Revista Veja
Ricardo Noblat: Para completar a humilhação
Como reparar a lambança no Supremo
Não basta suspender a censura à reportagem da revista eletrônica Crusoé e do site O Antagonista sobre “O amigo do amigo do meu pai”, no caso o ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal, que à época dos fatos era o Advogado Geral da União no primeiro governo Lula.
É preciso com urgência acabar com o inquérito aberto por Tóffoli e conduzido por Alexandre de Moraes sobre autores de fake news que tenham como alvo o Supremo, seus ministros e eventuais familiares. Porque da maneira como foi criado o inquérito é uma aberração jurídica. Simples assim.
Toffoli só pôde abri-lo porque se valeu de uma leitura para lá de absurda de suas atribuições. A escolha de Alexandre para presidi-lo desprezou o rito do sorteio que sempre foi respeitado no tribunal. Poderia ter sido sorteado qualquer um dos 11 ministros. Mas Toffoli quis Alexandre de Moraes, e ponto.
Por quê? Porque os dois haviam combinado a manobra. Compartilhavam as mesmas intenções. Perseguiam os mesmos objetivos. De resto, Alexandre, além de juiz, no passado foi um policial. Durante parte do último governo de Geraldo Alckmin, em São Paulo, foi secretário de Segurança Pública.
É bem possível que os demais ministros recusassem a tarefa. O Supremo é a instância mais alta da justiça, o que significa a última a que se pode recorrer.
Como ele poderia, pois, exercer ao mesmo tempo os papéis de investigar, oferecer denúncia e julgar por fim? Onde já se viu isso? Onde?
Justamente porque nunca se viu é que o tribunal tem agora pela frente um abacaxi de casca grossa e amargo para descascar. Toffoli e Alexandre foram humilhados ao recuarem da imposição da censura ao site e à revista. Nova humilhação os aguarda com o arquivamento do inquérito.
Como disfarçá-la ou torná-la mais suportável? Por enquanto, ninguém no tribunal tem a resposta. Alguma terá de ser arranjada para contornar uma das maiores lambanças da história da solene e austera figura que é o Supremo.
Ricardo Noblat: Cargos em troca de votos
É dando que se recebe
Líderes de partidos começaram a ser avisados desde ontem que o presidente Jair Bolsonaro finalmente caiu na real e se dispõe a ceder cargos no segundo e demais escalões do governo para quem o apoiar dentro do Congresso.
Tudo pela aprovação da reforma da Previdência, e de outras coisitas mais. Haverá também generosa liberação de verbas previstas nas emendas dos parlamentares ao Orçamento da União. Foi para o brejo a história de um banco de talentos com nomes indicados por políticos.
Um governo carente de votos e de articulação política não poderá dar-se ao luxo de pedir apoio em troca de nada. É sua sobrevivência que está em jogo.
Bolsonaro, um presidente fake
Jair Messias Bolsonaro, como assina, está descobrindo que Bolsonaro, presidente do Brasil há menos de 100 dias, é apenas uma caricatura de si mesmo.
Durante 33 anos, ele fez a vida na política criticando adversários porque, dizia, mentiam, distorciam, manipulavam e falsificavam histórias sobre situações, lugares e pessoas, especialmente quando se tratava das que fizeram parte ou estiveram aliadas ao regime militar – o mesmo que o processou e mandou para reserva por indisciplina.
Jair Messias Bolsonaro já coleciona material suficiente, que ele mesmo tem publicado nas redes sociais, demonstrando que o presidente Bolsonaro, em menos de 100 dias no poder, se tornou a imagem e semelhança dos adversários políticos que tanto abominava.
Na caricatura poderia identificar o perfil comum aos políticos habituados a usar cargos, subvenções e instrumentos financiados pelo povo para mentir, distorcer, manipular e criar histórias, com o único objetivo de assassinar reputações de seus críticos.
Se olhar no espelho com olhos de ver, talvez perceba que o presidente Bolsonaro se tornou a uma velocidade relâmpago uma representação malfeita de tudo aquilo que Jair Messias Bolsonaro sempre disse deplorar.
Ricardo Noblat: O preço de uma vida
Flamengo barganha para pagar menos pela morte dos seus 10 garotos
Para a direção do Flamengo, a vida de cada um dos 10 garotos torrados vivos no alojamento clandestino do seu Centro de Treinamento vale alguma coisa entre R$ 300 mil e R$ 400 mil. É quanto o clube está disposto a pagar às famílias deles.
Mais do que isso, seria um absurdo, segundo Rodolfo Landim, presidente do Flamengo. O Ministério Público do Rio de Janeiro propôs o pagamento de R$ 2 milhões a título de indenização. Landim respondeu: nem pensar.
O que seriam R$ 20 milhões para um clube cuja receita prevista para este ano é de R$ 750 milhões? Só para reforçar o time, o Flamengo está disposto a gastar até 100 milhões. Gastou R$ 55 milhões para ter Arrascaeta, e R$ 21 milhões por Rodrigo Caio.
Dito de outra maneira: o que o Flamengo desembolsou para contratar Rodrigo Caio seria o suficiente para indenizar as famílias dos 10 garotos incendiados. O Flamengo, afinal, era responsável por eles. Foi aos seus cuidados que eles morreram tragicamente.
Landim considera uma fatalidade o que ocorreu. Fatalidade coisa nenhuma. Fatalidade significa um destino que não pode ser evitado. O destino dos 10 garotos foi selado pela irresponsabilidade das direções anteriores do clube.
O Centro de Treinamento do Flamengo está interditado pela prefeitura do Rio desde outubro de 2017. Não poderia servir sequer para treinamento dos atletas do time principal. Mas continua servindo. E o clube, mês a mês, é multado por isso.
Já pagou 10 multas. As demais ainda deve. O alojamento dos garotos não existia na planta do Centro de Treinamento entregue à prefeitura e ao Corpo de Bombeiros. O espaço, ali previsto, era para estacionamento de veículos.
Não havia extintores de incêndio no alojamento, nem os garotos haviam sido instruídos sobre como lidar com fogo. Havia um extintor do lado de fora. Os aparelhos de ar condicionado careciam de dispositivo que impedisse a passagem do fogo entre eles.
Landim e seus colegas de diretoria deram um show de insensibilidade e de arrogância ao se recusaram por 15 dias a responder a qualquer pergunta sobre o que acontecera. Somente ontem Landim o fez, e para reclamar do valor da indenização.
O estrago na imagem do Flamengo é incalculável – assim como o preço da dor sofrida por cada garoto antes de morrer, e de suas famílias desde então. Mas o preço da dor foi fixado pelo Ministério Público e aceito pelas famílias. O Flamengo recusa-se a pagar.
João de Deus põe justiça em xeque
Quem se habilita?
A mais alta corte de justiça do país tem um problema: quem, ali, se dispõe a ser o relator do pedido de habeas corpus que poderia libertar o líder religioso João Teixeira de Faria, vulgo João de Deus, acusado de abusar sexualmente de dezenas de mulheres no seu templo em Abadiânia, Goiás?
O ministro Gilmar Mendes, sorteado para ser o relator, abdicou da tarefa. Declarou-se suspeito por “problema de foro íntimo”. Gilmar consultou-se várias vezes com João de Deus, tornou-se seu amigo, aproximou-o de figuras importantes da República e do mundo empresarial. Considerava-o capaz de operar milagres.
Fora Gilmar, há mais 10 ministros no Supremo Tribunal Federal, em tese todos aptos a relatarem o pedido de habeas corpus. Mas pelo menos 8 deles também frequentaram o consultório de João de Deus. O ministro Luiz Roberto Barroso foi lá se tratar de um câncer. Por curiosidade, foram lá os ministros Dias Toffoli e Luiz Fux.
Se o exemplo de Gilmar for seguido pelos ministros atendidos por João de Deus, só restarão dois para se encarregar do caso. Por ora, desconhece-se a identidade deles.
Ricardo Noblat: Pai e filho entregam cabeça de Bebianno
República em estado de choque
Quando o jornal O Estado de São Paulo, em dezembro último, publicou que Fabrício Queiroz, ex-motorista do então deputado Flávio Bolsonaro, estava sendo investigado por ter movimentado em sua conta mais de R$ 1 milhão sem ter renda para tal, o presidente eleito Jair Bolsonaro apressou-se em se meter no assunto.
Amigo há mais de 40 anos de Queiroz, defendeu-o sugerindo que parte do dinheiro deveria ser proveniente da família dele. Em seguida, quando se soube que um cheque de Queiroz fora depositado na conta de Michelle, a futura primeira-dama, Bolsonaro logo explicou que era parte de um dinheiro que ele lhe devia.
Não demorou muito para que os rolos de Queiroz respingassem em Flávio. E então o que fez Bolsonaro? Correu também a defender um dos seus garotos. Flávio era inocente, garantiu o pai. Quem o atacasse na verdade queria atacar o presidente da República – ou seja, ele, Jair. Dali para frente, esse virou o mote da defesa de Flávio.
Com Gustavo Bebianno, nomeado por ele ministro da Secretaria-Geral da presidência da República, o comportamento de Bolsonaro foi o oposto. Menos de dois dias depois de Bebianno ser atingido pela suspeita de que patrocinou um laranjal de falsos candidatos quando presidiu o PSL, Bolsonaro entregou-o às feras sem piedade.
Nesse caso ainda está por ser decifrado se foi o filho, Carlos, vereador no Rio, que usou o pai para demitir Bebianno, de quem nunca gostou, ou se foi o pai que usou o filho para forçar Bebianno a pedir demissão. Pelo menos até o início da madrugada de hoje, Bebianno repetia que não pediria demissão. Só sairia demitido.
Foi Carlos que explodiu a bomba na sua página no Twitter. Ao jornal O Globo, Bebianno dissera que via WhatsApp falara três vezes com Bolsonaro sobre o laranjal do PSL quando o presidente esperava receber alta do hospital Alberto Einstein. Carlos chamou Bebianno de mentiroso. Afirmou que ele não falara uma única vez com o pai.
E para provar que dizia verdade, postou um áudio onde se ouve a voz de Bolsonaro dizendo a Bebianno: “Gustavo, está complicado ainda. Não vou conversar, não vou conversar com ninguém.” Por mais ousado que fosse, Carlos seria capaz de divulgar uma mensagem de voz do presidente da República sem a prévia autorização dele?
Militares de bom coração que ocupam postos importantes do governo chegaram a pensar que Carlos divulgara o áudio à revelia do pai, e ficaram perplexos com isso. Até que no Twitter, Bolsonaro compartilhou a mensagem postada pelo filho, e em entrevista ao Jornal da Record, confirmou o que o filho escrevera.
A demissão do ministro interessa ao pai e ao filho. Carlos jamais se conformou em não ser o secretário-geral da presidência da República. Ameaçado por um novo rolo que pode lhe tomar de vez a bandeira da luta contra a corrupção, Bolsonaro escolheu entregar a cabeça de Bebianno para manter a sua. Os poderosos agem assim.
Não foi isso que fez Lula com o então ministro José Dirceu para escapar do mensalão do PT? Jurou que fora traído. Demitiu o ministro, que ainda por cima perdeu o mandato de deputado federal. A chamada Nova Política é um espelho da Velha.
A última dos garotos
Boletim sujeito a atualização diária
Carlos Bolsonaro, o vereador, foi o grande protagonista, no dia de ontem, da República dos Garotos.
Não satisfeito em detonar Bebianno, exaltou o ministro do Meio Ambiente que insultara a memória do seringueiro Chico Mendes.
Flávio, o senador, foi apresentado ao projeto de reforma da Previdência pelo ministro Paulo Guedes, da Fazenda.
Eduardo, o deputado, posou para selfies. E telefonou para alguns ministros interessado em medir a temperatura do ar em Brasília.
À noite, o ar estava irrespirável.
Ricardo Noblat: Bolsonaro simula comandar
País do faz de conta
Na melhor das hipóteses, o presidente Jair Bolsonaro só receberá alta daqui a uma semana. A prorrogação da estadia no hospital Albert Einstein, em São Paulo, deve-se ao agravamento do seu quadro clínico, segundo boletim médico divulgado ontem.
Internado ali desde o último dia 27, ele fez questão de reassumir a presidência da República no dia 30 – e, desde então, finge que governa. Está proibido de receber visitas, de despachar com assessores e ministros, e até mesmo de falar.
As duas joias da coroa do seu governo foram lapidadas e estão prontas para que ele as examine – e se concordar, que as despache para o Congresso: a proposta de reforma da Previdência e o pacote de leis de combate à violência. Mas, por ora, ele não pode fazê-lo.
Das mensagens postadas por Bolsonaro no Twitter se encarrega o filho Carlos, vereador no Rio, sem tempo sequer para escrever sobre o temporal que se abateu sobre a cidade. Ele cuidou das redes sociais do pai durante a campanha. Carlos “psicografa” Bolsonaro.
A pressa do capitão em reassumir o cargo decorreu do seu incômodo com o protagonismo conferido pela mídia convencional ao general Hamilton Mourão. O estilo do vice é o oposto do estilo do titular. Mourão diz e faz coisas que o capitão jamais faria.
Imagine Bolsonaro manifestando pena por Lula. Seria impensável. Pois Mourão manifestou sem, no entanto, deixar de criticá-lo por não ter sabido separar o privado do público. Imagine Bolsonaro recebendo em audiência o presidente da CUT. Mourão recebeu.
Na ausência de Bolsonaro, em casos raros que não possam esperar pela volta dele, Mourão continua sendo ouvido por ministros. E criticado pelos filhos e aliados do presidente enfermo. Mas o trem tem de seguir em frente e, se possível, não descarrilhar.
A sorte de Flávio e do pai
Mais um rolo
Pare para pensar: e se em plena campanha eleitoral no ano passado tivesse vazado a informação de que o deputado estadual Flávio Bolsonaro (PSL) estava sendo investigado pelo Núcleo de Combate à Corrupção do Ministério Público Federal do Rio de Janeiro por suspeita de enriquecimento ilícito?
Que impacto sofreria a candidatura dele ao Senado? E, por tabela, a candidatura do pai a presidente da República? São dois homens de muita sorte, convenhamos. Tanto mais porque também não se ficou sabendo à época da ligação deles com milicianos.
Flávio começou a ser investigado em maio último por determinação da procuradora regional da República, Maria Helena de Paula, então coordenadora criminal, segundo informou ontem o Jornal Nacional. Recaem sobre ele as suspeitas de aumento patrimonial exponencial e de negociações relâmpago e extremamente lucrativas.
Junte-se a isso a outra investigação, essa no âmbito eleitoral, que apura falsificação de documento público para fins eleitorais e de lavagem de dinheiro.
O senador eleito declara-se um perseguido por ser filho de quem é.
Ricardo Noblat: O homem certo, na hora certa
Retrato do novo presidente do Senado
Davi ou David com “d” no fim? De sobrenome Alumbre, Alcolumbre ou algo parecido? Quem dava bola para David Samuel Alcolumbre Tobelem, que mais tarde se passaria a chamar apenas Davi Alcolumbre, um senador do baixo clero eleito pelo DEM do Amapá em 2014, e que no ano passado disputou e perdeu o governo do seu Estado?
O Amapá está em 25º lugar na lista das 27 unidades da federação quando se leva em conta a participação relativa no Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil. É o 26º em número de habitantes. Entre seus colegas do Senado, Alcolumbre era avaliado apenas como um sujeito simpático, muito falante, cujo suplente, o irmão, é igualmente simpático e falante.
Comerciante de profissão, com curso superior incompleto de ciências econômicas, antes de debutar no Senado se elegera vereador em Macapá e duas vezes deputado federal. Passou pela Câmara sem chamar atenção. Até que como senador, empregou no seu gabinete a assessora parlamentar Denise Veberling, senhora Onyx Lorenzoni desde o final do ano passado.
Bingo! A sorte sorriu para Alcolumbre. Além de pertencer ao mesmo partido de Onyx, chefiara a mulher daquele que assumiria a Casa Civil do presidente Jair Bolsonaro. Aos 41 anos de idade, era o homem certo, na hora certa para enfrentar o poderoso Renan Calheiros (PMDB-AL) que tentaria se eleger presidente do Senado pela quinta vez. Enfrentou e venceu.
O terceiro na linha de sucessão de Bolsonaro, depois do vice Hamilton Mourão e do presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM-RJ), Alcolumbre sabe que tem duas missões no cargo que jamais imaginou ocupar: obedecer às ordens de Onyx e minar eventuais resistências dos seus pares às propostas de interesse do governo. Não será uma tarefa fácil, mas impossível tampouco.
Há na administração federal milhares de vagas do segundo escalão para baixo. A expectativa de grande parte dos 42 senadores que votaram em Alcolumbre é que ele os ajude a preenchê-las. Alcolumbre deu sinais de que irá ajudá-los. Isso em pouco ou em quase nada comprometerá os ideais da velha política travestida de nova. Pelo contrário. Uma mão lava a outra. Vida que segue.
Ricardo Noblat: A ganhar com Renan, o governo prefere perder
Lambança inesquecível
Quando Onyx Lorenzonni, chefe da Casa Civil da presidência da República, pedirá demissão do cargo ou abdicará da tarefa de interlocutor político do governo junto ao Congresso?
Foi culpa dele, preferencialmente dele, a dupla derrota colhida pelo governo nas eleições de ontem para as presidências da Câmara dos Deputados e do Senado.
Não importa que o PSL de Bolsonaro tenha apoiado na Câmara a reeleição de Rodrigo Maia (DEM-DEM). Onyx tentou emplacar outro nome no lugar dele. Maia nada deve ao governo, pois.
Por sinal, tão logo reeleito com grande folga de votos, Maia anunciou que a reforma da Previdência dificilmente será votada na Câmara ainda neste semestre. O governo suplicava que fosse.
Onyx inventou no Senado a candidatura a presidente do inexpressivo senador Davi Alcolumbre (DEM-AP). Jogou todo o peso da Casa Civil para elegê-lo. Orientou todos os seus passos.
Deu no que deu. Na madrugada de hoje, o ministro Dias Toffolli, presidente do Supremo Tribunal Federal, anulou a sessão de ontem do Senado presidida por Alcolumbre em causa própria.
Como candidato notório à presidência do Senado, ele não poderia ter comandado a sessão, disse Toffoli. Nem patrocinado a adoção do voto aberto no lugar do voto secreto para a escolha do presidente.
O voto é secreto, como de resto manda o regimento do Senado desde os anos 70 do século passado, determinou Toffoli. E assim sendo, aumentam as chances de Renan Calheiros (PMDB-AL) se eleger.
É o que poderá acontecer a partir das 11 horas de hoje quando for retomada a sessão interrompida ontem – desta vez sob a presidência de José Maranhão (PMDB-PB), o mais velho dos senadores e renanzista roxo.
O governo poderia ter ganhado logo de saída com a eleição de Renan, que dera claros sinais de estar disposto a comandar o Senado sem nenhuma má vontade com o governo. Vá lá: com pouca.
Renan havia até se oferecido para proteger o mandato do garoto Flávio Bolsonaro, recém-eleito senador, mas envolvido em rolos explosivos junto com seu ex-assessor Fabrício Queiroz.
Mas o governo preferiu perder. Embora tivesse telefonado na última sexta-feira a Renan para agendar um breve encontro com ele, Bolsonaro assistiu de longe o que Onyx fazia sem desautorizá-lo.
Bolsonaro não deixa de ser sócio da lambança promovida por seu ministro. Se Renan se eleger, nada lhe deverá. E talvez ainda exija a cabeça de Onyx numa bandeja de prata.
CPIs oficiais para barrar a CPI de Queiroz
Governo tenta driblar a oposição
Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) é instrumento de que se vale a oposição para infernizar a vida do governo. Mas ontem, na Câmara dos Deputados, foi o governo que promoveu o recolhimento de assinaturas para instalar cinco CPIs de uma vez sobre os mais variados temas, nenhum que lhe crie embaraços, naturalmente.
Houve uma razão para isso: barrar a possível instalação da CPI do Queiroz, destinada a investigar os rolos de Fabrício, o ex-assessor do senador eleito Flávio Bolsonaro. Uma vez que cinco CPIs se tornem possíveis, as próximas entrarão numa fila à espera que as primeiras terminem. Há mil formas de se prolongar uma CPI para evitar o funcionamento de uma nova.
Deputado pode assinar um pedido de CPI para mais tarde negociar com o governo a retirada de sua assinatura em troca de vantagens inconfessáveis. Era assim na época da chamada “velha política”, e nada sugere que deixará de ser assim nestes tempos de “nova política”. A barganha ao contrário também é comum: negar a assinatura quando é o governo que a deseja.
Mesmo deputados de primeiro mandato sabem disso. Muitos deles, eleitos por conta do seu apoio a Jair Bolsonaro recusaram-se a assinar de pronto os pedidos de CPIs chapa branca. O venerável deputado Ulysses Guimarães (PMDB) dizia que o mais inexperiente dos seus colegas era capaz de consertar de olhos vendados e usando luvas de boxe o mais delicado relógio suíço.
Definitivamente, o Congresso não é uma casa de bobos.
Ricardo Noblat: Governo de quatro
Aos cuidados de Renan
Dê no que der, hoje, as eleições para as presidências da Câmara dos Deputados e do Senado, o governo do presidente Jair Bolsonaro sairá derrotado. Os candidatos mais fortes para vencer, Rodrigo Maia (DEM) na Câmara, e Renan Calheiros (PMDB) no Senado, não foram escolhas do capitão, nem dos que o cercam no Palácio do Planalto.
Rodrigo e Renan construíram suas prováveis vitórias. Onyx Lorenzoni, ministro-chefe da Casa Civil da presidência da República, fez tudo para atrapalhar a vida dos dois. Tentou emplacar nos cargos outros nomes. E só procedeu assim porque Bolsonaro permitiu ou não ligou. Rodrigo conquistou a bancada de Bolsonaro à revelia dele. Renan, também.
O que se viu ontem à noite foi mais uma trapalhada do governo que acabou virando também um vexame. Tão logo soube que Renan havia ganhado a indicação oficial do PMDB para candidato à presidência do Senado, Bolsonaro, do hospital, telefonou para ele, parabenizou-o e pediu para encontrá-lo na próxima semana. Foi um Deus nos acuda no Congresso e no governo.
E os demais candidatos que se dizem dispostos a enfrentar Renan logo mais à tarde? Porque ao telefonar só para Renan, Bolsonaro dava por liquidada a eleição no Senado. O capitão, mesmo impedido de falar muito, começou a telefonar paras os demais candidatos à presidência do Senado e também para todos os candidatos à presidência da Câmara.
Muitos deles jamais haviam falado com Bolsonaro desde que ele assumira a presidência da República. Um deles, o senador Espiridião Amin (PP-SC), espantou-se com a ligação e contou mais tarde que Bolsonaro quis até falar com sua mulher. Sabe-se que Bolsonaro não falou com todos. Mas todos passaram a dizer que falaram com ele.
Bolsonaro cometeu o grave erro, evitado pela maioria dos presidentes que o antecederam, de não cuidar de partida de suas relações com o Congresso. Montou sua base de apoio entre os militares, seus ex-companheiros de farda e de aventura, entre os ultraconservadores que o apoiaram, entre os amigos com quem tinha dívidas, mas entre deputados e senadores, não.
Deve ter imaginado que eles acabariam do seu lado por gravidade. Ou então que poderia dar-se ao luxo de só se preocupar com eles mais adiante, faturando por enquanto imagem de um presidente empenhado em inaugurar uma nova política. Aí foi atropelado pela velha quando foram descobertos os rolos da dupla dinâmica Flávio e Queiroz.
O caso atingiu-o em cheio, tomando-lhe a bandeira da ética que lhe rendera tantos votos. Não se trata apenas de uma nova forma de caixa dois alimentado com dinheiro de funcionários de assembleias legislativas. Trata-se da suspeita de que diretamente ou por meio de Queiroz, os Bolsonaros sempre foram ligados a milicianos no Rio de Janeiro. Miliciano rouba e mata.
Rodrigo, Renan ou os que se elegerem se no lugar deles ajudarão o governo a aprovar suas principais medidas econômicas porque concordam com elas, não por deferência ou apoio incondicional ao governo. Mas discordarão de medidas para outras áreas que são igualmente tão caras aos sonhos do capitão. Aí só negociando, só cedendo, só dando algo em troca.
O mandato de Bolsonaro é de quatro anos. O de Renan, por exemplo, é de oito. Renan poderá salvar o mandato de Flávio, como já se ofereceu para fazer. Mas o filho de Renan precisa que não lhe falte dinheiro para governar Alagoas nos próximos quatro anos. Trocar a salvação de um filho pela salvação do outro até que sairia barato para Bolsonaro. Mas Renan costuma cobrar caro.
Olavo x Mourão
Quem fala pelo clã dos Bolsonaro
Nos primeiros 30 dias de um governo, nunca antes na história deste país um vice-presidente da República conseguiu tanto eclipsar o titular do cargo como está fazendo o general Antônio Hamilton Martins Mourão, de codinome “Morzão” entre jornalistas do eixo Rio-São Paulo-Brasília
Daí a revolta velada contra ele de parte da família Bolsonaro. Daí Mourão ter se tornando alvo de ataques furiosos no Facebook disparados pelo ex-astrólogo Olavo de Carvalho, mentor intelectual de Jair e, dos seus filhos, guru de hordas de bolsonaristas. Daí o incômodo do capitão recolhido a um hospital.
Foi por isso que Bolsonaro, ainda impossibilitado de falar sob o risco de complicações médicas, ter se apressado em reassumir o cargo ainda em um leito do hospital Albert Einstein, em São Paulo. Além do protagonismo de Mourão, Bolsonaro não assinaria em baixo de várias declarações feitas por ele.
Bolsonaro não seria tão cuidadoso como está sendo Mourão ao falar sobre a situação interna da Venezuela. Não teria sido compreensivo com o gesto do deputado Jean Wylys de renunciar ao mandato depois de ameaças à sua vida. E não diria que a ida de Lula ao velório do irmão seria um gesto humanitário.
No caso de Lula, além de ter faturado pontos junto à oposição, Mourão revelou-se em linha com o ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal, que autorizou a ida de Lula ao velório, embora apenas a 4 minutos de o corpo ser enterrado. A autorização perdeu o sentido.
Entre sábado e ontem no Facebook, Olavo destratou Mourão duas vezes. Como Mourão reagiu à primeira com um comentário sarcástico (“Quem se importa com as opiniões do Olavo?”), o homem que indicou os ministros das Relações Exteriores e da Educação elevou o tom de sua fúria.
Mourão voltou a apanhar de Olavo por ter recebido em audiência o embaixador palestino Ibrahim Alzeben: “Enquanto os israelenses socorriam as vítimas da tragédia de Brumadinho, o Mourão estava trocando beijinhos com a delegação palestina, prometendo que a nossa embaixada não vai mudar para Jerusalém”,
Olavo bateu mais: “Se dependermos de tipos como Paulo Chagas [que disputou o governo do Distrito Federal] e Mourão, em menos de um ano a quadrilha petista estará de volta, amparada nos serviços secretos da Rússia e da China”. Valer-se do PT para causar assombro é um clássico de Olavo. Mas quem se importa com as opiniões dele?
Bolsonaro se importa.
Ricardo Noblat: Onde estão Flávio e Queiroz?
O mais discreto dos filhos do capitão
Onde possa haver jornalistas, ou mesmo apenas a sombra de um, o deputado Flávio Bolsonaro não deve pôr os pés. Para evitar perguntas incômodas sobre os rolos de Queiroz e os seus. Flávio foi orientado assim por sábios conselheiros.
Por isso, ele nem mesmo compareceu ao hospital Albert Einstein, em São Paulo, onde seu pai foi operado ontem. A família em peso estava lá – Michele, a mulher, e os filhos Carlos, Eduardo e Renan, esse o número 4, por ora silencioso à falta de um mandato.
Há semanas que Flávio passou a engrossar a turma dos foragidos encabeçada pelo ex-motorista Fabrício Queiroz e integrada pela mulher e as duas filhas dele, ex-funcionárias do gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio, e do pai capitão em Brasília.
É um Flavio discreto, discretíssimo, que hoje se limita a postar em sua página no Twitter mensagens em sua própria defesa. Diga-se a seu favor que Flávio sempre foi o mais contido e moderado dos filhos do capitão – Renan à parte.
Ricardo Noblat: Bolsonaro magoou
A síndrome do espaço seguro
O presidente Jair Bolsonaro continua por aqui com a imprensa – à parte, naturalmente, aquela que lhe garante um espaço seguro para dizer o que quer sem ser contestado.
No dia em que poderia ter ocupado o centro do palco com sua viagem a Brumadinho e o anúncio das providências tomadas pelo governo para evitar a repetição de tragédias como aquela, ele emudeceu.
Não quis conversa com jornalistas. Evitou cruzar com eles. Embarcou e desembarcou em Brasília de cara fechada. Magoou, enfim. Não engoliu as críticas ao seu desempenho medíocre em Davos.
Mas não só por isso. Está indignado com o tratamento dado pela imprensa ao caso de Flávio. Temeu que lhe perguntassem a respeito. Naquelas circunstâncias, ninguém o faria. Preferiu não arriscar.
Ricardo Noblat: Fala aí, Moro!
Melhor do que a encomenda
Como juiz, Sérgio Moro podia e devia falar somente nos autos. Na maioria das vezes, quando falou fora dos autos, teve o bom senso de silenciar sobre os processos aos seus cuidados.
Como ministro da Justiça é diferente. Tudo o que tenha a ver com Justiça e Segurança Pública é com ele – do combate à corrupção à situação das penitenciárias. Sua palavra tem peso.
Não é um fato corriqueiro, aqui e em parte alguma do mundo, que um deputado federal renuncie ao mandato e abandone o país por sentir-se ameaçado de morte. É a negação do Direito.
A renúncia de Jean Wyllys pode ter surpreendido todo mundo, até mesmo seus assessores avisados apenas uma hora antes do anúncio. Mas o perigo que ele corria era fato público, notório e antigo.
Há pelo menos dois anos, Wyllys recebia uma ou duas ameaças por semana em seus endereços eletrônicos ou por telefone. Ele documentou várias delas e as encaminhou às autoridades competentes.
A Polícia Federal chegou a abrir cinco investigações que deram em nada. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos alertou o governo brasileiro para o que ocorria e pediu providências.
Ultimamente, o deputado vivia cercado de seguranças, só andava em carro blindado, e poucos no Rio conheciam seu endereço. A vida de Wyllys virou um inferno. Foi então que ele desistiu de viver aqui.
Não se ouviu até agora uma única palavra de Moro a respeito. Ele teve tempo para dizer que o caso de Flávio Bolsonaro não afeta a imagem do governo, mas não teve para dizer que o de Wyllys afeta a do país.
Para Bolsonaro, Moro como um dos dois guardiões do tempo (o outro é o Posto Ipiranga), está se saindo melhor do que a encomenda. A continuar assim, terá feito por merecer a indicação para uma vaga no Supremo Tribunal Federal.
Ricardo Noblat: Conta outra, Flávio!
Os rolos do senador
E o título de “Corretor do Ano” vai para… Flávio Bolsonaro, deputado estadual até outubro do ano passado quando se elegeu senador pelo Rio de Janeiro no rastro da eleição do seu pai para presidente da República.
Nas entrevistas à TV Record e à Rede TV, ontem à noite, ele contou que o título de R$ 1 milhão que pagou à Caixa em 2017 se refere à compra de um imóvel na planta da construtora PDG no valor total de R$ 1.700 mil.
O imóvel então passou a ser financiado pelo banco, do qual ele se tornou credor. Mas como a entrega do imóvel atrasou, ele o vendeu pouco tempo depois pelo valor de R$ 2,4 milhões.
Quer dizer: no período de um ano se tanto, com o mercado imobiliário em baixa por conta da crise econômica que ainda se arrasta, Flávio lucrou no negócio cerca de 40%. É de deixar os demais corretores de queixo caído.
Quanto aos 48 depósitos de R$ 2 mil feitos em espécie em sua conta entre junho e julho de 2017 em um caixa eletrônico da Assembleia Legislativa do Rio, Flávio explicou que se tratava de dinheiro dele mesmo.
Justificou que além de político ele é também empresário, e pelo visto muito bem-sucedido. Assim como Fabrício Queiroz, seu ex-assessor, comprava e vendia carros usados, Flávio comprava, vendia e trocava imóveis.
Segundo a Folha de S. Paulo, Flavio comprou entre 2014 e 2017 pelo menos dois apartamentos em bairros nobres do Rio, ao custo informado de R$ 4,2 milhões. O período coincide com depósitos suspeitos em sua conta.
Em parte das transações, registra o jornal, o valor declarado pelos compradores e vendedores é menor do que aquele usado pela prefeitura para cobrança de impostos.
Renan mata no peito
É dando que se recebe
O senador Renan Calheiros (PMDB-AL) está pronto para matar no peito qualquer pedido de CPI para investigar os negócios de Flavio Bolsonaro e de Fabricio Queiroz que venha a ser apresentado pelos partidos de oposição.
Naturalmente, desde que o governo não crie problemas para que ele se eleja presidente do Senado pela quinta vez (ou será a sexta?).
A disposição de Renan já chegou aos ouvidos do presidente Jair Bolsonaro, e muito o agradou.