Revista IstoÈ

Marco Antonio Villa: Bolsonaro e a extrema direita

Voto de protesto, em 2018, acabou sendo canalizado para candidaturas que ocultavam a perspectiva reacionária

Marco Antonio Villa / Revista IstoÉ

A extrema-direita brasileira veio para ficar. Nada indica que seja um fenômeno passageiro. Pelo contrário, sempre esteve presente nas bordas do sistema político. Não era levada a sério, era motivo de riso e de desprezo. Eventualmente obtinha algum êxito eleitoral, mas em momento algum ditou os rumos do País, de um estado ou, sequer, de um município.

Os acontecimentos da segunda década deste século permitiram que o que era considerado uma excrescência se transformasse em um ator importante na cena política. Vale ressaltar que o extremismo nativo tem tinturas de nazifascismo combinado com o velho reacionarismo brasileiro. Em meio ao processo, que nasceu nas ruas, do impeachment de Dilma Rousseff, os extremistas, de forma oportunista, entraram no vácuo e ocuparam um espaço que não era deles. E isto ficou claro quando das eleições de 2018 acabaram sendo eleitos parlamentares de extrema-direita em quantidade nunca vista na história republicana.

Tudo indica que nas próximas eleições deverá ocorrer uma sensível alteração na composição dos parlamentos, especialmente. E o espaço da extrema-direita estará bem reduzido. O voto de protesto, em 2018, acabou sendo canalizado para candidaturas que, sob a capa democrática, ocultavam a perspectiva reacionária. O fracasso, neste ano, das mobilizações bolsonaristas, demonstraram que a tendência é de acentuada diminuição da extrema-direita no primeiro plano da cena política. O desgaste do governo Bolsonaro colabora, em muito, para isso. Mas o agravamento da crise econômica é um importante fator. Deve também ser recordado que o extremismo não conseguiu produzir intelectuais orgânicos e estruturas permanentes de intervenção, como partidos e organizações de massa. A ação da extrema-direita, neste sentido, sem organização e planejamento, apontou para um esgotamento das mobilizações. Não se imagina que até, no mínimo, o início do processo eleitoral de 2022, possa ocorrer manifestações tais quais as de Sete de Setembro. É provável que os extremistas concentrem sua atuação na construção de candidaturas que possam manter o espaço que conquistaram em 2018. Nada indica que isso possa ocorrer. A tendência é um sensível enfraquecimento da extrema-direita, mas a sua permanência no processo político eleitoral como força política minoritária, e sempre perigosa ao Estado Democrático de Direito.

Fonte: Revista IstoÉ
https://istoe.com.br/bolsonaro-e-a-extrema-direita/


Murillo de Aragão: O jogo da polarização

As mudanças nas regras eleitorais em 2015, ainda vigentes, fizeram em 2018 a campanha eleitoral durar apenas 45 dias, em vez de noventa. Além disso, foram banidos os financiamentos empresariais de campanhas e estabelecido um teto de gastos por tipo de candidatura.

Outra consequência importante de tais mudanças foi dar maior relevância aos potenciais candidatos no período pré-­eleitoral. É o que está acontecendo agora. No Congresso e nos partidos e, obviamente, na Presidência da República, a pré-campanha já está em curso.

Mas enquanto o debate sucessório toma o mundo político, o eleitorado ainda se mantém distante do tema. A Covid-19 e o desemprego são questões prioritárias e decisivas para a escolha do próximo presidente em 2022. E o debate midiático sobre a política ainda não causa efeito mobilizador entre o eleitorado.

No momento, dois presidenciáveis largam na frente. O primeiro é Jair Bolsonaro, que, pela força do cargo, tem condições de impor sua narrativa, o que, naturalmente, terá grande repercussão. Além disso, Bolsonaro conta com forte apoio nas redes sociais. Embora outros presidenciáveis também façam uso dessas mídias, só ele possui militância engajada com capacidade de disseminar conteúdo nas redes.

“Um problema do centro político é que, quando se tem muitos candidatos, na verdade não se tem nenhum”

Quem também leva vantagem na pré-campanha é o ex-presidente Lula (PT). Apesar de o Lula de hoje não ter, por exemplo, a força do Lula de 2010, quando foi o maior responsável pela eleição de Dilma Rousseff, ele mobiliza a maior parte das esquerdas. Sem contar que parte significativa do eleitorado, sobretudo no Nordeste, e os segmentos de menor renda têm uma lembrança positiva de seu governo no campo econômico e social.

As demais opções — João Doria (PSDB), Eduardo Leite (PSDB), Tasso Jereissati (PSDB), Ciro Gomes (PDT), Luiz Henrique Mandetta (DEM), João Amoêdo (Novo), Luciano Huck e Sergio Moro — não estão apresentando narrativa consolidada nem militância partidária ou digital engajada.

No centro político existe uma dúvida sobre se o engajamento eleitoral deve ser antecipado. Tal dúvida se fortalece pelo fato de não haver um candidato natural que aglutine as forças de oposição. Quando se tem muitos candidatos, na verdade não se tem nenhum. É o caso. Nenhum dos nomes acima aglutina, e a luta por uma frente ampla contra Bolsonaro e Lula parece difícil de ser construída. Mas isso não deixará de ser tentado.

Enquanto o centro político está desorganizado e parte do Centrão já foi cooptada por Bolsonaro, o que deve acontecer nos próximos meses? Enquanto se tenta uma frente ampla contra Bolsonaro e Lula, eles devem tentar rachar o centro tendo em vista neutralizá-lo. A desunião do centro interessa tanto a Lula quanto a Bolsonaro.

Não à toa a estratégia preferencial de Lula é manter Bolsonaro sob pressão, sem, porém, que ele seja inviabilizado pela CPI da Covid: que ele se mantenha no poder, mas enfraquecido. Já Bolsonaro aposta que seu adversário ideal é Lula, uma vez que acredita que o antipetismo forçaria o eleitorado centrista a escolhê-lo. Sendo assim, a polarização acirrada interessa a ambos, ainda que não necessariamente ao país.

Publicado em VEJA de 19 de maio de 2021, edição nº 2738

Fonte:


Marco Antonio Villa: O suicídio de uma nação?

A política externa do governo Bolsonaro transformou o Brasil numa espécie de África do Sul, na época do Apartheid

O Brasil passa pela crise mais grave da história republicana. Não há nada que se compare ao desastre representado pelo governo Jair Bolsonaro. A crise sanitária avança a cada dia e a tendência é que permaneça por boa parte do ano tendo em vista a dificuldade das autoridades de impor, com eficácia, o isolamento social. O maior aliado do coronavírus é Bolsonaro e suas sucessivas ações e declarações que desmoralizam o protocolo estabelecido pelo próprio Ministério da Saúde. A ampliação do número de infectados e de óbitos, além da extensão no tempo da epidemia, deve deixar um rastro de destruição que vai perdurar por alguns anos, principalmente nas comunidades mais pobres.

À crise sanitária deve ser acrescentada a crise econômica. Seus efeitos devem se estender a 2021. O efeito vai ser devastador levando ao fechamento de milhares de empresas e a uma fabulosa taxa de desemprego. Para piorar, há uma séria crise político-institucional. Bolsonaro faz do ataque às instituições o seu passatempo favorito. E ao afrontar os outros dois poderes estimula seus adeptos a comportamentos que se assemelham às milícias nazi-fascistas.

Além das tensões internas, o governo Bolsonaro patrocina ações externas lesivas ao interesse nacional. Hoje o Brasil é uma espécie de África do Sul na época do Apartheid. Estamos isolados na comunidade internacional. A pecha de país pestilento, onde o chefe do governo age de forma irresponsável, sem paralelo no mundo democrático, já percorre o planeta. Sem exagero, poderá ocorrer de brasileiros terem de passar por uma quarentena ao chegar, por exemplo, a Europa. E nisto estão incluídos não só os turistas, como os empresários.

Pior será se transformarem — e nossos concorrentes estão à espreita — as nossas exportações (do agronegócio, especialmente) em mercadorias que podem estar também contaminadas. Também dificilmente será aprovado o acordo da União Europeia com o Mercosul e a China deve retaliar o Brasil comprando menos e diversificando seus fornecedores de carnes e grãos. No primeiro caso, a Europa está estarrecida com o comportamento de Bolsonaro nos campos sanitário e político; no segundo devido ao xenofobismo anti-chinês de vários membros do governo, a começar pelo Presidente. Só temos uma saída: o impeachment de Bolsonaro. Se ele não consegue comandar o Brasil em plena pandemia, o fará no momento da reconstrução, quando precisaremos, principalmente, de estabilidade política?


Murillo de Aragão: Mulheres e democracia

Países que respeitam mulheres e asseguram seus direitos e sua participação na política são mais democráticos? Sem a menor dúvida. Países autoritários tendem a restringir os direitos das mulheres, impondo barreiras concretas e sub-reptícias ao papel delas na sociedade e, sobretudo, na política.

Alguns países alegam razões religiosas. Outros nada alegam porque neles sempre foi assim. É humilhante para o ser humano ver uma mulher coberta de negro da cabeça aos pés andando alguns passos atrás de um homem. Nada justifica isso. Deus não aprovaria tal submissão.

No mundo, as mulheres estão avançando na política. Ocupam mais de 20% dos assentos nos parlamentos. Ainda é pouco, mas é o dobro do que existia 20 anos atrás. No Brasil, contudo, ainda estamos muito atrasados. Devemos impor medidas mais radicais, por exemplo, alocando metade das vagas de ministros das Cortes superiores para mulheres.

O mesmo deveria valer para o ministério no Poder Executivo e para os órgãos colegiados. Os concursos públicos deveriam reservar vagas proporcionais para homens e mulheres. E o exemplo deveria começar no governo federal e seguir como regra de ouro para estados e municípios.

Vale recordar que no Brasil pouco funciona a Lei nº 12.034/09, que impôs aos partidos e às coligações o preenchimento do número de vagas com, no mínimo, 30% de mulheres. Como forma de preencher a cota destinada a elas, algumas legendas promovem o lançamento de candidatas “fantasmas”, o que não contribui para o aumento da participação feminina na política.

Com o intuito de evitar manobras como essas, o Supremo Tribunal Federal derrubou em março a regra que estabelecia o limite mínimo de 5% e máximo de 15% do montante do Fundo Partidário para o financiamento de campanhas eleitorais de mulheres. Agora, pela nova regra, os partidos deverão destinar um mínimo de 30% dos recursos do Fundo às candidaturas femininas. É um começo.

Por fim, vale lembrar a frase da política americana Madeleine Albright: “Desenvolvimento sem democracia é improvável. Democracia sem mulheres é impossível.”


Murillo de Aragão: Conflito sem fim

O Brasil vive tempos de conflitos generalizados. E, por serem generalizados, temos que identificar quem está na briga. São muitos os protagonistas. Tamanha heterogeneidade guarda alguma relação com a Guerra da Síria, onde entram rebeldes, governo, turcos, americanos, iraquianos, iranianos, israelenses, sauditas, jordanianos, curdos, além dos remanescentes do Estado Islâmico e da Al-Qaeda.

No Brasil, a Operação Lava Jato colocou o País em estado de guerra. De um lado, estão setores relevantes do Judiciário, do Ministério Público e da imprensa.

De outro, as empresas investigadas. Mas, em sendo um conflito de muitos lados, há ainda o lado dos políticos. Talvez fosse simples colocar apenas três lados na questão. Mas não podemos. Isso porque cada setor relevante conta com subfacções que atuam de forma independente. Assim, parte do Judiciário combate o ativismo que vem da República de Curitiba, assim como parte minoritária da imprensa reconhece e condena os excessos do ativismo judicial.

Na política, apesar de os grandes partidos estarem envolvidos nas investigações, as diferenças e as disputas entre eles impedem um acordo que possa colocá-los no mesmo time para confrontar o avanço da criminalização da política. Então é cada um por si. O empresariado que naufragou nas investigações nunca buscou uma atuação institucional para que suas empresas possam — desde que pagando o devido — voltar à atividade. É um empresariado ajoelhado ao sabor dos acontecimentos, sem narrativa e sem poder de reação institucional.

Na burocracia, o sistema U (CGU, AGU e TCU) quer impor sanções personalizadas e crescentes que ameaçam inviabilizar o futuro das já enfraquecidas empresas. O sistema U se esquece dos quase 300 mil empregos perdidos. CGU, AGU e TCU deveriam trabalhar para que as empresas voltem logo a gerar divisas e empregos.

Assim, ao olharmos o panorama da guerra institucional instalada no País, vemos o predomínio das agendas de interesses específicos — ideológicos, corporativistas e/ou financeiros.

E a ausência de uma visão sistêmica. Enquanto isso, a política continua sendo criminalizada. Com e sem razão, as empresas investigadas permanecem sem condições de retornar à normalidade. Os políticos se mantêm reféns da judicialização. E o Judiciário segue fragilizado por seu conceito de ativismo.

Em prevalecendo tais condições, a guerra não deve acabar tão cedo.


Murillo de Aragão: O problema é nosso

Imaginem se fôssemos vizinhos da China, da Rússia, da Síria ou da Coreia do Norte? Imaginem se fôssemos palco de lutas religiosas entre sunitas e xiitas?

Basta alguns dias fora do Brasil para notar o tamanho dos nossos problemas. Basicamente, bem menores do que parecem e fruto de um imenso desamor pelo País. Em especial, por parte dos políticos e das elites, responsáveis por nosso sucesso meia-boca, pela demora em produzir resultados e por permitir que imensas corporações se apoderarem do Brasil. Traficantes e milícias controlam as favelas. Burocratas controlam a administração pública. Políticos controlam as verbas. Jornalistas controlam narrativas enviesadas. A universidade foi capturada por corporativistas de uma esquerda arcaica.

A cidadania sofre e nem sabe direito por quê. Sabe apenas que está ruim e, se pudesse, se mandava daqui. No final das contas, Thomas Hobbes está certo. O homem é o lobo do homem e o que o homem quer é paz e sossego para obter e desfrutar os ornamentos da vida. No Brasil não há nem paz nem sossego. Salvo se você pagar taxas extras de segurança. Os riscos vão desde os riscos físicos até os jurídicos e burocráticos – o velho conhecido “risco Brasil”. O Brasil é um risco e a agenda política e midiática está toda errada, já que ela não trabalha a favor da cidadania visando a minimizar os riscos. Trabalha em favor de projetos de poder que misturam ideologia, corporativismo, fisiologia e clientelismo.

As eleições de 2018 não devem resolver tais problemas. Continuaremos a ter ilhas de excelência em meio a um mar de mediocridade. Elas hoje não estão nem na política nem na imprensa, setores críticos para que um país seja livre, forte e democrático. A política, como disse, está capturada por projetos de poder. A imprensa, em parte expressiva, padece de um esquerdismo infantilóide em sua memória residente que corre atrás de um sonho juvenil. Para se salvar do tsunami das redes sociais, tende a ficar mais sensacionalista e superficial e, lamentavelmente, menos relevante.

Por que, no final das contas, digo que nossos problemas são menores do que parecem? Em primeiro lugar, porque são nossos problemas não estão submetidos a condições externas. Em segundo lugar, porque existem ilhas de excelência no País que podem contaminar positivamente os demais setores. Em terceiro lugar, porque somos um povo resiliente e trabalhador. Por fim, porque Deus é brasileiro e nos colocou ao lado dos argentinos e venezuelanos. Imaginem se fôssemos vizinhos da China, da Rússia, da Síria ou da Coreia do Norte? Imaginem se fôssemos palco de lutas religiosas entre sunitas e xiitas? Ou se tivéssemos encravados em nós uma disputa milenar entre judeus e muçulmanos? Os problemas estão postos e são nossos. Apenas nossos. Já é bem mais do que a metade do caminho.