não se pode exigir que os bancos privados, que devem satisfação aos seus acionistas e precisam apresentar resultados, assumam esse papel. Ao analisar o pedido de empréstimo de um pequeno empresário em dificuldade, o gerente avalia a situação da empresa sem fluxo de caixa, as perspectivas da economia para os próximos meses e conclui que o crédito pedido não será pago.
Ele teme, e ninguém pode culpá-lo por pensar assim, que se a inadimplência crescer, a sua instituição poderá ficar comprometida. O que menos se deve querer na atual pandemia é uma crise bancária.
Resumindo, o crédito não está chegando aos micro e pequenos empresários por uma razão simples: os bancos não podem arcar com o risco da operação, mesmo que um ou outro banqueiro eventualmente queira fazê-lo.
Na situação que estamos vivendo, de quase completa paralisação da atividade econômica, com economistas mais pessimistas já projetando queda do Produto Interno Bruto (PIB) acima de 10% neste ano, só há uma maneira de ajudar as pequenas e micro empresas: o Tesouro (ou seja, nós contribuintes) bancar o risco da operação de crédito. Vários economistas já elaboraram propostas de como isso pode ser feito.
No início da atual crise, o governo se preocupou em garantir a liquidez do sistema financeiro e fazer fluir o canal de crédito. A ideia era que os bancos tivessem recursos em volume suficiente para emprestar e para refinanciar dívidas das pessoas e empresas mais afetadas. Para isso, o BC reduziu o compulsório dos bancos e adotou uma série de medidas para facilitar o crédito.
Dados da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) mostram que as concessões de crédito, no período de 16 de março a 8 de maio de 2020, somaram R$ 540,3 bilhões, incluindo contratações, renovações e suspensão de parcelas. Segundo a Febraban, o setor já renegociou 8,5 milhões de contratos com operações em dia, que têm um saldo devedor total de R$ 468,2 bilhões. A soma das parcelas suspensas dessas operações repactuadas totaliza R$ 47,5 bilhões.
Os dados do Banco Central corroboram esse cenário, pois indicam que da 15ª à 18ª semana deste ano, ou seja, de 6 de abril a 3 de maio, as concessões de crédito livre aumentaram 8,7% para as pessoas físicas e 27,4% para as pessoas jurídicas, na comparação com igual período do ano passado. No acumulado deste ano, as operações livres aumentaram 12,7% para as pessoas físicas e 32,5% para as pessoas jurídicas. O problema, no entanto, está no fato de que o crédito não chegou aos e micro e pequenos.
Ao mesmo tempo em que o Banco Central adotava medidas para fazer o crédito fluir, o governo federal criou três programas para ajudar as empresas durante a crise. Criou uma linha especial de crédito para o pagamento de pessoal. O Tesouro entra com 85% do valor do crédito e o restante é bancado pelas instituições financeiras. A linha de crédito não funcionou. De um total de R$ 40 bilhões disponíveis, só cerca de R$ 1,6 bilhão foi emprestado até agora.
Apenas as médias e grandes empresas tomaram os recursos, de acordo com informações de fontes do governo. No início, muitos interessados foram descartados porque estavam inadimplentes com a Previdência Social. Apenas depois da aprovação da Emenda Constitucional 106 é que essa exigência foi excluída.
A maioria das empresas descartou a linha de crédito, entre outras razões, porque o governo deu mais duas opções. A primeira é a suspensão temporária dos contratos de trabalho. A segunda, a redução da jornada de trabalho em até 70%, com a correspondente diminuição dos salários.
Em uma avaliação pragmática, o empresário concluiu que era preferível suspender os contratos, reduzir salários ou simplesmente demitir os seus funcionários do que pegar um empréstimo para pagar os salários, com o compromisso de não os demitir pelo período de quatro meses da data da contratação da operação.
O problema atual está em garantir sustentação financeira às micro e pequenas empresas, até que seja possível reabrir a economia. Os sinais emitidos pelo governo federal, no entanto, estão indo em direção oposta. Na terça-feira passada, o presidente Jair Bolsonaro sancionou a lei 13.999, que institui o Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe).
O programa cria uma linha de crédito em condições vantajosas para a pequena e média empresa, de até 30% de sua receita bruta anual. Os juros serão iguais à Selic, acrescidos de 1,25% sobre o valor concedido, com prazo de amortização de 36 meses. O presidente vetou o artigo que previa carência de oito meses.
A justificativa do veto foi que a medida “contraria o interesse público e gera risco à própria política pública, ante a incapacidade dos bancos públicos executarem o programa com as condições apresentadas pelo projeto”. O governo pode alegar que essa não é uma regra que possa ser permanente, mas ela poderia, perfeitamente, ser utilizada neste momento de pandemia.