Revista Veja
Ricardo Noblat: Queiroz, o operador financeiro da família Bolsonaro
O sofrido papel das primeiras-damas
Cada uma ao seu modo, e por motivos diversos, as primeiras-damas padecem tanto ou mais do que seus maridos por conta de encrencas em que eles se meteram e que elas desconheciam. Isso é especialmente verdade no caso dos presidentes da República eleitos pelo voto direto de 1989 para cá.
O primeiro foi Fernando Collor. Seu tesoureiro de campanha, Paulo César Farias, certa vez disparou uma frase que se tornaria famosa: “Madame está gastando muito”. A madame Rosane Collor não sabia que seus gastos eram pagos pelo tesoureiro com sobras do dinheiro arrecadado para financiar a campanha do marido.
Collor foi derrubado por um pedido de impeachment. Antes de ser, sua última tentativa de manter-se no poder foi a desastrada Operação Uruguai, o falso empréstimo de 3,75 milhões de dólares contraído em Montevideo para justificar as elevadas despesas do casal e tirar da história PC Farias e as sobras de campanha.
Itamar Franco, que sucedeu Collor, foi um presidente solteiro. Ruth Cardoso soube pelo marido, Fernando Henrique, que ele tivera um caso amoroso com a jornalista Miriam Dutra e que era pai de um filho dela. O caso houve. Muitos anos depois, ficou provado que o filho, reconhecido pelo presidente, não era dele.
Marisa Letícia Lula da Silva morreu de um aneurisma cerebral. Mas nos meses que antecederam sua morte sofria com a situação enfrentada pelos filhos com o avanço das investigações da Lava Jato sobre o marido. Cobrava que Lula não confrontasse a Justiça, adotando uma postura mais moderada. Não foi ouvida.
Dilma não tinha marido para chamar de “primeiro damo”. Marcela Temer, uma primeira-dama do lar, dedicada à criação do filho, foi surpreendida pela revelação de que o marido fora gravado dentro do palácio onde moravam, e depois duas vezes denunciado por corrupção. Livrou-se das denúncias, mas não de ser preso depois.
Como deverá sentir-se a primeira-dama Michelle Bolsonaro com a descoberta feita pelo Ministério Público do Rio de que sua conta bancária era abastecida com dinheiro depositado por Fabrício Queiroz, à época chefe de gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro? Talvez nem soubesse que usavam sua conta.
Foram 27 depósitos entre 2011 e 2016, num total de 89 mil reais. Em 2018, um relatório do Conselho de Atividades Financeiras apontou depósitos no valor de 24 mil. Nada transpirou, para a sorte do marido candidato. Quando transpirou, ele acabara de ser eleito. Seria pagamento de um empréstimo que fizera a Queiroz.
Meses depois, Bolsonaro corrigiu-se. Disse que emprestara a Queiroz 40 mil. Agora, ainda não disse nada sobre os 89 mil reais, nem sobre o fato de que uma parcela desse dinheiro foi depositada na conta de Michelle por Márcia, mulher de Queiroz. Os dois estão em prisão domiciliar. Deverão ser ouvidos a respeito.
Depois dessa, é difícil que se sustente a desculpa do empréstimo. Pela conta bancária de Queiroz, no período entre 2007 e 2018 quando ele foi chefe de gabinete de Flávio, passaram mais de 6 milhões de reais – 1,6 milhão de salários pagos a ele, 2 milhões de depósitos de servidores do gabinete, 900 mil sem origem.
Por que um homem com tais rendimentos precisaria tomar um empréstimo de 40 mil reais a Bolsonaro? Por que servidores do gabinete depositaram na conta de Queiroz 2 milhões de reais? Só de despesas pessoais de Flávio e de sua mulher, está provado que Queiroz pagou 286 mil reais, e sempre em dinheiro vivo.
Suspeita o Ministério Público do Rio que Queiroz foi mais do que um financiador de Flávio, pagando despesas da família inteira. Como Paulo César Farias fez com parte dos Collor. Bolsonaro, o pai, conheceu Queiroz quando ainda servia ao Exército. Ficaram amigos. Foi ele que pôs Queiroz para cuidar de Flávio.
Ao longo de quase três décadas, segundo levantamento do jornal O GLOBO, a família Bolsonaro teve 22 dos seus integrantes empregados nos quatro gabinetes de Jair, Flávio, Carlos, o vereador, e Eduardo, deputado federal. Nos de Jair, Flávio e Carlos, Queiroz empregou sete dos seus parentes desde 2006.
No slogan de sua campanha, que virou também uma marca do seu governo, o presidente Bolsonaro fala em Brasil acima de tudo, e Deus acima de todos. Está na hora de atualizá-lo para destacar também a importância da família.
Volta a assombrar o fantasma da delação dos Queiroz
De casa para a prisão
Numa deferência especial do ministro João Otávio de Noronha, presidente do Superior Tribunal de Justiça e candidato a uma vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal, Fabrício Queiroz foi tirado de detrás das grades e posto em prisão domiciliar com tornozeleira eletrônica. A mulher de Queiroz, Márcia, que fugira, reapareceu, aconselhada por Noronha a ir cuidar do marido.
Com isso, deu-se por exorcizado o demônio da delação da família Queiroz que assombrava a família Bolsonaro. Delação não só do casal, mas possivelmente de uma de suas duas filhas que foram também empregadas nos gabinetes de Flávio Bolsonaro, hoje senador, e do pai, hoje presidente da República. Ocorre que a deferência de Noronha pode estar com seus dias contados.
O relator do pedido de habeas corpus impetrado pela defesa de Queiroz é o ministro Felix Fischer, que estava de férias. Noronha, de plantão, atendeu ao pedido por meio de liminar. Recentemente, Fischer foi internado duas vezes para submeter-se a uma cirurgia, e deu-se como certo que ele demoraria a reassumir seu posto. Noronha chegou a sugerir que talvez jamais reassumisse.
Pois Fischer recuperou-se e está de volta. É um dos ministros mais rigorosos, ee não o mais rigoroso do tribunal. À espera dele está um parecer do subprocurador-geral da República Roberto Luís Oppermann Thomé, que qualifica Queiroz de “operador financeiro” do gabinete de Flávio e recomenda a sua volta à cadeia. Se isso acontecer, Márcia também irá para a cadeia.
E o demônio da delação ressurgirá.
Ricardo Noblat: Ou os Bolsonaro passarão ou o Brasil faz, sim, por merecê-los
O que está por vir depois da histórica reunião ministerial
Logo após assistir aos principais trechos do vídeo sobre a reunião ministerial de 22 de abril último, a irmã de um amigo meu escreveu nas redes sociais: “Se antes era 100% bolsonarista, agora passei a ser 200%”. E daí? Bolsonarista de raiz era Bolsonaro e continuará sendo. Jogo jogado. Jamais se imaginou o contrário.
O que se discute: se bolsonarista de ocasião, depois do vídeo, poderá deixar de ser. E se bolsonarista há muito chocado com as atitudes do presidente que elegeu, abandonará Bolsonaro depois do que viu. Em síntese: é improvável que o vídeo tenha fortalecido Bolsonaro como alguns se apressaram a dizer. O contrário é o mais provável.
Em 2022 não haverá Lula candidato. Dificilmente haverá Lula preso para que seja outra vez martirizado por seus devotos. Com toda certeza, o candidato da oposição será mais de um. O do PT, se não for Fernando Haddad, o boneco de ventríloquo de Lula em 2018, será Haddad de cara limpa e com maior independência.
Até lá, o barco em que navega o atual desgoverno já terá batido no iceberg gigantesco que Bolsonaro admitiu no vídeo estar à vista de todos, inclusive na dele: uma recessão econômica sem paralelo na História do mundo e, aqui, à sombra dos efeitos para ele deletérios das milhares de pessoas mortas pelo Covid-19.
Quem, além dos seus de carteirinha, desejará se perfilar a um candidato tão comprovadamente tóxico? Que no seu primeiro mandato governou à base do venha a mim e à minha família o vosso reino, e que seja feita a nossa vontade, amém? Incapaz de lutar contra a morte e, sequer, de recolher os corpos dos mortos na batalha?
O governo ou desgoverno de Bolsonaro teve suas vísceras expostas como nunca aconteceu na vida de outros governos, nem daqui e nem de parte alguma. Vale a pena ver o vídeo de novo. Pois uma coisa é ler a respeito, outra é assistir. E o que se viu será outras milhares de vezes visto até 2022 e explorado ao longo da campanha. Um case.
O Brasil não está refém de Bolsonaro e dos seus filhos como parece há muitos. Quando a hora chegar, se quiser, se livrará deles. Mas Bolsonaro e seus filhos estão reféns das porcarias que fizeram antes de assaltarem o poder e depois de nele se instalarem. Em comparação com o que fizeram, ainda sabemos pouco, mas se saberá um dia.
Onde está Fabrício Queiroz que pouca satisfação deu ao Ministério Público do Rio de Janeiro? Não há passarinho que não cante. Onde estão os servidores da família que, funcionários fantasmas ou de verdade, foram obrigados a devolver aos empregadores parte dos seus salários pagos com dinheiro público? O que têm a dizer?
Onde está o celular do ex-ministro Gustavo Bebbiano, demitido da Secretaria do Governo por Bolsonaro sob a pressão do seu filho Carlos, que guarda segredos capazes de fazer corar a alma dos mais sensíveis ou ferrenhos conservadores e patriotas, sem esquecer a alma das ditas criaturas limpinhas e recatadas do lar?
Ricardo Noblat: Entrevista explosiva de empresário agrava a situação dos Bolsonaro
Presidente cancela pronunciamento. Vice recolhe-se em quarentena
Quem deu ordem à Polícia Federal para suspender a operação que em meados de outubro de 2018, entre o primeiro e o segundo turno da eleição, tornaria público o envolvimento da dupla Flávio Bolsonaro-Fabrício Queiroz no caso da apropriação criminosa de parte dos salários pagos a funcionários da Assembleia Legislativa do Rio?
A Polícia Federal só age a mando da Justiça. É ela que autoriza suas operações a pedido do Ministério Público. Justiça e Ministério Público são informados quando a Polícia Federal, por alguma razão técnica, adia uma operação que tinha data marcada. Isso torna mais grave o que foi revelado hoje pela Folha de S. Paulo.
Suplente do senador Flávio Bolsonaro, o empresário Paulo Marinho contou à colunista Mônica Bergamo o que diz ter ouvido de Flávio em reunião na sua casa na quinta-feira dia 13 de dezembro de 2018. Foi na casa de Marinho que o então candidato a presidente Jair Bolsonaro gravou seus programas de propaganda eleitoral.
Uma semana antes do primeiro turno, o ex-coronel Miguel Braga, atual chefe de gabinete de Flávio no Senado, recebeu um telefonema de um delegado da Polícia Federal no Rio dizendo que tinha um assunto do interesse do senador eleito e que por isso queria encontrá-lo. Flávio preferiu mandar Braga ao encontro do delegado.
Braga voou para o Rio. Ali, na companhia de um advogado e de Val Meliga, pessoa da confiança de Flávio e irmã de dois milicianos, rumou para a Praça Mauá onde funciona a Superintendência da Polícia Federal. Do prédio, saiu o delegado que Flávio não diz o nome. Ainda na calçada, avisou a Braga mais ou menos assim:
– Vai ser deflagrada a Operação Furna da Onça, que vai atingir em cheio a Assembleia Legislativa do Rio. E essa operação vai alcançar algumas pessoas do gabinete do Flávio. Uma delas é o Queiroz e a outra é a filha do Queiroz, que trabalha no gabinete do Jair Bolsonaro em Brasília.
Aconselhou em seguida:
– Eu sugiro que vocês tomem providências. Eu sou eleitor, adepto, simpatizante da campanha [de Bolsonaro], e nós vamos segurar essa operação para não detoná-la agora, durante o segundo turno, porque isso pode atrapalhar o resultado da eleição.
Braga avisou a Flávio, que avisou ao pai, que ordenou que ele demitisse Queiroz do seu gabinete de deputado estadual e disse que faria o mesmo com a filha dele. De fato, os dois foram demitidos no dia 15 de outubro. Bolsonaro elegeu-se presidente no dia 28. A operação da Polícia Federal só foi deflagrada no dia 8 de novembro.
Àquela altura, Sérgio Moro já fora convidado para ministro da Justiça. O convite se deu entre o primeiro e o segundo turno da eleição, intermediado por Paulo Guedes. Pouco antes do primeiro turno, Moro divulgara parte da delação feita por Antonio Palocci, ex-ministro de Lula e de Dilma, com pesadas acusações contra o PT.
O que há de mais explosivo na entrevista de Marinho à Folha não é o relato da reunião com Flávio. É a revelação de que o ex-ministro Gustavo Bebbiano, demitido do governo por Bolsonaro, deixou um celular com mensagens em áudio e vídeo trocadas por ele com o presidente durante mais de um ano. Está guardado nos Estados Unidos.
O vídeo da reunião ministerial de 22 de abril, em que Bolsonaro ameaçou intervir na Polícia Federal, virou uma bombinha se comparado com o celular de Bebbiano – esse, nitroglicerina pura. A história contada por Marinho ajuda a explicar por que Bolsonaro quer há tanto tempo a Polícia Federal sob seu controle direto.
Ricardo Noblat: A última de Bolsonaro. Premiar quem deveria ser punido
Se durante a reunião ministerial de 22 de abril último, o presidente Jair Bolsonaro queixou-se de falhas na sua segurança pessoal no Rio, e não de falhas da Polícia Federal que nada tem a ver com isso pois a tarefa cabe à Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), por que diabos ele promoveu recentemente o general responsável direto por sua segurança pessoal no Rio?
Se a Polícia Federal é uma polícia judiciária que não cuida da segurança pessoal do presidente nem da sua família no Rio e em parte alguma, por que Bolsonaro demitiu seu diretor-geral, o delegado Maurício Valeixo, o que acabou provocando a saída do governo do ex-ministro Sérgio Moro? E por que o novo diretor demitiu o superintendente da Polícia Federal no Rio?
Não se premia quem se revelou incompetente – no caso, o tal general. Não se pune inocentes – no caso o diretor-geral da Polícia Federal e o superintendente da Polícia Federal no Rio. O chefe do general supostamente relapso era o delegado Alexandre Ramagem, diretor da ABIN. Pois Ramagem foi justamente a escolha feita por Bolsonaro para substituir Valeixo. Não faz sentido. Não faz.
Quanto mais mente para se defender da acusação de que tentou intervir na Polícia Federal porque desejava tê-la diretamente ao seu serviço, obediente às suas ordens, a produzir relatórios diários com informações que por lei estava proibida de fornecer, mais Bolsonaro se arrisca a ser denunciado pelos crimes de obstrução à investigação de organização criminosa e advocacia administrativa.
Mentir é como puxar da caixinha um lenço de papel. Quando se puxa o primeiro lenço, apresenta-se o segundo. Na maioria das vezes, uma mentira requer outra para manter-se de pé. E assim vai até que a caixa se esvazia. Bolsonaro já deu provas de sobra de que é um mentiroso compulsivo. Mente e é desmentido. Mente por prazer, mente por descuido, mente para se safar, simplesmente mente.
Em agosto do ano passado, ele quis trocar o superintendente da Polícia Federal no Rio. Alegou que sua produtividade era baixa. Mentiu. A produtividade era alta. O superintendente foi trocado, mas não pelo nome que Bolsonaro indicou. Inconformado, ele continuou a pressionar Moro e o diretor-geral da Polícia Federal. Deu no quê? Na grave crise política que o país assiste estupefato.
Na próxima segunda-feira, o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, terá acesso ao vídeo com a gravação da reunião ministerial de abril. E decidirá se o libera na íntegra ou com cortes para que os brasileiros o vejam. Os poucos que conhecem o vídeo estão convencidos de que sua exibição varrerá o que ainda resta de credibilidade a Bolsonaro e à sua malta.
O empenho do governo em mascarar a tragédia do Covid-19
Ela é muito maior do que os números mostram
Os generais que cercam o presidente Jair Bolsonaro são de fato ignorantes como parecem? Ou são apenas espertos que se apresentam como ignorantes para melhor servir ao chefe?
Quando o general Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria de Governo, compara o número de mortos por outras doenças com o número de mortos pelo Covid-19, o que ele esconde?
Sua esperteza? Sua ignorância? A comparação foi feita para sustentar a tese defendida por Bolsonaro de que o vírus não está matando tanto assim. Não mais do que outras doenças matam.
Nem um estudante de primeiro ano do curso de Medicina embarcaria na tese furada do ex-capitão e, agora, também do único general da ativa no governo, integrante do Estado Maior do Exército.
O Covid-19 é um vírus novo. Levará mais de um ano para que surja uma vacina contra ele. Não há vacina eficaz contra o HIV. Nem contra o Ebola. São vírus que continuam matando.
Ramos disse que 164 mil brasileiros morrem, em média, por ano, de queda, afogamento, acidente automobilístico, e outros tipos de lesões. E que nem por isso “se instaura um clima de terror”.
Nos primeiros 15 dias deste mês, o Covid-19 já matou oficialmente 8.916 pessoas. A manter-se o ritmo, serão 17.832 mortos apenas em maio, mais do que a média das causas citadas pelo general.
Entre final de março último e ontem, o vírus ceifou por aqui 14.817 vidas, 50% delas somente em uma semana. O número de casos confirmados da doença ultrapassou a marca de 218.200.
Desses, 15.205 nas últimas 24 horas. São números oficiais. Mas eles estão muito abaixo dos números reais. A essa altura, cerca de 3,5 milhões de brasileiros já foram contaminados.
É o que aponta um estudo do grupo Covid Brasil, integrado por cientistas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro e de outras instituições nacionais de pesquisa.
Enquanto Bolsonaro e seus generais tentam mascarar a realidade e detonam as medidas de isolamento adotadas por governadores e prefeitos, ela se impõe em toda a sua crueza.
Ricardo Noblat: PT flerta com o impeachment de Bolsonaro
Na contramão de Lula
Reeleita com quase 72% dos votos para presidir o PT por mais quatro anos (uma temeridade), a deputada Gleisi Hoffmann (PR) deixou entreaberta a porta que o ex-presidente Lula fechara nos discursos que fez desde que foi solto depois de 580 dias preso.
No documento final do 7º Congresso do PT realizado no fim de semana em São Paulo, foi acrescentada uma emenda que diz assim:
“A partir da evolução das condições sociais e percepção pública sobre o caráter do governo e da correlação de forças, a direção nacional do partido, atualizando a tática para enfrentar o projeto do governo Bolsonaro, poderá exigir a sua saída”.
Gleisi parece ter mudado de opinião a respeito do impeachment de Bolsonaro. Porque em março último, quando ouviu rumores de que se cogitava derrubar Bolsonaro para pôr em seu lugar o vice-presidente Hamilton Mourão, ela foi contra. E atacou:
– A cultura golpista é intrínseca à classe dominante brasileira. Impressionante!
Em 1992, o PT pediu e levou o impeachment do então presidente Fernando Collor. No segundo governo de Fernando Henrique Cardoso, pediu, mas não levou o impeachment dele. Adversários do PT conseguiram em 2016 o impeachment de Dilma.
Haddad, o candidato de Lula a prefeito de São Paulo
Ele não quer, mas...
Em conversa com um grupo de amigos há poucos dias, o ex-presidente Lula deixou muito claro o que pensa sobre a próxima eleição para prefeito de São Paulo. E todos concordaram com ele.
Lula estimulou o deputado Alexandre Padilha (PT-SP) a se candidatar – Padilha não quer. Avisou à ex-prefeita Marta Suplicy que ela poderá ser a candidata se voltar ao partido.
Marta respondeu que seu projeto é fazer Lula presidente da República de novo. Até porque sabe que o ambiente dentro do PT não é favorável a ela, para dizer o mínimo.
Se nenhum desses nomes, ou outro que surja espontaneamente até o fim do ano, mostrar-se competitivo, Lula já tem uma solução, e a revelou bem ao seu modo:
– Vai sobrar para o rabo de Haddad.
O ex-prefeito Fernando Haddad teima em não se candidatar a prefeito. Continua de olho na candidatura a presidente em 2022 se Lula não recuperar até lá seus direitos políticos.
Mas, no PT, ninguém acredita que ele poderá dizer não a Lula se o partido não encontrar outro nome com chances de disputar e de vencer a eleição para prefeito da capital paulista.
No Rio, o PT apoiará para prefeito o deputado Marcelo Freixo (PSOL). Em Porto Alegre, Manuela D’Ávila (PC do B). No Recife, acabará apoiando João Campos (PSB).
No seu berço, São Paulo, seria impensável não ter candidato próprio e forte. Portanto, cuide-se, Haddad!
Murillo de Aragão: Os bons frutos da polarização
O melhor dos mundos: reformas com democracia
Muitos no Brasil de hoje se preocupam, corretamente, com as narrativas belicosas e a polarização ideológica. Devem também se preocupar com os ataques à imprensa e o tom raivoso que predomina nas redes sociais. São tempos exacerbados que, sem dúvida, merecem a atenção de todos. Mas o Brasil não é só polarização. E, diferentemente do que se viu em outras épocas, o extremismo que se instalou aqui com o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), em 2016, veio acompanhado de um virtuoso ciclo de reformas e de modernização, iniciado no governo de Michel Temer (MDB) e com o apoio decisivo do deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara.
De forma inusitada, as eleições de 2018 trouxeram as reformas estruturais para o centro das discussões. Os principais candidatos presidenciais, em especial Jair Bolsonaro, abordaram temas que antes soavam impopulares e seriam vetados nas campanhas, como a reforma da Previdência, a diminuição do Estado e a redução da burocracia. Houve uma mudança de mentalidade no mundo político.
Ainda pagamos a conta pelo desgoverno da ex-presidente Dilma, em especial no que tange aos aspectos fiscais e regulatórios. Mas, estruturalmente, o Brasil está muito melhor. O saldo das reformas aprovadas na legislatura passada do Congresso é impressionante. Temas espinhosos nunca abordados foram enfrentados sem receio, como o teto de gastos, a Lei da Terceirização, a nova Lei das Estatais e a reforma trabalhista. Os marcos dos setores elétrico e de óleo e gás foram renovados, e iniciou-se, com o apoio do Legislativo e do Judiciário, um intenso programa de concessões e privatizações. Mesmo em meio ao tiroteio político e à polarização exacerbada de posições que continuaram na ordem do dia após as eleições, o que havia ficado pendente em 2018 avançou de forma consistente em 2019. Além da reforma previdenciária, pautas relevantes como a cessão onerosa dos campos de petróleo, uma nova Lei de Telecomunicações, a Lei da Liberdade Econômica e o cadastro positivo foram sancionadas.
Apesar da temperatura elevada, temos instituições fortes e responsáveis
Enfim, o ano que se encerra foi extremamente produtivo para mudanças estruturais que podem inaugurar um ciclo virtuoso de crescimento econômico. A depender, obviamente, de uma boa pilotagem da equipe econômica, tendo em vista assegurar que as reformas aprovadas tragam consequências positivas para o ambiente de investimentos. Sobretudo no capítulo da desburocratização e simplificação do sistema tributário.
O paradoxal de tudo isso é que o avanço das reformas tem se dado em clima de polarização, o que lembra os anos 1950 e o início dos anos 1960, que culminou no movimento que derrubou o governo Goulart. As narrativas radicalizadas autorizam alguns a temer por um retrocesso democrático. Não creio nisso. Apesar da temperatura elevada, temos instituições fortes, atuantes e responsáveis, além de múltiplos atores e agremiações políticas comprometidos com a democracia. Inclusive os militares. O país demonstra maturidade ao avançar nas reformas respeitando a democracia mesmo em ambiente de polarização. E isso, acima de tudo, deve ser reconhecido, valorizado e preservado. Reformas com democracia é do que o país precisa.
Ricardo Noblat: A regra vale para todos ou então para ninguém
Por que uns podem e outros não?
Curioso!
Bolsonaristas, mas não só, cobraram tanto do The Intercept que revelasse suas fontes de informação sobre as conversas dos procuradores da Lava Jato.
Por que não cobram da Folha de S. Paulo e do jornal Globo que também revelem as fontes lhes deram os áudios de Queiroz? Nesse caso, dá-se como compreensível que os jornais não revelam.
Não são obrigados a fazê-lo. A lei não exige isso deles. De resto, se revelassem, dificilmente teriam acesso a informações sigilosas que só são repassadas à imprensa mediante o compromisso do sigilo.
As mesmas regras servem para que sites jornalísticos preservem a identidade de suas fontes de informação. Então por que se cobra do The Intercept o que não se cobra da imprensa tradicional?
Com a palavra, bolsonaristas e aliados deles, assumidos ou disfarçados. O ex-juiz Sérgio Moro, que acusou o The Intercept de sensacionalismo, poderia dizer o que pensa a esse respeito.
A exemplo de Moro, a defesa de Flávio Bolsonaro disse que não teve acesso aos áudios de Queiroz e que não pode confirmar a autenticidade do material.
O pavor que Queiroz infunde aos Bolsonaros
Pedido de socorro
Há farta munição guardada por aí e capaz de produzir sérios estragos nas pretensões dos Bolsonaros. Será disparada aos poucos, de forma calculada, para provocar maior sofrimento.
Uma família que fala pelos cotovelos, e também pelas redes sociais, deixa rastros à beça. O que foi bom para ela no passado recente e ainda parece ser bom, poderá ser muito ruim no futuro próximo.
Talvez seja por isso que o pai e os três filhos recolheram-se ao silêncio desde que começaram a vazar áudios de conversas entre Fabrício Queiroz e interlocutores desconhecidos até aqui.
Somente advogados têm saído em socorro deles. Mais precisamente em socorro do senador Flávio Bolsonaro, ex-chefe de Queiroz, de quem se aproximou por ordem expressa do pai.
Flávio e Queiroz estão metidos no escândalo da rachadinha na Assembleia Legislativa do Rio. Era Queiroz que empregava, ali, funcionários fantasmas e subtraía parte do salário deles.
Os dois estavam sendo investigados pelo Ministério Público Federal até que o ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal, disse basta. Desde então Flávio anda caladinho.
Queiroz começou a falar. O que ainda não se sabe é se foi ele próprio que deu um jeito de vazar o que andou dizendo. Ou se foi traído por um dos que o escutavam em um grupo de WhatsApp.
A traição é grave. Mas a eventual simulação por parte de Queiroz seria muito mais. Queiroz disse que se sente abandonado, enquanto Adélio Bispo, autor da facada em Bolsonaro, estaria superprotegido.
Pior: Queiroz contou que Bolsonaro, possivelmente antes de se eleger, telefonou para ele e afirmou que iria demitir uma funcionária fantasma do gabinete do seu filho Carlos, o vereador.
A funcionária havia sido descoberta pela imprensa. Mantê-la como falsa empregada do filho criaria problemas para Carlos e para ele também. À época, Queiroz já estava na mira do Ministério Público.
Essa é a história mais cabeluda que Queiroz deixou escapar com suas inconfidências. Porque mostra que Bolsonaro sabia do esquema de rachadinha nos gabinetes de Carlos e de Flávio.
Os áudios de Queiroz acenderam a luz vermelha no círculo estreito dos Bolsonaros e dos seus parentes mais próximos. Queiroz pediu socorro para não cair na tentação de delatá-los.
Dois presidentes improváveis obrigados a conviver
Fernández e Bolsonaro
Aberto Fernández, 60 anos, professor de Direito, foi vereador em Buenos Aires e nada mais pelo voto em sua vida até se eleger, ontem à noite, presidente da Argentina no primeiro turno.
Jair Bolsonaro, 65 anos, ex-capitão do Exército, foi deputado federal ao longo de 28 anos e nada mais pelo voto até se eleger presidente do Brasil em outubro do ano passado no segundo turno.
Fernández veio da direita para a esquerda. Alguns acham que ele não chegou a tanto. Com boa vontade, à centro esquerda. Bolsonaro sempre foi de extrema-direita e faz questão de nela permanecer.
Nem o mais sonhador dos peronistas teria sido capaz de imaginar há três anos que Fernández acabaria por encabeçar uma chapa com a ex-presidente Cristina Kirchner de vice.
Ele foi chefe do gabinete dela na Casa Rosada até que os dois se desentenderam. Por quase 10 anos não trocaram uma palavra. E Fernández tornou-se um dos mais duros críticos de Cristina.
Bolsonaro não precisou brigar com ninguém, nem reconciliar-se com ninguém para ser candidato à sucessão de Michel Temer. Reuniu os filhos, deu ordem unida e saiu em campanha.
Empenhado em construir uma alternativa para o peronismo sem Cristina, Fernández convenceu-se ou foi convencido de que o melhor seria compor-se com ela desde que isso fosse possível.
A princípio, Cristina não admitia vê-lo nem que ele reluzisse a ouro. Depois, ré em 12 processos por corrupção, ela finalmente admitiu que sua reeleição seria difícil e concordou em lançar Fernández.
Se tivesse dependido de Bolsonaro, Maurício Macri, que cederá a Casa Rosada a Fernández, teria sido reeleito. Bolsonaro tentou interferir várias vezes na eleição argentina. Sem sucesso.
Se dependesse de Fernández, Lula já estaria livre a essa altura. Ontem, pela manhã, Fernández saudou Lula no Twitter. À noite, no seu discurso de vitória, gritou “Lula livre” e foi aplaudido.
Fernández se elegeu porque Macri falhou na promessa de tirar a Argentina do buraco econômico em que Cristina a deixara. Hoje, a situação da Argentina é muito pior.
Sem programa de governo, sem ter feito campanha depois da facada que levou, Bolsonaro se elegeu por conta da crise econômica legada por Dilma e dos escândalos de corrupção do PT.
Na Argentina, o peronismo está em cartaz desde os anos 40 do século passado. No Brasil, o bolsonarismo é invenção recente. Só se afirmará como um fenômeno se vencer outra vez em 2022.
O Brasil e a Argentina são históricos parceiros. Juntos representam 63% da área total da América do Sul, 60% da sua população e 61% do seu Produto Interno Bruto.
No comércio, a Argentina é o terceiro maior parceiro do Brasil. Só perde para a China e os Estados Unidos. E o Brasil é o maior parceiro comercial da Argentina.
O peso econômico que cada um representa para o outro deverá se sobrepor às diferenças políticas entre os dois presidentes improváveis que serão obrigados a conviver em breve.
Bolsonaro estendeu as mãos para os árabes depois de ter dito que sua afinidade era com Israel. E foi à Pequim negociar com os comunistas apesar de repetir que o comunismo ameaça o mundo.
Em meados de 2017, o grupo terrorista Estado Islâmico já havia destruído 12 sítios arqueológicos no Iraque, assim como uma mesquita de mais de 800 anos na cidade de Mossul.
Mas sempre que encontrava arcas carregadas de dólares nesses e em outros lugares, o grupo as preservava intactas. Nem terrorista é louco para rasgar dinheiro.
Dora Kramer: Lula solto
Preso, exercita a mitologia; livre, vai se ver com a realidade
Cedo ou tarde Luiz Inácio da Silva terá de sair da situação de restrição de liberdade em que se encontra. O termo “cadeia” não se aplica, está mesmo a léguas de distância das instalações da Polícia Federal onde Lula tem televisão, geladeira, se exercita na esteira, recebe visitas ilustres, dá entrevistas, divulga comunicados de orientação política ao PT, contesta o que acha que deve ser contestado em seus processos, emite julgamento sobre seus julgadores, tem, enfim, regalias de que nenhum outro condenado dispõe até porque é o único ex-presidente da República a viver em semelhante condição.
Em se tratando de Lula, tudo é sempre muito peculiar. Porta-voz do lema “Nunca antes neste país”, é o ineditismo em pessoa, tenha tal conceito o significado que melhor convier ao gosto do freguês. De todos os investigados no esquema de corrupção na Petrobras, foi o único a causar impacto quando alvo de operações de busca por documentos em sua residência e a provocar comoção por ocasião da condução coercitiva para prestar depoimento em processos na Lava-Jato.
Ali se fizeram as previsões mais tenebrosas sobre as possíveis consequências do tratamento dado pela Polícia Federal e pela Justiça ao ex-¬presidente. Nada aconteceu. De novo se desenhou no horizonte um cenário de perturbação social quando da decretação da prisão após a condenação em segunda instância no caso do apartamento no Guarujá, uma gentil oferenda da empreiteira OAS. Chegou-se a falar em revolta popular em seguida, à luz dos fatos circunscrita às imediações do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e depois ao acampamento no entorno da sede da PF em Curitiba.
Nesse tempo em que o Supremo Tribunal Federal voltou a examinar a questão da prisão após sentença confirmada em segundo grau e de decisões passíveis de anular a condenação no caso do tríplex, voltam à cena as conjecturas. Desta vez sobre o papel a ser exercido por Lula na política, em particular a influência dele nas disputas de 2020 e 2022. Pesquisa Veja/FSB, publicada na edição anterior, mostra o ex-presidente como o nome eleitoralmente mais viável entre os antagonistas de Bolsonaro localizados à esquerda.Até aí, nenhuma surpresa. Inclusive porque ele não é o mais forte; é o único nesse campo capaz de competir em boa situação. Algo que para Bolsonaro seria a composição dos sonhos numa campanha, para repetir o enfrentamento que o levou à Presidência. Mas a realidade é um tanto diferente do mundo dos números de pesquisas colhidas quando ainda há um volume oceânico de metros cúbicos a passar por baixo da ponte e inúmeros obstáculos a ser superados antes de se considerar de maneira racional Lula como uma força real e objetiva, para além da mitologia.
No aspecto jurídico, o petista continuará inelegível mesmo que saia da sala da PF em decorrência da derrubada da prisão depois da segunda instância. Voltará a ter ficha eleitoral limpa só no caso de uma outra decisão do Supremo vir a anular a sentença de Sergio Moro no processo do apartamento. Ainda assim, o ex-presidente responde a mais oito ações, cujo andamento pode novamente lhe suprimir a liberdade e/ou a elegibilidade. Tantos processos desautorizam maiores otimismos.
Agora, ao universo da política e dos fatos. É nele que Lula terá de transitar depois de libertado. Pois é justamente nesse mundo que ele já não vinha transitando bem havia tempo, muito antes da prisão e desde que se agravou sua situação na Justiça com repercussão na política. O ex-¬presidente não frequentava — nem falava em — ambiente que não fosse de convertidos ao seu altar do petismo mais exacerbado. Entrevistas só para simpatizantes, e circular em público nem pensar.
De uma pessoa tão importante e querida seria de esperar que andasse por aí a desfrutar a popularidade. No entanto, nunca se viu Lula em restaurantes, cinemas, teatros, aeroportos nem em estádios em jogos de seu amado futebol. Incomparavelmente menos festejado nas pesquisas, Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, vai a todo lugar e fala em toda parte sem restrições desde que deixou a Presidência.
E o discurso do Lula livre, será como disse outro dia o do pacificador? Incongruente com a autoria da dinâmica do “nós contra eles”, cuja consequência tem hoje assento no Palácio do Planalto. Preso, pode exercitar a intransigência típica dos carismáticos. Quando exige absolvição total soa convicto, algo a ser lido como “ele deve ter razão”. Solto, terá de se ver com a realidade, por vezes uma madrasta.
Ricardo Noblat: Vem por aí uma ampla reforma ministerial
Começar de novo
Antes de se internar para ser operado, o presidente Jair Bolsonaro autorizou ministros que o cercam mais de perto a esboçarem uma ampla, geral e irrestrita reforma ministerial que ele quer deflagrar logo depois da aprovação pelo Senado da nova Previdência e do nome de Augusto Aras para a Procuradoria Geral da República.
Nem Bolsonaro está satisfeito com o governo, e ao fraco desempenho da equipe atribui sua queda nas pesquisas de opinião. Aqueles tidos no passado como superministros, Paulo Guedes e Sérgio Moro, poderão escapar da degola, mas nem mesmo eles têm lugar garantido. Vai depender de acertos que fizerem com o capitão.
Guedes não entregou o que prometia – sinais convincentes de recuperação da economia. Ela patina. E Moro… Sabe como é. Bolsonaro está convencido de que Moro quer sucedê-lo. Ficará no governo se não resistir a mudanças na Polícia Federal. Do contrário, Bolsonaro já tem um general para substitui-lo.
O ministro da Educação tem tudo para ir dançar na chuva longe de Brasília. Bolsonaro admite que errou ao escolhê-lo, como antes havia errado na escolha do ministro que o antecedeu. Por mais que goste de Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, Bolsonaro acha que ele já deu o que poderia dar.
É o caso também de Onyx Lorenzoni, o chefe esvaziado da Casa Civil da presidência da República. Ele poderá voltar para a Câmara dos Deputados como líder do governo. Ao general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional, talvez uma embaixada caísse bem.
Osmar Terra, ministro da Cidadania, Desenvolvimento Social, Esporte e Cultura, é outro que perderá com a reforma. Se não deixar de ser ministro, perderá a Cultura para o Ministério da Economia, e o comando do programa Bolsa Escola para a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves. Damares segue firme como uma rocha.
As informações são do TAG Reporter, relatório semanal das jornalistas Helena Chagas e Lydia Medeiros.
A incerta viagem do capitão a Nova York
Saúde acima de tudo
Antes de ser operado mais uma vez, o presidente Jair Bolsonaro anunciou que iria a Nova Iorque “nem que seja de cadeira de rodas” para falar no próximo dia 24 em nome do Brasil na abertura de mais uma Assembleia Geral da ONU.
Na semana passada, depois de uma visita relâmpago a Bolsonaro no hospital, o general Hamilton Mourão Filho, no exercício da presidência da República, assegurou que o capitão estaria em perfeitas condições para viajar.
Não é bem assim. Segundo os médicos que cuidam dele, embora sua recuperação seja boa, Bolsonaro só será liberado para viajar em cima da hora. Eles não querem que o presidente corra risco algum. A viagem para Bolsonaro não é questão de vida ou morte.
Ele sabe que enfrentará um clima hostil na Assembleia depois que atacou o presidente francês e sua mulher e se desentendeu com outros presidentes europeus por conta da Amazônia. Teme uma retirada em massa de diplomatas durante seu discurso.
De resto, militantes da questão ambiental estão nos cascos para recepcioná-lo com faixas, cartazes e muito barulho. Só com a saúde tinindo ele enfrentará o que lhe aguarda.
Ricardo Noblat: É dando que se recebe
O sonho do filho custará caro
A aprovação da reforma da Previdência Social pelo Senado são favas contadas. Mas a aprovação ao nome de Eduardo Bolsonaro para embaixador do Brasil em Washington custará caro.
Davi Alcolumbre, presidente do Senado, já informou a Bolsonaro que há votos bastante para aprovar a indicação do Zero Três, tanto na Comissão de Relações Exteriores quanto no plenário.
Mas… Mas Bolsonaro, segundo Alcolumbre, não deve esperar tanta boa vontade dos senadores se não lhes der algo em troca. Cargos no governo até que seria bom, mas tem coisa melhor.
Os ministérios não se queixam – e com razão – que seus orçamentos para este ano serão pequenos, mas que os do próximo serão ainda menores? E então? É por aí.
Que Bolsonaro peça ao Congresso a aprovação de um crédito suplementar e que parte do dinheiro seja destinada ao atendimento das emendas parlamentares ao Orçamento da União.
São dessas emendas que vivem senadores e deputados. Precisaram que sejam pagas para irrigar suas bases eleitorais com pequenas obras. Haverá eleições municipais em 2019.
Velha ou Nova Política, é dando que se recebe.
Os erros que Bolsonaro quer corrigir
Cabeças a prêmio
Quando Lula foi eleito presidente em 2002, pediu conselhos a José Sarney. Com mais de 50 anos de poder, o ex-presidente respondeu que presidente da República não precisa de conselhos, mas lhe deu um:
– Há três cargos nos quais você não pode errar de jeito nenhum: o diretor da Polícia Federal, o secretário da Receita e o procurador-geral da República.
Tempos depois, Lula desabafou com Sarney:
– Aquela nossa conversa não me sai da cabeça. Errei nos três.
(A informação está na mais recente edição do TAG Reporter, das jornalistas Helena Chagas e Lydia Medeiros.)
Bolsonaro já errou em dois: na escolha do Diretor da Polícia Federal que deixou a cargo do ministro Sérgio Moro, e na escolha do Secretário da Receita que deixou a cargo do ministro Paulo Guedes.
A cabeça do Diretor e a do Secretário está a prêmio.
Só o futuro dirá se ele acertou ao indicar Augusto Aras para a Procuradoria-Geral da República. Parte dos seus devotos acha que Bolsonaro errou.
Um Rivotril para Paulo Guedes
Arrogância no calçadão
Conta o jornalista Ancelmo Gois, em sua coluna desta segunda-feira no jornal O Globo, que o ministro Paulo Guedes, da Economia, passeava ontem à tarde no calçadão do Leblon, no Rio, quando uma pessoa de um grupo gritou, referindo-se ao comentário dele sobre a aparência da primeira-dama francesa Brigitte Macron:
– Que feio, hein, ministro. Que vergonha!
Guedes juntou-se ao grupo e disse:
– Foi muito feio. Na verdade, coisa de brasileiro.
Conversa vai, conversa vem, e antes de afastar-se do grupo, o ministro ameaçou:
– Na terceira abordagem como essa, eu largo tudo e vou embora. E aí vocês vão ver o que é bom, como é que fica.
Guedes errou duas vezes. A primeira ao atribuir a “coisa de brasileiro” seu comentário grosseiro e machista sobre Brigitte. A maioria dos brasileiros é diferente dele.
O segundo erro foi o de julgar-se insubstituível no governo. Sem ele, as coisas ficariam mal. Nem o presidente da República é insubstituível, como provam os fatos conhecidos.
Guedes se comporta como se fosse o único bombeiro capaz de apagar os incêndios que Bolsonaro tenta atear quase diariamente. Há outros bombeiros no governo – e todos malsucedidos.
O Posto Ipiranga que Guedes pareceu ser um dia está mais para uma lembrança do passado.
Ricardo Noblat: O povo e o direito de saber
Apure-se tudo
Ou se prova a falsidade das mensagens trocadas pelo então juiz Sérgio Moro com procuradores da Lava Jato na condução do processo que condenou Lula, ou elas continuarão valendo, quer os hackers detidos pela Polícia Federal as tenham ou não repassado ao site The Intercept.
O site reafirma a veracidade das mensagens. A Folha de São Paulo e a VEJA que as examinaram e publicaram, também. Senadora citada em uma delas admite a autoria do que escreveu e endereçou a Moro. O ex-juiz já pediu desculpas por referência feita em uma das mensagens.
Não é crime publicar informações obtidas por meios controversos. Os famosos Documentos do Pentágono, que contavam a história da guerra do Vietnã nos anos 60, foram subtraídos por um professor e publicados pelos jornais The New York Times e Washington Post.
O governo americano tentou embargar a publicação. Alegou que eram documentos secretos e que a segurança nacional estava em jogo. A Suprema Corte dos Estados Unidos deu razão aos jornais. Tudo que seja de interesse público pode ser revelado.
Esse é também o entendimento por aqui do Supremo Tribunal Federal com base na Constituição. Liberdade de imprensa não é direito dos jornalistas e dos seus patrões. É direito de cada cidadão em uma democracia. Moro pensava assim ou ainda pensa.
Foi com base nisso que ele vazou uma conversa entre a então presidente Dilma e Lula grampeada depois de esgotado o prazo fixado por ele para tal fim. Na ocasião, duramente censurado pelo ministro Teori Zavascki, do Supremo, Moro limitou-se a pedir desculpas.
Espera-se que a Polícia Federal vá fundo nas investigações sobre os hackers que copiaram o conteúdo dos celulares de cerca de mil pessoas, segundo Moro, que se apressou em sugerir que possam ter sido eles que forneceram ao Intercept o que vem sendo conhecido a conta gotas.
Temos o direito de saber tudo – por que hackearam? Com qual objetivo? Espontaneamente ou a mando de quem? Ganharam alguma coisa com isso? Se ganharam quem pagou? Se foram pagos para isso como receberam? Aonde?
Temos também o direito de saber quem matou e quem mandou matar a vereadora Marielle Franco. E onde está Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro. E de por que cheques passados por ele foram parar na conta da mulher do presidente da República.
O preço da reforma da Previdência
Sobre a velha e a nova política
Nenhum dos deputados que votou a favor da reforma da Previdência receberá abaixo de R$ 30 milhões em liberação de emendas ao Orçamento da União para a construção de obras em sua base eleitoral.
Em média, o governo prometeu pagar R$ 40 milhões por cada voto. Parte da dinheirama já foi empenhada. Falta a maior parte. A distribuição de cargos não entrou no negócio. Ficou para ser feita em futuras votações.
O pagamento de emendas é obrigatório, quer o parlamentar (deputado ou senador) vote como o governo quer ou não. Mas o governo sempre dá um jeito de beneficiar os que o obedecem em detrimento dos outros.
A Câmara dos Deputados votará a reforma em segundo turno tão logo volte das férias. Depois será a vez do Senado. Há muito jogo ainda pela frente, e muito dinheiro a ser desembolsado.
Ricardo Noblat: Governo da família
General cede lugar a major
A ala militar do governo levou mais uma lapada do presidente Jair Bolsonaro com a escolha do major da reserva da Polícia Militar do Distrito Federal Jorge Antônio de Oliveira Francisco para a Secretaria-Geral da Presidência, em substituição ao general da reserva Floriano Peixoto.
O que credenciou o major a ser promovido a ministro foi sua estreita ligação com a família Bolsonaro há muito tempo. O pai dele serviu por 20 anos ao então deputado Jair Bolsonaro. E Jorge Antônio de Oliveira Francisco ao deputado Eduardo Bolsonaro, o Zero 3, durante os últimos 10 anos.
O novo presidente do BNDES morou no mesmo prédio de Bolsonaro, pai, e é amigo dos seus filhos. Contou com o apoio deles para chegar aonde chegou. Carlos, o Zero 3, é o mais feliz com sua ascensão. É Carlos o que mais cobra uma devassa nas contas do banco para provar que o PT se beneficiou dele.
A nomeação do major é mais um sinal inquestionável de que os garotos e o seu guru, o autoproclamado filósofo Olavo de Carvalho, arrombaram a porta do governo derrotando todos os que a eles se opunham.
Vem mais bala por aí
Alerta geral
O site The Intercept guarda munição a ser disparada contra outros portadores de togas, e também procuradores da República para além do primeiro escalão da Operação Lava Jato no Paraná.
O Rio de Janeiro será tratado como um caso especial quando novos documentos forem revelados.